A COMPETÊNCIA COMUNICATIVA DO MEDIADOR DE CONFLITOS: FORMAÇÃO ADEQUADA ACIMA DE TUDO, PRINCÍPIOS ÉTICOS ACIMA DE TODOS[1]

06/09/2019

1 – INTRODUÇÃO

Implantado no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), o Estado Democrático de Direito predispõe os direitos do cidadão e deveres do Poder Público. A CF/1988 estabeleceu princípios inovadores[2], definiu compromissos axiológicos da nação e, assegurou direitos fundamentais pautados no princípio da dignidade da pessoa humana realizáveis por meio de políticas públicas.

Para tanto, exigiu-se a elaboração de leis complementares e regulamentos para as práticas do Estado com emergência de revisão dos serviços prestados, o que impulsionou o Poder Judiciário a absorver métodos autocompositivos e humanizados como a Mediação Judicial de Conflitos. A mediação é procedimento técnico e dialógico com interferência de terceiro imparcial e equidistante as pessoas[3], seu manejo deve favorecer que os envolvidos identifiquem suas necessidades e as necessidades do outro para desenvolver tomadas de decisão coerentes para o conflito.

Assim, a presente pesquisa bibliográfica objetivou analisar a competência comunicativa do Mediador Judicial de conflitos e aspectos da formação oferecida pelo Poder Judiciário brasileiro após a promulgação da CF/1988.

 

2 - A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NO PODER JUDICIÁRIO

A mediação foi incorporada, principalmente, nos Estados Unidos da América durante a expansão da chamada Era da Modernidade (década de 1970), período de avanço da globalização. Os primeiros estudos relacionado ao acesso à justiça demonstraram a redução de despesas como um dos benefícios do procedimento [4]. Surgiram, então, teorias – ou “Escolas[5]” – de mediação que construíram metodologias para tratar de conflitos e humanizar processos com validação de sentimentos e anseios das pessoas em conflito. Este teor subjetivo e a preservação dos relacionamentos interpessoais são objetivos finalísticos do método e sobressaem ao conflito em si. Para Lederach (2009, p. 09)[6], o conflito é próprio das relações humanas e “motor” que impulsiona mudanças, assim, requer trato técnico e colaborativo.

No Brasil, a promulgação da CF/1988 exigiu das esferas de poder o estabelecimento de práticas voltadas a assegurar princípios como a liberdade, a igualdade, a resolução pacífica dos conflitos, e, a dignidade da pessoa humana. O Judiciário adequou suas esferas agregando métodos autocompositivos as suas ações. Dentre os métodos utilizados, a mediação de conflitos avançou como projeto de ampliação da cidadania.

Dentre os marcos da mediação no Brasil estão a CF/1988 e a Resolução 125/2010, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou no artigo 1º a Política Pública de resolução de conflitos, assegurando ao cidadão o direito do trato adequado dos conflitos. Mais recentemente, a Lei nº 13.105 de 2015 – Novo Código de Processo Civil (CPC) –, em seu artigo 3º, § 3º atribuiu importância aos métodos de mediação e conciliação. A partir do Novo CPC, juízes, defensores públicos, advogados e promotores devem estimular métodos de consenso, o que impulsionou a mediação no país.

 

3 - A COMPETÊNCIA COMUNICATIVA E A FORMAÇÃO DO MEDIADOR

A especificidade da comunicação como procedimento da mediação fica expresso na Lei 10.105 de 2015, artigo 165, parágrafo 3º, que descreve a preferência da atuação no reestabelecimento comunicacional entre as pessoas envolvidas. Neste sentido, a Lei 13.140 de 2015 dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Esta Lei também regulamentou o uso da mediação em âmbito judicial e extrajudicial, no artigo 2º, ao estabeleceu a oralidade como princípio da mediação; e, no artigo 4º, parágrafo 1º descreve o mediador como “condutor” do processo de comunicação.

O legislador envolveu o CNJ e o Ministério da Justiça na definição dos requisitos obrigatórios a serem cumpridos para a formação em Mediação Judicial. A Emenda nº 2 de 2016 alterou a Resolução 125 e descreveu os conteúdos de formação e a carga horária de 40 horas para teoria e 60 a 100 horas para a prática. Além disso, incluiu no conteúdo programático axiomas da comunicação verbal e não verbal, escuta ativa, comunicação em pautas de interação e no estudo do inter-relacionamento humano.

A comunicação verbal e não verbal também é elemento presente no Manual de Mediação Judicial, elaborado pelo CNJ, que trata sobre “Competências Comunicativas” do mediador e indica que a atuação dialógica influencia “diretamente o resultado do processo autocompositivo[7]”. O Manual ainda exemplifica formas de linguagem conciliatória e linguagem polarizadora, indicando que o mediador deve ser um “modelo de comunicação”. Ressalta-se que os gestos e o conteúdo da “linguagem, mal-empregada, pode afastar as partes cada vez mais de um provável acordo.[8]”. Para Almeida (2013, p. 13)[9] o diálogo é “instrumento que viabiliza a autocomposição e a realização dos princípios da Mediação”, são múltiplas as interferências no surgimento e trato de um conflito, mas, a condução adequada dos instrumentais favorece a ressignificação de experiências e construção de soluções.

Essencial, portanto, que o mediador possua clareza sobre as competências e os mecanismos disponíveis para que as pessoas possam negociar e decidir. O Manual de Mediação Judicial dedica descrições sobre a competência comunicativa distribuída nos demais módulos. Em que pese ele exemplifique formas de tratamento ou perguntas e resumos no conteúdo ministrado, o tratamento dado à linguagem não verbal é superficial. Questões inerentes à posturas e linguagem corporal são mencionadas apenas 4 vezes em todo o Manual, incluindo sua menção no âmbito do “controle do processo”.

 

4 – SIMULAÇÃO VS. COMPETÊNCIA

No que toca o preparo do mediador, experiências de simulações, a exemplo de preprações para vestibular, podem conduzir o aprendizado. Azenha (2016) diz que “quem não faz simulados fica no escuro”. Contudo, ainda que é necessário disgosticar o resultado das simulações, que devem ser um exercício supervisionado. O Manual de Mediação prioriza formação por “competência”, configurada por capacitação teórica com foco na prática, com formação voltada para o fomento de habilidades e competências. Por ela, o mediador se desenvolverá pela aprendizagem teórica “básica”, na experiência diária e “avaliação do público usuário[10]”. Assim, direciona ao público (que pode desconhecer a prática ofertada) a competência de avaliar o mediador como processo de formação dele, e, não para adequação do tratamento, respeito e receptividade do serviço público.

Emerge destes apontamentos, atenção para que o método da mediação não seja manipulado de forma arbitrária. Neste sentido, Nató (2018)[11] alerta sobre a importância do zelo para que a Mediação não resulte em “controle social” ou um “modo de normalizar acciones, las atividades, “los modos” de aquellos que en mayoría – o com mayor poder – imponen un modelo de convivência basado en la restricción de libertades de los otros”. Portanto, é necessário que mediadores possuam clareza sobre a complexidade dos processos e da construção de saberes. Para que sejam, verdadeiramente, distintos do modelo tradicional que inclui julgamento, ordem e obediência a decisão de um terceiro.

 

4 – CONCLUSÃO

O estudo realizado demonstrou que a abordagem teórica sobre a comunicação no Manual de Mediação de Conflitos, pode demonstrar necessidade de complementação face ao que se espera do Mediador. Por essa razão, pode-se questionar, inclusive, se a carga horária estabelecida para a formação de mediadores produz qualidade e fomenta o desenvolvimento de habilidades conscientes e a serviço da liberdade e da democracia. 

Embora o Manual descreva o foco da formação em competência, considerando processo ininterrupto, válido salientar que a experimentação prática, requer elementos de abordagem teórica. O referencial teórico tende a fornecer clareza da prática e limitação de posturas em respeito aos princípios e valores éticos da mediação. O público usuário deve avaliar o atendimento recebido, como forma participativa na construção democrática dos serviços públicos ofertados. No entanto, o público usuário não dispõe de parâmetros para avaliar o mediador com a responsabilidade sobre sua formação.

Por fim, e não menos importante, se a comunicação do mediador pode influenciar na resolução do conflito tratado, qual pode ser o efeito de um mediador com prática incipentente no processo da mediação de conflitos? Pode se concluir que são necessários treinos simulados de mediação, com orientação e supervisão técnica.

As práticas simuladas se aproximam da realidade, permitindo a visualização de atitudes que possam ser danosas, e permite ao mediador a consciência para optar por práticas e posturas. Tal como um vestibulando que simula inúmeras vezes a prova que realizará, o mediador de conflitos, pode perceber nas simulações o impacto que causa suas falas e argumentações. Pois, caso haja dano motivado por emprego indevido das técnicas, quem sofrerá o ônus da causa serão as pessoas mediadas. Fundamental, portanto, que se trate com seriedade o processo formativo do Mediador, para que este possa rever sua disponibilidade para a prática, pois, isso requer posicionamento frente à vida, aos princípios éticos e a dignidade humana. Se o mediador deve ser “modelo de comunicação”, antes de realizar controle do processo deve ter ferramentas para realizar controle sobre si, suas emoções, preconceitos e posturas.

 

Notas e Referências

ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas: aportes práticos e teóricos. São Paulo: Dash, 2013.

BRASIL, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2002.  Disponível em <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 20 abr. 2019.

______, Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.  Disponível em <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm >. Acesso em 20 abr. 2019.

CARAM María Helena, Eilbaum, Diana Teresa e Risolía, Matilde. “Mediación: Diseño de una práctica”. 4ª ed. Buenos Aires: Astrea, 2017.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de mediação judicial. 6ª.ed. Brasília: CNJ, 2016.

______. Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010. Disponível em: < http://cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579> Acesso em 20 abr. 2019.

LEDERACH, Juan Paul. El pequeño libro de transformación de conflictos. Bogotá: Good Books, 2009.

NATO, Alejandro. La mediación comunitária: hacia la construcción de nuevos saberes. In: NATÓ, Alejandro (coord.) Mediación Comunitaria: Recorridos, sentires, y voces en tiempos de cambio. Buenos Aires: Astrea, 2018.

[1] O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

[2] O período histórico que antecedeu a constituinte foi marcado por Regime Totalitário.

[3] Para Caram, Eilbaum e Risolía (2017, p.17), Mediação é “[...] el proceso en el que un tercero neutral, a solicitude de las partes, los asiste en una negociación colaborativa, en la que sus diferencias son replanteadas en términos de intereses, a fin de que puedan ellos mismos tomar una decisión satisfactória con relación a los mismos”.

[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de mediação judicial. 6ª.ed. Brasília: CNJ, 2016. p.26

[5] A exemplo da Escola Tradicional de Harvard ou Transformativa desenvolvida por Bush e Folger.

[6] LEDERACH, Juan Paul. El pequeño libro de transformación de conflictos. Bogotá: Good Books, 2009.

[7] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Ibid, p.95.

[8] Ibidem, 2016, p.221.

[9] ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas: aportes práticos e teóricos. São Paulo: Dash, 2013.

[10] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Ibid, p. 91

[11] NATO, Alejandro. La mediación comunitária: hacia la construcción de nuevos saberes. In: NATÓ, Alejandro (coord.) Mediación Comunitaria: Recorridos, sentires, y voces en tiempos de cambio. Buenos Aires: Astrea, 2018. p. 238

 

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