35= 5x7. Pela revogação da Súmula 520 do STJ

17/10/2015

Por Antônio Julião da Silva - 17/10/2015

A fórmula matemática acima parece óbvia mas para alguns não é!

A Lei de Execuções Penais, como forma de proporcionar a reintegração do sentenciado à sociedade [1], prevê diversos benefícios prisionais dentre eles a “saída temporária” (art. 122 da Lei n. 7.210/84) sem vigilância direta, destinada aos presos que cumprem pena no regime semiaberto para visitar a família, estudar ou participar de outras atividades.

Para tanto o reeducando deverá cumprir o mínimo de 1/6 (se primário) ou 1/4 (se reincidente) da pena e ostentar bom comportamento (incisos do art. 123 da LEP).

Agora a questão matemática: “A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano” (art. 124 (da LEP): 5x7=35.

Durante o ano o sentenciado poderá ausentar-se do estabelecimento prisional, sem vigilância direta, por 35 (trinta e cinco) dias (5 saídas de 7 dias), mediante ato motivado do juiz da execução, ouvidos a administração prisional e o Ministério Público.

Em momento algum quis o legislador que a cada saída temporária pretendida fosse direcionado um pedido ao juiz da execução penal, bastando que um único pedido seja formulado e, mediante uma única decisão se contemple um calendário de saídas temporárias, cabendo, por óbvio, à autoridade prisional comunicar qualquer fato impeditivo para o seu deferimento.

Segundo MORAIS DA ROSA [2] “[...] a aplicação de qualquer norma jurídica precisa sofrer a preliminar oxigenação constitucional de viés garantista, para aferição da constitucionalidade material e formal da norma jurídica.”

Entretanto o STJ, ao interpretar aludido benefício prisional, entendeu que deve haver “[...] manifestação motivada do Juízo da Execução, com intervenção do Ministério Público, em cada saída temporária” (Resp 1.166.251/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14.3.2012)[3].

Esse julgado foi um dos que resultou na adoção pelo “Tribunal da Cidadania” da Súmula 520: “O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional.”

Ressalvados os entendimento em sentido contrário, entendo que a natureza da execução penal é complexa, desenvolvendo-se nos planos jurisdicional e adminstrativo[4].

A permissão de saída para que o preso em regime fechado, semiaberto ou provisório possa sair do estabelecimento prisional, com escolta, nos casos de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão, e quando necessitar de tratamento médico, não é concedida pelo diretor do estabelecimento prisional ou pelo juiz da execução?[5] (parágrafo único do art. 120 da LEP)

Atento aos graves problemas que afligem as varas de execuções penais o STF em decisão proferida no HC n. 128.763/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 04.08.2015, deixou assente que as saídas temporárias – em que pese a Súmula 520 do STJ – poderão ser concedidas em um único ato judicial:

Habeas corpus. Direito Penal. Processo Penal. Execução penal. Saída temporária. Visita periódica à família. 2. Um único ato judicial que analisa o histórico do sentenciado e estabelece um calendário de saídas temporárias, com a expressa ressalva de que as autorizações poderão ser revistas em caso de cometimento de falta, é suficiente para fundamentar a saída mais próxima e as futuras. A decisão única permite participação suficiente do Ministério Público, que poderá falar sobre seu cabimento e, caso alterada a situação fática, pugnar por sua revisão. 3. Ameaça concreta de lesão ao direito do paciente. Dificuldades operacionais na Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro. Muito provavelmente, se cada condenado tiver que solicitar cada saída, muitas serão despachadas apenas após perderem o objeto. 4. Ordem concedida. [...].5. [...].[6]

O entendimento firmado pelo STF não visa placitar futuras saídas temporárias sem a manifestação dos órgãos técnicos da execução penal e do Ministério Público, mas apenas agilizar a concessão de futuros benefícios sem necessidade de repetição do ato, caso os requisitos necessários para o deferimento da primeira saída temporária não tenham sofrido alteração que indique o indeferimento das subsequentes.

Basta apenas que as decisões preferidas em sede de execução penal observem o princípio da economia processual, “[...] o qual preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.”[7]

Para aqueles que conhecem na prática as duras realidades constatadas nos presídios brasileiros e a elevada carga de trabalho vivenciada nas varas de execuções penais sabem que o apego ao formalismo só agrava a tensão nas unidades prisionais pela demora na prestação jurisdicional.

Segundo “Dados das Inspeções nos Estabelecimentos Penais”[8] do Conselho Nacional de Justiça existem 94.285 (noventa e quatro mil, duzentos e oitenta e cinco) presos cumprindo pena no regime semiaberto no Brasil.

Em Santa Catarina – segundo esses dados – são 4.223 (quatro mil, duzentos e vinte e três) presos no regime semiaberto.

Adotando-se o entendimento firmado na Súmula 520 do STJ, de forma exemplificativa, para todos os sentenciados que cumprem pena no regime semiaberto em Santa Catarina seriam necessárias 21.115 (vinte e um mil, cento e quinze) decisões por ano, ao passo que o mesmo resultado poderá ser alcançado com apenas 4.223 (quatro mil, duzentos e vinte e três) sentenças, caso seja adotada a interpretação dada pelo STF.

Em Santa Catarina, quando não é o magistrado que indefere o pedido único para o gozo dos 35 (trinta e cinco) dias de saída temporária,  mediante calendário prévio das datas, a sentença que a concede é revogada em Segundo Grau de Jurisdição, acolhendo recurso de Agravo do Ministério Público.[9]

Como disse Pitágoras: “Todas as coisas são números.”

35 (total de dias de saídas temporárias por ano: decisão única)= 5 (pedidos de saídas temporárias) X 7 (quantidade de dias para cada saída temporária deferida).


Notas e Referências:

[1] “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (art. 1º da Lei n. 7.2010/84. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm >. Acesso em 13 de outubro de 2015.

[2] MORAIS DA ROSA, Alexandre. FABRES DE CARVALHO, Thiago. PROCESSO PENAL Eficiente & Ética da Vingança: Em Busca de uma Criminologia da Não Violência. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2010, p.

[3] Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=20303921&num_registro=200902165121&data=20120904&tipo=5&formato=PDF >. Acesso em 13 de outubro de 2015

[4] PELEGRINI GRINOVER, Ada. Execução Penal. São Paulo : Max Limonad,1987, p. 7; NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 5/6; e FABBRINI MIRABETE, Júlio. Execução Penal. São Paulo : Atlas, 1997, p. 25.

[5] HC n. 2009.073764-7, de Sombrio, Rel. Des. Subst. Túlio Pinheiro, j. em 12.01.2010, Segunda Câmara Criminal, TJSC.

[6] Disponível em < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/hc128763.pdf >. Acesso em 13 de outubro de 2014.

[7] ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de. PELLEGRINI GRINOVER, Ada. RANGEL DINAMARCO, Cândido. Teoria Geral do Processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 79.

[8] Disponível em < http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php >. Acesso em 13 de outubro de 2015.

[9]  Vide alguns julgados: Recursos de Agravo n. 2013.050917-5, de Chapecó e 2010.045017-2, de Tubarão.


Antônio Julião da SilvaAntônio Julião da Silva é Bacharel em Direito pela UFSC, pós-graduado em Relações Internacionais pela UNISUL e em Gestão do Serviço Público pela UDESC. Autor das seguintes obras jurídicas: “Prática da Execução Penal” (6ª edição), “Lei de Execuções Penais Interpretada pela Jurisprudência do STF, STJ e TJSC (3ª edição) e “Juizados Especiais Cíveis e Criminais Interpretada pela Jurisprudência do STF, STJ e TJSC” (3ª edição), todos pela editora Juruá.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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