A AÇÃO RESCISÓRIA E O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PARA SUA PROPOSITURA EM FACE O TRÂNSITO EM JULGADO NO CPC DE 2015

17/03/2020

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Diante da temática da Ação Rescisória e a polêmica da contagem do prazo para sua propositura diante da Coisa Julgada, imperioso se faz estabelecer distinção entre os conceitos dos institutos que os envolvem e discutir quanto ao termo inicial mais adequado para a contagem dos prazos.

A coisa julgada pode ser entendida como uma qualidade que reveste a decisão judicial que é acobertada pelo trânsito em julgado, assim, tornando-se uma decisão imutável e indiscutível em seu mérito, pois impede a alteração de novos entendimentos sobre o objeto da lide após a pronúncia estatal, ou seja, proíbe a rediscussão sobre o tema no judiciário em qualquer instância.

Com isso, o objetivo da coisa julgada é impedir decisões conflitantes e/ou decisões judiciais diversas sobre o mesmo tema, havendo apenas uma única possibilidade do juiz decidir e estabilizar a sua decisão, garantindo na prática o direito constitucional previsto no artigo 5º, inciso XXXVI da Carta Maior, a segurança jurídica, estando essa intimamente ligada com a inalterabilidade da decisão judicial.

Via de regra, por não haver a possibilidade de alteração da coisa julgada, para que se alcance tal qualidade, é necessário o esgotamento de todos os meios legais, entende-se aqui, o uso de todos os recursos, reexames de fatos e provas para que se alcance tal imutabilidade, tendo em vista que o trânsito em julgado inicia um novo fato jurídico, logo, a coisa julgada se torna indiscutível.

Dito isso, é preciso diferenciar o trânsito em julgado e a coisa julgada, pois esses institutos não se confundem, uma vez que o trânsito em julgado diz respeito a ordem cronológica de esgotamento interno de revisão da decisão, enquanto a coisa julgada tem o aspecto de respeito quanto a autoridade estabelecida, consistindo na definição da relação processual, sendo vedado a propositura de uma nova ação para se discutir a mesma causa envolvendo as mesmas partes.

Portanto, a coisa julgada não é um efeito, ela não decorre da decisão, ela é um ‘’plus’’ que vincula a decisão, é uma qualidade que abrange a imutabilidade e incontestabilidade, razão essa porque os efeitos da sentença não se tornam imutáveis com o trânsito em julgado, podendo de certa forma ser alterado sem que haja afronta a coisa julgada, não incidindo em ato inconstitucional.

A hipótese de alteração dos efeitos se dá no âmbito das relações disponíveis, não estando as partes vinculadas a declaração estatal, podem elas abdicar da solução dada pelo juiz para consensualmente possa estabelecer outra forma para cumprimento, porém sem que seja feito por nova ação judicial. Diante disso, conclui-se que a imutabilidade apenas atinge apenas o comando jurisdicional, mas não torna imutável os efeitos dessa decisão.

Em contrapartida, a Constituição Federal prevê expressamente a hipótese em que a coisa julgada pode ficar em segundo plano, pois há um modelo autônomo da ação rescisória, sendo essa, a impugnação que tem como finalidade desconstruir a decisão judicial transitada em julgado quando houver vício grave, ou quando foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, quando proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, quando resultar de dolo ou coação da parte vencedora sobre a parte vencida, dissimulação ou colusão entre as partes a fim de fraudar a lei, quando ofender a coisa julgada ou violar manifestamente norma jurídica, quando for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em outros processos ou quando constituir elemento da ação rescisória na hipótese do autor obter posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova ou quando a decisão for fundada em erro de fato verificável do exame nos autos, nos termos do artigo 966 e incisos do Código de Processo Civil. Trata-se de uma ação com previsão constitucional que visa arrebentar a coisa julgada quando houver situações que maculem ou influenciem a decisão judicial de mérito, podendo se dizer que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, de modo que, dependendo da circunstância, a decisão coberta pela coisa julgada poderá se perder com uma ação rescisória em que resulte na busca da justiça em detrimento à segurança jurídica como medida excepcional.

Tendo como ponto de partida essas breves definições quando aos institutos, para o estudo do CPC de 2015, a Lei 13.105 passou a descrever um processo civil constitucional voltado ao devido processo legal e razoável duração do processo, proporcionando uma tutela mais justa, efetiva e equilibrada aos jurisdicionados.

Nessa perspectiva, a celeridade processual faz com que a lei permita decisões parciais de mérito sobre capítulos autônomos de decisões, assim, as decisões poderão transitar em julgadas antes mesmo do fim do processo, evitando a postergação da proteção jurisdicional, ou seja, passa a ser possível haver várias decisões parciais com diversas ações rescisórias para se discutir cada pontualidade da coisa julgada.

Destarte, as ações rescisórias impugnarão as decisões de mérito, total ou parcialmente proferidas após o trânsito em julgado, a fim de desfazer a prestação jurisdicional, tendo como fundamento o artigo 966 do Código de Processo Civil.

Em que pese o artigo 975 prever que o direito quanto a ação rescisória se extingue em dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, deve-se observar que o parágrafo 3º do artigo 966 do Código de Processo Civil, em que trás a possibilidade da ação rescisória ser objeto de apenas um capítulo da decisão, deve ser ter em mente a dinâmica e a sistematização que o CPC 15 trouxe, fazendo uma interpretação constitucional para compreender tais dispositivos, pois a grande discussão é quanto ao termo inicial para sua propositura e, ainda pendente de outras decisões no processo principal, ou seja, gera conflitos acerca da ação rescisória sobre decisões parciais de mérito.

Levando-se em conta o embate, há três posições que direcionam o entendimento para a melhor satisfação prática sobre a contagem inicial: I)  o entendimento do STJ no verbete 401, havendo um único prazo para a rescisória, sendo contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo; II)a posição intermediária que defende que, sendo possível haver decisão parcial, o prazo será de imediato e tendo como prazo final dois anos a contar da última decisão final do processo, posição essa contraditória em sua essência, concedendo prazo maior que a lei prevê em situação de decisão parcial e, III) a posição defendida pelo STJ a partir da interpretação sistemática do novo CPC de 2015, superando a súmula 401, sendo autônomas as contagens dos prazos para cada coisa julgada.

A terceira corrente encontra-se mais adequada, pois o último posicionamento do STJ que superou sua própria súmula 401, mostra-se mais moderna e adequada na medida em que o CPC de 2015 veio para ser mais efetivo e célere, tendo como base a Constituição Federal e seus princípios, intervindo diretamente na lei processual e procedimental, assim, demonstrado de forma inequívoca no artigo 1° do CPC, in verbis:’’ O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste código’’, dessa forma o entendimento não poderia se mostrar diferente, será baseado no equilíbrio entre as tensões das partes, pois a celeridade processual, a efetiva prestação jurisdicional, a razoável duração do processo e devido processo legal, bem como as considerações flexivas que a reforma processual trouxe com previsões expressas, nada mais será que aplicação na prática, sendo um serviço mais humano com previsões e possibilidades adequadas na jurisdição.

Deve-se ater ao meio termo, tendo como ponto de partida o equilíbrio entre os apostos, não podendo ser longo e nem curto, sem beneficiar e/ou prejudicar qualquer uma das partes envolvidas na relação processual, como a razoável duração do processo, devendo o prazo da ação rescisória ser contado a partir do trânsito em julgado de cada decisão, recaindo a coisa julgada sobre as decisões parciais, em razão da melhor prestação jurisdicional, pois sob a perspectiva constitucional, não poderá desproteger os jurisdicionados.

Portanto, embora não haver previsão expressa do prazo para propositura da ação rescisória diante das decisões parciais de mérito acobertadas com o trânsito em julgado, o entendimento mais razoável na sistemática processual constitucional moderna é o da terceira corrente, pois se na prática é admissível a possibilidade de julgamento parcial, a contagem de prazo deve corresponder com a nova sistemática.

 

Notas e Referências

[1] BUENO, Cassio Scarpinella.Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

[2] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2

[3] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, RAFAEL. Curso de direito processual civil. 10ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 2, p. 528-529. Acolhendo a argumentação ora defendida: OLIVEIRA JÚNIOR, Délio Mota de. A formação progressiva da coisa julgada material e o prazo para o ajuizamento da ação rescisória: contradição do novo código de processo civil. FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi. Doutrina Selecionada: Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 6.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória:do juízo rescindente ao juízo rescisório. São Paulo: Ed. RT, 2017. v. 2.

[5] PEIXOTO, Ravi. Sobre a contagem do prazo na ação rescisória e o trânsito em julgado parcial. Empório do Direito, 04.10.2016. Disponível em: [http://emporiododireito.com.br/sobre-a-contagem-do-prazo-na-acaorescisoria-e-o-transito-em-julgado-parcial-por-ravi-peixoto/]. Acesso em: 10.12.2019.

[6] STF, 1ª T., RE 666.589, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25/03/2014, DJe 03/06/2014. Em outros dois precedentes, o STF já havia adotado entendimento semelhante: No mesmo sentido: STF, Pleno, AR 903/SP, rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 17.6.1982, DJU 17.9.1982; AI 393.992/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30.05.2004, DJ 30.08.2004.

[7] CPC/2015, Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

[8] CF/88, Art. 5º, XXXVI: A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

 

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