!TEC divulga carta aberta a favor da presunção de inocência

20/02/2016

Por Redação - 20/02/2016

Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais - !TEC publicou carta aberta sobre a decisão do Supremo no julgamento do habeas corpus n.º 126292.

Leia abaixo:

O INSTITUTO TRANSDISCIPLINAR DE ESTUDOS CRIMINAIS - !TEC, diante do conteúdo da decisão tomada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento do habeas corpus n.º 126292, dos efeitos, consequências e conclusões dela decorrentes, vem publicamente manifestar o seu pesar.

A decisão proferida por sete dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmem Lúcia e Gilmar Mendes – restabeleceu no cenário jurídico brasileiro a lamentável e incompatível execução provisória em matéria processual penal. Execução provisória, que no processo civil surgiu sob a condição de reconstituição do “status quo ante”, na seara processual penal impõe a irreversibilidade dos efeitos do cárcere na vida do indivíduo.

A partir de agora, as decisões a serem tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, que reformem ou desconstituam acórdãos de tribunais regionais ou estaduais, não impedem que cidadãos venham a ser indevidamente presos.

O posicionamento da Corte Maior reduz a importância das decisões do STJ e do próprio STF. Ao afirmar que a presunção de não culpabilidade se esvai quando da condenação em segundo grau, o Supremo transparece à população brasileira que seus julgados se reduzem a “tecnicalidades” e que as discussões acerca da violação de leis federais ou de normas constitucionais possuem papel coadjuvante no processo criminal. Ao adotar tal entendimento, em flagrante inversão da estrutura normativa do Estado de Direito, afirma-se a primazia do Direito Penal e Processual Penal em relação ao Direito Constitucional.

Da mesma forma, a decisão do colegiado ignora a importância e relevância da uniformização da jurisprudência e viola o princípio da igualdade. Desde sua criação, o STJ desempenha importante função de uniformização da jurisprudência nacional diante de decisões conflitantes provenientes de tribunais estaduais ou regionais. A interpretação das normas penais e processuais penais não é uníssona e nem poderia sê-la. Há tribunais estaduais e regionais com posições antagônicas até mesmo em relação ao cálculo de penas. A decisão do Supremo faz tábula rasa da diversidade jurisprudencial brasileira, possibilitando o recolhimento ao cárcere conforme o estado da federação em que se encontra o jurisdicionado, em violação ao princípio de que todos são iguais perante a lei.

O impacto carcerário da decisão foi deixado completamente de lado pela maioria dos Ministros do Supremo. A decisão tomada, ao contrário do que deve se verificar nas decisões das Cortes Supremas não traz nenhuma preocupação com os efeitos dela decorrentes e, certamente, se traduzirá em mais uma chaga no já colapsado sistema prisional brasileiro.

Outro aspecto preocupante é a lentidão dos julgados nos tribunais superiores. Se tal lentidão não era relevante nos crimes de maior importância, em decorrência dos prazos prescricionais elevados, a partir do momento em que se inicia a execução penal com o acórdão de segundo grau, ela é preocupante. Certamente, teremos no Brasil pessoas que já terão cumprido suas penas quando o Supremo Tribunal Federal reconhecer que o processo que as levou para trás das grades foi ilegal ou indevido.

A decisão do Supremo Tribunal Federal concretiza ou simboliza um novo momento processual penal. Momento que é saudado por setores do judiciário, da imprensa, da população e dos Ministérios Públicos, estaduais e federal. Momento em que, ao contrário do que possa parecer, não se fortalecem direitos, pelo contrário. Momento em que se reduzem direitos.

A construção da democracia ocidental somente foi possível a partir do fortalecimento dos direitos individuais. Todos os regimes políticos em que a democracia foi deixada de lado se valeram de alguns juízes, dos órgãos de acusação, das polícias, de alguns integrantes da imprensa e do apoio de boa parte da população. Não se falaria em Macarthismo, por exemplo, se não houvesse juízes, promotores, jornalistas e cidadãos que o apoiassem e dessem instrumental técnico e moral para sua concretização.

Infelizmente, na tarde triste de 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal brasileiro perdeu a chance de se posicionar como guardião da constituição, como capaz de tutelar a importância do trânsito em julgado para poder colocar um cidadão atrás das grades. A partir de agora, o desequilíbrio processual já sentido por vários acusados no processo criminal brasileiro tende a ser ainda maior.

O Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais nada contra a maré da redução de direitos. Acredita no fortalecimento dos direitos individuais para uma sociedade mais justa e menos desigual. Não compactua com processos criminais que busquem atender o clamor popular ou midiático à custa da violação de regras e direitos. Acredita que o respeito às normas constitucionais não se constitui em mera “tecnicalidade”, mas sim na consolidação de uma nação que não admite que os fins justifiquem os meios. Quando os meios não se adequam ao direito, eles contaminam os fins, tornando-os ilícitos.

Continuamos em pé.


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