2017 ou 2016S? – Por Fernanda Mambrini Rudolfo

08/01/2017

Com a virada do ano, muitos foram os textos falando de mudança, de recomeço, de algo diferente a se fazer em 2017. A timeline do facebook e outras redes sociais se encheram de lindos e emocionantes dizeres.

Passada a virada do ano, pergunto-me: estamos mesmo em 2017 ou é apenas 2016S? Porque a mudança e o recomeço ficaram quase exclusivamente nos textos. Cada um continua a pensar essencialmente em si e nos seus, sem atentar à alteridade. E não falo isso a respeito dos recentes acontecimentos trágicos, mas tendo em vista as reações das pessoas em face de tais fatos.

Tomemos como exemplo as rebeliões em estabelecimentos prisionais brasileiros, que resultaram diretamente em quase uma centena de mortes. Em primeiro lugar, há uma dificuldade muito grande em ver além da superfície, em enxergar além do que a mídia sensacionalista e parcial mostra. Falar da responsabilidade de quem empunha uma faca e a crava na pele de outrem é fácil; difícil é buscar – a fim de combater – as verdadeiras causas desse embate. É difícil enxergar os reais motivos pelos quais essa faca é empunhada, porque a responsabilidade passa a ser de muitos, incluindo inúmeras autoridades – e não me restrinjo aqui ao Poder Executivo.

É cômodo continuar a não ver a prisão como instrumento do capitalismo, que tem como objetivo reproduzir a ordem social e a desigualdade de classes. É conveniente não perceber que as organizações criminosas se originam das próprias ações e omissões estatais. É mais fácil acreditar que as prisões preventivas no Brasil se justificam pela necessidade de acautelar a ordem pública.

Ademais, é incrível como se nega a humanidade de determinadas pessoas – autores ou vítimas nesse cenário –, para determinar que os direitos só valem para alguns. As manifestações, inclusive oficiais, que insinuaram ou expressaram que determinadas vidas valiam menos são fortes motivos para questionar: estamos mesmo em 2017? Onde estão as mudanças? Onde foram parar as promessas de recomeço, de fazer um mundo melhor?

De nada adianta fazer textão no facebook, se logo depois se posta um comentário defendendo, por exemplo, o autor das mortes em Campinas. Porque não basta ser 2016S, tem que 2016S Plus. Plus machismo, preconceito e ignorância em relação à realidade, especialmente a brasileira.

Zygmunt Bauman fala em cegueira moral e acredito ser um diagnóstico bastante preciso para o mal de que padece nossa sociedade. Mas ouso ir além, afirmando tratar-se de uma subespécie ainda mais grave desse vírus lamentavelmente muito contagioso e de dificílimo combate: padecemos de cegueira moral deliberada. Porque, como dito, é conveniente ser cego.

Talvez esse seja um bug do sistema operacional (capitalista) de 2016S, que já é utilizado há muitos anos. Talvez a atualização para uma versão aprimorada seja suficiente para sanar esse grave mal. E a atualização é bem simples de se fazer: basta ler mais, filtrar aquilo que a mídia apresenta, buscar fontes mais confiáveis de informações e efetivamente pensar a respeito. O último passo pode ser um pouco difícil no começo, mas não deve ser motivo de desistência. Depois que a atualização for feita, ninguém sentirá saudade do sistema operacional anterior. Quem passa a enxergar não cogita voltar à cegueira.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Red Blindfold // Foto de: Stuart Richards // Sem alterações

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