Professora é condenada por tortura de aluno, em Tubarão-SC

03/03/2015

 Por Fabrício Severino - 03/03/2015

O juiz Elleston Lissandro Canali, da comarca de Tubarão, condenou a professora Hellen de Souza Cunha à pena de dois anos, quatro meses e 24 dias de reclusão pelo crime de tortura. Ela foi flagrada, no ano de 2012, em atos de agressão física e psicológica ao menino E. M. P., de um ano e cinco meses de idade, no Centro de Educação Infantil Recife, localizado na cidade do Sul do Estado.

A mãe da criança já havia recebido informações no sentido de que o filho estaria sofrendo castigos físicos e psicológicos, praticados pela professora. Com base em tais suspeitas, a polícia iniciou as investigações, com monitoramento do local. As imagens comprovaram os castigos excessivos impostos ao menino. “Assistindo-se atentamente ao vídeo, percebe-se claramente que a criança é submetida a intenso sofrimento, não só de ordem física, mas, especialmente, de ordem psicológica, tudo por conta de agressões físicas e verbais praticadas pela professora. No vídeo, observa-se que a professora reage ao fato de a criança estar chorando, usando de excessiva agressividade e brutalidade, com o objetivo de fazer cessar o choro. A acusada busca submeter o menino à sua autoridade, atemorizando-o mediante o uso da força física, ameaças, gestos e xingamentos, em uma intolerável e lamentável demonstração de descontrole emocional e falta de aptidão para a função que desempenhava”, anotou o magistrado em sua sentença.

No vídeo, a vítima chora e soluça sem parar, enquanto outras crianças, no mesmo ambiente, assistem a tudo, também atemorizadas e traumatizadas com o que veem acontecer com o colega. Interrogada judicialmente, Hellen de Souza Cunha confessou espontaneamente ter praticado apenas parte dos fatos narrados na denúncia, afirmando, em síntese, que estava sobrecarregada de serviço, tomando remédios sem orientação médica para combater "estresse", e que, nesse contexto, porque a vítima chorava demais, resolveu fazer valer sua autoridade de professora. Mencionou que, ainda como medida disciplinadora, isolava a vítima das demais crianças, salientando que sua intenção era a de reprimir o sofrimento da criança, não aumentá-lo. “Obviamente, a acusada tentou minimizar suas atitudes, sendo incontroverso que outras agressões precederam aquelas praticadas no dia da gravação, pois foi por conta disso que a mãe da vítima restou alertada de que seu filho vinha sendo maltratado pela professora, tanto que, não por acaso, se logrou êxito em materializar o infeliz ato criminoso em uma gravação audiovisual”, assinalou o juiz.

A mãe da vítima, em depoimento judicial, não só confirmou que recebera informações de que seu filho era agredido na escola, como também outras crianças, da mesma forma, eram alvos de agressões por parte da acusada, inclusive desta recebiam apelidos depreciativos, ressaltando, porém, que seu filho seria o "preferido" da professora para o comportamento agressivo. “O lamentável episódio, sem dúvida, configura o crime de tortura, conforme descrito na denúncia, pois a acusada, na condição de professora da vítima, e já há algum tempo, com o propósito de fazer valer sua autoridade, vinha submetendo o pequeno infante a graves sofrimentos físicos e psicológicos, aplicando-lhe castigos pessoais como forma de manter a ordem na creche, visando prevenir o choro não só da vítima como também das demais crianças que ali eram deixadas pelos pais, as quais a tudo assistiam, passivas e indefesas. A gravidade da conduta se sobressai ainda mais quando se considera a pouca idade das crianças submetidas aos cuidados da acusada, pois a vítima contava, à época dos fatos, com apenas um ano e cinco meses de idade, ao passo que seus coleguinhas possuíam o mesmo tamanho, de modo a potencializar o sofrimento dos pequenos infantes. A acusada também influenciava negativamente na autoestima das crianças, colocando-lhes apelidos depreciativos, em mais uma demonstração de sua inaptidão para aquele trabalho”, sublinhou. Em juízo, algumas mães relataram que seus filhos eram chamados de "cagão", "demente" e "antisocial".

Para o magistrado, “não tem cabimento a desclassificação da imputação para o delito menos grave de maus tratos, tipificado no art. 136 do Código Penal, conforme pleiteado pela defesa, porque in casu a violência física e psicológica, empregada com o propósito de castigar e prevenir o eventual mau comportamento de alunos, em especial ao menino E. M. P., ganhou relevância e importância diante da pouquíssima idade das vítimas, muito mais sensíveis a castigos físicos e mentais do que crianças de mais idade, adolescentes ou adultos, de modo a qualificar como intenso o sofrimento causado”. “Observe-se que sequer se pode cogitar de mau comportamento dos alunos da acusada, dada a pouca idade destes e o fato de que a única dificuldade encontrada – o choro – era perfeitamente normal naquelas circunstâncias e mereceria atenção especial da educadora, no sentido de acolher a criança e integrá-la ao ambiente escolar”, frisou.

A acusada afirmou ser bacharel e licenciada em História, pós-graduada em Metodologia do Ensino, pós-graduada em História Social e, ainda, que à época dos fatos cursava Pedagogia. “Nesse ponto, importante observar que a acusada disse, à época, que passava por período de estresse e que seria essa a razão de seu comportamento, mas seu nível de instrução impunha a adoção de medidas necessárias para o correto tratamento de eventual anomalia de ordem psíquica, com a busca de assistência médica adequada e até mesmo o afastamento do ambiente de trabalho, para fins de tratamento e também como forma de evitar riscos para si e para seus pupilos”, ressaltou.


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Fabrício Severino é Jornalista e Assessor de Imprensa da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC). Email: imprensa@amc.org.br

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Segue abaixo a íntegra da decisão:

Autos n° 075.12.011922-0 Ação: Ação Penal - Ordinário/Comum Acusado:  Helen de Souza Cunha Vistos para sentença.  I – RELATÓRIO.

O Órgão do Ministério Público em exercício neste Juízo, com base em inquérito policial, ofereceu denúncia contra HELEN DE SOUZA CUNHA, brasileira, solteira, filha de Agenor Cunha e de Natália  de Souza Cunha, residente e domiciliada na Rua João Crescêncio Souza, nº 108, Bairro Vila Flor, Capivari de Baixo/SC, dando-a como incursa nas sanções do art. 1°, II, na forma do § 4°, I e II, da Lei nº 9.455/97.

Consta da denúncia a seguinte narrativa dos fatos reputados delituosos:

Entre os meses de abril a novembro de 2012, a denunciada HELLEN DE SOUZA CUNHA exercia a função de professora, em caráter de admissão temporária, no Centro de Educação Infantil Recife – CEI Recife, instituição pertencente à rede municipal de ensino público localizada na Rua Irineu Alves Garcia, s/n., bairro Recife, Tubarão/SC, e nesta condição exercia autoridade sobre onze crianças, com idades entre um e dois anos, matriculadas na referida instituição, entre as quais E.M.P.

Nesse passo, na condição de professora, a denunciada geria uma classe com os pequenos frequentadores os quais acabaram sendo expostos a violência física e psicológica, acabando por descambar na realização de tortura, captada por video, em detrimento de um dos alunos, de apenas um ano e cinco meses, o qual foi submetido a tratamento degradante e absolutamente incompatível com a sua peculiar condição de criança.

Isso porque, em data a ser precisada na instrução processual, a denunciada HELLEN DE SOUZA CUNHA sob a autoridade que a função lhe conferia, submeteu o menor impúbere E.M.P. de apenas um ano e cinco meses, mediante o emprego de violência e graves ameaças, a intenso sofrimento de ordem física e mental, como forma de aplicar-lhe castigo pessoal.

Em atos que se afastavam muito de mero abuso nos meios de eventual correção, a denunciada HELLEN DE SOUZA CUNHA animada por ódio e pela vontade de ver a vítima E.M.P. sofrer, infligiu-lhe - em meio a comentários com os demais infantes de que "seu amigo é chato né, além de feio ele é chato" - puxões contra o braço da vítima, que reagia em choro impulsivo e incontrolável, diante da pressão psicológica e física a que era submetida, acabando por ser bruscamente arrancado da cadeira em que ocupava.

Neste mesmo contexto, entre ordens de que parasse de chorar, a denunciada retirou de forma violenta o bico de E.M.P. e desferiu um tapa contra seu rosto e, se divertindo com a situação a que sujeitava a vítima - em prantos - ameaçou-lhe derrubar da cadeira, inclinando-a para trás, além de tudo, com dedos em riste contra o rosto da criança, determinou que parasse de chorar, empurrando novamente o bico, visando com tal comportamento bruto submeter o menor sujeito a sua autoridade, a castigo em razão do choro que manifestava, conforme observa-se da mídia de fl. 53.

É de se registrar que a conduta perpetrada pela denunciada HELLEN DE SOUZA CUNHA expôs a intenso sofrimento não só a vítima direta com a violência, repisa-se, de apenas 17 meses de vida, como a todos os demais alunos que assistiam o episódio lamentavelmente protagonizado pela autoridade máxima da pequena classe, inflingindo aos demais infantes o fundado receio de que também pudessem ser submetidos aos mesmos tratamentos degradantes.

No curso das investigações, através da decisão de fls. 07/15, este juízo decretou a prisão preventiva da acusada, tendo sido cumprido o mandado de prisão em 1º/10/2012 (fls. 16 e 22).

Recebida a denúncia em 18/10/2012 (fl. 79), a acusada foi citada pessoalmente (fls. 105/106).

A defesa impetrou Habeas Corpus em favor da acusada, cuja liminar foi negada (fls. 85/103), tendo este juízo prestado as respectivas informações (fls. 109/120).

Apresentada a resposta à acusação, acompanhada de documentos e rol de testemunhas (fls. 122/162).

Na sequência, designou-se data para a audiência de instrução e julgamento (fl. 172), ato este realizado em 28/11/2012. Na oportunidade, indagadas a respeito das disposições do art. 402, do CPP, as partes não manifestaram interesse na realização de diligências instrutórias complementares, tendo sido concedido prazo para apresentação de memoriais (fls. 194/199).

À fl. 240, juntou-se comunicado oriundo da c. Primeira Câmara Criminal do e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, ao julgar o Habeas Corpus nº 2012.077674-2/0000-00, concedeu a ordem em favor da acusada, tendo este juízo expedido o competente alvará de soltura, cumprido em 04/12/2012 (fl. 242).

Em alegações finais, o Ministério Público ratificou o pedido de condenação contido na denúncia (fls. 245/255), ao passo que a defesa postulou a absolvição ou, alternativamente, a desclassificação para o crime de maus tratos, tipificado no art. 136, do Código Penal, ou, ainda, em caso de condenação, pela aplicação da pena mínima e reconhecimento do direito de recorrer em liberdade (fls. 300/310).

É, em síntese, o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO.

Trata-se de ação penal pública incondicionada, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em que se apura a responsabilidade penal de Hellen de Souza Cunha, denunciada por infração ao art. 1°, II, na forma do § 4°, I e II, da Lei nº 9.455/97.

A materialidade dos fatos reside no boletim de ocorrência de fl. 3 e no DVD contendo a filmagem dos fatos, juntado à fl. 53, sendo certo que será analisada também à luz da prova oral.

A autoria é incontroversa, já que houve confissão espontânea, tanto na fase investigativa quanto em juízo, não havendo dúvidas de que a acusada cometera os fatos descritos na denúncia.

A confissão é corroborada também pela prova testemunhal.

Além disso, o CD de fl. 53 não deixa dúvidas quanto aos fatos cometidos pela acusada em face da vítima E.M.P.

Conforme apurado, a acusada HELLEN DE SOUZA CUNHA, na condição de professora do Centro de Educação Infantil Recife (CEI Recife), situado na Rua Irineu Alves Garcia, Bairro Recife, nesta cidade e comarca de Tubarão/SC, submeteu o infante E.M.P., de apenas um ano e cinco meses, matriculado na creche e, portanto, deixado aos seus cuidados e sob sua autoridade, a sofrimentos de ordem física e psicológica.

A genitora do infante, Srª Rosemari da Silva Maximiano, havia recebido informações no sentido de que o filho E.M.P. estaria sofrendo castigos físicos e psicológicos, praticados pela professora, ora acusada. Procurou então levar os fatos ao conhecimento da autoridade policial, a quem prestou as seguintes declarações:

(...) que a declarante é mãe do infante E. M. P., de um ano e cinco meses; que desde o mês de junho do corrente ano, a declarante matriculou seu filho E. na Creche CEI do Recife; que E. estava matriculado no período integral; que desde meados do mês de junho, começou a perceber que E. chegava em casa, da creche, com hematomas, numa ocasião um hematoma na orelha e em outra ocasião no olho; que houve uma ocasião em que E. chegou em casa com o interior da boca machucado (tipo queimadura); que quando levou E. para a creche, perguntou para a professora do turno da manhã sobre as lesões que seu filho apresentava e a professora disse: "deve ter sido as outras crianças"; que diz a declarante que começou a perceber que quando deixava E. pela manhã na creche, este chorava muito e não queria ficar; que quando ia buscar E. à tarde, percebia que ele já estava bem calmo e até "mandava beijinho" para a professora; que também percebia que a professora do turno matutino não dava o lanche que a declarante colocava na mochila de E.; que a declarante recebeu uma ligação telefônica anônima, onde a pessoa do sexo feminino disse "tu é a mãe do E.?", "sou", "ele tá na creche ali no Recife né?", "ta", "pois é tu sabia que o teu filho tá sendo agredido"; que a declarante disse "olha isso que tu tá falando é muito sério, mas tá quem está fazendo isso com ele", "é a professora Helen, ela bate também nas outras crianças, mas é mais no teu que ela cisma"; que a declarante perguntou quem estava falando e a pessoa disse que a declarante não precisava saber quem estava falando; que a pessoa disse que: "eu to te ligando só pra te dizer, que o teu está sendo maltratado, e é sempre"; que diante dos fatos a declarante resolveu procurar a delegacia, onde então, policiais da investigação foram investigar os fatos, conseguindo inclusive filmar algumas imagens, de E. sendo maltratado, pela professora Helen, puxando-o pelo braço, batendo-o contra cadeiras, batendo em sua cabeça e forçando-o a chupar o bico; que depois que tomou conhecimento dos fatos a declarante começou a perceber mudança no comportamento de E., tais como, ele está com medo de sua cadeirinha, com medo do seu travesseiro, onde começou a dizer "tia, tia...". (fl. 4).

Com base em tais suspeitas, iniciaram-se investigações policiais por parte da DPCAMI (Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso) de Tubarão/SC, com a realização de monitoramento do local, a fim de colher-se elementos de prova que viessem a corroborar as suspeitas que pairavam sobre a conduta da educadora.

A validade da prova em questão foi afirmada por este juízo em decisão proferida nos autos do incidente nº 0011252-09.2012.824.0075 (075.12.011252-8), em apenso, verbis:

Quanto ao princípio da presunção de inocência, convém ressaltar que não é absoluto, cedendo nos casos em que há prova inconteste da autoria delitiva, como no caso dos autos, em que o fato desencadeador da investigação policial fora documentado em áudio e vídeo, tendo sido realizada a filmagem da acusada no ato do cometimento do ilícito, elemento de prova este cuja validade é inconteste, inclusive porque realizada em uma escola pública e por iniciativa dos próprios pais da vítima.

Edilson Molgenot Bonfim, em sua obra Código de Processo Penal Anotado, Saraiva, 4ª ed., 2011, traz à colação julgados do colendo Supremo Tribunal Federal, que respaldam a prova obtida por esse meio, aplicáveis ao caso dos autos, mutatis mutandis:

"Gravação pela vítima de ameaça.

Seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos, como diálogo com seqüestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significa o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou conversa (STF: HC 74678-1/SP, 1ª T., Rel. Moreira Alves, DJ 157/97).

(...).

Gravação realizada em local público.

A gravação feita em local público não pode ser tida como prova ilícita (STF: RT 743/550...)" (p. 392). (fls. 127/128 do incidente).

Nesse monitoramento, a autoridade policial obteve imagens que comprovaram os castigos excessivos impostos ao infante E.M.P.

Assistindo-se atentamente ao vídeo gravado em DVD (fl. 53), percebe-se claramente que a pequena criança é submetida a intenso sofrimento, não só de ordem física mas, especialmente, de ordem psicológica, tudo por conta de agressões físicas e verbais praticadas pela professora, a ora denunciada HELLEN DE SOUZA CUNHA.

No vídeo, observa-se que a professora reage ao fato de a criança estar chorando, usando de excessiva agressividade e brutalidade, com o objetivo de fazer cessar o choro.

A acusada busca submeter o frágil e pequeno infante à sua autoridade, atemorizando-o mediante o uso da força física, ameaças, gestos e xingamentos, em uma intolerável e lamentável demonstração de descontrole emocional e falta de aptidão para a função que desempenha.

A vítima chora e soluça sem parar, enquanto outras crianças, no mesmo ambiente, a tudo assistem, por certo também atemorizadas e traumatizadas com o que veem acontecer com o coleguinha.

A agressora chega a conversar com uma outra criança, à qual diz: "teu amigo é chato né, além de feio ele é chato né, aí é pracabá né, daí é pracabá né, daí é pracabá mesmo né".

Em seguida, vendo que o menino começa a chorar, a acusada puxa o frágil E.M.P. pelo braço, bruscamente, colocando-o em seu colo e também sobre uma mesinha, como se fosse um objeto qualquer, e começa a gritar com ele, dizendo: "olha aqui pra mim, eu já dei o teu bico, o que é que tu qué mais? Pára de chorar! Pára de chorar! Pára de chorar! Olha aqui! Pára! Pára! Pára!". Nesse instante, arranca o bico da boca da criança. A criança grita desesperada. A agressora então coloca o bico de volta na boca da vítima, que continua chorando.

Em seguida, dando continuidade às agressões, a acusada tira E.M.P. da mesa, de forma brusca e com força e, colocando-o de volta sentado na cadeirinha, desfere-lhe um tapa no rosto, dizendo: "deu, pára de chorar, pára de chorar!".

Nesse momento, atemorizando ainda mais o infante e a platéia, a acusada inclina e sacode a cadeirinha em que E.M.P. estava sentado, ameaçando derrubá-lo. Na continuidade, deixa a cadeirinha cair para a frente e, de dedo em riste, diz ao menino: "qui é? Chega de chorar!".

Depois, sempre aos gritos, fala com outra criança e retorna suas atenções para a vítima, dando-lhe um soco fraco, na testa, como que manifestando seu desejo de realmente "socar" a vítima, que volta a chorar intensamente.

Então, novamente com os dedos apontados para o rosto da vítima, diz a esta: "chega de chorar!". E outra vez arranca-lhe o bico da boca. Em seguida, dizendo "deu! Deu! Pára de chorar!", enfia-lhe o bico na boca novamente, exclamando "pára!".

Na sequência, vira-se para outra criança e diz a ela que é bom ficar quietinho, e volta-se para a vítima E.M.P., a quem diz "não é contigo, vira pra lá...!", virando a cadeirinha desta, empurrando-a para longe e colocando-a de costas para si. A vítima volta a chorar, a agressora fala com outra pessoa e encerra-se a gravação.

Interrogada judicialmente a respeito da imputação, e ainda que não pudesse esquivar-se e alterar a verdade dos fatos, isto por conta da filmagem realizada, a acusada HELLEN DE SOUZA CUNHA confessou espontaneamente ter praticado apenas parte dos fatos narrados na denúncia, afirmando, em síntese, que estava sobrecarregada de serviço, tomando remédios sem orientação médica para combater "estresse", e que, nesse contexto, porque a vítima chorava demais, resolveu fazer valer sua autoridade de professora. Mencionou que nunca antes tinha agido da maneira retratada no vídeo, negando, também, que tivesse por costume colocar apelidos depreciativos nas crianças. Mencionou que, ainda como medida disciplinadora, isolava a vítima das demais crianças, salientando que sua intenção era a de reprimir o sofrimento da criança, não aumentá-lo. Veja-se:

Que na época em que aconteceram os fatos a depoente estava sobrecarregada no serviço, tendo em vista que trabalhava em duas cidades, e sua colega estava afastada do trabalho, por motivos de saúde; que assim, após uma reunião com os demais professores, ao retornar para a sala, que estava sendo supervisionada pela estagiária, percebeu que E. chorava demais; que deste modo, objetivando demonstrar sua autoridade, colocou o menor numa cadeira, sentado à sua frente; que não afirmou para as demais crianças que E. era chato e feio; que não viu o vídeo inteiro; que colocou E. sentado em cima da mesa e ordenou que parasse de chorar, com a retirada violenta de seu bico, porém, não desferiu tapas contra o rosto da criança; que não inclinou a cadeira com a intenção de derrubar o infante; que falava com E. apontando o dedo em direção ao seu rosto; que havia nove crianças na sala no momento dos fatos; que nunca tinha acontecido situação semelhante com E. ou qualquer outra criança; que E. se ausentava muito da creche, muitas vezes por motivo de doença; que a depoente estava tomando remédios, para aliviar o estresse, admitindo que não informou sua superior sobre isso; que houve um caso em que a mãe do aluno L. reclamou de uma marca no corpo do filho e, após, foi descoberto que uma outra criança, chamada J., teria apertado o braço do menino; que não houve outras reclamações; que a depoente não colocava apelidos nas crianças, inclusive E.; que questionado à depoente sobre  o isolamento da criança, como for de fazê-la parar de chorar, afirmou que não é a recomendação técnica dada às professoras, entretanto, na ocasião, a depoente  considerou que essa seria a única solução; que nos cursos de graduação que a depoente frequentou, estudou as fases de desenvolvimento de uma criança, bem como as formas de repressão recomendadas; que em nenhum momento a depoente foi orientada a agir da forma como agiu na data dos fatos; que jamais iria agredir E.; que nega a afirmação contida no depoimento extrajudicial no sentido de que a depoente teria colocado uma bola de papel na boca de uma outra criança, com intuito de brincar; que confessa que adquiriu calmantes, ilegalmente, em uma fármacia, pois para conseguir a receita teria que passar por uma consulta com um especialista (Psiquiatra) e, para isso, perderia um dia de trabalho; que no momento do destempero, apesar de estar acompanhada, não pensou em passar os cuidados de E. para a estagiária, não se recordando do que falou na data dos fatos; que quando a depoente tomou as atitudes registradas no vídeo (fl. 53), sua intenção era de reprimir o sofrimento da criança, e não de aumentá-lo;  que no depoimento prestado na Delegacia, não foi informada de seus direitos constitucionais, como o de permanecer calada e de ser acompanhada por um advogado, e que por ter depositado confiança no delegado, acabou acreditando ser dispensável a presença de um advogado; que determinados trechos do seu depoimento extrajudicial não foram digitados conforme  eram feitos os relatos, mas sim com palavras ditas pelo próprio delegado; que a depoente nunca pegou atestado médico para afastar-se do trabalho, tendo em vista que não fica bem, pois é contratada; que a sala onde trabalhava era pequena, de modo que, quando mencionou "isolamento", não era o que realmente ocorria, pois o menor ficava apenas num tapete, sozinho, comendo bolacha; que E. não gostava do contato com os colegas; que a depoente que não tinha nenhum  sentimento negativo em relação ao menor, afirmando que o fato deste chorar demais impedia a criação do "aconchego". (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

Obviamente, a acusada tentou minimizar suas atitudes, sendo incontroverso que outras agressões precederam aquelas praticadas no dia da gravação, pois foi por conta disso que a mãe da vítima restou alertada de que seu filho vinha sendo maltratado pela professora, tanto que, não por acaso, se logrou êxito em materializar o infeliz ato criminoso em uma gravação audiovisual.

A mãe da vítima, Rosimari da Silva Maximiniano, em depoimento judicial, não só confirmou que recebera informações de que seu filho era agredido na escola, como também que as informações davam conta de que outras crianças, da mesma forma, eram alvo de agressões por parte da acusada, inclusive desta recebiam apelidos depreciativos, ressaltando, porém, que seu filho seria o "preferido" da professora para o comportamento agressivo:

Que a depoente recebeu uma ligação anônima, alertando-a de que seu filho E. estava sofrendo maus tratos, na creche; que a depoente já estava notando um comportamento estranho de seu filho, pois quando este via a acusada, começava a chorar; que depois que o menor ingressou na escolinha, tinha febres constantes;  que muitas vezes escutava, nos corredores da escola, os apelidos que a acusada dava aos alunos, como "et", "monstrinho"; que após a ligação recebida, registrou um boletim de ocorrência e foi até a escola, para maiores esclarecimentos; que o telefone era confidencial, sendo os fatos específicos com relação à acusada; que não levou mais seu filho à escola depois da denúncia; que a pessoa que fez a ligação anônima disse que as agressões eram na maioria das vezes em seu filho, porém ocorria em outras crianças também; que seu filho já havia ido para casa com uma lesão no olho e outra na orelha, tendo a acusada dito que poderiam ter sido causadas por outras crianças; que na época dos fatos seu filho começou a ser agressivo em casa; que nunca teve nenhum problema com funcionários ou professoras da creche. (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

O lamentável episódio, sem dúvida, configura o crime de tortura, conforme descrito na denúncia, pois a acusada, na condição de professora da vítima, e já há algum tempo, com o propósito de fazer valer sua autoridade, vinha submetendo o pequeno infante a graves sofrimentos físicos e psicológicos, aplicando-lhe castigos pessoais como forma de manter a ordem na creche, visando prevenir o choro não só da vítima como também das demais crianças que ali eram deixadas pelos pais, as quais a tudo assistiam, passivas e indefesas.

A gravidade da conduta se sobressai ainda mais quando se considera a pouca idade das crianças submetidas aos cuidados da acusada, pois a vítima contava, à época dos fatos, com apenas 1 ano e 5 meses de idade, ao passo que seus coleguinhas possuíam o mesmo tamanho, de modo a potencializar o sofrimento dos pequenos infantes.

A acusada também influenciava negativamente na auto estima das crianças, colocando-lhes apelidos depreciativos, em mais uma demonstração de sua inaptidão para aquele trabalho.

Veja-se que a ré, quando interrogada extrajudicialmente (fls. 18/20), afirmou que estava sob descontrole emocional, por conta de estresse e pelo fato da vítima E.M.P. chorar demais, não se relacionar bem com os demais colegas e ter aversão a contato pessoal ou colo, tanto que a solução que encontrava era isolá-lo das demais crianças e deixá-lo sentado quieto.

Essas afirmações, porém, não passaram de mera tentativa de imputar à própria vítima a responsabilidade pelos atos ilícitos cometidos pela acusada, confirmando, isto sim, sua total inaptidão para trabalhar com a educação de crianças.

Celso Antunes aborda o conceito de resiliência na atividade educacional:

Aplicado à vida humana e animal, representa a capacidade de resistência a condições duríssimas e persistentes e, dessa forma, diz respeito à capacidade de pessoas, grupos ou comunidades não só de resistir às adversidades, mas de utilizá-las em seus processos de desenvolvimento pessoal e crescimento social. (in Resiliência – A construção de uma nova pedagogia para uma escola pública de qualidade, editora Vozes, 2ª ed., Rio de Janeiro, 2003, p. 13).

E complementa:

A pessoa ou organização resiliente necessita ser ágil, apresentar facilidade em acolher a diversidade, contextualizar o conhecimento e sua cíclica transformação, revelar poder sistêmico e criar solidariedade, sabendo dar a volta por cima, reajustar-se rapidamente após perturbações, choques ou frustrações e, sobretudo, achar saídas. (idem, p. 17).

E dentre os elementos de uma organização resiliente, o mesmo autor destaca:

São as pessoas que sintetizam o núcleo estrutural que incorpora o espírito resiliente. Necessitam ser adequadamente selecionadas, aceitarem sua permanente educabilidade e apresentarem habilidades e competências geradoras de comportamentos e atitudes eficazes em ambientes incertos. (idem, fl. 30).

Acrescentando:

O ponto de partida para caracterizar se uma escola busca ser resiliente e, portanto, inclusiva, ou não, é a concepção que os profissionais dessa escola têm sobre sua função. (idem, fl. 36).

Sobre como trabalhar a individualidade dos alunos, o autor ainda observa:

Todo estudante, independente de sua idade ou ambiente cultural, desenvolve sua segurança e sua individualidade à medida que três valores fundamentais são plenamente desenvolvidos: a necessidade de ser amado e de amar, a curiosidade que o leva a perseguir a verdade e as respostas às suas dúvidas e a necessidade de ser plenamente reconhecido como uma pessoa única, provida de mérito e qualidades. (idem, p. 40).

E prossegue:

Dessa forma, toda educação necessita fortalecer e incentivar a autodescoberta, o autoconhecimento, a automotivação do aluno, ressaltando sua auto-estima e potencializando sua imaginação, suas diferentes inteligências e liguagens e a simplicidade de sua produção individual e coletiva. (idem, p. 41).

São lições que, lamentavamente, a acusada não seguia, pois o que mais fazia era abalar a auto-estima dos infantes, tratando-os de forma odiosa, covarde, com fins corretivos, contando também com a contribuição da direção do Centro de Educação Infantil, que falhou ao não fazer uma adequada seleção dos profissionais que lidariam com os infantes, como também nenhuma providência adotou para fazer cessar o comportamento e atitudes inadequados da professora acusada.

O fato de algumas mães e pais de alunos da mesma creche terem declarado, em depoimentos judiciais, que seus filhos se comportavam normalmente naquele ambiente, mesmo diante da professora acusada (nesse sentido, os depoimentos de Aline de Medeiros Delfino Santana, Ana Paula Inácio, Elizabeth Sebold, Pedro Paulo Vieira,  – DVD juntado a fl. 199), não tem o condão de diminuir a gravidade, tampouco de apagar ou minimizar os efeitos dos atos violentos praticados em desfavor da pequena vítima e sob os olhares atendos dos demais amiguinhos desta, também vítimas de violência física e psicológica.

Além disso, outros pais de alunos da acusada prestaram declarações em sentido contrário, afirmando que os filhos tinham aversão à acusada e que, inclusive, relataram ter apanhado desta. Salientaram esses pais que as crianças não queriam ficar com a acusada, mas se acalmavam ao serem deixadas com a estagiária que a auxiliava em sala.

A esse propósito, veja-se o depoimento de Flávia Ramos:

Que seu filho sempre teve comportamento tranquilo; que apenas uma vez chegou em casa dizendo que a "tia" tinha batido na sua mão e cabeça; que após um tempo, seu marido recebeu uma ligação anônima, dizendo que era para ir na escola, pois estavam batendo na cabeça do seu filho; que, com isso, foi à escola e conversou com a Diretora Ivonete, a qual lhe falou para ficar tranquila, pois não era nada; que depois de alguns dias, ressaltou que ligaram novamente, dizendo que era verdade, tanto que a professora Hellen estava sendo presa; que não tem ideia de quem fez as ligações; que seu filho era sempre recebido por Hellen e sempre gostou de ir para a escola. (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

A mãe Marielle Fernandes da Rosa declarou em juízo que seu filho era chamado pela acusada de "cagão":

Que a depoente tem conhecimento dos fatos e conhece a acusada, pois era professora de seu filho; que seu filho nunca chegou com marcas em casa, porém o que notou foi que seu filho não chora mais com a nova professora; que não teve conhecimento de violência física ou psicológica da acusada com relação ao seu filho, considerando que este ainda não fala; que quando estava vendo o vídeo seu filho entrou no quarto e reconheceu a acusada e ficou muito agitado; que nunca ouviu comentários sobre supostas atitudes da acusada na escola; que antes da notícia da prisão da acusada, nunca desconfiou de nada em relação à professora; que quando a acusada chamava seu filho de "cagão", a depoente ficava magoada, porque é uma palavra que não deve ser dita a crianças; que quando a estagiária recebia seu filho, ele ficava mais calmo do que quando a acusada o recebia. (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

Márcia Aparecida Rosa Corrêa, cuja filha também era aluna da acusada, relatou em juízo que a infante mencionou também ter sido agredida fisicamente pela acusada:

Que a depoente tem uma filha chamada L., que estudava na sala da vítima; que quando ia entregar sua filha, esta chorava muito, mas não pensava que havia algo errado; que nunca notou sua filha chegar em casa com algum machucado; que assistiu ao vídeo apenas pela televisão; que sua filha, quando viu o vídeo, falou que a acusada puxava a orelha e batia na bunda, mas como é criança a depoente não pode afirmar serem verdadeiras as acusações da menor; que sua filha chorava apenas quando a acusada a recebia, não sabendo informar por quê o comportamento de sua filha era melhor com a estagiária. (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

Lenir Elias Bento Soares, mãe de outro aluno da acusada, confirmou em juízo que a professora costumava referir-se ao infante com vocábulos pejorativos como "demente" e "antisocial":

 Que a acusada era professora de seu filho L.; que  quando ia deixar o infante na escola, ele chorava muito, não estava nem dormindo a noite; que uma vez o infante chegou em casa com uma marca roxa na perna; que o filho da depoente recebia da acusada vários apelidos; que ela o chamava de "demente" e "antisocial"; que com a estagiária seu filho não chorava; que a própria acusada relatou-lhe que segurava uma criança para outra morder; que depois do afastamento da acusada da escola, o comportamento do filho da depoente mudou consideravelmente; que a acusada chamava o filho da depoente de "antisocial" na frente desta; que na escola a depoente ficou sabendo, por outras funcionárias, que o menor também era chamado de "demente". (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

A mãe Lúcia Inácio da Silva, cuja filha também era aluna da acusada, relatou em juízo que a infante mencionou ter apanhado da professora:

Que quando a depoente levava sua filha G. à creche, a infante chorava muito ao ser entregue à acusada, mas cessava quando a estagiária a recebia; que após ver o vídeo, a depoente questionou sua filha se a acusada já havia batido nela, sendo que a criança respondeu, com poucas palavras e gestos, que "bateu bum-bum". (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

Marcele de Freitas Vargem, mãe de outro aluno da acusada, também afirmou em juízo que o menino manifestava rejeição em relação à acusada:

Que quando seu filho L. estudava na escola, teve um dia em que apareceu com uma marca no braço; que ao ver as marcas a depoente registrou em fotografias e levou à escola, procurando saber o que havia acontecido; que com isso a diretora chamou a acusada e a estagiária, que disseram que a amiga de sala, de nome J., provavelmente teria machucado ele, porque estavam brincando com o mesmo brinquedo; que algumas vezes seu filho chorava ao ser entregue à acusada, enquanto que com a estagiária ia normalmente; que quando seu filho foi machucado, o mesmo ainda não sabia falar; que a depoente forneceu as fotos ao delegado, sendo as mesmas que instruem a ação penal. (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

Natasha Karla Kistcher, pedagoga que trabalhou com a acusada em Capivari de Baixo, relatou em juízo (fl. 199) que o relacionamento desta com os alunos da acusada na CEI Anita Brunel Alves, daquele Município, era bom, deduzindo assim que o comportamento da acusada, registrado no vídeo, teria sido excepcional. Contudo, essa testemunha não acompanhava o trabalho da acusada na CEI Recife, onde os fatos de deram, e não teria condições de fazer qualquer afirmação sobre o que ocorria nessa creche. Em verdade, esse depoimento reforça a suspeita no sentido de que a acusada tivesse à época uma certa predileção para maltratar o infante E.M.P.

Janaína Aparecida Batista Alexandre, que trabalha com educação infantil há 19 anos e trabalhou com a acusada nos anos de 2011 e 2012, em CEI de Capivari de Baixo, afirmou em juízo que a acusada seria uma ótima professora, pois seria querida pelas crianças e seus pais, também deduzindo que seu comportamento no vídeo não era comum. Essa testemunha, da mesma forma, não acompanhou o desenrolar dos fatos no CEI Recife, desta cidade, de modo que também não poderia fazer qualquer juízo a respeito do que ocorria nessa creche, reforçando a conclusão da tendência da acusada a maltratar o aluno E.M.P. Experiente educadora, porém ponderou:

Que quando uma criança sofre agressões no ambiente escolar, pode haver rejeição a este local; que na orientação pedagógica, são ministrados ensinamentos teóricos acerca da adaptação da criança na escola; que a acusada comentou que estava tomando antidepressivos, porém não sabe informar se ela estava sendo acompanhada regularmente por psiquiatra. (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

Grasiela Medeiros da Silva, professora e ex-proprietária de uma escola infantil onde a acusada trabalhou, da mesma forma relatou em juízo (DVD juntado a fl. 199) que a acusada sempre teve excelente comportamento com todos, tendo trabalhado com crianças de 5 anos, numa turma de 9 alunos. Mas não acompanhou o trabalho da acusada na CEI Recife, onde os fatos foram revelados. Logo, seu depoimento também não desfaz o malfeito da acusada.

Daniela Vandressa Nunes foi diretora de um CEI de Capivari de Baixo e relatou em juízo ter trabalhado com a acusada durante todo o ano letivo de 2011, quando julgou que seu comportamento, naquele estabelecimento, teria sido muito bom, pois não houve reclamações. Sobre o vídeo, reconheceu que a criança estava sendo maltratada pela acusada e salientou que esta não seria uma atitude normal desta:

Que a depoente assistiu o vídeo e achou muito feio o que viu, pois a criança estava sendo maltratada; que não é uma atitude normal da acusada, pois nunca presenciou algo semelhante de nenhum outro profissional desta área; que os menores de 2 anos reagem à não adaptação com choros e gritos; que o fato de uma criança ser maltratada na escola pode desencadear uma rejeição ao ambiente educacional; que quando a acusada trabalhou com a depoente, no Centro de Educação Infantil Maria Magda Lena, atendia cerca de 17 alunos, com idades de 2 a 3 anos; que a acusada trabalhava simultaneamente na Escola Pingo de Gente. (Transcrição parcial de depoimento registrado em gravação audiovisual – DVD juntado a fl. 199).

Como se observa dos depoimentos dessas profissionais que trabalharam com a acusada, todas tentaram minimizar as atitudes desta, salientando que seriam fato isolado em seu comportamento.

Essas testemunhas, porém, como já dito, não presenciaram os fatos, tampouco acompanharam o desenvolvimento do trabalho da acusada na CEI Recife, onde seu comportamento inadequado e agressivo com os alunos veio à tona, de modo que não podem ser levados em consideração, mesmo porque a acusada, em determinada fase de sua vida, poderia ter desempenhado bem suas atribuições profissionais, ou mesmo se comportado de modo diverso diante de determinadas pessoas.

Isso não significa que a acusada não tenha que ser julgada pelos atos cometidos, os quais são incontroversos, já que está sendo processada por tais ações, não por eventual bom comportamento do passado.

Logo, como já dito, os fatos se amoldam perfeitamente ao crime de tortura, descrito no art. 1º, II, da Lei nº 9.455/1997, conforme classificação contida na denúncia:

Art. 1º. Constitui crime de tortura:

(...).

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

(...).

A denúncia ainda descreve as causas de aumento de pena dos incisos I e II do § 4º do referido art. 1º, a saber:

  • 4º. Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até 1/3 (um terço):

I – se o crime é cometido por agente público;

II – se o crime é cometido contra criança (...).

Não tem cabimento a desclassificação da imputação para o delito menos grave de maus tratos, tipificado no art. 136 do Código Penal, conforme pleiteado pela defesa, porque in casu a violência física e psicológica, empregada com o propósito de castigar e previnir o eventual mau comportamento de alunos, em especial ao menino E.M.P., ganhou relevância e importância diante da pouquíssima idade das vítimas, muito mais sensíveis a castigos físicos e mentais do que crianças de mais idade, adolescentes ou adultos, de modo a qualificar como intenso o sofrimento causado.

Observe-se que sequer se pode cogitar de mau comportamento dos alunos da acusada, dada a pouca idade destes e o fato de que a única dificuldade encontrada – o choro – era perfeitamente normal naquelas circunstâncias e merecia atenção especial da educadora, no sentido de acolher a criança e integrá-la ao ambiente escolar.

Em verdade, a acusada agiu em represália ao choro infantil, punindo o pequeno infante E.M.P., porque era incapaz de acolhe-lo e controlar o seu choro pelos meios adequados.

A jurisprudência do e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina já fixou:

APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE TORTURA CONTRA ADOLESCENTE – LEI N. 9.455/97 – DESCLASSIFICAÇÃO PARA MAUS TRATOS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO.

De acordo com o que dispõe o art. 1º, inciso II, da Lei nº 9.455/97, o crime de tortura consubstancia-se quando é submetida a pessoa, sob guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a sofrimento intenso, seja ele físico ou mental, com o intuito de ser aplicado castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

"A distinção entre os crimes de maus tratos e de tortura deve ser encontrada não só no resultado provocado na vítima, como no elemento volitivo do agente; assim se abusa do direito de corrigir para fins de educação, ensino, tratamento e custódia, haverá maus tratos, ao passo que caracterizará tortura quando a conduta é praticada como forma de castigo pessoal, objetivando fazer sofrer, por prazer, por ódio ou qualquer outro sentimento vil" (Nilton Macedo Machado). (Apelação Criminal nº 2007.044473-9, de Ibirama, Rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho).

A condenação da acusada, portanto, como autora de crime de tortura, tipificado no art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97, com as causas de aumento de pena do § 4º, I e II, é medida que se impõe.

Passo à dosimetria da pena.

A acusada agiu com intensa culpabilidade, porque era detentora de habilitação técnica para atuar como professora e com larga experiência na área da educação infantil, de modo que não poderia desconhecer que seu comportamento era altamente reprovável e inadequado, contrariando por completo as normas técnicas de sua área de atuação. Veja-se que a acusada afirmou ser bacharel e licenciada em História, pós graduada em Metodologia do Ensino, pós graduada em História Social e, ainda, que à época dos fatos cursava Pedagogia, comprovando documentalmente o alegado (fls. 134/162). Nesse ponto, importante observar que a acusada disse, à época, que passava por período de estresse e que seria essa a razão de seu comportamento, mas seu nível de instrução impunha a adoção de medidas necessárias para o correto tratamento de eventual anomalia de ordem psíquica, com a busca de assistência médica adequada e até mesmo o afastamento do ambiente de trabalho, para fins de tratamento e também como forma de evitar riscos para si e para seus pupilos. Logo, porque era esperado e exigível comportamento diverso da acusada, essa circunstância judicial deve ser considerada em seu desfavor.

A acusada é primária, não registrando antecedentes criminais.

Sua conduta social não a prejudica, na medida em que são desconhecidos outros fatos desabonadores à sua pessoa e, inclusive, fora elogiada por testemunhas com as quais já havia trabalhado e que a consideravam uma boa profissional. São desconhecidas suas relações com a família e o meio social.

Por outro lado, verifico não haver nos autos elementos de prova que possibilitem qualquer juízo a respeito da personalidade da acusada.

Os motivos e as circunstâncias do delito restaram elucidados na fundamentação e análise da tipicidade da conduta da acusada.

O crime certamente gerou consequências no estado emocional das crianças submetidas ao tratamento aviltante, na medida em que as vítimas estiveram submetidas à autoridade da acusada por longo período de tempo e se apurou que a conduta inadequada da acusada não foi fato isolado, mas sim algo que se protraiu no tempo, com vários desdobramentos. De se considerar, por outro lado, que não resultaram danos físicos. Logo, essa circunstância situa-se dentro da normalidade do tipo penal.

Por fim, em hipótese alguma se pode afirmar que o comportamento da vítima tenha contribuído para a violação da norma agendi.

Assim, atento às circunstâncias judiciais do art. 59, do CP e tendo em vista a culpabilidade intensa da agente, elevo a pena-base em 1/6 (um sexto), fixando-a em 2 anos e 4 (quatro) meses de reclusão.

Tendo em vista a confissão espontânea, reduzo a pena em 1/6 (um sexto), mantendo-a, porém, em 2 (dois) anos de reclusão, haja vista a impossibilidade de, na segunda fase da dosimetria, fixar-se a pena aquém do limite mínimo abstratamente cominado ao tipo penal.

Presentes as causas de aumento dos incisos I e II do § 4º do art. 1º, da Lei nº 9.455/1997, eis que a acusada cometeu o crime na condição de agente público (professora de Centro de Educação Infantil municipal) e contra criança, elevo a pena em 1/5 (um quinto), totalizando 2 anos, 4 meses e 24 dias de reclusão.

Como efeito desta condenação sujeito a ré, ainda, à perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada, nos termos do § 5º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997.

A pena deverá ser cumprida em regime inicial fechado, eis que assim preceitua o § 7º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, dispositivo legal este que, dada a gravidade da conduta e a necessidade de se coibir exemplarmente essa espécie de delito, estabelece tratamento jurídico especial e diferenciado do contido no art. 33, do CP.

IV - DISPOSITIVO.

Ante o exposto, julgo procedente a denúncia e CONDENO a acusada HELLEN DE SOUZA CUNHA ao cumprimento, em regime inicial fechado, da pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, sujeitando-a, ainda, à perda de cargo, função ou emprego público, e a inabilitação para seu exercício pelo dobro do tempo da pena ora aplicada.

Considerando-se as disposições do art. 387, § 2º, do CPP, na redação da Lei nº 12.736, de 30/11/2012, aplicável ao caso por força do princípio tempus regit actum, insculpido no art. 2º, do CPP, reconheço que a acusada tem direito à detração de 2 meses e 3 dias da pena privativa de liberdade, correspondente ao tempo de prisão preventiva nestes autos. Apesar disso, observo que a acusada não completou o tempo necessário para a obtenção do benefício da progressão de regime prisional, de modo que deverá iniciar a execução da pena no regime fechado.

Permito que a acusada recorra em liberdade, porque foi beneficiada com ordem de habeas corpus, concedida pelo e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, através de sua Primeira Câmara Criminal, nos autos do HC nº 2012.077674-2 (fls. 240/241), tendo sido cumprido o alvará de soltura em 04/12/2012 (fl. 242).

Custas pela acusada.

Transitada em julgado:

1) lance-se o nome da ré no rol dos culpados;

2) comunique-se a condenação à e. Corregedoria Geral da Justiça e à Justiça Eleitoral;

3) forme-se o PEC e expeça-se mandado de prisão;

4) Intime-se a acusada para o pagamento das custas processuais, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de execução;

5) Tudo cumprido, arquive-se.

Tubarão (SC), 27 de fevereiro de 2015.

  Elleston Lissandro Canali         Juiz de Direito 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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