A arte de não julgar

10/06/2018

Há alguns dias, um assistido me falou que cometeria um ilícito bastante grave. Embora tenha um posicionamento pessoal quanto à prática daquela conduta, tudo o que fiz foi lhe dizer as possíveis consequências jurídicas do ato que pretendia praticar, sem realizar quaisquer julgamentos pessoais, especialmente morais.

Isso, porque entendo que não cabe à/ao Defensor/a Pública/o fazer nenhuma espécie de julgamento, nem mesmo dar conselhos ou orientações que não sejam estritamente jurídicas. O mundo já está cheio de quem faça julgamentos dos mais variados. Quem sou eu para estabelecer que a minha moral é mais válida do que a moral da/o usuária/o da Defensoria Pública? Quem sou eu para estabelecer padrões de comportamento e acreditar que sei como é melhor agir, especialmente em uma realidade que – não sejamos hipócritas – está muito distante da minha?

Seria muito fácil pretender estabelecer minhas regras de conduta àquelas/es que atendo, ignorando que vivem situações absolutamente distintas das que eu enfrento diariamente. Seria muito conveniente ignorar que não posso, por exemplo, simplesmente dizer, logo após uma absolvição, “aproveita essa chance e não voltes a usar drogas”, quando não sou eu que sairei do Fórum e procurarei nos depósitos de lixo a maior caixa de papelão que encontrar para passar a noite.

E, nesse contexto, é necessário realizar não só um exercício de alteridade, mas ter consciência do meu papel de promoção de direitos. Se passo a aconselhar, determinando o que deve ser feito e afirmando que sei o que é melhor para a/o assistida/o, retiro o protagonismo de sua própria vida, colocando-a/o como coadjuvante na relação com a Defensora Pública, o que está longe de ser o objetivo da atuação defensorial. Se, em tantos outros momentos e em tantas outras esferas da sociedade, a pessoa em situação de vulnerabilidade(s) se encontra como coadjuvante, quando atendida pela Defensoria Pública, deve ser e se sentir protagonista, especialmente do direito de conduzir a sua própria vida.

Nem sempre é fácil afastar a voz de um diabinho que fica soprando no meu ouvido algo que eu “deveria” dizer. Nem sempre é fácil não julgar. Mas é também por meio desse exercício diário de respeito à/ao outra/o como protagonista da sua própria história, ainda que seja escrita de um modo distinto do que faríamos, que se concretizam os direitos mais fundamentais dos indivíduos. Esse respeito à autodeterminação, independentemente da moral que a pauta, faz parte do reconhecimento e da preservação da dignidade da pessoa humana.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Arte // Foto de: Coffee Story // Sem alterações

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