A CONDIÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO CELEBRADO SEM A ASSINATURA DE TESTEMUNHAS  

23/03/2021

É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o rol de títulos executivos extrajudiciais previstos, em “numerus clausus”, no artigo 784 do Código de Processo Civil, deve ser interpretado restritivamente. É o que se constata na análise do Recurso Especial n. 1.495.920 – DF[1], no qual o Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino elucida que “somente é título executivo extrajudicial aquele documentado ao qual lei confira, de maneira aberta ou fechada, essa qualidade (princípio da taxatividade e da tipicidade)”.

Entretanto, em razão da nova realidade econômica observada, fundamentalmente, em função do exponencial aumento de negócios jurídicos realizados via internet, criou-se a possibilidade excepcional de reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos.

Ocorre que nem o Código Civil de 2002, nem o Código de Processo Civil de 2015 se demonstraram aptos para atender à atual realidade negocial e, principalmente, à revolução tecnológica verificada nos modernos meios de celebração de negócios jurídicos virtuais, substituindo-se o uso exclusivo do papel pelo meio eletrônico.

Além disso, diante da omissão do ordenamento jurídico, compreende-se que ao contrato eletrônico aplicam-se os mesmos requisitos de admissibilidade exigidos na celebração do contrato tradicional, isto é, que o documento particular esteja assinado pelo devedor e por duas testemunhas (CPC, artigo 784, III).

A única distinção, portanto, é o meio utilizado para a celebração negocial. Enquanto os contratos tradicionais são efetivados em meios físicos, como papel, os contratos eletrônicos possuem como essência a celebração via internet, com redes e programas eletrônicos como suporte de comunicação para a sua execução.

Importante salientar que em âmbito internacional a United Nations Commission On International Trade Law (UNCITRAL) publicou a “Lei modelo da UNCITRAL sobre comércio eletrônico”, dispondo em seu artigo 11, ao tratar sobre a formação e validade dos contratos, que “não se negará validade ou eficácia a um contrato pela simples razão de que se utilizaram mensagens eletrônicas para a sua formação”. Ademais, quanto à assinatura, define que esta considerar-se-á preenchida por uma mensagem eletrônica quando “for utilizado algum método para identificar a pessoa e indicar sua aprovação para a informação contida na mensagem eletrônica”. Logo, nota-se a aplicação do princípio da equivalência funcional, reconhecendo que o suporte eletrônico possui as mesmas funções que o papel.

Nesse cenário, surgem novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, tornando possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. Nessa premissa, a assinatura digital de contrato eletrônico tem a finalidade de certificar, mediante a confirmação de um terceiro (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura digital privada a utilizara e, dessa forma, garante-se a autenticidade para firmar o documento eletrônico e a garantia de que os dados do documento assinado estão protegidos pelo sigilo.

Diante disso, tais sistemas de chaves públicas, intermediados por autoridade competente na forma da lei, assim como a utilização concomitante de sistemas similares de autenticação e proteção, supririam o papel das testemunhas em contratos tradicionais, devendo, no entanto, ser analisado a função desempenhada pelas referidas funcionalidades.

Nessa premissa, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que:

“A assinatura digital realizada no instrumento contratual eletrônico chave pública (padrão de criptografia assimétrico) tem a vocação de certificar – através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora) – que determinado usuário de certa assinatura digital privada a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmo os dados do documento assinado que estão a ser enviados”[2]

Assim, frente ao atual cenário econômico, a jurisprudência tem compreendido o caráter excepcional de se reconhecer a executividade dos contratos eletrônicos. No mais, mesmo perante a falta de assinatura de testemunhas, em razão destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, o Poder Judiciário tem considerado ser possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos.

 

Notas e Referências

[1] STJ – REsp: 1495920 DF 2014/0295300-9, Relator: Ministro: Paulo de Tarso Sanseverino, Data de Julgamento: 15/05/2018, 3ª Turma, Data de Publicação: DJe 07/06/2018).

[2] Ibidem.

 

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