9 meses de escravidão - Por Fernanda Mambrini Rudolfo

05/11/2017

Esta semana repercutiu o fato de a Ministra de Estado dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, ter requerido o recebimento cumulado de sua aposentadoria como Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e seu salário como Ministra, mesmo ultrapassando o teto do funcionalismo público[1]. Titular da pasta desde fevereiro de 2017, equiparou sua atuação percebendo meros R$ 33.700,00 a trabalho escravo. 

Argumentou que, tendo em vista os proventos no valor de mais de R$ 30.000,00 que recebe referentes à sua aposentadoria, como Ministra é remunerada em menos de R$ 3.000,00, o que entende ser inadequado. Disse, em entrevista, que mencionou a escravidão por se tratar de fato público e notório, em que não se tinha salário[2]. Ou seja, ainda que se dê uma interpretação benevolente ao pleito formulado, pode-se concluir que a Ministra equiparou o valor de quase R$ 3.000,00 à ausência de salário. 

Isto, quando o salário mínimo – que muitos brasileiros nem sequer chegam a receber – é de R$ 937,00. Aliás, para o ano de 2018, havia sido estabelecido o valor de R$ 979,00[3]. No entanto, ainda em agosto, foi reduzido em R$ 10,00[4] e, esta mesma semana, minorado para R$ 965,00[5]. Quanto a isso, embora ocupe o Ministério dos Direitos Humanos, não se viu a peticionante se manifestar. Trabalhar um mês inteiro, muitas vezes em situações degradantes, para perceber menos de R$ 1.000,00, sem cumular com nenhum outro tipo de provento, não lhe pareceu ser análogo a trabalho escravo. Apenas a atividade que exerce é árdua a ponto de merecer tal caracterização. Isso, mesmo em se considerando o uso de cartão corporativo, motorista, aviões da FAB e apartamento funcional[6]. 

E, por falar em silêncio, também não se viu qualquer manifestação da Ministra quanto à famigerada Portaria do trabalho escravo, ainda que o combate a este seja um dos temas do Ministério dos Direitos Humanos[7]. A indignação é seletiva, favorecendo aqueles que já estão em posição privilegiada. 

Demonstrar alteridade e indignar-se com a superlotação dos ônibus enfrentada pelo trabalhador comum – isso quando existe ônibus que atenda ao local de sua residência –, com o crescente preço dos alimentos e outros itens essenciais ou com moradias absolutamente indignas é muito mais difícil do que se indignar por não receber mais de R$ 60.000,00 por mês. 

Deve-se, no entanto, superar a síndrome de Tio Patinhas e reconhecer os direitos dos outros, especialmente daqueles em regra esquecidos pelos Poderes Públicos. Em tempos de auxílios mirabolantes, pagamento de atrasados incompreensíveis e favorecimentos pessoais, não é fácil adotar tal postura. Mas é justamente em épocas assim que se mostra mais importante manter um posicionamento pautado na ética e na alteridade.


[1] https://g1.globo.com/politica/noticia/ministra-pede-salario-de-r-61-mil-e-se-justifica-citando-trabalho-escravo.ghtml

[2] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/sou-ministro-dos-que-ganham-menos-diz-luislinda/

[3] http://www.infomoney.com.br/carreira/salarios/noticia/6870752/temer-sanciona-valor-salario-minimo-para-2018

[4] http://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/temer-reduz-em-r-10-o-salario-minimo-previsto-para-2018/

[5] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/10/governo-reduz-previsao-de-reajuste-do-salario-minimo-de-2018.html

[6] https://oglobo.globo.com/brasil/ministra-que-citou-trabalho-escravo-tem-direito-motorista-jatinho-da-fab-cartao-corporativo-imovel-22024405

[7] http://www.mdh.gov.br/assuntos/conatrae

 

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