Coordenador: Gilberto Bruschi
1. Introdução
O Novo Código de Processo Civil (Lei. 13.105/2015) traz mudanças significativas em relação à Fazenda Pública, e tais mudanças merecem detalhamento. Envolver o Poder Público na máquina judiciária é ter tratamento diferenciado no que tange aos trâmites processuais, dessa forma, é necessário analisar as mudanças constantes no novo Código.
Neste sentido, serão abordadas as mudanças no que se refere aos honorários de sucumbência (art. 85, § 3 e ss.), da remessa necessária (art. 496), do cumprimento de sentença (art. 534 e ss.) e da execução (art. 910), e as prerrogativas processuais conferidas pelo novo Código de Processo Civil (prazo em dobro e intimação pessoal do advogado público).
O presente artigo visa analisar e esclarecer as mudanças que terão impactos quando o Poder Público estiver em juízo, seja como autor ou réu.
2. A Fazenda Pública e as Prerrogativas conferidas pelo Novo Código de Processo Civil
O interesse público deve prevalecer sobre o privado, desta forma, criaram-se prerrogativas ao ente público para atender melhor a coletividade. Não se confunde as prerrogativas com privilégios, senão estaríamos violando o princípio da isonomia.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a prevalência dos interesses da coletividade sobre o interesse dos particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável e justifica a existência de diversas prerrogativas em favor da Administração Pública, tais como a presunção de legitimidade e a imperatividade dos atos administrativos, os prazos processuais e prescricionais diferenciados, o poder de autotulela, a natureza unilateral da atividade estatal, entre outras[1].
Para podermos falar em prerrogativas, precisamos entender quem é considerado Fazenda Pública. Para Leonardo Carneiro da Cunha, denomina-se Fazenda Pública a pessoa jurídica de direito público interno em juízo, independentemente de a demanda versar sobre matéria financeira ou fiscal[2].
Assim sendo, ente público é não somente União, Estados, Municípios e o DF, mas aqui estão incluídas as Autarquias e Fundações Públicas.
Resguardado pelo princípio da isonomia, necessário se faz a Fazenda gozar de prerrogativas processuais, a fim de resguardar a igualdade material entre as partes. As prerrogativas trazidas pelo novo Código visam estabelecer igualdade entre as partes, quando uma delas é o ente público, seja no polo ativo ou passivo da demanda.
Não são raras às vezes em que o ente público está em situação desfavorável, seja em razão de sua estrutura ou por falta de servidor. Tomemos como exemplo um pequeno Município, que por vezes possui apenas um procurador para atender toda a demanda (cível, tributário, administrativo, consultivo e contencioso).
O art. 183 do novo Código ilustra a igualdade entre as partes, quando traz a contagem de prazos em dobro para o ente público.
“Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início da intimação pessoal”.[3]
A prerrogativa da contagem dos prazos em dobro apenas não se aplicará quando a lei dispuser de forma diferente (art. 183, § 2º).
O legislador inova ao trazer no caput do mesmo art. 183, a necessidade da intimação pessoal do procurador, no Código de 1973, essa prerrogativa restringia-se apenas e tão somente aos membros do Ministério Público.
No mais, com o passar dos anos outras carreiras foram conquistando essa prerrogativa por intermédio de legislação complementar, como por exemplo, a Advocacia-Geral da União (Lei Complementar nº 73, de 10.02.1991, Lei n° 10.259, de 12.07.2001, Lei nº 11.033, de 21.12.2004).
A necessidade de intimação pessoal do advogado público vai de encontro com o bom desempenho da máquina administrativa, uma vez que pode o procurador elaborar melhor sua defesa, possuindo tempo adequado para realizar seu trabalho.
Bem lembra Luiz Antônio Amorim Silva (2012, p. 810):
“Não são poucos os casos em que tão somente o texto que consta do mandado ou da publicação se mostra insuficiente para que o representante judicial entenda o que se passa no processo e possa realizar o procedimento ou elaborar a peça cabível. De tal modo, até mesmo a prerrogativa de intimação por mandado se mostra insuficiente, pois além da dificuldade de entendimento ressaltada, o mandado normalmente não vem acompanhado dos documentos que instruem o processo, em especial os que instruem a inicial”.[4]
Nos dias atuais, a Fazenda Pública representa uma grande parcela dos processos em curso, a prerrogativa trazida pelo art.183 do NCPC é medida imposta para tentar se alcançar a igualdade material no processo.
Para melhor aplicação do princípio da isonomia, justificável o ente público gozar de prerrogativas que visem resguardar o interesse da coletividade, e promover cada vez mais o equilíbrio processual entre as partes.
3. Da remessa necessária
A remessa necessária esta disciplinada no art. 496 do Novo CPC, a regra é de que a sentença de primeiro grau seja confirmada por um órgão hierarquicamente superior. No mais, o mesmo art. 496, traz em seus parágrafos 3º e 4º exceções, no que tange a remessa necessária, composta por um escalonamento.
O legislador criou o instituto da remessa necessária com o intuito de proteger a res pública, tendo em vista, que quando é proferida uma sentença na qual a Fazenda Pública é a parte vencida, o valor a ser pago sairá dos cofres públicos, gerando assim um prejuízo.
E toda sentença que está sujeita ao reexame necessário somente produzirá seus efeitos após ser confirmada pelo tribunal (art. 496, I do CPC)? A resposta é não, pois como dispõe o art. 14, §§ 1º e 3º da Lei. 12.016/09 (ordem concessiva de mandado de segurança) o reexame necessário não impede os efeitos da sentença, podendo esta ser executada provisoriamente, impedindo apenas e tão somente o seu trânsito em julgado.
O doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves entende que o reexame necessário, é apenas um fato impeditivo da geração do trânsito em julgado da sentença. Dispõe:
(...) “O reexame necessário, portanto, não impede necessariamente a geração de efeitos da sentença, mas tão somente seu trânsito em julgado, sendo mais adequado afirmar que o reexame necessário é condição impeditiva da geração do trânsito em julgado, e não da eficácia da sentença. Na realidade, o efeito suspensivo do reexame necessário segue os efeitos da apelação: se o recurso tiver tal efeito, o reexame necessário também o terá, e se o recurso não tiver o reexame necessário, não impedirá a geração imediata dos efeitos da sentença”.[5]
A remessa necessária não é novidade no novo Código, vez que já estava prevista no anterior, em seu art. 475, no qual abrangia as sentenças cujo valor fosse superior a 60 (sessenta) salários-mínimos.
O Código de 2015 modificou esses critérios, como já visto, utilizando três critérios diferentes, e fortalecendo o sistema de precedentes judiciais, evitando assim as decisões conflitantes do próprio órgão e consequentemente a insegurança jurídica.
4. Do cumprimento de sentença (art. 534 e ss.) e do Processo de Execução (art. 910) contra a Fazenda Pública.
O cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública vem disciplinado no art. 534 e 535 do novo Código, trazendo varias mudanças em relação ao anterior.
Diferentemente do que ocorre no cumprimento de sentença comum (art. 523, § 1º), o ente público é intimado para caso queira apresente impugnação, no prazo de 30 (trinta) dias (art. 535), e não para o pagamento.
Ressalta-se ainda, que os requisitos previstos no art. 534 do novo Código, são quase que idênticos aos aplicáveis no cumprimento de sentença dos devedores em geral, com a diferença da inaplicabilidade das multas previstas no § 1º do art. 523, sob o fundamento já pacificado tanto na jurisprudência, quanto na doutrina, que os pagamentos feitos pela Fazenda Pública, se dão por meio de precatórios, ou requisitórios de pequeno valor (art. 100 da Constituição Federal).
Muito embora haja omissão no Código, não é possível o protesto de sentença previsto no art. 517, bem como à aplicação de medidas coercitivas para o recebimento da quantia exequenda.
No que tange a impugnação, o ente público poderá fazê-la no prazo de 30 (trinta) dias, como já mencionado (art. 535, caput), no qual o rol taxativo de matérias passíveis de alegação está previsto no inciso I e seguintes do art. 535.
No antigo Código de 1973, a impugnação era feita mediante embargos (art. 741), com prazo de 10 (dez) dias (art. 730). A mudança mais expressiva que podemos notar vem contida nos §§ 7º e 8º do art. 535 do Código de 2015, disciplinando acerca das decisões do Supremo Tribunal Federal que afetam a exigibilidade de títulos contra a Fazenda Pública.
O Código anterior já previa a inexigibilidade do título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF (art. 741, p.u), mas o novo Código inova no sentido de que a decisão que declara a inconstitucionalidade deve ser proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda (art. 535, § 7º), resguardando assim a segurança jurídica.
Já o § 8º do mesmo art. 535, inovou com a previsão da possibilidade de que caso a decisão de declaração de inconstitucionalidade do STF (art. 535, § 5º), seja após o trânsito em julgado da decisão exequenda, cabe a Fazenda Pública discutir o mérito, e consequentemente modificar a decisão em sede de Ação Rescisória.
O novo diploma legal assevera que se a impugnação do ente público for apenas de maneira parcial, a parte incontroversa será de plano objeto para o cumprimento de sentença (art. 535, § 4º). Essa disposição legal vem de encontro com o entendimento já consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.497.627/PR, rel. Min. Humberto Martins, j. 14/04/2015, Dje 20/04/2015). Vejamos entendimento:
“O Superior Tribunal de Justiça já analisou a possibilidade de expedição de precatório da parte incontroversa e firmou posicionamento no sentido de que a execução da parcela da dívida não impugnada pelo ente público deve ter regular prosseguimento, ausente, em consequência, óbice à expedição de precatório”.[6]
O CPC de 2015 modifica a regra contida no antigo Código de 1973, diferenciando o cumprimento de sentença fundado em título judicial, da execução fundada em título extrajudicial. O que anteriormente era feito tudo mediante processo autônomo, hoje em se tratando de titulo judicial seguirá o rito do cumprimento de sentença (art. 534 e 535), como já visto anteriormente, em se tratando de título extrajudicial seguirá o rito da execução (art. 910).
No que tange ao processo de execução contra a Fazenda Pública (art. 910), pode-se asseverar que não houve muitas mudanças, uma vez, como já suscitado a ordem de pagamento ocorrerá nos moldes do art. 100 da CF.
Igualmente como ocorre no cumprimento de sentença (art. 535, caput), a Fazenda Pública será citada para opor embargos à execução (art. 910, caput), e não para pagar. Caso o ente público não opor embargos, ou rejeitados, o processo seguirá no que couber o procedimento do cumprimento de sentença (art. 534 e 535), sendo expedido precatório ou requisitório de pequeno valor se for o caso.
Por fim, o § 2º do art. 910, dispõe que nos embargos opostos pelo ente público, poderá ser alegado qualquer matéria de defesa, por óbvio, uma vez que o titulo exequendo é extrajudicial, caberá discutir sua veracidade.
5. Os honorários de sucumbência (art. 85, § 3º e ss.)
O Novo Código traz inovações significativas no que tange a aplicação de honorários de sucumbência em relação à Fazenda Pública, evitando assim, a aplicação equitativa prevista no Código de 1973, que não rara às vezes os honorários eram fixados abaixo do mínimo legal.
Para os defensores da condenação dos honorários nos moldes do Código anterior, entendem que tal fato se justificava, por se tratar da supremacia do interesse público sobre o particular, no qual impede que a condenação de honorários de sucumbência seja nos moldes aplicados ao particular.
O art. 85, § 3º do NCPC, afastou a antiga aplicação equitativa, fixando percentuais, dependendo do valor da condenação, sem deixar de observar os critérios dos incisos I a IV do § 2º.
E não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 4º, III do art. 85 do Novo CPC (NEVES, 2017, p.159).
Ressalta-se ainda, que há previsão expressa no § 19, do art. 85, de que os advogados públicos, também receberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.
6. Conclusão
Conclui-se que o Novo Código de Processo Civil (Lei. 13.105/15), trouxe várias mudanças para quem atua junto ao ente público, algumas dessas mudanças foram a desnecessidade de remeter toda e qualquer sentença para apreciação do Tribunal, eliminação da fixação dos honorários de sucumbência por equidade, bem como a necessidade da intimação pessoal do advogado publico.
Outro ponto que podemos notar é quão necessário se faz a manutenção das prerrogativas mantidas no novo diploma legal, vez que como já exposto, caso não houvesse, por exemplo, o prazo em dobro, o sistema não se sustentaria.
O Novo Código é democrático, visa preservar a celeridade processual, eliminando assim a morosidade que abarrota o judiciário dia-a-dia.
Na aplicação do Novo Código para com a Fazenda Pública, não houve extinção de prerrogativas, mas sim uma readequação a nova realidade processual. Visou, acima de tudo, preservar o erário e toda sociedade, tendo em vista que a máquina pública pertence a todos os cidadãos.
Notas e Referências:
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 20.
[2] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2011.
[3] BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 03 de jul. 2017.
[4] SILVA, Luiz Antonio Miranda Amorim Silva. A Fazenda Pública e o Novo CPC. In: Lucas dos Santos Pavione; Luiz Antonio Miranda Amorim Silva. (Org.). Temas Aprofundados AGU. v. 1. 1. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 801‐829.
[5] NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Pg. 854.2ª. Ed.Salvador: JusPodivm.2017.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no REsp: 1497627 PR 2014/0301737-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 14/04/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/04/2015.
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