Regime disciplinar diferenciado- RDD- sem individualização da conduta fere e estabelecimento adequado fere a Constituição, decide juiz do AM

13/08/2016

Por Redação – 13/08/2016

Em recente decisão da Vara de Execuções Penais do Amazonas, o juiz Luís Carlos Valois entendeu que o Regime Disciplinar diferenciado deve ser deferido apenas quando houver estabelecimento adequado para cumprimento da medida, por obediência aos preceitos constitucionais.

Menciona a decisão que “a leitura do texto constitucional é clara, as penas devem ser cumpridas em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, ou seja, de acordo com sua gravidade, e principalmente de acordo com os regimes estipulados para tal pena. Assim, não há que se falar de Regime Disciplinar Diferenciado em estabelecimento penal onde outros presos cumprem pena ou estão recolhidos de forma provisória, como no caso em questão. “

Ainda, de acordo com a decisão, deve existir individualização da conduta e comprovação de fatos específicos que justifiquem a medida. No entendimento do magistrado “o juízo não pode manter o apenado em RDD, seja em que estabelecimento for, sem a comprovação de fatos específicos que indiquem a necessidade da medida. Toda pena deve ser individualizada, essa é outra garantia constitucional, igualmente do art. 5º, XLVI, e, portanto, não há que se falar em punição, inclusão de preso em RDD, sem a devida individualização de sua conduta”.

Confira na íntegra a decisão   PODER JUDICIÁRIO VARA DE EXECUÇÕES PENAIS    Autos n°: 0209971-78.2016.8.04.0001   Vistos,

CDFB, cumprindo pena privativa de liberdade em regime fechado, foi transferido para uma das cadeias públicas de Manaus, tido como incluído em Regime Disciplinar Diferenciado.

A defesa pede que o apenado retorne para seu estabelecimento penal de origem, destinado a cumprimento da pena em regime fechado.

Nos autos Ata do Conselho Disciplinar informando que o apenado não foi punido  por qualquer falta, sendo que a Secretaria de Administração Penitenciária informa ser importante a permanência do apenado em RDD, afirmando estar o mesmo envolvido em outros atos de indisciplina, embora não junte provas ou documentos sobre tal afirmação.

O MP é de parecer pela manutenção do apenado no regime em que se encontra.

Relatados. DECIDO.

A Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que, além de modificar certas disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal, criou o regime disciplinar diferenciado, reformando o parágrafo único do art. 87 da Lei de Execução Penal, realmente permitiu aos Estados e à União, criarem estabelecimentos penais para o Regime Disciplinar Diferenciado.

Tal norma é compatível com o inciso XLVIII, do art. 5º, da Constituição Federal, que determina: "a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado".

A leitura do texto constitucional é clara, as penas devem ser cumpridas em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, ou seja, de acordo com sua gravidade, e principalmente de acordo com os regimes estipulados para tal pena.

Assim, não há que se falar de Regime Disciplinar Diferenciado em estabelecimento penal onde outros presos cumprem pena ou estão recolhidos de forma provisória, como no caso em questão.

Veja-se que a natureza da norma constitucional é para manter a isonomia de tratamento: presos sob o mesmo tento devem viver em regimes jurídicos idênticos. Não é por outro motivo que o legislador criou a penitenciária para o regime fechado, a Colônia Agrícola para o regime semiaberto e a Casa do Albergado para o regime aberto, para evitar que presos de regime diferentes convivessem no mesmo estabelecimento penal.

A violação da norma em questão não pode ser desprezada, principalmente porque admitir presos no mesmo estabelecimento penal com regras diferenciadas pode ocasionar descontentamentos passíveis inclusive de levar a rebeliões e mortes.

Ademais, admitindo-se que parte de um estabelecimento penal pudesse ser convertido em RDD, há que se convir que a estrutura do sistema penitenciário amazonense não comporta tal medida, vez que é queixa da própria Secretaria de Administração Penitenciária a superlotação ultrapassando o triplo da capacidade de vagas.

Lógico concluir, portanto, que a estrutura do sistema amazonense não comporta um RDD, quando verificamos que uma das regras do mesmo é que o preso fique em cela individual (art. 52 da LEP), além dos horários específicos de visita e de banho de sol.

Sobre a inconveniência de se administrar um estabelecimento penal com horários diversos de banho de sol e de visita já se falou, se é que constitucionalmente tal proceder pode ser considerado como permitido, mas manter um apenado em cela individual em um sistema penitenciário superlotado como o do Amazonas é inclusive punir de forma arbitrária os demais sentenciados, que se amontoam nas celas restantes, vinte, trinta, em celas que cabem apenas oito.

Outra questão que suscita a existência de critérios injustos e, por consequência, ilegítimos, é o fato de que a SEAP tem transferido presos para penitenciárias federais quando assim entende necessário, justamente em regime disciplinar diferenciado, não tendo sido informado nos autos o motivo pelo qual certos presos tem esse tipo de tratamento e outros não.

Tais questões são objetivas, estritamente considerados os dispositivos legais e a situação de fato dos estabelecimentos penais de Manaus, a indicar a impossibilidade de se manter qualquer preso em situação privilegiada, em cela individual, mesmo que a isso se dê o nome de RDD, mas há ainda a questão jurídica, específica do apenado.

Ora, há nos autos expediente da direção do estabelecimento penal onde o sentenciado estava que, aliás, diga-se de passagem, é o único destinado a cumprimento de pena de regime fechado, designado como penitenciária, informando que o mesmo não foi punido por qualquer falta disciplinar, sendo que a SEAP quer considerar o apenado passível de punição por afirmar estar o mesmo envolvido em atividades criminosas, as quais não estão especificadas, sem a juntada de qualquer documento relativo a alguma apuração a respeito.

Evidentemente, este juízo não pode manter o apenado em RDD, seja em que estabelecimento for, sem a comprovação de fatos específicos que indiquem a necessidade da medida. Toda pena deve ser individualizada, essa é outra garantia constitucional, igualmente do art. 5º, XLVI, e, portanto, não há que se falar em punição, inclusão de preso em RDD, sem a devida individualização de sua conduta.

Essa é inclusive a jurisprudência do STJ:

"EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD). INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES LEGAIS. IMPOSIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 2. DECISÃO DO JUIZ DAS EXECUÇÕES EM PROCESSO JUDICIAL. NECESSIDADE. 3. FALTA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. 4. LIMITE TEMPORAL MÁXIMO DE 1 ANO. IMPOSIÇÃO SEM MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INDIVIDUALIZAÇÃO DA SANÇÃO. NECESSIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 5. ORDEM CONCEDIDA. 1. Incabível a inclusão de preso em RDD se inocorrente no caso qualquer das hipóteses legais, previstas no artigo 52 da Lei de Execuções Penais. 2. O Regime Disciplinar Diferenciado é sanção disciplinar que depende de decisão fundamentada do juiz das execuções criminais e determinada no curso do processo de execução penal. 3. A decisão judicial sobre a inclusão do preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa, o que não foi propiciado no presente caso. 4. Desproporcional a imposição do regime disciplinar diferenciado no seu prazo máximo de duração, de um ano, sem uma individualização da sanção adequadamente motivada (Inteligência do artigo 57 da Lei de Execução Penal). 5. Ordem concedida para determinar a transferência do paciente do regime disciplinar diferenciado, retornando para o Conjunto Penal de Feira de Santana, onde se encontrava. Efeitos estendidos aos demais presos na mesma situação. (HC 89.935/BA, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 26/05/2008).

Afirmações genéricas de liderança negativa por parte do apenado, envolvimento em facções etc, sem a juntada de documentos que comprovem a verificação de tal afirmação, sem a juntada de procedimentos investigatórios ao menos, não podem permitir a inclusão do apenado em RDD.

A despeito de tal medida ter sido tomada cautelarmente, apenas com as afirmações da administração penitenciária, agora, após manifestação da defesa e do Ministério Público, no momento em que a sanção precisa ser devidamente individualizada, tais simples afirmações não são suficientes para manter o apenado em RDD.

Em verdade, o apenado, a respeito da única falta disciplinar que lhe foi atribuída, foi absolvido. Assim, o mínimo que se pode dizer do interesse em manter um apenado sem falta disciplinar em regime mais grave do que o estabelecido na sentença é de que tal procedimento é injusto. Mas, além de injusto, por não haver parâmetros claros e objetivos para tanto, é ilegal.

A SEAP pode continuar realizando as remoções que se fizerem necessárias para melhor administrar o sistema penitenciário, mas impor punição sem o devido processo legal, sem individualização da sanção, não havendo dúvidas de que inclusão no RDD é sanção (art. 53, V, da LEP), e das mais graves, não é possível.

ISTO POSTO, não tendo sido comprovado nos autos a participação do apenado em falta disciplinar ou em qualquer movimento que indique indisciplina ou ameaça ao sistema penitenciário, sendo inviável a sua manutenção em Regime Disciplinar Diferenciado pelas razões já expostas, revogo a medida tomada cautelarmente neste autos para determinar o retorno do apenado CDFB ao estabelecimento penal de origem, ou seja, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim, devendo continuar cumprindo o restante de sua pena em regime fechado.

Intimem-se. Encaminhe-se, mediante ofício, cópia desta decisão para cumprimento.

Manaus, 29 de julho de 2016   LUÍS CARLOS VALOIS Juiz da Vara de Execuções Penais      
Imagem Ilustrativa do Post:  Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo visita novas instalações da Penitenciária Lemos de Brito // Foto de: Fotos GOVBA // Sem alterações Disponível em: https: https://www.flickr.com/photos/agecombahia/5393574860/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode .  

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