Por Redação - 18/09/2015
Foi concedida ordem no Habeas Corpus n. 2013.101146-8 pela Primeira Turma de Recursos da Comarca da Capital (SC) para rejeitar queixa-crime que não preenchia os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.
De acordo com o referido dispositivo, "a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".
No presente caso, não havendo precisa descrição de todas as circunstâncias que envolveram o suposto evento criminoso, mas tão somente uma genéria indicação dos fatos, a queixa-crime foi considerada inepta para iniciar a ação penal privada.
Confira abaixo a íntegra do Acórdão:
Habeas Corpus n. 2013.101146-8, de São José
Relator: Alexandre Morais da Rosa
Impetrante: T.M.A.G.
Impetrado: Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de São José
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HABEAS CORPUS. QUEIXA-CRIME INEPTA. ORDEM CONCEDIDA.
É inepta a queixa-crime que não atende os requisitos do art. 41 do CPP, ao não indicar do Horário, bem assim pormenores, violando o devido processo legal substancial.
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Visto, relatado e discutido o presente Habeas Corpus n. 2013.101146-8, de São José, impetrado por T.M.A.G. em face do Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de São José.
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ACORDAM, em Primeira Turma de Recursos Cíveis e Criminais, por votação unânime, conhecer do habeas corpus e conceder a ordem.
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Relatório
1 – Trata-se de Pedido de Habeas Corpus, impetrado por T.M.A.G., contra ato do Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de São José, ambos já qualificados nos autos.
2 – Segundo consta do pedido, é imputada à paciente a prática do crime de injúria, descrito no art. 140 do Código Penal, por supostamente ter proferido declarações ofensivas à adolescente I.P.S.. Neste sentido, sustenta a impetrante a inépcia da inicial acusatória, porquanto insuficiente a descrição dos fatos e não demonstração de que o narrado constitui crime contra a honra, assim como a falta de justa causa para o ajuizamento da Queixa-crime, uma vez que os elementos contidos na acusação não revelam a materialidade e autoria da paciente para o delito.
3 – Conforme aponta a Queixa-crime, A.C. da S. teria sido procurada pela impetrante, referindo-se à adolescente como sendo uma “menina problemática”, que sofria de “maus tratos” e que era “adotiva”. Tal acontecimento, conforme expresso em fls. 17-18 foi objeto de declaração firmada por A., em que é relatado os fatos ocorridos. Desta feita, alega a querelante que estaria consumado o crime de injúria, motivo pelo qual se deu início à ação penal.
4 – De início, cumpre fazer menção que o Código de Processo Penal estabelece, no art. 41, os elementos intrínsecos à denúncia ou queixa, sendo exigido “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Como imperativo do contraditório e da ampla defesa, faz-se necessário a descrição completa dos fatos, bem como em que medida a conduta descrita se subsume ao tipo descrito pela norma. Do mesmo modo, para o exercício da ação penal, é necessário a presença de justa causa; a existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade delitiva como forma de autorizar o início da ação penal. Neste sentido, impostar destacar que:
“A garantia da ampla defesa pressupõe, no processo pena condenatório, uma acusação inicial perfeitamente demarcada, pois ninguém pode se defender eficazmente de uma acusação oculta ignorada ou implícita. É o princípio da ACUSAÇÃO EXPLÍCITA, que deflui da Lei maior, como uma das garantias do DEVIDO PROCESSO LEGAL. Toda atividade processual, aliás, gira em torno da acusação inicial: o acusador buscando comprovar sua procedência; o réu e seu defensor (ou pelo menos este último), ao contrário, procurando demonstrar sua improcedência, total ou parcial […] O DEVIDO PROCESSO LEGAL segue o método dialético: a tese da acusação, a antítese do réu e seu defensor (ou pelo menos deste) e a síntese do juiz. Sem a tese da acusação, não pode haver a antítese da defesa. Eis aí a razão fundamental da necessidade de uma acusação perfeitamente delineada.”[1]
5 – Exsurge do presente caso, contudo, o fato de que não há uma precisa descrição de todas as circunstâncias que envolvem o suposto evento criminoso. Neste contexto, tem-se uma genéria indicação de que “a Querelante procurou pela Condômina A.C. da S., em sua residência, para atacar a Querelante com injúria grave, orientando a condômina a proibir seus filhos de brincar com a Querelante porque era uma menina 'problemática', que sofria de 'maus tratos' e era 'adotiva' [...]”. Além disso, a única referência que se tem do ocorrido é uma declaração prestada por A., a qual contém a exposição do que, em princípio, teria sido dito pela impetrante.
Neste contexto, a presente Queixa-crime apresentada é flagrantemente inepta, devendo ser rejeitada nos termos do art. 395, inciso I, do Código de Processo Penal, uma vez que não descreve satisfatoriamente os fatos imputados à querelada e não apresenta provas suficientes que justifiquem o início da ação penal. Ademais, sequer é fornecido com precisão a data em que os fatos teriam se dado, apenas sendo mencionado que teriam ocorrido “em meados do ano de 2010”. No mesmo sentido, já foi decido por este relator, a saber:
QUEIXA CRIME - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO - REJEIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PODERES NO INSTRUMENTO DE MANDATO E DE JUSTA CAUSA
Para a admissão da ação penal é necessário o preenchimento das condições da ação, descritas por Marco Aurélio Nunes da Silveira: "As condições da ação são requisitos à obtenção da tutela jurisdicional quanto ao direito de ação, sem uma das quais é defesa a apreciação do mérico (com o qual não se confundem), cuja finalidade é evitar o emprego abusivo do direito de ação. (...) Assim, pode-se denominar: a) tipicidade aparente (art. 43, I, do CPP); b) punibilidade concreta (art. 43, II, do CPP); c) legitimidade da parte (art. 43, III, do CPP); d) justa causa (art. 43, III, 2a parte, c/c art. 18, ambos do CPP)." Impossível a configuração de justa causa mediante a juntada de declarações unilaterais, inclusive Boletim de Ocorrência, por ausência de condição da ação. (TJSC, Apelação Criminal n. 230, de Mafra, rel. Des. Alexandre Morais da Rosa, j. 19-09-2005).
QUEIXA-CRIME - CALÚNIA - DENÚNCIA BASEADA EM BOLETIM DE OCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA RECONHECIDA - REJEIÇÃO DA QUEIXA - ACERTO DA DECISÃO - RECURSO IMPROVIDO
1 - "A plausibilidade jurídica da imputação feita, que ganha expressão na exigência de justa causa (CPP, art. 648, I) ou do fumus boni iuris (prova mínima do crime e pelo menos indícios de autoria), é condição inafastável de procedibilidade (leia-se: de viabilidade da abertura do processo); o exercício do direito de ação penal somente pode ser reputado regular se presente a justa causa. Diante de sua ausência, a conseqüência inevitável é a rejeição da peça acusatória, nos termos do art. 43, III, parte final." (Gomes e Bianchini)
2 - Para o recebimento de queixa-crime é inafastável a existência de elementos de autoria e materialidade hábeis a justificar a instauração da ação penal. Ausentes esses elementos, cabe ao querelante se valer do disposto no art. 5o, II c/c § 5o, do CPP, no qual após esclarecida tanto a autoria como a materialidade, pode, aí sim, ensejar o recebimento da exordial.(TJSC, Apelação Criminal n. 181, de Joinville, rel. Des. Alexandre Morais da Rosa, j. 26-04-2004).
6 – Ademais, pela gravidade que representa uma imputação penal, além do fato de o próprio processo consistir, em si mesmo, uma pena imposta ao acusado, em que pese se preconize o estado de inocência, não se pode admitir o recebimento de uma Queixa-crime sem um juízo mínimo de verossimilhança que embase as alegações nela contidas. Conforme afirma Alexander Araujo de Souza[2],
parece legítimo afirmar que, principalmente pelo fato de agir desvestido do atributo da imparcialidade, poderá o querelante não se conduzir com a devida correção no curso da relação processual, agindo de má-fé ou praticando condutas abusivas ou temerárias. Assim, tudo o que se afirmou relativamente ao abuso no exercício da ação pública tem inteiro cabimento quanto à ação penal de iniciativa privada. Vale dizer, seu exercício, sob pena de se reputar temerário ou abusivo, deve submeter-se às já mencionadas conduções: legitimidade ad causam, interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido, justa causa e originalidade. Sob outro aspecto, para que não exerça de maneira abusiva ou irregular o direito de ação o querelante também fica jungido ao oferecimento de imputação clara, precisa e determinada, a fim de que o querelado possa exercer o seu inarredável direito à ampla defesa.
7 – Por tais razões, a ordem deve ser concedida para a rejeição da Queixa-crime de fls. 11-15, com base no art. 395, inciso I, do Código de Processo Penal.
DECISÃO
A Turma, por unanimidade, decidiu conhecer do Habeas Corpus e conceder a ordem.
Capital, 01 de agosto de 2013.
Alexandre Morais da Rosa
Relator
Notas e Referências:
[1] TOVO, João Batista Marques; TOVO, Paulo Cláudio. Apontamentos e Guia Prático sobre a Denúncia no Processo Penal Brasileiro.RiodeJaneiro:LumenJuris,2008.p.20
[2] SOUZA, Alexander Araujo de. O abuso do Direito no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 109-110
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