A Cidade como Objeto de Consumo e os (consequentes) Impactos da Pandemia na Órbita do Direito à Moradia  

08/05/2020

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

As previsões sobre os efeitos da pandemia já começam a se construir como realidade, qual seja um aprofundamento de grandes problemas sociais historicamente enraizados na sociedade. Dados da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe)[i] apontam que os efeitos da pandemia poderão levar pelo menos 30 milhões de latinos à pobreza (à nível mundial, 500 milhões[ii]). Dentro dessa realidade que se projeta, a problemática da moradia é uma das mais proeminentes facetas, principalmente porque, ao não ser considerada um bem de primeira prioridade pelo poder político[iii], é relegada a ser mais um bem de consumo, deslocada para a órbita privada dos indivíduos.

Assim, propõe-se uma reflexão acerca do aprofundamento da problemática do direito à moradia num contexto de pandemia e, também, pós-pandemia, buscando-se, sobretudo, ressaltar a importância de proteção do direito à moradia para a preservação da vida e seus impactos na qualidade de vida e preservação da saúde.

Em um primeiro momento discorrer-se-á brevemente sobre a relegação atual ao direito à moradia como bem de consumo. Em um segundo momento sobre como esse problema se aprofunda em uma sociedade de consumo estético. Na sequência, o problema econômico gerado pela pandemia e seus reflexos, passando por fenômenos ao redor no mundo que implicam violação do direito fundamental social à moradia e, por fim, algumas propostas para o resguardo do direito à moradia em um período de pandemia.

Em que pese a elevação de status da moradia a direito fundamental social, o encontro do direito com os interesses econômicos retira sua carga eficacial de direito subjetivo, relegando-o somente à propositura de eventuais projetos políticos de aquisição da propriedade voltados às populações carentes – conectados intimamente com interesses econômicos para sua efetivação e, no mais das vezes, entregando aos usuários, construções mal planejadas, mal construídas e fora da órbita das cidades[iv], apoiados em um projeto de financeirização da moradia.

A relegação da moradia como objeto de consumo é movimento que há muito se inscreve nas realidades das cidades, reflexo de “[...] um modelo de Estado capturado por interesses privados e conformado por uma cultura de opressão e exclusão, simultaneamente tensionado por um processo de combate à pobreza e inclusão via consumo e pela tomada da terra urbana e da moradia pelas finanças globais.” [v]. Nesse contexto, a moradia volta-se somente a atender aos interesses financeiros do mercado[vi], no que coaduna com a colocação de David Harvey[vii]: “Construímos cidades para que as pessoas invistam, não para que vivam”.

A (in)capacidade de consumir desvela que parcela expressiva da população não tem possibilidade de arcar com os custos de uma moradia digna[viii], o que denota o alto déficit habitacional no Brasil[ix]. Para estas pessoas restam os “cortiços” próximos aos grandes centros, em casas de loteamentos periféricos, conjuntos habitacionais – longe do centro também –, porém as três opções vinculam o indivíduo com algum agente social, restando a ele, então a favela.

Esse caráter se insere dentro do contexto do consumo no Brasil, um movimento do consumo apoiado pelos planos políticos, onde os pobres compram apartamentos, contratam planos de saúde e matriculam seus filhos em escolas e universidades privadas. Mas para eles o mercado lança novos produtos, de qualidade muito inferior, reiterando a geografia da desigualdade.[x] Na constância do que aponta Raquel Rolnik[xi], nasce um comprometimento voltado aos interesses do mercado privado. O direito à moradia, inserido nessa sistemática jurídica, torna-se nada mais do que um adorno dos direitos fundamentais, (mais) uma promessa não cumprida.

A objetificação da moradia, porém, desconsidera que a moradia se conecta a um sentido de pertencimento, existência humana, construção da subjetividade, qualidade de vida, inclusão social e, com um ênfase especial ao momento de hoje, à saúde.  A moradia, assim, é mais do que uma necessidade básica - é uma parte essencial da saúde. Em meio às consequências econômicas da pandemia do COVID-19, ressalta-se uma nova crise somada a um sistema habitacional já em crise e, paralelamente, destaca-se ainda mais a ligação entre habitação e saúde.

A roupagem de bem de consumo em que se cristaliza a moradia ganha maior destaque e afirmação em uma era do estágio estético do consumo, onde as cidades são reestruturadas e voltadas não para se adequarem ao bem-estar, mas a estética do prazer. A hipermodernidade é para Gilles Lipovetsky e Jean Serroy[xii], o momento da era do capitalismo estético, o que denominam “estágio estético do consumo”[xiii]. O capitalismo artista, na palavra dos autores, designa o “sistema econômico que trabalha para estetizar todos os elementos que organizam a vida cotidiana: objetos, mídia, cultura, alimentação, aparência individual, e [...] centros urbanos.”

Esse estágio social coincide com o movimento de subjetivação do consumo, quando o consumo, mais do que um símbolo de diferenciação, como outrora defendido por Pierre Bordieu, torna-se um elemento de construção da subjetividade do indivíduo, reflexo do hedonismo hipermoderno. Os efeitos no urbano são nítidos: além de transformar a estética da cidade, o imperativo do divertimento consumista transforma o status da cidade, voltada a ser agora uma cidade feita para o prazer.

A gentrificação, responsável por criar as grandes cisões sociais  nas cidades, nesse contexto de consumismo, não mais se caracteriza apenas como um processo de aburguesamento de habitações e bairros populares, e sim ganha uma nova face dentro de um movimento do capitalismo estético: novas paisagens urbanas florescem de modo a absorver somente um determinado perfil de consumidor.[xiv] Esse fato denota que a financeirização da cidade liga-se ao movimento de mercados de solo e habitação, por onde o capital flui na medida em que a taxa de retorno é maior, o que, além de produzir uma diferença espacial de renda, cria as fronteiras urbanas[xv].

O reflexo da hipermodernidade nas cidades não apaga a miséria da paisagem urbana, que inicia na medida de aproximação da “não cidade”; limite da barreira entre os “incluídos e excluídos”. Uma sociedade marcada pela distância entre os que estão dentro e os que estão fora da fronteira. Essa sociedade do espetáculo, do gosto, da estetização tem como base a desigualdade social; os excluídos, podem constituir, inclusive, um perigo para a própria existência dos incluídos. Ocorre que as bases da hipermodernidade, fundada no consumo hedonista, entretanto, encontram os seus limites de sobrevivência com a atual pandemia.

No que toca aos impactos da pandemia nesse modo de consumir e organizar o urbano, eloquente a crítica de David Harvey. Para Harvey[xvi], ao comentar sobre o cenário atual da pandemia, a vulnerabilidade do sistema de mundo atual, causador e aprofundador das mazelas sociais, deve-se a um modo de consumir que se inicia na primeira década do século XXI, com a redução do tempo de rotação de consumo, inaugurando um consumismo instantâneo como forma de absorver o volume do capital, fundado, por exemplo, no turismo internacional (que demandou uma reestruturação do espaço urbano para a visitação), levando à construção de hotéis, restaurantes, parques, bares e realização de eventos culturais.

Essa vertente de acumulação do capital correspondia a 80% da economia capitalista e hoje, no atual contexto de pandemia, está morta, levando muitos ao desemprego. Assim, uma grande parte do modelo de consumismo contemporâneo encontra-se inoperante nas condições atuais, que são sobretudo demandas artificiais. A pandemia é assim um choque no consumismo atual (estético).

A pandemia, para Harvey, conhece sim fronteiras de classe. Isso porque se desvela no impacto econômico e social que ocorre pelas discriminações habituais. Primeiro porque a força de trabalho mais desprezado é aquela que mais corre o risco de contrair o vírus, em razão da natureza do seu emprego. Segundo, caso não contraiam o vírus, correm o risco ainda da demissão, pois seu trabalho não pode ocorrer desde casa, como para muitos que possuem tal luxo.

É necessário dar destaque ao seguinte dito de Harvey: “A pandemia da COVID-19 exibe todas as características de uma pandemia de classe, gênero e raça”. No mesmo sentido, Richard Sennet[xvii], sobre a pandemia, aponta que ocorre um “[...] aprofundamento da distância entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e o de uma classe operária ainda mais exposta a condições de trabalho potencialmente insalubres”.

Com o crescente aumento da massa de desempregados, principalmente daqueles que pertencem às classes mais pobres da sociedade (6,5% na extrema pobreza[xviii] e 25,4% na linha pobreza[xix]) a moradia acaba sofrendo um impacto direto. Isto porque muitos dependem do pagamento de aluguéis para garantir sua moradia. De outro lado, a pandemia desvela outra faceta da moradia: a precariedade da habitação, reflexo do déficit habitacional. A proximidade entre as casa, o problema de acesso à água potável são aspectos que contribuem decisivamente para a propagação do vírus.

Além do mais, a precariedade das moradias é gritante na medida em que costumam, em locais mais pobres, viver grande número de pessoas em cômodos apertados, muitas vezes sem a projeção de luz solar e devida ventilação.  Também, em um movimento no qual se apoia “ficar em casa”, os sem-teto tornam-se nítidos. Todos problemas que já vem sendo denunciados há tempo.

A pandemia desnuda a profunda e complexa problemática de moradia no Brasil e no mundo. Seja por seus custos, seja pela qualidade da moradia, que hoje mais do que nunca denota que a moradia possui uma dimensão de proteção da saúde e integridade, até então ignoradas. A moradia adequada hoje é, sobretudo, uma questão de vida ou morte.

É evidente, que em momentos como a pandemia os direitos humanos encontram-se em maior vulnerabilidade do que normalmente. Nesse sentido, os direitos sociais devem possuir uma maior atenção e serem preservados, pois o desrespeito em uma época como a atual se torna muito mais impactante do que em outros momentos.

O que se verifica, entretanto, é um sem número de denúncias, que vão desde evicção forçada de famílias, à corte de energia elétrica, à cobrança de aluguéis seguido de despejo e de violência contra os sem-teto. Tais medidas devem ser denunciadas e abominadas como desrespeito à vulnerabilidade da situação atual e como violação ao direito fundamental social a moradia.

A realidade é que essas situações, que no mais das vezes não deveriam ocorrer em um cenário inclusive sem a pandemia, torna-nos ciente de como a moradia é fundamental para a preservação da vida.

Em várias partes do mundo, com a ordem de “ficar em casa”, são relatadas mais diversas violências aos sem-teto. Além do mais, é de se considerar que muitos já viviam nas ruas, mas outros estão tendo que forçosamente residir em locais públicos, criando uma nova massa de sem-teto, principalmente naqueles países onde o limite entre pobreza e extrema pobreza é limite[xx].

Em países como Filipinas, denuncia-se que pessoas sem-teto estão sendo tratadas como criminosos e sendo presas por descumprimento de ordens de autoridade para “ficarem em casa”. Autoridades da Índia e da África do Sul criaram abrigos e acampamentos improvisados, às vezes usando estádios e campos de futebol em condições frequentemente insalubres e na qual a polícia tem usado a força para levar os sem-teto aos abrigos temporários ou impedir que eles partam.[xxi]  No Japão, uma prática conhecida era o uso de “internet cafés” para os sem-teto se abrigarem a noite, o que inclusive legitimava a fala oficial do governo de um baixo número de sem-tetos no país, mas com o fechamento dos cafés durante a pandemia, o número deu um grande salto[xxii], desvelando um problema social até então não evidenciado.

Sobretudo não se pode ignorar que os sem-teto têm maior probabilidade de contrair doenças como o coronavírus, em parte por causa do enfraquecimento do sistema imunológico devido ao estresse adicional e à falta de nutrição e sono. Além disso, costumam sofrer condições médicas subjacentes que tornam uma doença mais grave quando ela ocorre. [xxiii]

Outras notícias alarmam evicções sendo feitas em um cenário de pandemia, aproveitando-se da vulnerabilidade de acesso a canais jurídicos e políticos, pois muitos estão suspensos e com difícil acesso. É o que ocorre pela demolição de assentamentos ilegais na Etiópia durante a crise[xxiv]; e também em Nairobi, no Kenya, onde mais de 5.000 pessoas tem suas casas demolidas, incluindo mães solteiras e crianças, devido a ocupação ilegal[xxv]; assim como cortes de energia elétrica em Johannesburgo[xxvi].

Além do mais, no Brasil, é farto o noticiário com a situação de descaso para com favelas brasileiras, por sua vez locais de maior verificação de violação ao direito a moradia, como moradias precárias, ausência de acesso a água potável e esgoto e ausência de prestação de demais serviços públicos.

Com o fim de proteger o direito à moradia, a coalização internacional de habitação[xxvii] enumerou quatro objetivos para garantir o direito à moradia a todos: 1. Suspender os despejos em todo o país; 2. Decretar a suspensão do pagamento de aluguéis, suprimentos básicos e empréstimos ou créditos hipotecários para as famílias que perdem ou reduzem significativamente sua renda. Para muitos, o auxílio emergencial do governo, dirigido aos mais necessitados, irá ser dirigido ao pagamento dos aluguéis. Será que é essa a destinação devida? ;3.  Conceder alternativas de moradia para aqueles que não têm lugar para se abrigar, além de oferecer alternativas à falta de serviços e alimentos para os grupos de maior risco; 4. Suspender cortes nos serviços de água e saneamento, bem como estabelecer medidas urgentes de saúde e higiene em assentamentos do país em condições precárias ou não reconhecidas.

Pode-se acrescer que em um ambiente pós-pandemia, surge a necessidade de se pensar em novas alternativas para a problemática da moradia no Brasil, como a ocupação de imóveis vazios e os aluguéis sociais, que vão além do até então defendido sistema de financeirização da moradia. Moradias decentes e acessíveis são condição de sobrevivência e saúde pública.

É lamentável que tenha que haver uma pandemia para que as pessoas entendam por quais motivos a moradia é um direito humano e cujo condão é a preservação de outros direitos, como a saúde, demonstra como ainda o debate sobre o direito a moradia está mal colocado dentro do debate público.

Políticas públicas e tomadas de decisões que impliquem em defesa do direito à moradia, com a operacionalização dos objetivos acima listados, por exemplo, são fundamentais em um cenário em que a moradia é questão de vida ou morte.

 

Notas e Referências

[i] CARMO, Marcia. Coronavírus: crise causada pela pandemia levará 30 milhões de latino-americanos à pobreza, afirma Cepal. BBC Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52378936. Acessado em: 07/05/2020.

[ii] ABI-HABIB, Maria. Millions Had Risen Out of Poverty. Coronavirus Is Pulling Them Back. The New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/04/30/world/asia/coronavirus-poverty-unemployment.html?smtyp=cur&smid=fb-nytimes&fbclid=IwAR1dmU8E8M4bpgNt9mdCbOJMMa1faZZ-SIo2x-N2CcrSpMzpbzj_n3AUCuk. Acessado em: 07/05/2020.

[iii] Até então nenhum projeto/proposta que envolva política habitacional foi apresentada pelos governos federais e estaduais durante o período da pandemia, sejam eles diretrizes ou recomendações para o resguardo do direito à moradia.

[iv] Sobre o ponto, ver cap.3 da obre de ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares. Colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2019.

[v] ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares. Colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 368.

[vi]A especulação imobiliária, porém, tanto hoje quanto no passado, pode prejudicar não só o subproletário, mas também a classe média. Quando isso ocorre, o problema habitacional alcança o nível de alarme dos capitalistas, escapa do rol dos problemas encobertos pelo silencio oficial e entra nos circuitos principais da informação e do poder. Nesse momento, o Estado e os especuladores se movimentam para encontrar um remédio, mas a solução apenas refará de forma mais sofisticada o círculo vicioso da exploração. São três as prioridades que orientam a abordagem da burguesia ao problema: melhorar as condições sanitárias da moradia para evitar que seja arrastada aos desastres epidêmicos que ela mesma provoca; melhorar as habitações dos trabalhadores para torna-los capazes de produzir mais, tanto na fábrica quanto no lar; construir e vender casas não demasiado confortáveis para não encarece-las, mas nem tão precárias para barateá-las demais. Na hora de fechar as contas, o físico e o sanitário se unem, portanto, aquele ligado à mais valia da produção e este ligado ao valor dos alugues. Mais tarde, quando os proprietários das fábricas se tornam também proprietários das casas de seus funcionários, dobra seu poder de extorsão e pressão sobre esses últimos. O Estado, por seu lado, não tem nenhum motivo estrutural para se opor a essa solução parcial e oportunista do problema. (DE MASI, Domenico. Alfabeto da Sociedade Desorientada. Para entender o nosso tempo. São Paulo: Objetiva, 2017. p. 283-284)

[vii] HARVEY, David. Construímos cidades para que as pessoas invistam, não para que vivam. [Entrevista cedida a Justo Barranco]. IHU, São Leopoldo, 20/08/2019. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591801-construimos-cidades-para-que-as-pessoas-invistam-nao-para-que-vivam-entrevista-com-david-harvey. Acessado em: 07/05/2020.

[viii] SECRETARIA DOS DIREITOS HUMANOS DO BRASIL. Direito à moradia adequada. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000225430. Acessado em: 07/05/2020.

[ix] CBIC. Déficit habitacional no Brasil. Disponível em: http://www.cbicdados.com.br/menu/deficit-habitacional/deficit-habitacional-no-brasil. Acessado em: 07/05/2020.

[x] ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares. Colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 368.

[xi] ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares. Colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 368.

[xii] LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Estetização do Mundo. Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 315.

[xiii] Estágio em que o registro funcional do consumo recua em benefício de valores hedonistas, emocionais e estéticos. O que não impede de forma alguma o sucesso do hard discount e do low cost, a atração dos produtos orgânicos, o recurso crescente às mercadorias de segunda mão, o declínio do valor ostentatório do carro, maior sensibilidade ao preço e o peso maior da compra esperta: tudo isso são indícios que assinalam a ascensão de um “consumir melhor”. O que não significa nem “consumir menos”, nem a rejeição categórica de marcas, mas um desejo de consumir de acordo com a melhor relação custo-benefício. Se os consumidores privilegiam o valor funcional da oferta low cost não se trata de modo algum de abandono do registro hedonista do consumo, mas de uma forma de poder continuar a comprar, em outros domínios, o que dá prazer, a ter o deleito do consumo estetizado. Quando o poder aquisitivo é limitado e impede que se compre em toda parte o que se prefere, impõem-se decisões funcionais ou razoáveis, não em nome de um ideal de austeridade, mas ao contrário para ter acesso as outras formas de consumo experiencial ou transestético. [...] Se se deve falar da estetização do consumo é também no sentido que esse se torna a cada dia um pouco mais questão de gostos individuais. Em lugar do que era rotina, prescrições tradicionais ou imperativos de classe, afimra-se uma estética consumatória centrada da subjetividade dos gostos e sensação de prazer. [...] o que ele gosta, o que lhe agrada, o que acha bonito ou agradável. Individualização, dissolução das culturas de classe e estetização do consumo andam de mãos dadas. (LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Estetização do Mundo. Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 329-331)

[xiv] LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Estetização do Mundo. Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 318.

[xv] SMITH, Neil. La Nueva Frontera Urbana. Ciudad revanchista y gentrificación. Madrid: Traficante de Sueños, 2012.

[xvi] HARVEY, David. A Política Anticapitalista na Época de Covid-19. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597468-a-politica-anticapitalista-na-epoca-da-covid-19-artigo-de-david-harvey. Acessado em 07/05/2020.

[xvii] SENNET, Richard. As Cidades na Pandemia. Disponível em: http://agbcampinas.com.br/site/2020/richard-sennett-as-cidades-na-pandemia/. Acessado em: 07/05/2020.

[xviii]

[xix] Dados do IBGE colhidos em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-12/ibge-brasil-tem-14-de-sua-populacao-vivendo-na-linha-de-pobreza

[xx] VALLADARES, Marvin. In already poor Honduras, coronavirus pushes some into homelessness. Thomson Reuters. Disponível em: https://news.trust.org/item/20200424232457-oyu8c. Acessado em: 07/05/2020.

[xxi] BACCHI, Umberto; CHANDRAN, Rina. Homeless people ‘treated as criminals’ amid coronavirus lockdowns. Thomson Reuters. Disponível em: https://news.trust.org/item/20200423122421-hibd0. Acessado em: 07/05/2020.

[xxii] RATHBORN, Jack. Coronavirus: thousands made homeless in Tokyo afrer Japan order closure of internet cafes. The Independent. Disponível em: https://www.independent.co.uk/news/world/coronavirus-japan-tokyo-saitama-homeless-internet-cafes-a9462561.html?utm_medium=Social&utm_source=Facebook&fbclid=IwAR1x5kpIQtXKVrPTKCBcU13Ldn2-mYx7BMGa8nRFIX7XYIwdIoTLc2PrNaQ#Echobox=1586796060. Acessado em: 07/05/2020.

[xxiii] BIRON, Carey. Homeless shelters, programs ill-equipped for coronavirus, US cities warned. Thomson Reuters. Disponível em: https://news.trust.org/item/20200310104246-k56g7. Acessado em: 07/05/2020.

[xxiv] BHALLA, Nita. City demolitions expose Ethipian families to coronavirus. Thomson Reuters. Disponível em: https://news.trust.org/item/20200429114219-ucgnb. Acessado em: 07/05/2020.

[xxv] BHALLA, Nita. Forced eviction leave 5.000 Kenyan slum dwellers at risk of coronavirus. Thomson Reuters. Disponível em: https://news.trust.org/item/20200506115554-bt2r5. Acessado em: 07/05/2020.

[xxvi] HARRISBERG, Kim. Eviction, power cuts heighten S.Africa housing crisis amid lockdown. Thomson Reuters. Disponível em: https://news.trust.org/item/20200424082353-4txpq. Acessado em: 07/05/2020.

[xxvii] HIC (Habitat International Coalition). Acesso em: https://www.hic-net.org. Acessado em: 07/05/2020.

 

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