Em boa parte do mundo, a cidade moderna nasceu como um lugar que simplesmente amontoou gente. Durante a Revolução Industrial os centros urbanos recebiam as hordas que chegavam do campo e as empilhavam em suas periferias.
O acúmulo sem planejamento trouxe problemas, sobretudo de mobilidade e de saúde. No início do Século XX alguns lugares reverteram esse quadro, criaram bairros planejados distantes dos centros. Melhorou-se a vida geral das urbes.
O Brasil viveu o problema da migração desorganizada do interior para as cidades, sobretudo com a Ditadura de 64. Grande parte da violência que as metrópoles vivem, hoje, é decorrente de ausência de planejamento urbano.
As condições materiais e estéticas da cidade compõem as chances de o humano se desenvolver. Um lugar feio, violento, desconfortável, poluído, desarranjado limita as chances de crescimento pessoal e social.
A cidade é mais do que a pequena pátria do cidadão. O ambiente citadino se entranha na nossa relação com o mundo, até porque ele é o nosso mundo real. Habita-se o País, mas vive-se concretamente na rua, na vizinhança, no lugar.
Por isso a vida citadina devia ser o assunto principal do cidadão. O Prefeito devia ser a autoridade mais importante da vida do munícipe; o Vereador devia ser um legislador selecionado; o Juiz devia ter compromisso com o lugar.
Bem, o Juiz é um burocrata bem situado na máquina pública, mas passa pelo município sem qualquer compromisso com ele. O Vereador, o Deputado Municipal, restou com reputação por demais desprestigiada.
O Vereador é o legislador que incide diretamente sobre a vida nossa, de nossa família. Dele dependem muitas das regras do cotidiano, o traço do mapa urbano, a aprovação de planos e orçamentos do Executivo.
Mas o Vereador converteu-se, ou foi convertido, em um intermediário de pequenos interesses, em um atravessador de favores duvidosos. E se ele não cumpre essa triste sina, o geral da população o interdita eleitoralmente.
O Prefeito é pressionado nesse meio: a população exige o imediato sem custos, mas a Prefeitura é dependente de verbas recolhidas no município, enviadas para Brasília e retornadas diminuídas, com carimbos de uso obrigatório.
Pagamos impostos no município e sobre eles se decide em Brasília, lá longe da origem da tributação, com muito dinheiro sumindo nos descaminhos da corrupção. O Prefeito tem que ser um político hábil.
Um político hábil. Coisa difícil de se encontrar! O político há que ser popular, administrador honesto e competente, articulado desde o paço municipal até os órgãos governamentais na Capital Federal. É difícil reunir tais qualidades.
Não se deve, sobretudo, votar em discurso de marqueteiro ou em promessa vã. O candidato a Prefeito tem que ser bom de verdade, ou a cidade retrocede. O povo sofre e paga a conta. O reparo? Talvez quatro anos depois.
Estamos no “quatro anos depois”. É tempo de eleição. Deveria ser tempo de engajamento em campanhas. Campanha é debate, participação, reuniões, formação de comitês de apoio a candidatos.
Grande parte do povo, contudo, estará na ocasião de resolver questões pessoais: pedidos, pedidos, pedidos. O povo é a base da corrupção. Uma quantidade impressionante de gente quer “esclarecidamente” vender o voto.
Os que têm formação política e deveriam liderar o processo estão enojados. Nojo, Houaiss (metáfora): “repulsa por um fato ou comportamento vergonhoso, baixo, vil, sem ética”. Há motivos para o asco, mas asco não é solução.
Os brasileiros engajados estão em pudores. Os tipo “coxinha”, eu os vejo curtindo a realização da vingança. Desforra, porque a queda, ainda que legal, de uma autoridade é para lamentar; nunca deveria ser festa tripudiante.
Os tipo “mortadela”, ranhetas, carpem o flagrante da desvairada corrupção de seus líderes. Apeados do poder, raivosos, negam fatos confessados, documentados, fotografados. Dão as costas ao real, pretextando complô de elites.
O instante que vivemos é crucial. Não obstante, a maioria está entretida com seus assuntos pessoais. Os procedimentos da realidade político-eleitoral que legitima o poder, todavia, segue seu curso.
Antevejo que nas cidades nos repetiremos. Os políticos urbanos, os que cuidarão do nosso lugar, serão, no geral, mais do mesmo: uns tipos despreparados em que a população vota por obrigação e depois esquece por desprezo.
Os eleitores cobramos cidadania, mas não operamos a vida cidadã. Há uma intuição fugaz de ética, mas não o protagonismo que materializa a República. Mas, ora, sem compromisso anterior, vale pouco reclamar depois.
Imagem Ilustrativa do Post: Poster Eye, Street Scene // Foto de: Sascha Kohlmann // Sem alterações
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