Por Carla Mari Robaina Marcondes – 03/06/2016
A saudade das canções é fagueira, a saudade da ditadura hipócrita, falsa. Ditados, quem sabe nas escolas falados por professoras para alfabetizar, ditaduras, essas nunca mais.
Aqui nessas pedras, sobre o sangue, sobre os ponteiros do relógio e dos anos de bronze a nos ferir, resistimos.
Ditadores e ditaduras não passarão, eu passo a roupa para ir às ruas gritar contra, passa a banda, eu passo, eu passos, caminho, caminhamos nós de braços dados ou não.
O cimento é torto, é manchado, o livro de baixo do braço é Machado de Assis, uma velha senhora assa uma torta e põe na janela para esfriar e esperar a hora do chá, atrás da porta gritavam por causa do torto, e a torta esfriava.
O morro gritava ou era o morto que gritava, era quase a hora do chá, olha que a torta vai esfriar demais, o torto fazia o morto gemer, o morto pedir para parar.
Lá vem o esposo da senhora chegando em casa, a senhora prepara o chá, lustra a prataria para fazer a refeição, aflição, ela lustra, ele Ustra, ele faz torto, ela torta, ela corta uma fatia ele cortou a carne.
Ele se demora, ela se prepara, cuidado que o prato não vai vingar, cuidado que a notícia vai se espalhar, olha a torta, não vá azedar, olha o torto chegando mais perto.
Você não tem coração por chegar atrasado, esposo torto?
Torto, o coração do seu trabalho vai parar, ele jura que não tem informação, vai parar o coração, vai pá!
Vai pá! vai pá! vai pá... Vai pá, cavar mais um buraco, enterrar mais um trabalho.
Vai a pá, esposo. O esposo Ustra, a senhora lustra.
Você menino de hoje, que vai a pé visitar a avó, cuidado para não confundir ir comer uma fatia de torta com o torto.
Não fale do Ustra, a senhora lustra.
Não pense que poder andar a pé sempre tevê graça, que isso sempre foi de graça
Não ache que ir e vir a pé é esperar pela pá
Saiba o passado tão marcado de cicatrizes, corpos, hematomas.
Não peça pelo passado, a senhora lustra, cuidado em quem fala do Ustra!
A senhora lustra, o torto Ustra, o torto, a torta, a pá, a pé.
Fechar a janela do passado, abrir a janela do cuidado.
Conforme a situação do Brasil fica cada vez mais instável, vão surgindo os que chamam de herói quem é o torto, há o perigo com isso de naturalizar comportamentos, falas e dizeres autoritários e de viés ditatorial, há o perigo de querer tornar a tortura justificável em alguns casos, a violência policial que é um problema concreto para o Brasil algo aceitável, as vítimas não somos nós, o preto, o pobre, quem quase não tem acesso a defesa.
Bandido bom é bandido morto, bandido bom é bandido outro, bandido bom é bandido morto, torto! São essas as frases e pensamentos que fazem com que o torto, a tortura, a violência exacerbada se confunda com algo tão simples e banal como comer uma fatia de torta na casa da avó.
Que haja memória para não esquecer do passado torto do Brasil, torto nunca mais, o torto aqui jaz, o torto e a ditadura tentam entrar pelos vãos do processo penal em cada decisão que se esquece a Constituição ou que se tenta chegar a cega "verdade" no processo penal com o juiz fazendo gestão de provas de amor para o seu reflexo, para os jornais e para a população que se reflete em seus olhos túrgidos de verdades criadas.
A torta esfria, cuidado com o torto!
..Carla Mari Robaina Marcondes é bacharel em Direito e pós graduanda em Direito Penal Econômico pela Universidade Positivo...
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