A Bíblia é inconstitucional?

05/08/2018

Essa parece ser a conclusão de julgamentos proferidos por tribunais brasileiros. A título ilustrativo, o sítio Conjur tem dois artigos que mostram essa situação: “OBRIGAÇÃO SUSPENSA – TJ mineiro suspende lei que determina leitura de bíblia em escolas” (https://www.conjur.com.br/2003-ago-14/tj-mg_barra_lei_leitura_biblia_escolas) e “PRINCÍPIO DA LAICIDADE – Lei que exige Bíblia em espaços públicos de leitura é inconstitucional, decide TJ-AM” (https://www.conjur.com.br/2018-jul-21/lei-exige-biblia-espacos-publicos-inconstitucional-tj-am).

Em outro julgamento também nesse sentido, cujas razões podem ser tomadas como o entendimento absolutamente majoritário da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, foi proibida a leitura de versículos da Bíblia:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - RESOLUÇÃO Nº 03/2002 DO MUNICÍPIO DE CARANDAÍ - OBRIGAÇÃO DA LEITURA DE VERSÍCULOS BÍBLICOS, NO INÍCIO DE TODA REUNIÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL - LIBERDADE RELIGIOSA VIOLADA - LAICIDADE DO ESTADO - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONTIDO NA ADIN. Tanto a Constituição Federal, quanto a Constituição Estadual, impuseram aos entes federados uma postura de neutralidade em matéria religiosa, ex vi dos artigos 165, § 3º, da Constituição Estadual, que remete ao artigo 19, I, da Constituição Federal. Sendo, portanto, o Brasil um Estado laico, afigura-se inconstitucional a resolução da câmara municipal que obriga a leitura de versículos da Bíblia Sagrada antes do início de toda reunião ordinária. Procedência do pedido contido na inicial da ADIN. (TJMG - Ação Direta Inconst. 1.0000.14.072503-7/000, Relator(a): Des.(a) Antônio Carlos Cruvinel, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 24/06/2015, publicação da súmula em 03/07/2015)

Não encontrei, numa pesquisa superficial, no sítio do STF, algum julgamento sobre a questão, com a palavra “Bíblia”, porque o resultado teve apenas 16 julgados, uma repercussão geral e quinze acórdãos, todos versando sobre questões tributárias.

O motivo de esse tema ser desenvolvido decorre de um pensamento que me surgiu ao assistir às palestras de Jordan Peterson, já citadas, sobre “O Significado Psicológico das Histórias Bíblicas” (https://www.youtube.com/playlist?list=PL22J3VaeABQD_IZs7y60I3lUrrFTzkpat), em que, abordando, além dos textos bíblicos, as obras de Dostoiévski, Nietzsche e Jung, citado professor se refere à Bíblia, no mínimo, como uma parte fundamental da literatura ocidental, por sua magnífica exatidão e profunda verdade psicológicas.

Baseado no entendimento de Jung, Peterson questiona a proposta de Nietzsche, porque este teria declarado a morte de Deus e sustentado a necessidade de a humanidade criar seus próprios valores. Mas para Peterson, citando Jung, na medida em o homem não pode se criar como valor a partir do nada, havendo em si valores naturais decorrentes de bilhões de anos de evolução biológica e psicológica, valores que condicionam a vida humana, não podemos arbitrariamente criar significados e valores para nós e para o mundo, sob pena de virarmos as costas para a Natureza e mergulharmos em direção ao caos, até que a ordem natural se imponha a despeito de nossa vontade.

Peterson destaca a Bíblia como literatura, e mais que literatura, sendo, no mínimo, uma forma de expressão artística da humanidade, com inegável valor ainda atualmente, sem falar no fato de que o conceito de dignidade humana, fundamento dos sistemas jurídicos contemporâneos, é direta e inegavelmente decorrente dessa literatura específica.

Arte e religião estão interligadas, sendo formas de representação de uma verdade que se pretende atemporal e universal. A primeira parte de “Verdade e Método”, de Gadamer, explora a relação entre hermenêutica artística e religiosa, sobre a representação da realidade das coisas, dependente de uma ordem metafísica do mundo, relativa a símbolos universais.

“Minha tese portanto é que o ser da arte não pode ser determinado como objeto de uma consciência estética, porque, por seu lado, o comportamento estético é mais do que sabe de si mesmo. É uma parte do processo ontológico da representação e pertence essencialmente ao jogo como jogo” (Hans-Georg Gadamer. Verdade e Método. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 172 – grifo original).

A arte se refere à representação de uma verdade comum, que liga artista e espectador, com conotação, assim, religiosa, referente a uma unidade originária do entendimento.

“Com o conceito de jogo e da transformação da configuração, que caracteriza o jogo da arte, procuramos mostrar algo de universal, ou seja, que justamente a representação e correspondentemente a execução da obra literária e da música é algo essencial e nunca acidental” (Idem, p. 193).

Uma das formas de expressão artística é a música, reconhecida como um dos gatilhos capazes de despertar experiências religiosas. Música é expressão de religiosidade, podendo-se entender que em shows musicais as pessoas entram em uma espécie de transe, comportando-se como uma multidão regida por um líder (religioso).

Portanto, como a música é uma forma de expressão religiosa, ainda que muitos não tenham consciência desse fato, veio à minha mente a indagação sobre uma situação particular do Município de Ubá, Minas Gerais, especialmente pelo que consta na Lei n.º 3.031, de 17 de Outubro de 2000, do citado Município, em seu art. 1.º, determinando que: “Nas solenidades e eventos promovidos pelos Poderes Públicos Municipais, concorrentemente com a execução do Hino Nacional Brasileiro, proceder-se-á a execução da letra e música 'Aquarela do Brasil'”. O motivo de tal comando está no fato de a referida composição musical, conhecida internacionalmente, ser de autoria de Ary Barroso, natural do Município de Ubá. O conteúdo da música é qualificado como samba-exaltação, dentro de um contexto de ufanismo, destacando as qualidades do Brasil, numa espécie de religiosidade nacional.

Postos esses argumentos, ao adotar o entendimento majoritário acima transcrito, no sentido de que por ser o Brasil um Estado laico, e que por isso a leitura da Bíblia não pode ser obrigatória em determinadas ocasiões, para não ferir a laicidade do Estado, a citada Lei n.º 3.031, de 17 de Outubro de 2000, do Município de Ubá, ao exigir a execução da letra e música “Aquarela do Brasil” em eventos oficiais, também poderia ser considerada inconstitucional.

Como penso que a História e os valores fundantes da civilização, como as grandes obras e trabalhos de valores artísticos e históricos universais, muitos protegidos pela UNESCO, não são inconstitucionais, muito antes, pelo contrário, são o que constituem a própria humanidade enquanto tal, como espécie capaz de razão superior, inteligente e coletiva, do que a Bíblia é um exemplo planetário, e “Aquarela do Brasil” local, a ideia de Estado laico que fundamenta a doutrina e os julgados citados é filosófica, científica e juridicamente equivocada.

Isso ocorre porque vivemos um tempo de religião da matéria, expressa ou implicitamente, e a Bíblia somente é considerada inconstitucional porque os valores da humanidade foram subvertidos por essa forma oculta de religião materialista.

A civilização é diretamente decorrente dos valores de Cristo, porque CristianISMO significa humanidade regida pelo Logos, em que o centro, o ISMO, da humanidade é o Logos, Espírito ou Razão Coletiva, ou Santa, a partir do Método ou Modelo de Jesus Cristo.

Como vivemos o tempo do materialismo, por natureza contrário ao Logos, ao Espírito ou Razão Coletiva, vivemos tempos de individualismo e egoísmo desenfreados, historicamente estamos no tempo do anticristo, e a doutrina anticristã, ou materialista, domina o pensamento, sem que as pessoas o percebam, servindo de fundamento para as decisões citadas no começo do artigo, e para  tentar justificar outras barbaridades.

A literatura bíblica, com sua absoluta precisão psicológica, já havia previsto nosso tempo:

“Pois naquele tempo haverá uma grande tribulação, tal como não houve desde o princípio do mundo até agora, nem tornará a haver jamais. E se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma vida se salvaria. Mas, por causa dos eleitos, aqueles dias serão abreviados. Então, se alguém vos disser: 'Olha o Cristo aqui!' ou 'ali!', não creiais. Pois hão de surgir falsos Cristos e falsos profetas, que apresentarão grandes sinais e prodígios de modo a enganar, se possível, até mesmo os eleitos. Eis que eu vo-lo predisse” (Mt 24, 21-25).

Não há como negar que o materialismo que reina a partir do século XX se enquadra perfeitamente no quadro acima, em que Stalin, Hitler e Mao são exemplos de falsos cristos e falsos profetas, ligados às suas religiões, no que se inclui o comunismo e o arianismo nazista. Sobre essa questão religiosa remeto o leitor ao artigo “Religiões jurídicas” (http://emporiododireito.com.br/leitura/religioes-juridicas-por-thiago-brega-de-assis).

Resta, pois, concluir, que a Bíblia não é inconstitucional, porque sem a Bíblia não haveria a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada sob a proteção do Deus da Bíblia, sequer haveria Brasil, “O Brasil do meu amor, Terra de Nosso Senhor”. Será que alguém julgou o Gilberto Gil inconstitucional (https://www.youtube.com/watch?v=0NKhvp28Z-w)?

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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