A AÇÃO MODIFICATÓRIA EM TEMPOS DE CRISE – 9ª. Parte

19/05/2020

 

 

Tratamos, no texto anterior, da competência para processar a ação modificatória. Desta feita, trataremos de outro pressuposto necessário à sua admissibilidade: a legitimidade ad processum. Ademais, analisaremos o problema de sua prescritibilidade.

Primeiramente, a questão da legitimidade.

Em termos jurídico-dogmáticos, legitimidade dá-se na titularidade de uma situação jurídica. Não há legitimidade que não esteja intrinsecamente vinculada a uma titularidade. Observe-se, aquela dá-se nesta, não é a própria titularidade. Ser titular significa ter (no sentido de ser dono) a situação jurídica, feita de direitos e poderes, basicamente. A legitimidade ocorre nisto, porque é sempre potência para agir, mas agir sobre algo que se tem, daí essa relação funcional da legitimidade para com a titularidade. Legitimidade, portanto, é sempre legitimidade para agir, das mais variadas formas em que este se faz possível, como o exigir e o acionar[1]. Ocorre sempre no plano da realidade, já que vinculada à (titularidade da) coisa que se tem.  

Outro dado relevante sobre a legitimidade é o fato de que algumas delas referem-se a um agir que se opõe ao interesse de alguém. É o caso do exigir, do acionar e do excepcionar. Nelas, como o agir dá-se contra alguém, há sempre o lado passivo da legitimidade, chamado de legitimidade passiva. Esse tipo de legitimidade é uma oponibilidade. Portanto, neste caso, somente se tem legitimidade, se, e somente se, o agir voltar-se contra o indivíduo oponível, sendo irregular e, por consequência, ineficaz[2] o agir se ele foi movido contra outro indivíduo. Há, aqui, uma relação entre poder e submissão. 

            Nos âmbitos pré-processual e processual, como em quaisquer outros, há legitimidades. É o caso da conhecidíssima legitimatio ad causam[3]. Muitas outras existem, todavia. Isto por um motivo óbvio, como muitas são as situações (pré e) processuais possíveis, muitas serão as legitimidades. Por isso, há legitimidade para intervir, para contestar, para depor, dentre outras.

No caso da ação modificatória, a legitimidade ativa é daquele que se submete à decisão impugnada; a passiva, do beneficiário. Havendo mais de um, para ambos os lados, há necessidade de comunicação de todos, pelos meios processuais próprios: colocação no polo passivo, em se tratando de legitimado passivo; necessidade de citação (de tipo segundo, na forma do – pessimamente escrito – parágrafo único do art. 115, CPC), ao legitimado passivo diverso do acionante. Ressalte-se que o termo submetido à decisão impugnada e o termo beneficiário dela são mais abrangentes que os de partes (autora e ré) da ação originária. Tanto um quanto o outro abarcam também eventuais terceiros relacionados à tal decisão, ditos: interessados.

Não obstante, até porque é possível ter havido transmissão da situação jurídica definida na decisão (dantes, litigiosa), a legitimidade será dos sujeitos para os quais se deu a transmissão: herdeiros, outros sucessores, adquirentes, cessionários, sub-rogado no crédito etc. Aplica-se, aqui, por analogia de atribuição, o disposto no inciso I do art. 967, CPC.

Passamos a analisar o problema da prescrição.

Por não haver regra específica sobre: quer fixando a imprescritibilidade, quer estabelecendo outro tipo de acidente da vida acional, como a preclusividade (como ocorre com a ação rescisória), não resta outra solução dogmática senão a de se entender por prescritível a ação modificatória. Importante destacar que o prazo prescricional aludido não se confunde com o prazo (decadencial e prescricional) do próprio direito material processualizado.  

Por ausência de regramento específico, aplica-se o prazo padrão fixado na legislação brasileira: 10 (dez) anos, a teor do art. 205, CC.  Obviamente, a regra geral apontada acima será inaplicável quando existir modelo normativo especial como, por exemplo, na ação modificatória envolvendo interesse da Fazenda Pública.

O termo inicial para início do prazo será a data da ocorrência do fato modificativo (mudança do estado de fato ou de direito). Note-se que, da mesma forma da relação originária, o fato modificativo poderá ser de trato sucessivo, que será o condão de iniciar novos marcos prescricionais para a ação de modificação. Assim, com a fluência do prazo prescricional, a ação modificatória somente abrangerá os períodos posteriores aos compreendidos no prazo. Assim, se proposta após 11 (onze) anos do início do prazo prescricional, a força da ação referir-se-á às situações ocorridas após o transcurso do décimo ano do prazo, pois todo o período anterior restará atingido pela eficácia prescricional.     

Frise-se que a defesa da prescritibilidade da ação modificatória nada que tem com critérios apriorísticos (e, portanto, errados em si mesmos) de estabelecimento do que seja como tal. Trata-se de uma análise seca do direito vigente.

No próximo (e último) texto, abordaremos o problema do conteúdo eficacial da ação modificatória.

 

Notas e Referências

[1] Como muito bem percebeu Antonio do Passo Cabral, a legitimidade pode ser referente a um determinado ato (ad actum), e não a toda uma complexidade, como o procedimento judicial (Despolarização do Processo e Zonas de Interesse: sobre a migração entre os polos da demanda. Reconstruindo a Teoria Geral do Processo. DIDIER JR., Fredie (org.). Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 137-143).

[2] A falta de legitimidade, quer ativa ou passiva, não interfere (salvo expressa previsão em contrário) na validade do ato; refere-se à eficácia. Tudo isto porque não tem a ver com forma do ato em si, mas sim com o poder de praticá-lo. Nesse sentido, ver MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato jurídico: plano da validade. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, 36-7.

[3]Em rigor, a própria legitimidade ad causam é uma posição jurídica. O fato de alguém ser titular da situação jurídica deduzida ou ter poder para discutir por outrem é a base fática para a aquisição da titularidade da pretensão processual à análise do pedido. Essa titularidade é a legitimidade para o processo (ad processum), que, como demonstrou Antonio do Passo Cabral, pode ser ad actum (CABRAL, op. cit., p. 142).  

 

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