STJ: imposição de regime mais rigoroso em caso de falta de vaga em regime semiaberto caracteriza constrangimento ilegal

04/02/2016

Por Patrícia Cordeiro - 04/02/2016

A 5º turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus a uma pessoa que deveria estar cumprindo a pena em regime semiaberto, mas estava em regime fechado por falta de vagas. O Tribunal considerou que essa situação caracteriza constrangimento ilegal e decidiu que no caso de impossibilidade de cumprimento da pena em regime semiaberto, deve ser cumprida em regime aberto ou prisão domiciliar, até que surja a vaga.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que representa o réu em questão, alegou que o constrangimento ilegal não tinha data para cessar, vez que no Estado de São Paulo, existe uma extensa lista de sentenciados que aguardam vaga em regime intermediário.

O relator do caso, ministro Ribeiro Dantas, destacou: “É assente nesta Corte o entendimento que, em caso de falta de vagas em estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da pena no regime semiaberto, deve-se conceder ao apenado, em caráter excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou, na falta de vaga em casa de albergado, em regime domiciliar, até o surgimento de vaga no regime apropriado”.

Dantas, ainda ressaltou que o réu não pode ser prejudicado pela precariedade do sistema, e que configura constrangimento ilegal manter o apenado em regime mais rigoroso do que aquele determinado na sentença condenatória, pois assim violaria os princípios da dignidade humana e da individualização da pena.

Confira abaixo a decisão na íntegra (os nomes das partes foram substituídos pelas iniciais).

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 48.676 - SP (2014/0134074-7)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

RECORRENTE : E. S. R. (PRESO)

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):

Trata-se de recurso ordinário interposto em favor de E. S. R., contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa registra:

"Habeas Corpus'. Progressão ao regime semiaberto. Vaga ainda inexistente. Pretendida impossibilidade de seu desconto em regime distinto, em face às circunstâncias do caso concreto e até que venha a vaga. Constrangimento ilegal inocorrente. Ordem denegada."

O recorrente reitera as alegações de que o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente não tem data para ser cessado, já que, no Estado de São Paulo, há uma enorme lista de sentenciados aguardando vaga em regime intermediário.

Requer a reforma da decisão recorrida, para que o recorrente seja de imediato removido ao regime semiaberto, ou, caso isto não seja possível, que se determine a sua colocação em regime aberto, até o surgimento da vaga no regime adequado.

Liminar deferida.

Parecer Ministerial pelo improvimento do recurso ordinário.

É o relatório.

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE REGIME. INEXISTÊNCIA DE VAGA NO SEMIABERTO. PERMANÊNCIA NO REGIME FECHADO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO.

1. É assente nesta Corte o entendimento que, em caso de falta de vagas em estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da pena no regime semiaberto, deve-se conceder ao apenado, em caráter excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou, na falta de vaga em casa de albergado, em regime domiciliar, até o surgimento de vaga no regime apropriado.

2. Recurso ordinário provido, para determinar a remoção do recorrente para estabelecimento prisional destinado ao cumprimento de pena em regime semiaberto e, em caso de impossibilidade, estabelecer o regime aberto ou a prisão domiciliar, até o surgimento de vaga no regime apropriado, salvo se, por outro motivo, estiver cumprindo pena em regime mais gravoso.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator): A jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de que, em caso de falta de vagas em estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da pena no regime semiaberto, se deve conceder ao apenado, em caráter excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou, na falta de vaga em casa de albergado, em regime domiciliar, até o surgimento de vagas no regime apropriado.

Neste sentido, transcrevo:

"EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL.INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROGRESSÃO AO REGIME ABERTO. PERMANÊNCIA EM REGIME MAIS GRAVOSO POR AUSÊNCIA DE VAGAS EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

2. Segundo entendimento consolidado nesta Corte de Justiça, configura constrangimento ilegal a submissão do apenado a regime mais rigoroso do Superior Tribunal de Justiça que aquele fixado na sentença condenatória ou em sede de execução penal, não podendo o réu ser prejudicado pela precariedade do sistema prisional, sob pena de violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena. Precedentes.

3. Caso em que o apenado teve deferido pedido de progressão ao regime aberto e permanece recolhido em regime mais gravoso por ausência de vagas em estabelecimento compatível ao cumprimento da reprimenda.

4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão proferida pelo Juízo de Execução Criminal, que deferiu ao paciente prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, até que surja vaga no estabelecimento prisional adequado, salvo se por outro motivo estiver preso ou dever cumprir a pena em regime mais severo." (HC 323.189/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 29/09/2015.)

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. INEXISTÊNCIA DE VAGA NO REGIME INTERMEDIÁRIO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM, CONTUDO, CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

2. É assente nesta Corte o entendimento que, em caso de falta de vagas em estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da pena no regime semiaberto, deve-se conceder ao apenado, em caráter excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou, na falta de vaga em casa de albergado, em regime domiciliar, até o surgimento de vagas no regime apropriado.

3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem, no entanto, concedida de ofício, confirmando a liminar deferida, para restabelecer a decisão do Juízo de Execuções Penais que deferiu ao paciente o direito de aguardar, em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, o surgimento de vaga em estabelecimento prisional destinado ao regime semiaberto." (HC 318.752/AC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 09/06/2015.)

Diante de todo o exposto, dou provimento ao recurso ordinário, para determinar a remoção do recorrente para estabelecimento prisional destinado ao cumprimento de pena em regime semiaberto e, em caso de impossibilidade, estabelecer o regime aberto ou a prisão domiciliar, até o surgimento de vaga no regime apropriado, salvo se, por outro motivo, estiver cumprindo pena em regime mais gravoso.

É como voto.


Imagem Ilustrativa do Post: FENCE // Foto de: marc falardeau // Sem alterações.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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