A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE COMO MEIO DE EXTERIORIZAÇÃO DA CAPACIDADE ECONÔMICA NA MAJORAÇÃO DO IPTU

11/05/2018

Coluna do IASC

Os entes políticos outorgados como competentes para instituir tributos possuem limitações previstas na Constituição Federal com o escopo de inviabilizar o uso arbitrário do poder de tributar do Estado. O conjunto de princípios e normas que disciplinam esses balizamentos correspondem às chamadas limitações do poder de tributar.

Estes balizamentos encontram-se, de maneira precípua, nos Princípios Constitucionais Tributários, entretanto não se esgotam nos artigos 150 a 152 da Carta Magna, vez que são inúmeros os princípios explícitos e implícitos consagrados e imperiosos que permeiam a Constituição e se configuram como balizadores. É o caso dos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.

Tais Princípios são parâmetros fundamentais para aferir a constitucionalidade material na majoração do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), como instrumentos de exteriorização da capacidade econômica, mas que não possuem previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro, apesar do seu uso comum e por vezes equivocado.

O Princípio da Razoabilidade, derivado implicitamente do devido processo legal constante na Constituição, tem origem no due process of law do direito norte americano, sobretudo, em sua fase substancial[1]. Aplicado originalmente em um sistema jurídico de precedentes afere a constitucionalidade dos atos estatais por meio do coeficiente de razoabilidade, ou seja, daquilo que é considerado aceitável pela sociedade em um tempo/espaço determinado. A dificuldade de seu entendimento deve-se a ausência de uma hipótese de fato que quando concretizada emerge sanções, em vez disso, a razoabilidade exige a vinculação entre determinados elementos (geral x individual, norma x realidade, critério x medida, enunciados prescritivos entre si).

Por sua vez, o Princípio da Proporcionalidade trata-se de conteúdo mais complexo. Sua origem remonta à jurisprudência alemã[2] e tem der se analisado sob a ótica de três elementos: a adequação (o meio deve levar a realização do fim), a necessidade (a medida não deve exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja) e a proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância do da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva[3]). Segundo Paulo Bonavides (2002, p. 362) o sobredito princípio deriva dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, vez que serve para manter o equilíbrio de todo o ordenamento jurídico, conciliando o direito formal e o material.

Ambos princípios são categóricos como parâmetros/critérios para concretização do Princípio da Capacidade Econômica, exteriorizado por meio da progressão fiscal, na majoração do IPTU.

Cabe ressaltar que no IPTU, em regra, a capacidade econômica é aferida em função do valor do imóvel, e não sobre as condições pessoais do contribuinte, tendo em vista que os impostos reais levam em consideração a situação material, sem levar em conta as condições pessoas do sujeito passivo.

Para sustentar tal disposição, Roque Antonio Carrazza exemplifica que se “não fosse assim, além de incerteza e insegurança, proliferariam situações deste tipo: pessoa hoje pobre, mas que adquiriu caríssimo imóvel em período economicamente faustoso de sua vida profissional, estaria salvo do IPTU” (2003, p. 95).

Dentro deste liame, a progressividade fiscal, que se traduz em técnica de incidência de alíquotas variadas na medida em que se majora a base de cálculo do IPTU, atua como meio de efetivação do Princípio da Capacidade Econômica, tendo em vista que trata de maneira diferenciada os desiguais, cumprindo a máxima do sobredito. É o que ressalta Moreira Filho e Lôbo (2004, p. 332, grifo do autor): “A satisfação do princípio da capacidade contributiva [econômica] (fim) reclama o emprego da técnica da progressividade de alíquotas (meio). Não se realiza com a simples proporcionalidade, já que esta última mostra-se incapaz de diferenciar os indivíduos de acordo com as suas forças econômicas. Vale lembrar que um imposto é simplesmente proporcional quando a alíquota não acompanha o crescimento da base de cálculo, preservando-se sempre uniforme. Será progressivo, por outro lado, quando as alíquotas crescerem na medida em que houver o incremento da matéria tributável”.

Através das alíquotas progressivas é possível fazer com que aqueles que revelam melhor situação econômica e, portanto, capacidade para contribuir com as despesas públicas, o façam em maior grau que os demais, não apenas proporcionalmente a sua maior riqueza, mas suportando maior carga em termos percentuais.  É, portanto, um instrumento de efetivação do princípio da capacidade contributiva, que deve, contudo, ser utilizado com moderação, para não desestimular a geração de riqueza, tampouco induzir à sonegação.

Aliás, o ponto fundamental do uso da progressividade fiscal está nos limites impostos ao Poder de Tributar do Estado, vez que se por um lado é o meio mais adequado para efetivação do princípio da capacidade econômica, e, por conseguinte, da igualdade, por outro, pode exceder os limites do poder de tributar, de tal modo que se torne inconstitucional.

E é neste liame que os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade assumem feição fundamental, na medida em que aferem concretamente estes limites e o cumprimento dos valores constitucionais.

Os referidos princípios são “critérios utilizados pelos tribunais superiores na aferição de constitucionalidade de atos estatais e na solução de colisões entre garantias constitucionais, possuindo importante papel no controle da discricionariedade do legislador” (SILVA, A., 2010, p. 93).

No que concerne ao juízo de razoabilidade na majoração do IPTU por meio da progressividade fiscal, este analisa a razoabilidade dos valores alcançados pela aplicação da alíquota à base de cálculo, que não devem exceder de tal modo que inviabilize o direito fundamental do contribuinte: a Propriedade. É juízo eminentemente hermenêutico, de interpretação moral do Poder Judiciário, que na análise do caso concreto poderá concluir que o ato estatal é substancialmente desarrazoável, ou seja, contrário ao bom senso (BRAGA, 2008, p. 66), eis que a partir deste parâmetro o aumento poderá ser considerado abusivo.

No que tange ao Princípio da Proporcionalidade na majoração do IPTU por meio da progressividade, esta é uma análise mais desenvolvida, até porque o sobredito possui elementos mais complexos, portanto, o Poder Judiciário ao aferir a constitucionalidade material na majoração do IPTU, terá que empreender a reflexão acerca destes três elementos. Ou seja, se há:

1) Adequação: a progressividade é a técnica mais adequada para alcançar os fins almejados?

2) Necessidade: se entre os meios existentes, este é o meio menos gravoso para alcançar os fins e;

3) Proporcionalidade em sentido estrito: “Um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva” (SILVA, V., 2002, p. 19).

Na análise concreta da majoração do IPTU é possível concluir que os elementos de adequação e necessidade, se aplicado a técnica de progressividade das alíquotas, estarão satisfeitos e, desta forma, a minuciosa interpretação se dá pela proporcionalidade em sentido estrito da majoração, que julgará sobre dois valores constitucionais: o Poder de Tributar do Estado, de um lado, e o direito à propriedade e a vida digna, de outro, de modo que por meio da aplicação destes parâmetros o judiciário alcance a razoabilidade e a proporção necessária para que a majoração do IPTU não seja  materialmente inconstitucional e, consequentemente, produza efeitos manifestamente injustos no patrimônio do contribuinte.

Notas e Referências

[1] “O due process passa a ser invocado para avaliar a constitucionalidade de leis estaduais e leis do Congresso, a partir da aplicação da chamada ‘regra da razão’ (rule of reason), significando que uma lei, para ser considerada razoável, deveria parecer “sensata, digna de aplauso e compreensível aos intérpretes” (BROCHADO, 2002, p. 128)

[2] [..] e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com sub-elementos independentes - a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - que são aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade (SILVA, V., 2002, p. 8).

[3] Afonso da Silva (2002, p. 19)

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.  Acesso em: 14 set. 2015. 

BRAGA, Valeschka e Silva. Princípio da Proporcionalidade & da Razoabilidade. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2008.

BROCHADO, Mariá. O princípio da proporcionalidade e devido processo legal. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 155, n. 39, p.125-141, jun. 2002. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/799/R155-09.pdf?sequence=4>. Acesso em: 16 out. 2015.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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SILVA, Ana Paula Caldin da. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da Proporcionalidade na jurisprudência tributária brasileira. 2010, 101 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)- Universidade Presbiteriana Mackenzie. Disponível em: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp142478.pdf>. Acesso em: 15 out. 2015. 

SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, 2002. Disponível em: < http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/69_SILVA,%20Virgilio%20Afonso%20da%20-%20O%20proporcional%20e%20o%20razoavel.pdf>. Acesso em: 18 out. 2015.

ZILVETI, Fernando Aurélio. Progressividade, justiça social, e capacidade contributiva. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, vol. 76, 2002.

 

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