Coluna Garantismo Processual / Coordenadores Eduardo José da Fonseca Costa e Antonio Carvalho
Manchete de jornal anuncia
Jurado de escola de samba de São Paulo
Flagrado em momentânea folia
Por abandono da terceiridade
Terá sua nota descartada
No quesito alegoria
Assim foi determinado
O juízo estava contaminado
A valoração comprometida
Presunção outra não haveria
Sob pena de afronta à imparcialidade
E de malferir a isonomia
Inexistiu hesitação
O instrumentalismo não constituía premissa
Outro fosse o cenário
Decerto algum sujeito teria dito
Se a decisão puder ser favorável
A quem a nulidade aproveitaria
Tudo se resolve
Ao abrigo de mais essa tirania
Ou quem sabe outra alegoria
Tudo tem limites
Manchete diversa assentaria
Mesmo no samba
Palco da irreverência
Notas musicais e figurino livres
Pode até desfilar sem fantasia
Enredo de mau gosto também é permitido
As funções é que não podem ser confundidas
Quem julga não é parte
Porque julga, não cede à folia
Sequer torce ou se contorce
Tampouco distorce a lógica ou a ordem jurídica
Não favorece por ímpeto de verdade
– formal, material ou empírica –
ou por sentimento de justiça
E se indevassável a psiquê
À prova de retidão
Segue a cartilha do processo devido
Leia-se, das garantias
Uma vez julgador
Não baralha função
Tem no “reparto de papeles”
A própria dignidade de sua missão
Conforta-se na ciência
Reconforta-se na Constituição
A dança do jurado ensejou censura
A notícia ecoou preocupação legítima
A mente deu sobressaltos
Tomei-a como “leitmotiv”
Vou escrever sobre o tema, pensei
A prosa foi liminarmente descartada
Compor uma poesia
Consultei dileto amigo e coordenador
Da conveniência em explorar o veredicto
Na forma aqui sugerida
Não por acreditar
Que tão incomum notícia
Pedisse meio inconvencional
Crer que a prosa seja séria
Hesitando a grandeza da poesia
Não queria fazer troça
Malgrado o carnaval permita
Questão de liturgia
Dosagem do humor
Sem desfazer a seriedade na crítica
A ideia não é original
Um “plágio” de sentença penal lírica
Cujo fato típico, aliás
Se a memória não me trai
Remetia a ilícito comum nos carnavais
E se até a estrutura formal do decreto condenatório
Poderia ser convertida
Cá com meus botões
Tudo aceita a poesia
No que ele me respondeu
Que o ônus não era seu
Tal como as partes de um procedimento judicial
Não compartilham encargos com o julgador
– acréscimo meu –
Ele segue coordenador
Eu, escritor
Quem avalia é o leitor
A astúcia venceu
Rompeu a tradição
Fazer verso da prosa
Redescobrir tema caro aos garantistas
A começar por aquele versado em bruxaria
Que à imparcialidade dedicou tese
Temática pouquíssima estudada
Razões mais que conhecidas
A comédia é horizonte apropriado
A pesquisa científica um dos pontos de partida
De passagem, diga-se
Sobre o tema em testilha
A única até então conhecida
Que não se engane o leitor
Onde há “comunidade de trabalho”
Fatalmente
O enredo será enviesado
Eis que o samba não imita a vida
Bem que a vida poderia
Ao derradeiro, nada precisaria ser dito
O verdadeiro poeta havia antevisto
“Quem não gosta [da notícia] do samba, bom sujeito não é
“É ruim da cabeça ou doente do pé...”
Imagem Ilustrativa do Post: GRAND THEATRE DE BORDEAUX // Foto de: didier.camus // Sem alterações
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