A complexidade dos bens ambientais e sua determinabilidade a partir da função socioambiental da propriedade – Por Mauricio Mota

26/04/2017

A questão da compensação ambiental quando da implantação de empreendimento causador de significativo impacto ambiental e de sua disciplina jurídica passa necessariamente por uma discussão acerca da natureza dos bens ambientais. Há que se distinguir coisa e bem. A coisa é uma individualização factual dos objetos da realidade, constituindo-se o elemento material do conceito jurídico de bem. O bem é a coisa em sua consideração pelo ordenamento jurídico, ou seja, é o bem da vida que, objeto de um interesse humano, é submetido a uma tutela do direito que conforma uma situação jurídica, identificando um titular para assegurá-la. Dessa maneira, o direito só leva em conta as coisas após serem objeto de uma apropriação, isto é, de adquirirem uma titularidade jurídica. Antes disso, a coisa é considerada como coisa sem dono – res nullius – que não pertence a quem quer que seja, mas acha-se à disposição do primeiro que a tomar. Assim, a caça solta ou o peixe na água são apropriados por aquele que os abate ou pesca, tornando-se, então, objeto de relação jurídica, cujo sujeito é o caçador ou pescador que a uma ou outro conquistou[1]. Antes disso, estes bens não possuem um titular, sendo patrimoniais somente em potência. Eles se tornarão um direito a partir do momento em que uma pessoa puder exercer sobre eles direitos de propriedade.

No que diz respeito ao histórico da classificação dos bens ambientais no direito brasileiro, os bens ambientais ora são considerados como res nullius – coisa sem dono, passíveis de livre apropriação –, ora como res communes – bens de uso comum do povo, gratuito ou retribuído, conforme a sua escassez. Em ambos os casos, a apropriação subjetivista e patrimonial não oferece um regime adequado de proteção.

O Foral e Doação da Capitania de Pernambuco a Duarte Coelho, de 24 de setembro de 1534, estabelecia que a capitania constituía-se em 60 léguas de costa, começando no Rio São Francisco e acabando no Rio Santa Cruz, sem fixação de limites terra a dentro. O donatário possuiria para si e seus herdeiros 10 léguas de terra, devendo as outras terras ser distribuídas em sesmarias a qualquer pessoa que fosse cristã, sem foro nem direito algum, exceto o dízimo devido à Ordem do Mestrado de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Coroa reservava para si o domínio pleno de todas as minas de metais e pedras preciosas, bem como do pau-brasil e especiarias, cujo comércio por particulares é proibido a duras penas:

Dom João etc. A quantos esta minha carta virem faço saber que eu fiz ora doação (...) é conteúdo e declarado na carta de doação que da dita terra lhe tenho passada, e por ser muito necessário haver aí foral dos direitos, foros e tributos e coisas, que se na dita terra hão de pagar, assim do que a mim e à coroa de meus reinos pertencerem, como do que pertencerem ao dito capitão, por bem da dita sua doação, eu havendo respeito à qualidade da dita terra e a se ora novamente ir morar, povoar e aproveitar, e porque se nisto melhor e mais cedo faço, sentindo assim por serviço de Deus e meu e bem do dito capitão e moradores da dita terra, e por folgar de lhes fazer mercê, houve por bem de mandar ordenar e fazer o dito foral na forma e maneira seguinte 

Item primeiramente, o Capitão da dita capitania e seus sucessores, darão e repartirão todas as terras dela de sesmaria, a quaisquer pessoas de qualquer qualidade e condições que sejam, contanto que sejam cristãos, livremente sem foro nem direito algum, somente o dízimo, que serão obrigados a pagar à Ordem de mestrado de nosso Senhor Jesus Cristo (..) 

Item o pau do brasil da dita Capitania, e assim qualquer especiaria ou drogaria de qualquer qualidade que seja, que nela houver, pertencerá a mim, e será tudo sempre meu e de meus sucessores, sem o dito Capitão, nem outra alguma pessoa poder tratar nas ditas cousas, nem em alguma delas, lá na terra, nem as poderão vender nem tirar para meus Reinos ou senhorios, nem para fora deles, sob pena de quem o contrário fizer perder, por isso, toda a sua fazenda para a Coroa do Reino, e ser degredado para a Ilha de São Tomé, para sempre[2].

O Regimento do Pau Brasil, de 12 de dezembro de 1605, determinava que o pau-brasil, empregado em tinturaria, seria propriedade da Coroa e que para cortá-lo era necessária ordem do Provedor-Mor da Fazenda, que só a concederia à pessoa idônea que não o descaminhasse. O corte não poderia exceder o permitido e, se o excedesse em dez quintais, daria lugar à multa de cem cruzados; em cinquenta quintais, a açoite e degredo; e, em cem quintais, à pena de morte e de perda de toda a fazenda:

Parágrafo 1'. Primeiramente Hei por bem, e Mando, que nenhuma pessoa possa cortar, nem mandar cortar o dito páo brasil, por si, ou seus escravos ou Feitores seus, sem expressa licença, ou escrito do Provedor mór de Minha Fazenda, de cada uma das Capitanias, em cujo destricto estiver a mata, em que se houver de cortar; e o que o contrário fizer encorrerá em pena de morte e confiscação de toda sua fazenda.

Parágrafo 2'. O dito Provedor Mór para dar a tal licença tomará informações da qualidade da pessoa, que lha pede, e se delia ha alguma suspeita, que o desencaminhará, ou furtará ou dará a quem o haja de fazer. Parágrafo 4'. E toda a pessoa, que tomar mais quantidade de páo de que lhe fôr dada licença, além de o perder para Minha Fazenda, se o mais que cortar passar de dez quintaes, incorrerá em pena de cem cruzados, e se passar de cincoenta quintaes, sendo peão, será açoutado, e degradado por des annos para Angola, e passando de cem quintaes morrerá por elle, e perderá toda sua fazenda.[3]

O Código Civil de 1916 considera duas classes de bens: os bens privados (primordiais) e os bens públicos (residuais). A natureza, nesse Código, é concebida, via de regra, como uma totalidade que não se encerra nessas categorias e é considerada coisa de ninguém[4]. Na tradição do direito brasileiro, dispunha o Código Civil de 1916, em seus arts. 65 e 66, que a res nullius não consistia em propriedade de ninguém, mas, por direito público, seria objeto de direito de uso do povo. Daí a tendência errônea em se conceber a ocupação como exercício de direito (público) a adquirir a propriedade[5]. A tradição reinícola, da qual derivou o Foral de Duarte Coelho, se manteve nesse Código de acentuado viés subjetivo e privatista, e veio a legitimar a ocupação dos bens ambientais em tudo aquilo que não contrariasse os interesses do Estado.

O bem ambiental poderia ainda, nesse Código, ser considerado, enquanto macrobem (como totalidade e não recurso natural), como bem público de uso comum do povo. É o que dispunha o art. 66, I, do Código Civil, ao prever que são bens públicos de uso comum do povo os mares, rios, estradas, ruas e praças. Segundo o art. 66, I, portanto, o titular do meio ambiente era o povo[6]. Tal disciplina não se alterou substancialmente no direito civil com o advento do Código Civil de 2002, que manteve substancialmente os mesmos dispositivos, em seus arts. 98 e 99.

A concepção de alguns bens ambientais como res nullius favoreceu a sua degradação. Imaginava-se a natureza como uma fonte inesgotável de bens (Foral de Duarte Coelho, “por bem da dita doação ir morar, povoar e aproveitar”) e os recursos naturais como livremente apropriáveis, sem que fosse preciso prestar contas a ninguém: aquele que primeiro se apossasse, assenhorear-se-ia das coisas. Tal regime não oferecia nenhuma garantia de proteção e, não tendo os recursos naturais um preço, suas comodidades eram usufruídas privadamente por aqueles que dispunham de mais recursos, sendo os excedentes descartados na natureza – o que onerava a coletividade –, também sem quaisquer custos.

O status de res nullius opera, assim, como um indutor econômico à exploração predatória da natureza. O historiador e brasilianista norte-americano Warren Dean, em seu clássico livro “A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira”[7], discorre, nos 15 capítulos que compõem sua obra, sobre a história das relações entre o homem e um dos mais importantes ecossistemas mundiais, a Mata Atlântica. Sua avaliação, realizada através de um estudo pioneiro, perpassa as várias fases da interferência humana sobre esse ecossistema único, apontando as trágicas, e muitas vezes irreversíveis, conseqüências do processo. Tal panorama, conforme mostra o autor, só começou a se modificar recentemente, com o movimento universal de conscientização ecológica, que tem induzido à criação de legislação de proteção e programas de reflorestamento, educação ambiental e manejo da floresta. A continuada devastação do bioma Mata Atlântica acabou por reduzir sua constituição original a menos de 10% da área coberta originalmente, o que, independentemente de perdas relativas à sua fitofisionomia e diversidade zoológica, provocou também severas alterações climáticas e pedológicas, notadamente na região nordestina.

A efetiva proteção dos bens ambientais também não se configurou com precisão pelo fato de outros bens ambientais terem assumido, desde logo no direito brasileiro, uma estrutura publicística. Como visto no Foral de Duarte Coelho e no Regimento do Pau Brasil, o regime de proteção maior e valoração dos bens ambientais decorrente da dominialidade pública como bens de uso comum do povo destinou-se a facilitar uma maior e mais efetiva exploração econômica por parte da Coroa, degradando, igualmente, a natureza. Como se nota, a patrimonialização (pública) carrega consigo paradoxos. Com ela se combate a apropriação desmedida dos recursos ambientais, mas somente na medida em que houver um controle social da implementação da gestão desses recursos naturais, uma vez que, do contrário, o Estado pode privilegiar a concentração de riquezas e impedir o acesso da população aos recursos ambientais[8].

Melhor sorte não tiveram os animais silvestres, também considerados como bens públicos, sendo proibida, no entanto, a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha (Lei n.º 5.197/67, art. 1º). Ainda assim, mais de 218 espécies de animais silvestres já se encontram na lista dos animais em extinção e pelo menos 7 dessas espécies são consideradas extintas, não sendo registrada sua presença nos últimos 50 anos. As principais causas da redução de espécies são a destruição de habitat naturais por corte de vegetação, a ocupação humana e a exploração econômica, seguidas do tráfico de animais silvestres. Calcula-se que cerca de 12 milhões de animais são retirados anualmente do país de forma ilegal, através do tráfico. A caça também é um dos fatores que exercem grandes impactos na fauna silvestre. Os animais, embora qualificados como propriedade do Estado, são apreendidos e utilizados, sem que o Estado atue com eficiência na tutela desse patrimônio.

A partir dos anos 80 do século XX, contudo, esse quadro patrimonialista e privatista assume uma configuração substancialmente diversa. A Constituição da República de 1988, em seu art. 225, qualifica o meio ambiente como um bem de uso comum do povo, um macrobem[9], ao disciplinar que: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O artigo 2º, I, da Lei n.º 6.938/81, atribui ao meio ambiente a qualidade de patrimônio público, ressaltando a sua dominialidade como pertencendo à sociedade e não aos indivíduos ou às pessoas de direito público interno, ou seja, como um bem público de uso comum.

No que tange à moderna configuração de bem ambiental esse novo desenho institucional é pleno de consequências jurídicas. O bem ambiental pode ser conceituado agora como um direito difuso, de natureza pública e imaterial, que todos detêm em comum, inapropriável em termos de fruição individualizada, envolvendo uma relação de equilíbrio complexa, transtemporal (para as presentes e futuras gerações), cuja defesa é aberta à titularidade de toda a coletividade. A noção de ambiente é, assim, unitária e geral, e requer proteção jurídica, dado que sua conservação se considera fundamental para o desenvolvimento da pessoa.

Isso implica, inicialmente, uma superação do modelo de pensar hobbesiano – que é o nosso, de compreender a realidade a partir do sujeito –, que decompõe o sistema social numa perspectiva individualista e esquemática para, só então, reconstruí-lo a partir dos seus supostos elementos fundantes[10]. O pensamento dessa nova realidade do bem ambiental não pode deixar de ser um pensamento da complexidade, holístico, totalizante, atento a um esforço de compreensão multidimensional e de complexas interações. Há que se ultrapassar os princípios da física social hobbesiana (ordem, clareza, distinção e disjunção) – que constituem a ciência da simplificação e cujo paradigma domina o Ocidente. Em outras palavras, há que se superar a oposição entre homem e natureza, a disjunção entre sujeito e objeto, entre espírito e matéria[11].

A compreensão de complexas interações implica que se situe o foco da análise jurídica na totalidade, na interrelação entre o sistema interno (o direito) e o complexo ecossistema da relação homem/natureza/sociedade. Menezes Cordeiro, na introdução à obra de Canaris, ressalta essa correlação entre o subsistema jurídico e a totalidade, impondo modificações necessárias:

O Direito - qualquer Direito - depende de uma aprendizagem, sofrida pelos membros da comunidade jurídica; tal como a própria Moral, há sempre um ministrar de códigos de conduta, do qual depende a subsistência e a reprodução dos dados normativos.

Numa sociedade primitiva, de estruturação normativa simplificada, essa aprendizagem poderia ser ministrada de modo empírico, isto é, fazendo corresponder, em termos descritivos, às situações típicas da vida, determinadas consequências jurídicas. Atingido, porém, um determinado patamar de desenvolvimento social, a aprendizagem requer reduções dogmáticas, isto é, generalizações simplificadas que facultem a transmissão de conhecimentos crescentemente complexos. O fenômeno é perceptível, com clareza, no próprio Direito romano. O sistema externo, antes dispensável, adquire, em tais condições, um relevo crescente: só o seu manuseamento permite conhecer as conexões materiais internas do Direito. E deve-se ter presente que tais conexões, a serem desconhecidas, não integram a cultura nem são Direito.

O sistema externo torna-se necessário e imprescindível. E quando isso suceda, ele vai bulir, de modo fatal e compreensível, com o próprio sistema interno. O universo das realidades jurídicas, nas suas previsões e nas suas consequências é, pela natureza cultural, logo espiritual ou imaterial, do Direito, um conjunto de possibilidades linguisticamente descritas, relativizadas mesmo à própria linguagem utilizada. As cadeias linguísticas - mesmo quando não passem por estruturas materiais - vêm, afinal, a consubstanciar as conexões propriamente jurídicas: estas dependem daquelas, no seu conhecimento como na sua própria onticidade.

A ordenação exterior, imprimida à realidade jurídica com puras preocupações de estudo e aprendizagem, vai moldar, em maior ou menor grau, seja as próprias proposições jurídicas, seja o pensamento geral de que vai depender a sua concretização ulterior[12].

Somente assim é possível integrar ao direito os problemas da qualidade de vida (e de sua partição justa), dos limites do crescimento (como crescer sem prejudicar a todos) da reconsideração da ideia de progresso, das hipercentralizações e das hiperconcentrações (megalópoles, gigantismo industrial, hipercentralização do Estado). Por exemplo, no que concerne à questão do desenvolvimento, é necessário basear a análise do desenvolvimento sustentável numa atitude diferente em relação ao tempo histórico. Não se pode mais supor que este seja juridicamente sem validade, visto que hoje se consideram os direitos da presente e futuras gerações. A temporalidade humana deverá ser congruente com a temporalidade da biosfera e a temporalidade ética. Haverá que se fazer a correlação entre a incerteza ambiental e escolhas sociais[13], decidir-se a partição do justo.

Entramos, assim, em outro campo do direito quando falamos de bens ambientais: aquele que compreende o direito não como uma função de um poder do sujeito, mas o que o percebe como uma partição social, como a justa medida dos bens que existem para serem distribuídos, segundo o melhor processo heurístico para fazê-lo.

O direito é, nessa perspectiva, um objeto exterior ao homem, uma coisa. Trata-se da mesma coisa justa (ipsa iusta res) que constitui o término do atuar justo de uma pessoa, a finalidade da virtude da justiça. A conduta justa do homem justo (dikaios) é a justiça em mim, subjetiva, enquanto o direito (dikaion) é a justiça fora de mim, no real, a mesma coisa justa, objetiva. O direito está, assim, fora do homem, in re, nas coisas justas, de acordo com uma determinada proporção, o justo meio objetivo.

Deve-se acrescentar também ao to dikaion o justo meio (meson). O justo meio é o que exige maior esforço. É mais fácil deixar completamente de beber do que ficar na medida justa. O justo meio não é uma baixa, mas um pico, o mais difícil de atingir, entre dois lados. A virtude da justiça está no justo meio: se sou justo é porque eu não sou nem muito ávido por aumentar minha parte, nem muito desleixado para não fazer valerem meus direitos. O direito é, pois, um "meio", um justo meio objetivo, nas coisas, in re.

O direito, assim pensado, não é rigorosamente individual, não supõe para o indivíduo somente um ativo, apenas vantagens; o direito de uma pessoa, isso que lhe deve ser dado, aquilo que ela merece, não é "subjetivo", não se refere somente a um indivíduo, mas implica necessariamente uma relação entre indivíduos. É o resultado de uma repartição. O direito é apenas um atributo da pessoa, não é exclusivamente seu na medida em que é primordialmente o bem de outrem.

Consoante esses aspectos, é possível se estabelecer as características dessa categoria sui generis de bem, o bem ambiental.

O meio ambiente é uma totalidade, nesse sentido se constitui, como vimos, num macrobem. Sua natureza é a de uma coisa comum a todos (communium ominium). Os bens ambientais[14] (“microbens”) como elementos que constituem o meio ambiente (macrobem), possuem a mesma natureza pública de uso comum (communes omnium). Logo, a dupla afiliação vai dar ensejo a um regime de responsabilidade igualmente duplo. Uma ação degradadora está provocando danos ao mesmo tempo ao macrobem e ao microbem, e a reparação deve ser de tal magnitude que possibilite a recuperação da res (ou das res) afetada individualmente e também do meio ambiente[15].

O meio ambiente é indisponível, ele não pode ser negociado. Sendo res omnium, não está na titularidade do Poder Público poder dispor dele. Deve-se ter, contudo, cuidado ao expressar essa característica. Sendo algo próprio ao interesse de todos, é claro que deverá atender a todos. Um número muito maior de indivíduos habitando a biosfera significará um novo nível de equilíbrio ambiental, por vezes, menor do que existia anteriormente.

Neste sentido, pressupor uma ordem de natureza significa dizer que o tempo é uma dimensão crítica das formas de reparação. Por isso, sendo a humanidade parte integrante da natureza, estando submetida às mesmas leis ecológicas de outras espécies, o que cabe preservar, para a sobrevivência e frutificação da espécie, é a manutenção dos grandes equilíbrios naturais e não de quaisquer espécies ou mesmo de certos ecossistemas. Do mesmo modo, o horizonte temporal limita a linguagem daquilo que podemos considerar direito. Só pode ser inferida uma compensação naquilo que expresse um horizonte geracional previsível e necessário. Não se pode impor custos a uma sociedade por aqueles que sequer estão em uma perspectiva temporal exequível.

Outro aspecto relevante é a indivisibilidade e a não exclusão dos benefícios: o bem ambiental não pode ser dividido entre aqueles que o utilizam, não podendo ocorrer sua apropriação privada, devido ao caráter difuso da titularidade. Todos os indivíduos têm direito ao meio ambiente, até mesmo as gerações futuras[16].

Assim sendo, a complexidade do conceito de bem ambiental, seu caráter holístico, irão suscitar novas soluções de direito. Superado o entendimento do meio ambiente como res nullius e revelada a insuficiência da simples patrimonialização pública sem controle de gestão dos usos do bem ambiental, cabe agora repensá-lo a partir de seu escopo, de sua função, protegendo-o em vista de suas finalidades.

Estabelecidas essas categorias, estamos em condições de definir o que seja a função socioambiental da propriedade e como, a partir dela, podemos pensar a questão da compensação ambiental.

A palavra função, em Direito, tem sido usada em mais de um sentido. No entanto, há para ela uma acepção própria, um sentido nuclear, que, mais que outros, merece ser explorado. Existe função, em Direito, quando alguém dispõe de um poder à conta de um dever, para satisfazer o interesse de outrem, isto é, um interesse alheio[17]. Assim, função é toda atividade (como conjunto de atos finalisticamente orientados) exercida no interesse geral ou no interesse alheio.

Como vimos, uma propriedade é legítima se está em conformidade com os limites impostos pelo bem comum, pela destinação universal, sempre anterior a qualquer uso particular. Deste modo, a função social existe, primeiramente, nos bens objeto do direito de propriedade, para depois se ver destacada e atingida plenamente com o exercício do direito de propriedade sobre eles, conforme o estatuto proprietário reconheça ou não a função social deste direito:

A terra é, reconhecidamente, bem de produção; e o que a terra produz ou pode produzir está intimamente ligado à sobrevivência dos seres. A obrigação de fazê-lo e o modo de atingir este desiderato estão na base do campo de atuação do Direito Agrário e, consequentemente, no fenômeno agrário.

Começa-se com a denominada função social da terra, por alguns equivocadamente denominada função social da propriedade, em Direito Agrário, trocando o continente pelo conteúdo, pois a função social da terra é o gênero, do qual a função social da propriedade é espécie, como o são também a função social da posse, a função social dos contratos etc.[18]

Cada coisa que existe na natureza tem uma função natural. A solução jurídica de um caso concreto deve, normalmente, ser obtida através do recurso conjunto a estas duas fontes, que não são consideradas opostas, mas complementares: por um lado o estudo da natureza e, num segundo momento, a precisa determinação do legislador ou do juiz. A função de cada bem expressa a ordem das tendências ou inclinações naturais aos fins próprios do ser humano, aquela ordem que é própria do homem enquanto pessoa. A terra visa a garantir ao homem um espaço vital digno e suficiente para a vida pessoal e social. A noção de função de um bem significa assim um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. Como explica Teori Zavascki:

Por função social da propriedade há de se entender o princípio que diz respeito à utilização dos bens, e não à sua titularidade jurídica, a significar que sua força normativa ocorre independentemente da específica consideração de quem detenha o título jurídico de proprietário. Os bens, no seu sentido mais amplo, as propriedades, genericamente consideradas, é que estão submetidas a uma destinação social, e não o direito de propriedade em si mesmo. Bens, propriedades são fenômenos da realidade. Direito – e, portanto, direito da propriedade – é fenômeno do mundo dos pensamentos. Utilizar bens, ou não utilizá-los, dar-lhes ou não uma destinação que atenda aos interesses sociais, representa atuar no plano real, e não no campo puramente jurídico. A função social da propriedade (que seria melhor entendida no plural, ‘função social das propriedades’), realiza-se ou não, mediante atos concretos, de parte de quem efetivamente tem a disponibilidade física dos bens, ou seja, do possuidor, assim considerado no mais amplo sentido, seja ele titular do direito de propriedade ou não, seja ele detentor ou não de título jurídico a justificar sua posse[19].

O direito de propriedade não é um absoluto formal, mas só se justifica se a ele é dado um uso social e na medida dessa justificação. Assim, o cumprimento da função social da propriedade consubstancia um requisito preliminar, uma causa para o deferimento da tutela da propriedade. Trata-se da própria razão pela qual o direito de propriedade é atribuído a um determinado sujeito:

A funcionalização da propriedade é introdução de um critério de valoração da própria titularidade, que passa a exigir atuações positivas de seu titular, a fim de adequar-se à tarefa que dele se espera na sociedade. (...) Pode-se dizer, com apoio na doutrina mais atenta, que a função social parece capaz de moldar o estatuto proprietário em sua essência, constituindo ‘il titolo giustificativo, la causa dell´attribuzione’ dos poderes do titular, ou seja ‘il fondamento dell´attribuzione, essendo divenuto determinare, per la considerazione legislativa, il collegamento della posizione del singolo con la sua appartenenza ad um organismo sociale[20].

Deste modo, o proprietário do bem socioambiental, ou seja, daquele bem essencial para a manutenção da vida das espécies, fica obrigado a um comportamento ativo, que envolve defender, reparar e preservar o meio ambiente[21]. O proprietário não pode exercer o seu direito de forma contrária aos interesses da presente e das futuras gerações, causando danos à qualidade de vida e consequentemente ao próprio direito fundamental à vida[22].

A função socioambiental da propriedade está claramente contemplada nos arts. 225 e 170 da Constituição Federal. Consoante o art. 225, CF, todo bem considerado essencial para a manutenção da qualidade de vida deve ser especialmente preservado, exigindo-se do seu proprietário, medidas positivas e negativas para tanto, consubstanciando-se, assim, a função socioambiental da propriedade. Da mesma maneira, conforme o art. 170, CF, o uso da propriedade para finalidades econômicas deve se harmonizar com a preservação da utilização racional dos recursos ambientais:

Função social e proteção ambiental passam a integrar o próprio conteúdo do direito de propriedade. O uso da propriedade no desenvolvimento de atividades econômicas deverá, além de atender às necessidades particulares do proprietário, coadunar-se aos interesses da sociedade e harmonizar-se com a preservação dos recursos ambientais nela existentes. O direito à livre iniciativa da atividade econômica é limitado no interesse da coletividade e da utilização racional dos recursos ambientais[23]. 

É preciso conciliar, no exercício do direito de propriedade, vantagens individuais do proprietário e benefícios sociais e ambientais, a fim de e que tal direito receba proteção constitucional. Conforme expõe DERANI `a produção privada de riqueza não pode estar no Estado brasileiro dissociada do proveito coletivo`. Esta condição decorre justamente do disposto no citado artigo 170.

Dessa forma, provê-se a uma justa distribuição de benefícios e encargos a partir do momento em que indivíduo e sociedade desfrutam das vantagens advindas da atividade econômica, entenda-se do uso da propriedade, ao mesmo tempo em que os encargos decorrentes do gozo dos benefícios sociais são distribuídos igualmente entre todos.

Dentre tais encargos estão as limitações à propriedade privada decorrentes do cumprimento de sua função social e do atendimento o princípio de defesa do meio ambiente. Essa noção coaduna-se à ideia de justiça social, citada no caput do art. 170, visto que RALWS, ao referir-se aos princípios da justiça social, afirma que `eles proverão a determinação de direitos e deveres das instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social`[24].

Considerando-se, portanto, a função socioambiental da propriedade, e correlacionando-a com o instituto da compensação ambiental, verifica-se que o direito de propriedade deverá ser exercido em função do direito de toda a coletividade a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este só merecerá tutela jurídica enquanto funcionalizar esse direito difuso de todos. Assim, se o exercício do direito de propriedade, através da construção de um grande empreendimento, causa um significativo impacto ambiental, tornando mais escassa a fruição do meio ambiente pela coletividade presente e pelas gerações futuras, exsurge para o proprietário o dever de compensação.

A compensação ambiental não decorre da contrariedade absoluta à norma jurídica ambiental peremptória, quando então poderíamos falar em ato ilícito stricto sensu e responsabilidade civil, mas sim da desconformidade para com o fim econômico-social para o qual o direito de propriedade foi instituído.

Como os direitos têm custos, como estes custos fazem parte do conteúdo do direito, e como a propriedade é uma função socioambiental, correlacionada e funcionalizada ao direito difuso de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve-se valorar o custo desse direito difuso, atingido pelo uso desmesurado de um em detrimento dos outros (impacto ambiental) e compensá-lo devidamente. A fundamentação dessa decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deixa ver o entendimento de que a perda da qualidade de vida pela coletividade tem valor e deve ser ressarcida:

Uma coisa é o dano material consistente na poda de árvores e na retirada do sub-bosque cuja reparação foi determinada com o plantio de 2800 árvores. Outra coisa é o dano moral consistente na perda dos valores ambientais pela coletividade.

O dano moral ambiental tem por característica a impossibilidade de mensurar e a impossibilidade de restituição do bem ao estado anterior.

Na hipótese é possível estimar a indenização, pois a reposição das condições ambientais anteriores, ainda que determinado o plantio de árvores, a restauração ecológica só se dará, no mínimo dentro de dez a quinze anos. Conforme atestam os laudos, nesse interregno a degradação ambiental se prolonga com os danos evidentes à coletividade, pela perda de qualidade de vida nesse período.

Os danos ao meio ambiente vêm sendo cada vez mais perpetrados, resultando da insensibilidade dos perpetradores, por isso que devem ser reprimidos a benefício da coletividade.

Assim sendo, de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade norteadoras da fixação do valor, (..) dá-se provimento ao apelo, para condenar o apelado ao pagamento de danos morais ambientais, no equivalente a duzentos salários mínimos nessa data, revertidos em favor do Fundo previsto no artigo 13 da Lei n.º 7.347/85[25].

No Brasil, o atendimento à função socioambiental da propriedade instrumentaliza-se na Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que fixa a Política Nacional do Meio Ambiente e visa a promover, dentre outros objetivos, "à imposição, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos" e "à imposição ao poluidor e ao predador" da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados" (art. 4°, VII). Também o art. 36 da Lei n.º 9.985, de 18 de julho de 2000 (que institui o Sistema Nacional das Unidades de Conservação – SNUC), dispõe no mesmo sentido, com a compensação ambiental.

Consoante a compensação ambiental e o princípio usuário-pagador nela inserido, o utilizador do recurso ou promotor do impacto ambiental deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso ou a compensação do impacto que não puder ser evitado.

A compensação ambiental tem por objetivo fazer com que estes custos não sejam suportados nem pelo Poder Público, nem por terceiros, mas pelo utilizador. De outro lado, o limite da compensação será o custo real do impacto ambiental (as externalidades ambientais negativas), apurado consoante o EPIA/RIMA, podendo esse custo ser compartilhado com o Poder Público quando o empreendimento for também do interesse direto da coletividade.

A compensação ambiental, através do usuário-pagador, não é uma punição, pois mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador poderá ser implementada. Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso, pela sua poluição ou degradação não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações. O órgão que pretenda receber o pagamento deve provar o efetivo uso do recurso ambiental ou a sua degradação/poluição. A existência de autorização administrativa para poluir, segundo as normas de emissão regularmente fixadas, ou a tolerância a algum grau de degradação ambiental em face do benefício do empreendimento, não isenta o poluidor de pagar pela poluição por ele efetuada, nem o degradador de ressarcir a coletividade lesada, consoante o impacto ambiental apurado.

Portanto, a função socioambiental da propriedade, entendida como ínsita ao próprio direito de propriedade, é o fundamento pelo qual é possível se falar em compensação ambiental no bojo do próprio direito difuso de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Concluindo, podemos dizer que o o meio ambiente é uma totalidade e, nesse sentido, se constitui num macrobem, sendo sua natureza é a de uma coisa comum a todos (communium ominium). Desta forma, a complexidade do conceito de bem ambiental, seu caráter holístico, irão suscitar novas soluções de direito. Superado o entendimento do meio ambiente como res nullius e revelada a insuficiência da simples patrimonialização pública sem controle de gestão dos usos do bem ambiental, cabe agora repensá-lo a partir de seu escopo, de sua função, protegendo-o em vista de suas finalidades. Atualmente entende-se que o proprietário do bem socioambiental, ou seja, daquele bem essencial para a manutenção da vida das espécies, fica obrigado a um comportamento ativo, que envolve defender, reparar e preservar o meio ambiente. O proprietário não pode exercer o seu direito de forma contrária aos interesses da presente e das futuras gerações, causando danos à qualidade de vida e consequentemente ao próprio direito fundamental à vida.

A função socioambiental da propriedade está claramente contemplada nos arts. 225 e 170 da Constituição Federal. Correlacionando-a com o instituto da compensação ambiental, verifica-se que o direito de propriedade deverá ser exercido em função do direito de toda a coletividade a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este só merecerá tutela jurídica enquanto funcionalizar esse direito difuso de todos.

A compensação ambiental decorreria, nesse aspecto, da desconformidade para com o fim econômico-social para o qual o direito de propriedade foi instituído. Através da noção de usuário-pagador, a compensação ambiental não se caracteriza, portanto, como uma punição, pois mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador poderá ser implementada. Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso, pela sua poluição ou degradação não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações.

Assim, a função precípua da compensação ambiental não é a reparação dos danos causados, “voltada para o passado”, própria da responsabilidade civil, mas a prevenção de danos grave e, por vezes, irreversíveis, orientada para o futuro. Deve-se entender, destarte, em termos de prevenção, que a compreensão de que os recursos naturais são considerados bens livres e de acesso irrestrito por parte de todos acelera a escalada da degradação do meio ambiente, frente ao processo de utilização abusiva destes recursos. E, um dos fatores que contribuem para a escassez dos bens ambientais é a economia do desperdício, porque não há limitação monetária para a utilização dos recursos naturais e nem um sistema de regeneração dos mesmos. A função preventiva da compensação ambiental visa a alterar esse estado de coisas.


Notas e Referências:

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 255.

[2] Mendonça, Marcos Carneiro de. Raízes da Formação Administrativa do Brasil. Foral de Duarte Coelho. Rio de Janeiro: IHGB/Conselho Federal de Cultura, 1972, tomo I, regimento III-B, p. 125/126.

[3] Mendonça, Marcos Carneiro de. Raízes da Formação Administrativa do Brasil.. Foral de Duarte Coelho. Rio de Janeiro: IHGB/Conselho Federal de Cultura, 1972, tomo I, regimento III-B, p. 361.

[4] SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

[5] FREITAS, Teixeira de. Esboço, art. 327, apud MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo II. Bens. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, 1954, § 150, 1.

[6] FREITAS, Teixeira de. Esboço, nota ao art. 331, in fine, apud MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo II. Bens. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, § 150, 3: “Ordenações Afonsinas, Livro II, Título 24, § 5: ‘Estradas e ruas pruvicas antiguamente usadas, e os rios navegantes e aqueles, de que se fazem os navegantes, se som cabedaaes, que correm continuadamente em todo o tempo, pero que o uso assy das estradas, e ruas pruvicas. como dos rios seja igualmente cõmuu a toda gente, e qualquer outra coisa animada, ficando sempre a propriedade dêles no Patrimonio Fiscal’; Ordenações Manuelinas, Livro II, Titulo 15, ‘Real’ em vez de ‘Fiscal’; Ordenações Filipinas, Livro II, Titulo 26, § 8, ‘Real’, em vez de ‘Fiscal’). Se o mar, ou o ar, ou ser semelhante, não é do território de nenhum Estado, é do Homem, ‘de todo o gênero humano’ (Manuel Borges Carneiro. Direito Civil de Portugal, IV, 3). Se é parte de território estatal, mas inapropriável, pertence ao povo do Estado”.

[7] DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

[8] SILVA, José Robson da. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 65-66.

[9] De acordo com Antônio Herman V. Benjamin, o bem ambiental, enquanto objeto de interesse ambiental, é um “macrobem”, ou seja, gênero amplo, categoria única, global e abstrata que “[...] acolhe uma infinitude de outros bens [...] menos genéricos e mais materiais (microbens): a atmosfera, águas, o solo etc . BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 60.

[10] Um acontecimento que marca a obra de Hobbes é, sem dúvida, em definitivo, o reencontro com a ciência moderna. Primeiramente a descoberta de Euclides: Hobbes intenta seguir Euclides construindo o corpo político como a geometria constrói suas figuras, com a mesma lógica pura.

Depois o contato em Pádua, com Galileu e o método de Pádua: o famoso método denominado "resolutivo-compositivo", que procede pela análise das coisas em elementos primeiros, depois recompõe os fenômenos a partir desses elementos, o mecanismo que percebe a gênese dos fenômenos pelos movimentos de seus particulares. Também Hobbes tem a ambição de transportar esse método da física galileana para a filosofia civil e social (a moral e a política).

Deste modo, só pode ser da unidade primeira, o homem, e sua expressão de agir, o movimento, que se deve inferir a física social. É das necessidades inatas do homem, de seu conatus, do correspectivo instinto de conservação que se deve construir a explicação do arcabouço social.

Para Hobbes o indivíduo é o cerne da sociedade, o direito é concebido como uma função do sujeito (do equilíbrio entre a realização do seu conatus e o seu instinto de conservação) o que o leva a criar a sociedade civil que limite a luta de todos contra todos. Na sociedade civil, se constituirá, finalmente, do direito de cada indivíduo, um sistema de direitos subjetivos.

[11] PENA-VEJA, Alfredo. O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 73.

[12] CANARIS, Claus-Wilhem. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. LXVII/LXIX.

[13] PENA-VEJA, Alfredo. O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 97-98.

[14] Também denominados, nessa acepção de microbens, recursos naturais.

[15] BENATTI, José Helder. O meio ambiente e os bens ambientais. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney. O direito e o desenvolvimento sustentável. São Paulo – Petrópolis: Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005, p. 207.

[16] BENATTI, José Helder. O meio ambiente e os bens ambientais. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney. O direito e o desenvolvimento sustentável. São Paulo – Petrópolis: Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005, p. 207.

[17] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O desvio de poder. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 172, abr.-jun., 1988.

[18] LIMA, Getúlio Targino. A posse agrária sobre bem imóvel, São Paulo: Saraiva, 1992, p.42.

[19] ZAVASCKI, Teori Albino. A tutela da posse na Constituição e no projeto do novo Código Civil. In: MARTINS-COSTA, Judith  (Coord.). A reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 844.

[20] TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Função social da propriedade e legalidade constitucional: anotações à decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (AI 598.360.402 – São Luiz Gonzaga) Revista Direito, Estado e Sociedade. v. 09, n. 17, ago/dez de 2000, p. 48-49.

[21] Verifique-se que a função social é inerente ao bem socioambiental, tanto que, consoante pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a obrigação de conservação ambiental transfere-se com a propriedade do bem, e o novo proprietário passa a responder por ela, ainda que não tenha sido ele o causador do dano ambiental: `BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial nº 217858-PR. Recurso Especial. Alíneas "a" e "c". Propriedade rural. Atividade agropastoril. Reserva legal. Terreno adquirido pelo recorrente já desmatado. Ação civil pública. Legitimidade passiva ad causam do adquirente do imóvel. Existência de ofensa aos arts. 16, alínea “a” e § 2º da Lei n 4.771/65; 3º e 267, IV, DO CPC. Ausência de violação ao art. 535, II, DO CPC. Divergência jurisprudencial não configurada. Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. Aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Na linha do raciocínio acima expendido, confira-se o Recurso Especial n. 343.741/PR, cuja relatoria coube a este signatário, publicado no DJU de 07.10.2002. Recurso especial provido para afastar a ilegitimidade passiva ad causam do requerido e determinar o retorno dos autos à Corte de origem para exame das demais questões envolvidas na demanda. Relator: Ministro Franciulli Netto. Brasília, 03 de novembro de 2003. DJ. 19.12.2003, p. 386. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 20.01.2009.

[22] LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 82.

[23] CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003, p. 67.

[24] CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003, p. 68.

[25] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Segunda Câmara Cível. Apelação Cível n 2001.001.14586. Relatora: Desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo. Acórdão de 06 de março de 2002. Disponível em: <www.tj.rj.gov.br> Acesso em: 20 de janeiro de 2009.

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