Por Redação - 16/03/2016
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Rogerio Schietti Cruz, no dia 10 de março, concedeu liminar para substituir prisão preventiva por prisão domiciliar no caso de acusada gestante e com um filho de dois anos. A acusada por tráfico de drogas estava presa preventivamente, contudo o ministro entendeu, com base na Lei 13.257/16, que entrou em vigor na quarta-feira (9) e alterou o Estatuto da Primeira Infância e o Código de Processo Penal, que na presente situação seria possível a aplicação da substituição da prisão preventiva pela medida cautelar de prisão domiciliar.
Confira íntegra da decisão:
HABEAS CORPUS Nº 351.494 - SP (2016/0068407-9)
RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO ADVOGADO : THIAGO PEDRO PAGLIUCA DOS SANTOS IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE: STEFANY DOURADO DE OLIVEIRA (PRESO)
DECISÃO S. D. O DE O. estaria sofrendo constrangimento ilegal em decorrência de decisão proferida por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que indeferiu pedido de liminar no HC n. 2039322-37.2016.8.26.0000, lá impetrado. Depreende-se dos autos que a paciente, juntamente com outra pessoa, teria sido surpreendida ao tentar ingressar com 1 porção de cocaína e 2 porções de maconha em estabelecimento prisional onde, segundo a denúncia, seriam as substâncias entorpecentes entregues ao seu companheiro preso. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva e, após o indeferimento de liminar em habeas corpus na origem (na qual pleiteava a revogação da prisão cautelar), insurge-se a defesa, nesta oportunidade, com o objetivo de ver cessado, liminarmente, o suposto constrangimento ilegal na manutenção da constrição. Alega, em síntese, que a paciente, com 19 anos de idade, além de primária e com bons antecedentes, tem um filho menor impúbere (2 anos de idade) e se encontra gestante de outro. Assim, "as condições pessoais da paciente demonstram que sua prisão é absolutamente desnecessária". Assere que, "ainda que não se entenda ser o caso de revogação da prisão preventiva, considerando que ela possui um filho menor de 2 anos, é cabível a concessão de prisão domiciliar" (fl. 4).
Por tudo isso, requer a superação da Súmula n. 691 do STF e, de imediato, seja revogada a prisão preventiva ou, subsidiariamente, "requer seja concedida à paciente prisão domiciliar, a fim de preservar os laços entre ela e seu filho" (fl. 7).
Decido.
Não perco de vista o óbice contido no enunciado da Súmula n. 691 do STF, cujo raciocínio empregado em sua compreensão, rotineiramente, tem sido observado por esta Corte nos casos que aqui aportam, originados com o indeferimento de liminar na origem. Todavia, em casos excepcionais, o rigor de tal entendimento é mitigado, mercê da necessidade de correção prematura de constrangimento ilegal manifesto, como o que se verifica na hipótese.
De início, impõe-se destacar a entrada em vigor, no dia9/3/2016, da Lei n. 13.257/2016, a qual estabelece conjunto de ações prioritárias que devem ser observadas na primeira infância (0 a 6 anos de idade), mediante "princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano" (art. 1º), em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A novel legislação, que consolida, no âmbito dos direitos da criança, a intersetorialidade e corresponsabilidade dos entes federados, acaba por resvalar em significativa modificação no Código de Processo Penal, imprimindo nova redação ao inciso IV do art. 318 CPP, além de acrescer-lhe os incisos V e VI, nestes termos:
“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”
É perceptível que a alteração e acréscimos feitos ao art. 318 do CPP encontram suporte no próprio fundamento que subjaz à Lei n. 13.257/2016, notadamente a garantia do desenvolvimento infantil integral, com o "fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância" (art. 14, § 1º).
A despeito da benfazeja legislação, que se harmoniza com diversos tratados e convenções internacionais, vale o registro, com o mesmo raciocínio que imprimi ao relatar o HC n. 291.439/SP (DJe 11/6/2014), de que o uso do verbo "poderá", no caput do art. 318 do CPP, não deve ser interpretado com a semântica que lhe dão certos setores da doutrina, para os quais seria "dever" do juiz determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar ante a verificação das condições objetivas previstas em lei.
Reafirmo que semelhante interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela máxima em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com eficiência, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Outrossim, importaria em assegurar a praticamente toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal o direito a permanecer sob a cautela alternativa, mesmo se identificada a incontornável urgência da medida extrema.
Feito o registro, entendo que, no caso ora examinado, a substituição da prisão preventiva se justifica, seja pela nova redação imprimida ao art. 318 do CPP – haja vista que a paciente, além de se encontrar gestante, é mãe de uma criança de 2 anos de idade – seja porque o juiz de primeiro grau não indicou as peculiaridades concretas que justifiquem a prisão ad custodiam, como se observa da decisão impugnada, nestes termos (fls. 22-23):
“[...] as indiciadas A. R. dos S. e S. D. de O. traziam consigo, para consumo de terceiros, as substâncias entorpecentes descritas no auto de exibição e apreensão de fls 16/17 e no laudo de constatação de fls. 24/29, que determinam dependência física ou psíquica sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar
Ante a vigência da Lei 12.403/11 analisando o presente feito observo ser de rigor a conversão da prisão em flagrante em preventiva Da análise dos autos, não se vislumbra alteração na situação fática que possa levar à mudança na situação prisional especifica, remanescendo o panorama que levou ã prisão em flagrante das indiciadas, cujos motivos e fundamentos permanecem inalterados.
Assim, verificam-se presentes os requisitos da prisão preventiva, pois presente prova da materialidade delitiva e indícios de autoria bem como os fundamentos previstos no artigo 311 e seguintes do CPP, tais como a garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal.
Ressalte-se que a ordem pública consiste na tranqüilidade do meio socai, tutelando-se bens jurídicos superiores, tais como a incolumidade das pessoas e da saúde pública, sendo dever do Estado e direito e responsabilidade de todos zelar pela paz social: Ao passo que tal tranqüilidade se vê ameaçada pela prática de crimes gravíssimos tal como o imputado às indiciadas, urge a decretação da prisão preventiva.
Ademais, as medidas cautelares diversas da prisão preventiva se mostram inadequadas e insuficientes ao caso, salientando que não existe comprovação de residência fixa e atividade licita. Nestes termos e havendo nos autos fortes indícios de autoria e materialidade do delito de tráfico de drogas por parte do indiciado, converto, a prisão em flagrante de A. R. dos S. e S. D. de O. com prisão preventiva.
Considerando que as acusadas já se encontram custodiadas por força da prisão em flagrante, desnecessária a expedição de novo mandado.”
Há que se ressaltar a posição central, em nosso ordenamento jurídico, da doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta, previstos no art. 227 da Constituição Federal, no ECA e, ainda, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto Presidencial n.99.710/90.
Sob tais regências normativas, e levando em consideração as peculiaridades do caso, penso ser temerário manter o encarceramento da paciente quando presentes dois dos requisitos legais do artigo 318 do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 13.257/2016. Ademais a prisão domiciliar revela-se adequada para evitar a prática de outras infrações penais (art. 282, I, CPP), diante das condições favoráveis que ostenta (primariedade e residência fixa), e de não haver demonstração de sua periculosidade concreta, que pudesse autorizar o recurso à cautela extrema como a única hipótese a tutelar a ordem pública.
Ante o exposto, defiro a liminar para substituir a prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar até o julgamento do presente writ.
Alerte-se à paciente que a violação da prisão domiciliar importará o restabelecimento da prisão preventiva, como também poderá ser esta novamente aplicada se sobrevier situação que configure a exigência da cautelar mais gravosa.
Comunique-se a decisão, com urgência, à autoridade apontada como coatora e ao juízo de primeiro grau, solicitando-lhes informações.
Ouça-se o Ministério Público Federal.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 10 de março de 2016.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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