Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi
As bases hodiernas para o Processo Civil brasileiro foram dispostas pela Lei n.13.105/2015 (Código de Processo Civil), querendo inaugurar um ambiente ao qual, verdadeiramente, se possa ter e bem por isso, levar em conta as luzes interpretativas a partir da Carta Constitucional, sobretudo, ao prever a digitada lex em seu art. 1º que o processo civil pátrio será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil.
É fato que em várias passagens do Código de Processo Civil, o legislador optou por padrões que levam em consideração a instrumentalidade em conjunto com a economia processual, tudo com o fito de se obter o êxito em um abrandamento da demanda, a título de justificar uma “correta” duração razoável processo.
Dito isso, importante se faz analisar regra capitulada no art. 1.013, §3º do CPC, esta que permite ao Tribunal em sede de recurso de apelação, decidir desde logo mérito da causa, portanto, sem aguardar o pronunciamento do juízo de 1º grau, desde que o processo já esteja em condições de imediato julgamento (“causa madura”).
Para tanto, o dispositivo supra elenca em quais conteúdos se encontra dita prerrogativa de julgamento:
“§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485;
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.”
Estando o processo em condições de imediato julgamento, portanto, a causa restando efetivamente madura, expressa o inciso I retro que deverá o tribunal decidir o mérito desde logo quando o juiz de primeiro grau tiver extinguido o processo sem resolução de mérito (art. 485), neste caso, pensamos que, desde que as partes não tenham nada mais a alegar ou provar,[1] inclusive pela própria força da Súmula n.7 do STJ.
Deverá o Tribunal, nos dizeres do inciso II, decretar a nulidade da sentença quando esta não respeitar o princípio da congruência, i.e., discrepante em relação aos limites do pedido ou da causa de pedir (ultra petita ou extra petita).
Caso constatar respectiva omissão em um dos pedidos arrolados pela parte no âmbito do procedimento de 1º grau (decisão citra petita), estabelece o inciso III que poderá o tribunal julgá-lo, desde logo. Já, no caso do inciso IV supra, deverá decretar a nulidade da sentença por ausência de fundamentação, esta, devidamente qualificada no art. 489, §1º.[2]
Não obstante a tais conteúdos, insta apontar luzes que não iluminam tais dispositivos em um ambiente que requer, por que prometido, que se leve em conta os parâmetros interpretativos de uma constitucionalização do processo.
Nota-se, de início, que o legislador deixou por inteira conveniência do órgão de 2º grau a decisão de julgar ou não o conteúdo dito “maduro”, nisso cremos que há de se ver dado desrespeito ao próprio princípio dispositivo (art.2º do CPC) da parte recorrente em desejar ou não o enfrentamento da matéria em grau recursal, sendo perfeitamente possível, por exemplo, o autor recorrer de uma sentença que extinguiu o feito de 1º grau por ausência de condições da ação (art.485, VI) e, ao recorrer para que mesma seja reformada, possibilitando o retorno dos autos ao 1º grau, se vê ampliado o seu julgamento para questões não suscitadas pelo mesmo, por meio de entendimento unívoco do órgão recursal quanto à qualidade do conteúdo de imediato julgamento, isso sem sequer operados debates pelas partes em sede recursal.
Malgrado, observa-se daí ser possível a mitigação ao princípio da reformatio in pejus, pois que diante de uma sentença sem resolução de mérito sobre a pretensão acostada em 1º grau, pode o apelante se deparar com uma decisão de improcedência de seu pedido em 2º grau.[3]
Ainda, na mesma seara hipotética da regra em questão, é possível notar flagrante agressão ao princípio do contraditório efetivo e substancial (arts. 9º e 10 do CPC), dado que são vedados julgamentos sobre questões não propostas pela parte, decisões sobre questões sem submissão prévia a ambas as partes e ainda decisões com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado àquelas partes oportunidade de se manifestarem, mesmo que se trate de matéria sobre a qual se deva decidir de ofício.
É certo que ainda em sede do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça já havia se pronunciado sobre a temática, que naquele Codex se encontrava disposta no art.515, §3º, ex vi:
“A aplicação prática do art. 515, §3º independe de pedido expresso do apelante, basta que o tribunal considere a cauda pronta para julgamento.”[4]
Não obstante a isso, já era sabido das dificuldades em sede pretoriana, de se ler as regras processuais à luz da sua necessária de constitucionalidade naquele momento.
Avançando mais sobre a questio que envolve a “causa madura”, o legislador do CPC/2015, mais precisamente no §4º do art. 1.013, estendeu tal lógica também para julgamentos de mérito em 1º grau, ao regrar que:
“§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.”
Insta notar neste dispositivo, que se continua a seguir a linha da translação, ou seja, competirá ao tribunal, se possível, ao reformar sentença que reconheceu a decadência ou prescrição, examinar a demais questões da demanda, julgando então o mérito da pretensão, sem que determine o retorno dos autos ao juízo de 1º grau.
É de se destacar que, quando do comando do CPC/1973, com raríssimas exceções, uma vez afastada a prescrição no plano recursal, eram os autos devolvidos ao juízo monocrático, para fins de julgar as questões tidas como remanescentes. Com o CPC/2015, procedendo o Tribunal da forma acima citada, julgará o mérito diretamente, não havendo, portanto, o retorno dos autos ao juízo de origem (1º grau).[5]
Por tudo, atenta-se aí que os problemas já pontuados quando do enfrentamento do §3º do art.1.013 supra acendem do mesmo modo no §4º, onde temos que, cassando a decisão de mérito, o Tribunal poderá passar a enfrentar outras matérias possivelmente não atacadas pelo recorrente em suas razões de Apelação, o que se continua a negar uma leitura das regras da “causa madura” à luz da principiologia constitucional, esta que no plano formal se faz precisamente absorvida, mas que requer, necessariamente, o seu alcance pragmático, a fim de possibilitar a realização efetiva de um processo justo e por isso, democrático.
Notas e Referências
[1] No mesmo sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 944.
[2] “Art. 489
(...)
- 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”
[3] O STJ, ainda sob a égide do CPC revogado, teve o seguinte entendimento sobre a matéria:
“No julgamento do mérito subsequente à cassação da sentença terminativa, é permitido ao tribunal decretar a improcedência da demanda, sem que isso esbarre nas vedações
à reformatio in pejus” (STJ. 2ºT. REsp 859595/RJ. Min. Eliana Calmon. Julg. em 21.08.2008, DJe 14.10.2008).
[4] STJ. 4º T. REsp 836.932/RO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Julg. Em 06.11.2008, DJe 24.11.2008.
[5] GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de Direito Processual Civil. 3 ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p.519.
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