Por redação - 18/08/2015
Aceita a proposta de suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/95, art. 89), incluída cláusula de doação da quantia de R$1.000,00 para entidade beneficente e, descumprido o acordado, bem assim absolvido sumariamente o acusado do furto de 2 (dois) uísques Red Label-Johnnie Walker e 2 (dois) ovos de páscoa Lacta, de 250gr cada, dada a insignificância, requereu o acusado F. B. a devolução dos R$200,00 (duzentos reais) já entregues à entidade. A decisão de primeiro grau indeferiu o pedido e houve apelo. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a decisão em acórdão da lavra do Des. Sérgio Rizelo que, em alentada motivação, explica o caráter irrepetível da avença.
Confira na íntegra abaixo.
Apelação Criminal n. 2015.002504-6, da Capital
Relator: Des. Sérgio Rizelo
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO SIMPLES TENTADO (CP, ART. 155, CAPUT, C/C ART, 14, INC. II). SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. RECURSO DO ACUSADO.
SUPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (LEI 9.099/95, ART. 89). DESCUMPRIMENTO. ABSOLVIÇÃO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR PAGO. RESTITUIÇÃO.
Ainda que tenha sido absolvido sumariamente após a retomada da instrução processual decorrente de descumprimento de condição aceita para a suspensão condicional do processo, o réu não faz jus à devolução de valores pagos sob título de prestação pecuniária destinada à entidade beneficente que eram parte do acordo voluntariamente firmado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.2015.002504-6, da comarca da Capital (4ª Vara Criminal), em que é apelante F. P. e apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:
A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Desembargadores Getúlio Corrêa e Volnei Celso Tomazini. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti.
Florianópolis, 11 de agosto de 2015.
Sérgio Rizelo
PRESIDENTE E Relator
RELATÓRIO
Na Comarca da Capital, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra F. P., dando-o como incurso nas sanções do art. 155, caput, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, pelos seguintes fatos:
No dia 12 de abril de 2011, por volta das 10h, o denunciado F. P., com o propósito de investir contra patrimônio alheio, dirigiu-se ao Supermercado Angeloni, situado na Avenida Ivo Silveira, s/n, Capoeiras, nesta cidade, de onde subtraiu para si 2 (dois) uísques Red Label-Johnnie Walker e 2 (dois) ovos de páscoa Lacta, de 250gr cada (Termo de Exibição e Apreensão da fl. 13).
Quando se retirava do estabelecimento comercial, mais precisamente no instante em que entrava em seu veículo, o denunciado foi abordado por seguranças, responsáveis por acionar a polícia, que conduziu F. P. até a Delegacia de Polícia.
Como se observa, o denunciado não alcançou a consumação do delito por circunstâncias alheias a sua vontade.
Realizada proposta de suspensão condicional do processo, o Acusado aceitou-a (fl. 37) e ante o descumprimento do acordo, o benefício foi revogado e a instrução processual retomada (fl. 57).
Após a resposta à acusação (fls. 61-66v), sobreveio a sentença das fls. 78-82, por meio da qual F. P. foi absolvido sumariamente da imputação da prática do delito previsto no art. 155, caput, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, com fulcro no art. 397, inc. III, do Código de Processo Penal.
Irresignado com o teor do decisum, F. P. deflagrou recurso de apelação criminal (fl. 96).
Em suas razões, argumenta que a absolvição não atingiu seus objetivos, porquanto não determinou a devolução dos R$ 200,00 pagos sob título de prestação pecuniária durante a suspensão condicional do processo.
Sustenta que, sendo absolvido, não deveria ter que ressarcir prejuízo que poderia ter causado, especialmente porque o valor em questão é superior ao dano que poderia ter ocorrido.
Aponta que a manutenção da sentença torna-o a parte vencida na demanda (fls. 97-100).
Contrarrazões às fls. 104-108, pelo desprovimento do apelo.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Genivaldo da Silva, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 119-124).
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade o recurso merece ser conhecido.
Quanto ao mérito, não é digno de provimento.
Ao aceitar a proposta de suspensão condicional do processo o Apelante, que estava acompanhado de Defensor, concordou com o cumprimento das seguintes condições:
01 - comparecimento pessoal e obrigatório a Juízo, trimestralmente, para informar e justificar suas atividades;
02 - proibição de frequentar bares, boates e estabelecimentos congêneres;
03 - proibição de ausentar-se da comarca onde reside sem prévia comunicação judicial;
04 - Reparação do dano social, consistente na doação da importância de R$ 1.000,00 (hum mil reais) em favor de entidade beneficente a ser indicada pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Capital, cujo pagamento poderá ser efetuado em 20 (vinte) parcelas mensais a contar da primeira apresentação (outubro/2011), juntando o comprovante dos depósitos nos autos (fl. 37).
À fl. 93 foi indicado o Lar Recanto do Carinho como entidade destinatária e juntamente com a resposta à acusação o Apelante comprovou o depósito de R$ 200,00 à Instituição (duas parcelas de R$ 50,00 e uma de R$ 100,00, fl. 70).
O Recorrente pretende, com o apelo, a devolução dessa quantia, segundo a resposta à acusação, "pagos a título de pena parcialmente cumprida".
O benefício da suspensão condicional depende de aceitação pelo Acusado. É, portanto, um acordo voluntário, no qual o Réu aceita o adimplemento das condições exigidas pelo Ministério Público para que o processo criminal do qual é sujeito passivo não chegue ao seu termo final.
Não há qualquer antecipação de culpabilidade e tampouco se confundem as condições impostas com eventual pena aplicada em decorrência de sentença condenatória.
A propósito, colhe-se da lição de Renato Brasileiro de Lima:
Segundo a doutrina, o que bem explica a natureza da suspensão condicional do processo é o nolo contendere, que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação, mas não admite culpa nem proclama sua inocência. Por isso, não se confunde com o guilty plea, nem tampouco com o plea bargain.
[...]
Em face da necessidade de aceitação da proposta pelo acusado e por seu defensor, fica evidente a natureza consensual da medida. Só há falar em suspensão, portanto, se houver acordo entre as partes (acusação e defesa) [...].
[...]
A suspensão do processo é ato bilateral, que pressupõe a concordância clara e inequívoca do acusado. A declaração da vontade, em razão de sua natureza transacional, deve ser personalíssima, voluntária, formal, vinculada aos termos propostos, tecnicamente assistida e absoluta – ou seja, não pode ser condicional ou, tampouco, parcial (Legislação criminal especial comentada. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 256-264).
Assim, ao se obrigar a pagar R$ 1.000,00 em favor de entidade beneficente para ser agraciado com a suspensão condicional do processo o Recorrente fê-lo de livre e espontânea vontade, não se podendo cogitar que foi mais prejudicado do que caso fosse condenado. O fato de ele ter descumprido as obrigações e de ser retomada a marcha processual, ainda que proclamada a sua absolvição, não tem o condão de autorizar a restituição do valor pago como parte do acordo firmado, especialmente porque destinado a terceiro, ou seja, não encontra-se sob a guarda do Poder Judiciário.
Orienta o Superior Tribunal de Justiça:
[...] não assiste razão ao apelante quanto à possibilidade de devolução dos valores pagos a título de prestação pecuniária como parte dos requisitos para a suspensão condicional do processo. Isso porque se trata de uma medida de aceitação voluntária, cuja revogação não implica em restituição dos valores pagos. Note-se que se trata de instituto diverso da fiança, cujo artigo 337 do Código de Processo Penal prevê expressamente que, em caso de absolvição, deve o valor pago ser devolvido ao réu. Ao contrário, no caso de sursis processual, o artigo 89, da Lei 9.099/90, não traz nenhuma previsão de devolução dos valores pagos (Resp 1223974, Rel. Min. Ericson Maranho, j. 24.11.14).
E:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ACEITAÇÃO E CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS DURANTE O PERÍODO DE PROVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DECISÃO QUE JULGOU PREJUDICADA A IMPETRAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE NO EXAME DA ALEGADA ATIPICIDADE MATERIAL E DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. RECURSO IMPROVIDO. 4. Em que pese a alegação do agravante de que o reconhecimento da atipicidade do fato gerará efeitos diretos ao paciente, especialmente a devolução do valor pago a título de prestação pecuniária, é de se ressaltar que, a teor da Súmula nº 395 do STF, o remédio heroico não se presta a discutir eventuais aspectos patrimoniais. 5. Ainda que o mérito fosse examinado, o pleito não seria acolhido em razão da própria natureza da prestação pecuniária paga como condição da suspensão condicional do processo, tendo em vista seu caráter alimentar, não repetível, pois, consoante se vê da proposta do aludido sursis, o pagamento da prestação pecuniária que o paciente espera reaver foi destinado a instituições públicas ou privadas de assistência social. 6. Agravo regimental improvido (AgRg no RHC 24689, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 15.12.11).
Não diverge a orientação deste Tribunal de Justiça:
PLEITO DE RESTITUIÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA PAGA COMO CONDIÇÃO ESPECIAL PARA A CONCESSÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INVIABILIDADE. MEDIDA DE ACEITAÇÃO VOLUNTÁRIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL QUANTO À DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS EM TAIS CONDIÇÕES (Ap. Crim. 2012.070913-6, Relª. Desª. Marli Mosimann Vargas, j. 11.6.13).
Do corpo do voto destaca-se:
Importante ressaltar que tal condição e montante foram, voluntariamente, aceitos e pagos pelo apelante como parte dos requisitos para a concessão da suspensão condicional do processo, motivo pelo qual não assiste razão quanto ao pleito de restituição do referido valor.
A prestação pecuniária aqui discutida é uma medida de aceitação voluntária e a revogação da suspensão condicional do processo não implica na sua restituição, mormente porque a Lei de Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais não prevê, em seu art. 89, nenhuma devolução de valores.
Dessa feita, se por inadimplemento da prestação pecuniária ou descumprimento de qualquer outra condição imposta, o apelante deu causa a revogação da suspensão condicional do processo e, ainda que o feito fosse concluído e o réu, ao final, absolvido, não haveria razões para a devolução da importância paga a título de prestação pecuniária como condição especial para a concessão da suspensão condicional do processo, sobretudo porque tal condição provém de ato jurídico perfeito e legal, conforme disposto no art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/95.
De mais a mais, como bem salientou o douto Promotor de Justiça à fl. 93, "em momento algum há previsão legal de devolução dos valores pagos na condição de prestação pecuniária, até porque, a destinação da pecúnia, como consta no termo de audiência da fl. 74, é voltada a instituição assistencial desta Comarca, sendo impossível sua restituição".
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região não destoa:
PROCESSO PENAL. FIANÇA. DESTINAÇÃO COMO CONDIÇÃO EM SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. FATO CONSUMADO. IRREPETIBILIDADE NO PROCESSO PENAL. 1. Embora com a absolvição devida fosse a restituição integral da fiança ao réu, faticamente isto restou impossível com a destinação do dinheiro ,já efetuada quando de sua aceitação a condição específica em prévio sursis processual. 2. Eventual ressarcimento poderá ser buscado nas vias que entenda o agente adequadas, inclusive judiciais, mas no processo penal não se poderá atingir verba já destinada a terceiros (Ap. Crim. .15.002257-5, Rel. Néfi Cordeiro, j. 13.10.09).
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região posiciona-se da mesma forma:
PENAL. PROCESSO PENAL. [...] PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. IMPOSSIBILDADE DE DEVOLUÇÃO. 4. Impossibilidade de devolução dos valores pagos a título de prestação pecuniária como parte dos requisitos para a suspensão condicional do processo. Trata-se de medida de aceitação voluntária, cuja revogação não implica em restituição dos valores pagos. 5. Recurso do Ministério Público Federal provido e recurso da ré não provido (APR 200850010126540, Relª. Des. Fed. Liliane Roriz, j. 14.12.10).
Ainda, do Tribunal de Justiça do Paraná:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OBJETO DE DESTRANCAMENTO DE APELAÇÃO CRIMINAL. PEDIDO DE REPETIÇÃO DE VALORES PAGOS A TÍTULO DE CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. NÃO CABIMENTO. O artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal não torna a apelação um recurso residual em relação ao recurso em sentido estrito. Confere cabimento apenas ao recurso de apelação interposto sobre decisão definitiva ou com força de definitiva, assim entendida como aquela em que se julga o mérito de uma questão ou processo incidente e não relacionada diretamente com a pretensão punitiva estatal, mas que encerra uma fase procedimental. O pedido de "levantamento" (repetição) de valor pago a título de condição da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95) não possui procedimento, nem previsão legal, razão pela qual não demanda mérito próprio. Consequentemente, o indeferimento não torna cabível recurso de apelação. As regras jurídicas sobre o instituto da fiança não são aplicáveis à prestação pecuniária, por ausência de similaridade que fosse suficiente a ensejar analogia. Recurso em sentido estrito a que se nega provimento (RSE: 4595991, Rel. Carlos A. Hoffmann, j. 28.2.08).
Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Imagem Ilustrativa do Post: Ven Conmigo // Foto de: Frank Hemme // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/franciscodelossantos/4235990061/in/photolist-7sjygp-4dZGLp-7vtkE7-ecmZJE-6Uirf5-dUqRXS-dUkf6i-dUkeUz-dUkeKc-dUkezv-dUqQsq-dUkdB4-dUkcmn-dUqNKm-dUkbZT-dUkbLD-dUkbiH-dUkb8t-dUqMuf-o82Qr6-opi2nW-ophULE-opdQvv-o7Zrgy-o7Zc1E-o7Z7sT-o7Z1n6-opgjhm-opgcUS-o7YB8G-oprL7W-o7Ypvw-o7Zo4v-o7Y2Wm-ordt8R-ordove-opb6g8-o7XzZa-o7XqXG-o7YhKg-opasWK-opq6UA-wWYvr1-7eedgG-amWmjC-o7WCqA-onpnH7-orbZQX-o7Wkmp-o7XkYc Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode