Por Aicha Eroud e Fabiana Irala de Medeiros - 14/07/2017
Nas últimas décadas, a tecnologia vem avançando rapidamente, em especial no que tange à velocidade da comunicação e informação, onde com a ajuda da internet e alguns aplicativos, torna-se quase que instantânea a conexão de uma pessoa com o resto do mundo. Assim sendo, alguns equipamentos tecnológicos como internet, celulares, tablets e computadores, acompanham a vida de muita gente, sendo quase que indispensável a sua utilização.
Conforme o site EBC Agência Brasil “Os brasileiros estão cada vez mais conectados. Dados divulgados em setembro pela pesquisa TIC Domicílios apontaram que cerca de 58% da população têm acesso regular à internet. Pela primeira vez, o número de internautas bateu a casa dos 100 milhões.”[1]
Sob esse aspecto, a evolução faz parte da natureza humana, que sempre está buscando novos conhecimentos e avanços. Esse fator é determinante para a modificação comportamental das pessoas, que tendem a se adaptar ao estilo do que é novo.
Essas mudanças se enquadram dentro do fenômeno da globalização, onde as notícias são passadas praticamente em tempo real, estimulando desta forma, uma maior participação de todos na nova realidade.
Nesse sentido, está sendo traçado um novo protótipo tecnológico relativo à informação. Logo que uma notícia é anunciada em algum site ou rede social, em questão de minutos começa a surgir as mais variadas opiniões de internautas sobre o caso divulgado, que muitas vezes, ganham repercussão nacional.
Destarte, o que realmente preocupa, é que nem todas as publicações possuem veracidade, fundamentação idônea ou fonte, o que com certa facilidade pode atingir fatalmente a terceiros. São notícias, que apesar de terem enormes chances de serem falsas, ganham peso e credibilidade, fazendo que o infundado, torne-se efetivo.
Quando o assunto trata-se de política, onde a verdade perde a importância no debate político, o fato denomina-se “pós-verdade”, que foi eleita a palavra do ano. De acordo com o site EBC Agência Brasil, “Depois de selfie (2013) e emoji (2015), a palavra do ano, segundo o dicionário Oxford, foi “pós-verdade”. O termo, que "denota circunstâncias em que fatos objetivos têm menos peso do que crenças pessoais” esteve presente no debate político na internet e na divulgação de notícias falsas.”[2]
Assim sendo, o risco de ler uma notícia e não verificar sua veracidade pode trazer consequências negativas até mesmo para uma nação, desprotegendo desta forma, a democracia, nos piores casos. É fato de que notícias publicadas no Facebook com conteúdos falsos, contribuíram em massa para a derrota da democrata Hillary Clinton, conforme o exposto pelo site G1:
As duas notícias falsas que mais repercutiram foi “Wikileaks confirma que Clinton vendeu armas para o Estado Islâmico” e “Papa Francisco choca o mundo e apoia Donald Trump.[3]
Diante do exposto, é fácil identificar que existe uma grande tendência da notícia ser lida e logo recepcionada como verdadeira.
No mesmo período, as 20 melhores histórias eleitorais de 19 principais sites de notícias geraram um total de 7,367 milhões de compartilhamentos, reações e comentários no Facebook.[4] (referente ao período dos últimos três meses de campanha).
Por conseguinte, após a identificação desses assustadores números, alguns analistas políticos chegaram a conclusão que essas informações, apesar de ardilosas, conseguiram um efeito sobre a percepção dos leitores, influenciando assim, no resultado da eleição norte-americana. Segundo o relato do site EBC Agência Brasil:
Alguns analistas políticos atribuíram a vitória de Trump e o resultado do Brexit a boatos que circularam na internet. Após escolha da pós-verdade como palavra do ano, gigantes da tecnologia como o Facebook e o Google declararam “guerra aos boatos”. Na prática, nada foi feito ainda, mas a promessa é desenvolver ferramentas de checagem que possam diminuir disseminação de notícias falsas na web.[5]
À partir desse pressuposto, surge a necessidade da criação de ferramentas para inibir as falsas notícias, fazendo-se essencial para a proteção e garantia de vários direitos, como à honra e à vida.
As publicações com conteúdos falsos também pode acarretar sérios riscos à segurança, causando os mais diversos transtornos. Muitos desses boatos, além de serem considerados crime, podem envolver terceiros e trazer consequências desastrosas, e em alguns casos, irreversíveis.
Deste modo, uma pessoa pode publicar numa determinada rede social a foto de um sujeito dizendo que este cometeu um estupro e em questão de minutos, a notícia vai se encontrar circulando, e muitos leitores sequer analisarão a veracidade do conteúdo. Essas publicações ganham os mais diversos comentários de repúdio ao ato cometido, mesmo que não haja provas e fundamentações para o fato ocorrido. Para esse tumultuo todo só bastou uma foto e uma legenda, sem haver a necessidade de fontes.
Normalmente, as pessoas que possuem contas em redes sociais, tendem a acessá-las diariamente, em busca de distração, fofocas, novas notícias. É bem evidente nesses casos, que as notícias que abordam temas polêmicos, são as mais acessadas e compartilhadas pelo público, cada qual expressa uma opinião sobre o fato, julgando as pessoas que supostamente possam ter participado do ocorrido.
A sensação é de que os tempos modernos é de manipulação, em um mundo onde a sensação de anomia faz parte do cotidiano, fazendo com que as pessoas busquem um conceito diferenciado de justiça, quando estas presumem que o Estado, por si só, não cumprirá com a sua obrigação-dever de punir.
Em um caso concreto temos um exemplo que ocorreu recentemente em Cuiabá, onde uma operadora de caixa de 27 anos, Francineide Freita Leal, e seu ex-marido foram acusados em uma postagem na rede social Facebook por sequestro e tráfico infantil. Ela recebeu inúmeras ameaças, o que ocasionou uma mudança radical na sua rotina e no visual, em nome do medo de não se saber o que poderia acontecer a qualquer momento, pois muitos desejavam ceifar a sua vida, como forma de vingança sobre os supostos atos cometidos por ela. Em uma entrevista, Francineide relatou o quanto sofreu com essa circunstância:
Parei de andar de ônibus por medo. Meu cunhado me levava [para o trabalho], e meus amigos me levavam embora.” e ainda desabafa, "A foto continua sendo compartilhada. Tem uma, inclusive, que tem uma criança cortada ao meio dizendo que sou a responsável por aquilo. Toda vez que entro na internet tem alguma foto sendo compartilhada como se fosse verdade.[6]
Nesse caso houve o auxílio da polícia para cessar os boatos, juntamente com publicações no Facebook anunciando que a notícia era falsa, porém o resultado é demorado. Essa falsa acusação não matou a vítima Francineide, mas foi o suficiente para deixar marcas em sua vida, e lhe arrancar um direito fundamental, que é a dignidade da pessoa humana.
Na época em que o fato ocorreu, o ex-marido dela, acusado de estuprar a filha, de onze anos, e a enteada, de nove anos, foi preso. Francineide, logo que ficou sabendo do abuso, através da sua própria filha, se separou.
Um outro caso, também recente, a vítima de boatos e julgamentos realizados na “Suprema Corte das Redes Sociais”, faleceu decorrente de vários ferimentos em seu corpo, que foram desferidos em nome da “justiça”.
Fabiane Maria de Jesus, foi linchada brutalmente até a morte, após ser confundida com uma mulher que era suspeita da prática de ritual de magia negra e sequestro infantil. O retrato falado dessa suposta sequestradora circulava na rede social Facebook, e isso bastou para que a morte de Fabiane, dona de casa, fosse sentenciada. O mais incrível, é que filmaram ela sendo ferida e interrogada pela prática do crime que lhe foi atribuída.
Em um trecho da reportagem sobre o caso, no site G1, tem-se a posição do marido da vítima, que se expressa da seguinte forma:
O enterro foi realizado no cemitério Jardim da Paz, no bairro Morrinhos, onde a vítima morava e foi morta. O marido, Jaílson Alves das Neves, comentou o caso e diz não sentir ódio dos suspeitos. “Vou chorar. Não vou aguentar. Para mim a ficha não caiu. Apesar da brutalidade, não guardo ódio, não guardo esse sentimento ruim no coração. Espero que não aconteça com mais famílias. Essas pessoas que agrediram ela e as que assistiram não tiveram a coragem de salvar uma pessoa inocente, não deram nem tempo de defesa para minha esposa. Quero que eles reflitam e que isso não aconteça nunca com a família deles”, explica.[7]
Fabiane foi brutalmente assassinada sem o direito de defesa, que é um direito fundamental inerente a pessoa humana, que está descrito no art. 5º, LV, Constituição Federal, nos seguintes termos: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"
Sendo assim, o Princípio da Defesa constitui uma manifestação do Estado Democrático de Direito, onde a autotutela, ou seja, a justiça com as próprias mãos, deve ser evitada, para todos os fins penais, salvo sob exceção, conforme descrito em lei, por ser regra excepcional no nosso ordenamento jurídico. A autotutela como meio de defesa de um direito está descrita em vários ramos do direito.
No Código Civil, em seu art.1.210, retrata que as pessoas podem proteger suas posses, mas não se utilizando de meios excessivos.
Art. 1. 210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
A nossa Constituição Federal também atribui meios de autotutela para afastar os abusos sobre um direito. Sob à luz do art. 9º, tem-se:
Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
No Código Penal, tem-se a legítima defesa, que é um exemplo clássico de autotutela, sendo garantida por lei como uma excludente da ilicitude e está expresso no art. 25 do Código Penal:
Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
No mesmo sentido, é válido destacar que, o Código Penal faz parte da estrutura do Estado Democrático de Direito, sendo garantidor de diversos Princípios para assim velar a dignidade da pessoa humana, que nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt, a[8]:
Dignidade da pessoa humana é um bem superior aos demais e essencial a todos os direitos fundamentais do Homem, que atrai todos os valores constitucionais para si.
Destarte, imprescindível é o cuidado ao veicular qualquer espécie de notícia nas redes sociais, tendo em vista a existência da verificação da fonte. Seria uma medida preventiva a educação aos usuários de internet, fazendo valer que estes saibam identificar e principalmente não compartilhar falsas notícias, as quais devem ser denunciadas às autoridades policiais, para que os autores sejam consequentemente investigados e punidos.
Falsas informações, como acima demonstrado, podem alterar resultados de eleições, ferir a honra e até mesmo matar, tudo isso num "click".
É fato de que o Facebook vem formando “juízes” que se consideram aptos a julgar os casos divulgados se utilizando do "princípio do achismo". Parece algo simples, porém como foi noticiado acima, um julgamento sem base, fundamentos e provas, fazendo apenas valer o sentimento de vingança misturado com o desejo de fazer justiça com as próprias mãos, pode custar a vida de um inocente. Por esse exato motivo o Jus Puniendi, que é o direito e obrigação de punir, é exercido tão somente pelo Estado.
Notas e Referências:
[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-12/acesso-celular-games-e-pos-verdade-marcaram-internet-em-2016
[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-12/acesso-celular-games-e-pos-verdade-marcaram-internet-em-2016
[3] http://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/11/noticias-falsas-sobre-eleicoes-nos-eua-superam-noticias-reais.html
[4] http://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/11/noticias-falsas-sobre-eleicoes-nos-eua-superam-noticias-reais.html
[5] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-12/acesso-celular-games-e-pos-verdade-marcaram-internet-em-2016
[6] http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2015/05/pesadelo-diz-mulher-apontada-na-web-como-sequestradora-de-criancas.html
[7] http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-morta-apos-boato-em-rede-social-e-enterrada-nao-vou-aguentar.html
[8] Bitencourt, Cesar Roberto – Tratado de direito penal: parte geral, 1 – 19 ed. rev., ampl. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2013.
. . Aicha Eroud é Acadêmica de Direito da Fafig- Faculdade de Foz do Iguaçu, estagiária no escritório de advocacia Battisti & Maraninchi.. . .
. . Fabiana Irala de Medeiros é Mestre em Direito Econômico e Socioambiental (PUC/PR). Professora de Direito Penal na Fafig, Cesufoz e Unioeste. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e Juventude – NEDDIJ de Foz do Iguaçu (PR).. .
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