A ciência jurídica e seus dois maridos. O amor no Direito? Deu saudade de Luis Alberto Warat

02/08/2015

Por Alexandre Morais da Rosa - 02/08/2015

Estava com saudades de Luis Alberto Warat e não pude deixar de reler, no frio do inverno do Sul do país, a obra "A ciência jurídica e seus dois maridos", até porque ando enjoado de ler tanta bobagem dogmática, escrita por "Teodoros Madureiras". Daí que um arfar do desejo parece inevitável. Quem não conheceu Warat perdeu. Nos deixou com seu olhar sedutor e inefável. Warat nos lembrou de Dona Flor e Seus dois maridos[1] e, autorizado por ele, seguirei parafraseando/copiando sem aspas, tornando a leitura mais escorreita: mais gostosa. Entre Vadinho e Teodoro Madureira.

Warat percebe em Dona Flor a heroína da poligamia dos significados e do imaginário erotizado que sobreviveu/resplandeceu frente a tantas tentativas de castração, feitas em nome de uma cultura aparentemente sem manchas. Afirma que a castração é sobretudo a poda do desejo, cabendo-nos questionar o tido por inquestionável.

Aponta em Vadinho o solto, preguiçoso, cara de pau, jogador e perdulário que vai até o fundo dessa malandra experiência que é estar vivo; sentindo-se parte desse mundo louco da razão. Já Teodoro Madureira é o meticuloso, insosso, dono de uma cultura sem surpresas, um homem que nunca sai de suas gavetas, tedioso, que pede permissão e hora para amar, dono de uma mania cartesiana de etiquetar tudo. Com Vadinho tudo pode ser misturado, o prazer surge, ressurge, renasce, mistura irresponsabilidade com desejos, fantasias, malandragem. O jogo de incertezas. Vadinho é capaz de mostrar o sentido erótico da vida, transformando o racional em erótico. Dona Flor deseja o novo, a vida em movimento. Com Teodoro Madureira a vida perde seu movimento, pára. Torna-se a univocidade de atos e de desejos controlados, repetidos no dia-a-dia. Respeitam-se tanto que nem se relacionam e, sem mistura não há relação. Vadinho faz aparecer a necesssidade/possibilidade de se desejar o novo, o desconhecido, o resgate da sedução. Invocando o carnaval diz que talvez possamos concentrar em Vadinho o carnaval e a folia, e em Teodoro Madureira a quaresma, os dias em que nossas vidas funcionam como uma oficina de controles inúteis, mas que servem, per se para justificar sua existência e bem alimentar os que nela mandam.

Assim é que com Vadinho existe a presença constante do inesperado. Seu retorno da morte é o símbolo de como, pelo fantástico, podemos manter uma relação adúltera com o imaginário. É o marido sem o espírito da legalidade que a mulher sonha ter, para temperar a alquimia de ternura e segurança do desejo instituído. A volta de Vadinho permite que Dona Flor rompa os ímpetos do desejo como dever, aceitando o adultério como condição natural do casamento. É que não existe democracia sem marginalidade (adultério), sem uma louca cavalgada, o delírio febril, os ais do amor que vêm da experiência comum da gente, surgida nos momentos primordiais do cotidiano.

Existem coisas que se fazem e que não se pode ver”, diz Teodoro Madureira para Dona Flor, enquanto apaga a luz para amá-la. Toda uma cultura do pecado, que marca gerações desde o momento em que se concebe. A maioria de nós, filhos do segredo. Opondo Teodoro Madureira e Vadinho encontram-se definidos, para o imaginário de Dona Flor, os lugares do dever e do prazer. O prazer por prazer e por obrigação.

Warat considerava que o amor, em nossas sociedades, é burocrático e repressivo por apresentar um excesso de deveres. E o amor será um exercício democrático do prazer, quando se liberar de suas proibições e inocentar o prazer realizado fora do dever.

Este livro demonstra, faz aparecer, o paradoxo entre o prazer/fruição e os deveres reproduzidos pela sociedade gregária de uma moral cristã que ajusta nossos desejos ao modelo de ordem e legalidade racionalizado, escamoteando os sentimentos: o amor e a sedução. Alguma ordem deve existir, bem assim desejo, sob pena de transformarmos a vida, dizia Warat, em eternos dias sem fim, sem gosto, à espera do fim.

Deve haver alguma coisa que ainda te emocione 

Uma garota, um bom combate, um gol aos 46

deve haver alguma coisa que ainda te emocione 

um cavalo em disparada / pijamas... nada pra fazer/

deve haver alguma coisa que ainda te emocione

um vinho tinto.. um copo d’agua 

a chuva no telhado ... um pôr-de-sol

Deve haver alguma coisa que ainda te emocione...

Humberto Gessinger

Boa semana.


Notas e Referências:

[1] WARAT, Luis Alberto. A ciência Jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul : Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985.


Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui            


Imagem Ilustrativa do Post: Mirror // Foto de: DualD FlipFlop // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/duald/8570483198/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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