STJ anula condenação em virtude de ausência de razões de apelação e de intimação do acusado em habeas corpus interposto pela Defensoria Pública de SP

05/12/2016

Por Redação- 05/12/2016

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus n.º368.272-SP, reconheceu a nulidade do processo crime por ausência de razões de apelação.

Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática do crime de tentativa de homicídio e condenado à pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, tendo a decisão transitado em julgado para ambas as partes, e, por consequência, expedido mandado de prisão em desfavor do réu.

O Defensor Público, Felipe de Castro Busnello  ajuizou, posteriormente, revisão criminal a fim de obter a anulação do processo a partir da interposição do recurso de apelação em virtude da ausência de razões recursais. Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou parcialmente procedente a ação revisional apenas para estabelecer o regime inicial fechado.

Não satisfeito com a decisão, o Defensor Público ingressou com Habeas Corpus no STJ sustentando a ocorrência de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do paciente, uma vez que o réu teria interposto o recurso de apelação contra a decisão condenatória de primeiro grau, contudo, seu advogado constituído não teria apresentado as respectivas razões recursais.

Argumentou o Defensor que, de acordo com os autos, o Tribunal de Justiça de SP apreciou o recurso de apelação sem as correspondentes razões recursais, bem como sem intimar, preliminarmente, o réu para que constituísse outro advogado com o objetivo de apresentação das razões de apelação e sem intimar a própria Defensoria Pública para tanto, o que, a seu ver, é causa de nulidade absoluta do feito por violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório.

No STJ,  o Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca concedeu a ordem de ofício para declarar a nulidade do julgamento da Apelação Criminal n.º 382.835.3/9 e todos os julgamentos posteriores a ela referentes, bem como do trânsito em julgado de sua condenação, e determinar que outro julgamento seja realizado, reabrindo o prazo para apresentação das razões recursais, com a devida intimação do paciente para que, dentro de um termo pré-fixado, indique advogado de sua confiança para apresentação das respectivas razões recursais, sob pena de, não o fazendo, ser-lhe nomeado defensor dativo ou enviado os autos à Defensoria Pública, nos termos do artigo 263 do Código de Processo Penal, devendo ser o paciente colocado em liberdade até a realização do novo julgamento.

Confira o inteiro teor da decisão:

Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 368.272 - SP (2016/0219548-9) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO ADVOGADO : FELIPE DE CASTRO BUSNELLO IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : J.R.A.P

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública em favor de J. R. A. P, indicando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Revisão Criminal n. 0205308-82.2013.8.26.0000).

Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, IV, c/c o artigo 14, II, ambos do Código Penal, à pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, tendo a decisão transitado em julgado para ambas as partes, e, por consequência, expedido mandado de prisão em desfavor do réu.

A Defensoria Pública ajuizou, posteriormente, revisão criminal a fim de obter a anulação do processo a partir da interposição do recurso de apelação. Contudo, a Corte local julgara parcialmente procedente a ação revisional apenas para estabelecer o regime inicial fechado. Daí o presente mandamus, no qual a defesa alega a ocorrência de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do paciente, uma vez que o réu teria interposto o recurso de apelação contra o édito condenatório de primeiro grau, contudo, seu advogado constituído não teria apresentado as respectivas razões recursais.

O Tribunal de origem apreciou o recurso de apelação sem as correspondentes razões recursais, bem como sem intimar, preliminarmente, o réu para que constituísse outro advogado com o objetivo de apresentação das razões de apelação e sem intimar a própria Defensoria Pública para tanto, o que, a seu ver, é causa de nulidade absoluta do feito por violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Requer, liminarmente e no mérito, a anulação do processo a partir da interposição do recurso de apelação, reabrindo-se o prazo para apresentação das razões recursais com a consequente desconstituição do trânsito em julgado da condenação.

A liminar foi indeferida às e-STJ fls. 66/67.

Informações prestadas às e-STJ fls. 77/145.

Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do mandamus (e-STJ fls. 149/153).

É o relatório.

HABEAS CORPUS Nº 368.272 - SP (2016/0219548-9)

VOTO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator): O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015 e STF, HC n. 113890, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014. Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso.

Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

A defesa objetiva a declaração de nulidade do procedimento criminal a partir da sessão de julgamento realizada pelo Tribunal de origem que procedeu ao julgamento do recurso de apelação defensivo sem as correspondentes razões recursais e sem que fosse intimado o réu para constituição de novo advogado, ante a inércia do causídico anterior.

Depreende-se dos autos que o advogado até então constituído nos autos interpôs recurso de apelação, tendo, nos termos do artigo 600, § 4º, do Código de Processo Penal, reservado o direito de arrazoar o recurso perante a instância superior. Todavia, quedou-ser inerte na apresentação das respectivas razões recursais.

O Tribunal a quo determinou a intimação do patrono do paciente para que este apresentasse as razões do recurso de apelação, quedando-se, este, novamente inerte. Diante desta situação, a Corte local, em sessão realizada no dia 12/4/2006, sem as razões recursais, a despeito de reiterados pedidos ministeriais no sentido de que se procedesse à prévia intimação do réu para constituição de novo defensor, realizou o julgamento do apelo defensivo, negando-lhe provimento e, assim, manteve a sentença condenatória com a consequente expedição de mandado de prisão em desfavor do réu, o qual somente fora cumprido em 8/11/2012.

O réu, no ano de 2013, impetrou prévio mandamus na Corte de origem objetivando a declaração da referida nulidade, o qual, contudo, não foi conhecido, tendo no mesmo ano de 2013, ajuizado a Revisão Criminal n. 0205308-82.2013.8.26.0000, a qual foi julgada parcialmente procedente apenas para estabelecer o regime inicial fechado.

Em situações como essa, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, na hipótese de o advogado constituído nos autos, apesar de devidamente intimado, não apresentar as razões recursais, deve-se proceder à intimação do acusado para que indique novo advogado e, em caso de inércia do réu, há de se nomear defensor público ou dativo a fim de que ofereça as devidas razões recursais, sob pena de nulidade.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO. EXTORSÃO. INÉRCIA DA DEFESA PARA APRESENTAR CONTRARRAZÕES. RÉU NÃO LOCALIZADO NO ENDEREÇO DOS AUTOS. FALTA DE INTIMAÇÃO POR EDITAL PARA CONSTITUIR NOVO ADVOGADO ANTES DA NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. NULIDADE. OCORRÊNCIA. RÉU CITADO PESSOALMENTE NO LOCAL. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORA DATIVA DA SESSÃO DE JULGAMENTO. PREJUÍZO CONCRETO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Constatada a inércia do advogado constituído, o réu deve ser  intimado para indicar novo patrono de sua confiança antes de proceder-se à nomeação da Defensoria Pública ou de defensor dativo para o exercício do contraditório. 2. Ante a não apresentação das contrarrazões pela advogada constituída - a qual apelou da sentença condenatória e apresentou as razões do recurso -, foi nomeada defensora dativa para o paciente, depois de o oficial de justiça não localizar o endereço dos autos para a realização da sua intimação pessoal. 3. Comprovado que o endereço existe - tanto que no local foi realizada a citação pessoal -, deve ser acolhida a tese de nulidade, pois houve prejuízo concreto para o acusado que, sem direito de organizar sua defesa, teve a pena de 3 anos e 6 meses de reclusão, em regime aberto, exasperada para 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, limitando-se o defensor dativo a apresentar as contrarrazões. 4. A ausência de intimação pessoal da defensora dativa da sessão de julgamento da apelação fortalece a convicção de malferimento à ampla defesa do réu, por violação do art. 370, § 4°, do CPP. Apesar de ter ocorrido o trânsito em julgado da condenação, em 2013, sem a indicação das nulidades processuais ou a interposição de recurso especial, o paciente, quando instado a cumprir o título judicial, constituiu novo patrono que, desde então, tem adotado providências para anular o processo. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para anular o processo desde a nomeação de defensora dativa ao paciente e para determinar o novo julgamento da apelação, com a prévia intimação do advogado de sua livre escolha para oferecer contrarrazões ao recurso do Ministério Público. (HC 321.219/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 29/10/2015)

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ADVOGADO CONSTITUÍDO DEVIDAMENTE INTIMADO. INÉRCIA NA APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. NECESSIDADE DA PRÉVIA INTIMAÇÃO DO RÉU PARA CONSTITUIR NOVO PATRONO. FALTA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO OU DATIVO PARA SUPRIR A FALTA. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. PRECEDENTES. ACÓRDÃO DA APELAÇÃO ANULADO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. OCORRÊNCIA. 1. Tendo o réu manifestado pessoalmente o desejo de recorrer da sentença condenatória, deve ser suprida a sua falta de capacidade postulatória, com a apresentação de razões por advogado. Havendo advogado constituído, se esta permanece inerte, deve ser o acusado intimado para constituir novo defensor, e, não o fazendo, deve-se-lhe nomear defensor dativo para tanto (HC n. 71.054/SC, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 10/12/2007). 2. Interposta a apelação, cumpre ser arrazoada em 1a. ou 2a. instâncias (não se confunde com a sustentação oral). Exigência do "due process of law" (Const. art. 5., LV) - REsp n. 88.194/GO, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 9/6/1997. 3. É nulo o julgamento sem que o recurso tenha sido arrazoado (HC n. 39.678/RS, Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, DJe 2/6/2005). 4. Numa interpretação histórico-evolutiva não é de se aceitar, hoje em dia, a aplicação literal do disposto no art. 601 do CPP, que cerceando o direito do réu, se apresenta fora do contexto processual penal, quer constitucional quer infraconstitucional (REsp n. 125.680/RS, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 13/10/1998). 5. Há respaldo jurisprudencial para a conclusão de ocorrência de nulidade absoluta no caso, o que autoriza a concessão da ordem, até mesmo de ofício, se se entendesse pela falta de cabimento do habeas corpus. 6. Não há falar em instrução deficiente dos autos de habeas corpus pela ausência de cópia da ata da sessão de julgamento da apelação para se verificar se ali estava presente ou não o defensor do réu. Diante do caráter absoluto da nulidade cabalmente demonstrada na espécie, torna-se indiferente ter sido arguida, ou não, por defensor, durante o julgamento, a ausência das razões da apelação. 7. De acordo com a pena fixada, o lapso prescricional é de 4 anos, conforme preceitua o art. 109, V, do Código Penal, prazo este transcorrido entre o último marco interruptivo, consistente na publicação da sentença condenatória, em 30/7/2007, e 5/9/2013. 8. A liminar deferida pelo então Relator não teve o condão de suspender o lapso prescricional. 9. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 179.776/ES, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 13/05/2014, DJe 02/06/2014)

HABEAS CORPUS. POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO OU SINAL DE IDENTIFICAÇÃO RASPADO OU SUPRIMIDO (ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI 10.826/2003). DEFENSORA CONSTITUÍDA DEVIDAMENTE INTIMADA. INÉRCIA NA APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. PRAZO TRANSCORRIDO IN ALBIS. JULGAMENTO DO RECURSO SEM A MANIFESTAÇÃO DA DEFESA TÉCNICA. NECESSIDADE DE NOMEAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA OFERTAR AS RAZÕES DO APELO INTERPOSTO PELO ACUSADO A TEMPO E MODO.AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. OFENSA. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em respeito às garantias constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, esta Corte Superior de Justiça tem decidido que "nas hipóteses em que o advogado do réu, intimado para apresentação das razões da apelação, permanece inerte, é necessário seja oportunizado ao acusado a nomeação de novo defensor, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa" (HC 229.808/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012). 2. No caso dos autos, embora constatada a inércia do patrono constituído pelo paciente para oferecer as razões do recurso, o magistrado sentenciante deixou nomear a Defensoria Pública para fazê-lo, considerando que teria havido a desistência do apelo, violando, assim, a garantia constitucional à ampla defesa, circunstância que dá ensejo ao reconhecimento da nulidade do acórdão objurgado. 3. Ordem concedida para anular o julgamento da Apelação Criminal n. 0029375-73.2008.26.0161, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, determinando-se que outro seja realizado com a prévia nomeação da Defensoria Pública para o oferecimento das razões recursais em favor do paciente, tendo em vista que já lhe foi oportunizada a regularização da sua representação nos autos, sem prejuízo de que possa constituir, a qualquer momento, profissional da sua confiança. (HC 219.147/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 12/03/2013)

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE RAZÕES DE APELAÇÃO. NÃO INTIMAÇÃO PARA NOMEAÇÃO DE NOVO DEFENSOR. NULIDADE CONFIGURADA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I. Nas hipóteses em que o advogado do réu, intimado para apresentação das razões da apelação, permanece inerte, é necessário seja oportunizado ao acusado a nomeação de novo defensor, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa. Precedentes. II. Ordem que deve ser parcialmente concedida para anular o julgamento da apelação criminal nº 00884361.3/5-0000-000, determinando que outro seja realizado devendo a Corte Estadual proceder à intimação do paciente para que constitua novo advogado e, em caso de inércia do réu, nomear defensor público ou dativo que ofereça as devidas razões recursais. III. Ordem parcialmente concedida. (HC 229.808/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012).

HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. APELAÇÃO CRIMINAL. DEFENSOR CONSTITUÍDO DEVIDAMENTE INTIMADO. INÉRCIA NA APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. NOVA OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO. PRAZO TRANSCORRIDO IN ALBIS. JULGAMENTO DO RECURSO SEM A MANIFESTAÇÃO DA DEFESA TÉCNICA. NECESSIDADE DA PRÉVIA INTIMAÇÃO DO ACUSADO PARA CONSTITUIR NOVO PATRONO DE SUA CONFIANÇA. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. OFENSA. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em respeito às garantias constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, esta Corte Superior de Justiça tem decidido que "não ofertadas as razões de recurso pelo patrono constituído, devidamente intimado para tanto, deve-se intimar o acusado para que indique novo patrono. Somente em caso de inércia, será viável a nomeação de defensor público" (HC 145.148/PA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 14/12/2009). 2. No caso dos autos, embora constatada a inércia do patrono constituído pelo paciente para oferecer as razões do recurso, a Corte Estadual deixou de intimá-lo para manifestar o seu desejo de constituir um defensor de sua confiança, determinando o prosseguimento do feito sem a apresentação das devidas razões recursais, violando, assim, a garantia constitucional à ampla defesa, circunstância que dá ensejo ao reconhecimento da nulidade do acórdão objurgado. 3. Ordem concedida para anular o julgamento da Apelação Criminal nº 1.0512.03.016277-4/001, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, determinando-se que outro seja realizado, restituindo-se o prazo para o oferecimento das razões recursais, devendo a Corte de origem providenciar a intimação do paciente para que constitua novo advogado, sob pena de, verificada nova inércia, lhe ser nomeado defensor público ou dativo para a prática do ato, nos termos do artigo 263 do Código de Processo Penal. (HC 225.292/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 15/02/2012)

Compartilho deste mesmo entendimento, pois a escolha de defensor, de fato, é um direito inafastável do réu, principalmente se levar em consideração que a constituição de um defensor estabelece uma relação de confiança entre o investigado/réu e seu patrono. Assim, uma vez verificada a ausência de defesa técnica a amparar o acusado, por qualquer motivo que se tenha dado, deve-se conceder, primeiramente, prazo para que o réu indique outro profissional de sua confiança, para só então, caso permaneça inerte, nomear-lhe defensor dativo ou enviar os autos à Defensoria Pública.

Isso porque o acusado tem o direito de se ver processado de acordo com o devido processo legal, consubstanciado, dentre outras, na garantia à ampla defesa e ao contraditório previstos no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, permitindo-se, assim, o equilíbrio da relação processual e o tratamento isonômico das partes, bem como a própria preservação da imparcialidade do julgador.

Nessa ordem de ideias, no âmbito da garantia à ampla defesa, é assegurado ao acusado o direito de nomear um defensor de sua confiança, nos termos do artigo 263 do Código de Processo Penal, que preconiza que se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação. Sobre o assunto, insta destacar o posicionamento doutrinário de Guilherme de Souza Nucci:

Escolha de defensor de sua confiança : é direito inafastável do acusado, fazendo parte da ampla defesa. Deve haver uma estreita relação de confiança entre o réu e o profissional destacado para ouvir seus segredos e usar todos os recursos cabíveis para garantir o seu indisponível direito à liberdade. Assim, é natural que, não possuindo defensor, a princípio, cumprindo-se o estabelecido no art. 261, deve o juiz nomear-lhe um, o que não impede, a qualquer tempo, o ingresso no feito de advogado escolhido pelo próprio réu (Código de Processo Penal Comentado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 648).

No caso dos autos, depreende-se que, embora devidamente intimado, o advogado constituído pelo recorrente quedou-se inerte, deixando fluir in albis o prazo para o oferecimento das razões de apelação.

O Tribunal a quo após a certificação da não apresentação das razões recursais, e, mesmo diante do requerimento ministerial para que se procedesse à intimação do réu para constituição de novo causídico, não o fez, procedendo ao julgamento do recurso de apelação sem as respectivas razões recursais e sem que fosse oportunizado ao réu o direito de nomeação de novo defensor para a prática do ato processual, o qual somente tomara conhecimento do trânsito em julgado da condenação a si imposta com o cumprimento do mandado de prisão contra si expedido, já que respondia ao processo em liberdade.

Este Tribunal Superior tem proferido entendimento no sentido de que, diante da inércia do advogado constituído na apresentação das razões recursais, deve-se proceder à intimação do réu para indicação de novo advogado para apresentá-las, não sendo suficiente para afastar a respectiva nulidade, o julgamento do recurso pela Corte local.

Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. APELAÇÃO INADMITIDA POR AUSÊNCIA DAS RAZÕES. FALTA DE INTIMAÇÃO DO RÉU PARA CONSTITUIÇÃO DE NOVO ADVOGADO. NULIDADE RECONHECIDA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL RECONHECIDA DE OFÍCIO. RECURSO PROVIDO. 1. Sendo a apelação, também no rito da Lei nº 9.099/95, uma espécie de recurso, a ausência ou intempestividade das razões, não induzem ao não-conhecimento da apelação interposta. 2. Esta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que, diante da inércia da defesa na apresentação das devidas razões recursais, em homenagem ao princípio da ampla defesa e contraditório, é imprescindível a intimação do réu, oportunizando a constituição de novo defensor. 3. Recurso em habeas corpus provido para reconhecer a nulidade da decisão de inadmissão do recurso de apelação pela ausência das razões, para a intimação do recorrente a fim de que constitua novo defensor para tal fim e, de ofício, declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal. (RHC 25.736/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 03/08/2015)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. NULIDADE. APELAÇÃO DEFENSIVA. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. INÉRCIA DO ADVOGADO CONSTITUÍDO INTIMADO VIA IMPRENSA OFICIAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO RÉU OPORTUNIZANDO A CONSTITUIÇÃO DE NOVO DEFENSOR. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO- Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso ordinário/especial. Contudo, a luz dos princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e da ampla defesa, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a fim de se verificar a existência de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício. - Esta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que, diante da inércia da defesa na apresentação das devidas razões recursais, em homenagem ao princípio da ampla defesa, é imprescindível a intimação do réu, oportunizando a constituição de novo defensor. Precedentes. - Assim, diante da ausência de intimação do réu oportunizando a constituição de novo advogado para apresentação das devidas razões recursais, restou configurada, in casu, a ocorrência do cerceamento de defesa, sendo, ainda, evidente o prejuízo causado. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para declarar a nulidade do julgamento da apelação 0084732-85.2005.8.26.0050, determinando a realização de novo julgamento, reabrindo prazo para apresentação das razões recursais, com a devida intimação do paciente para constituição de novo defensor. (HC 240.043/SP, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013)

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE RAZÕES DE APELAÇÃO. NÃO INTIMAÇÃO PARA NOMEAÇÃO DE NOVO DEFENSOR. NULIDADE CONFIGURADA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I. Nas hipóteses em que o advogado do réu, intimado para apresentação das razões da apelação, permanece inerte, é necessário seja oportunizado ao acusado a nomeação de novo defensor, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa. Precedentes. II. Ordem que deve ser parcialmente concedida para anular o julgamento da apelação criminal nº 00884361.3/5-0000-000, determinando que outro seja realizado devendo a Corte Estadual proceder à intimação do paciente para que constitua novo advogado e, em caso de inércia do réu, nomear defensor público ou dativo que ofereça as devidas razões recursais. III. Ordem parcialmente concedida. (HC 229.808/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012)

Devo observar, ainda, que, no caso, não houve a preclusão do tema, pois o réu, logo após o cumprimento do mandado de prisão contra si expedido no ano de 2012, impetrou prévio mandamus na Corte de origem objetivando a declaração da respectiva nulidade processual, o que demonstra, ter requerido a declaração da referida nulidade, tão logo tenha tomado conhecimento dela, sendo, pois, imprescindível a abertura de oportunidade ao réu para o saneamento da omissão pelo causídico até então constituído nos autos. Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.

Contudo, concedo a ordem, de ofício, para declarar a nulidade do julgamento da Apelação Criminal n.º 382.835.3/9 e todos os julgamentos posteriores a ela referentes, bem como do trânsito em julgado de sua condenação, e determinar que outro julgamento seja realizado, reabrindo o prazo para apresentação das razões recursais, com a devida intimação do paciente para que, dentro de um termo pré-fixado, indique advogado de sua confiança para apresentação das respectivas razões recursais, sob pena de, não o fazendo, ser-lhe nomeado defensor dativo ou enviado os autos à Defensoria Pública, nos termos do artigo 263 do Código de Processo Penal, devendo ser o paciente colocado em liberdade até a realização do novo julgamento, ressalvando-se, contudo, a possibilidade na manutenção de sua custódia por outros motivos.

É como voto.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

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Confira aqui a decisão: habeas-corpus-no-368-272-sp

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Fonte: STJ

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