Por Redação - 21/10/2015
A questão de gênero vem sendo intensamente debatida nos mais diversos meios e os direitos LGBTs têm ganhado extensão cada mais ampla. Agora é a vez do sistema penitenciário reconhecê-los.
Em decisão proferida nos autos da Execução Provisória n. 0818194-67.2014.8.24.0038, a Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville (SC) autorizou o uso de roupas compatíveis com a identidade de gênero do preso travesti ou transexual, inclusive roupas íntimas, em respeito à autodeterminação individual e atendendo ao disposto na Resolução Conjunta n. 1/2014, a qual estabelece parâmetros de acolhimento de LGBTs em privação de liberdade no Brasil.
De acordo com o art. 5º da referida Resolução,
À pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade serão facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero.
Leia abaixo a íntegra da decisão.
Autos nº 0818194-67.2014.8.24.0038
Ação: Execução Provisória/PROC
Apenada: P.M.C.
VISTOS ETC Urgente (itens 4 e 5).
Considerando a visita deste magistrado ao ergástulo em 15.10.2015, bem como a solicitação feita pela reeducanda na missiva anexa, passo a deliberar:
1. No que tange à certidão retro, requerimento também realizado pela reeducanda em audiência de custódia (fls. 67-9), comunique-se à direção prisional o interesse da reeducanda em permanecer lá recolhida, não desejando transferência para a Penitenciária.
2. Quanto à informação sobre apelação, certifique o Cartório sobre o andamento do recurso, inclusive diligenciando-se pessoalmente na 1ª Vara Criminal.
3. No que se refere à remição, requisite-se o encaminhamento de grade atualizada, bem como eventuais resenhas confeccionadas pela reeducanda. Prazo: 10 dias.
4. No que se tange ao pedido da reeducanda de autorização para utilização de roupas femininas (íntimas inclusive), registre-se que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, órgãos vinculados ao Poder Executivo Federal, publicaram no ano de 2014 a Resolução Conjunta nº 1/2014(anexa), estabelecendo parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade no Brasil.
Dentre as recomendações, destaca-se a seguinte:
Art. 5º - À pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade serão facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero.
Pois bem, sabe-se que este Juízo, por uma questão humanitária, autorizou nos autos nº 0022113-34.2013.8.24.0038 os familiares visitantes a fornecerem "até duas peças de roupas (moletom, camiseta manga comprida, calcas, meias e cuecas) para cada detento visitado, tantas vezes quantas forem necessárias, bem como fornecer colchão (um por detento)".
No entanto, não se pode fazer uma leitura friamente literal do que foi estabelecido.
Na espécie, deve prevalecer o direito de autodeterminação do indivíduo, não havendo motivos para que as roupas destinadas à reeducanda não sejam femininas, uma vez que é o gênero pelo qual se identifica. Do contrário, estar-se-ia ferindo de morte seu direitos e garantias fundamentais (igualdade, intimidade, honra, dignidade da pessoa humana, etc), chancelando-se o acréscimo de pena cruel, desumana e degradante, à pena privativa de liberdade executada nestes autos.
Reconhecer isso é é admitir e reafirmar, sempre, que a pessoa do condenado jamais perderá sua natureza humana e por este motivo será sempre merecedora de irrestrito respeito em seus diretos e garantias fundamentais. Este salto ético já foi dado e o atual padrão de civilidade assim exige, bem como a humanidade em paz agradece.
Ex positis, AUTORIZO os familiares visitantes da reeducanda a lhe fornecer até duas peças de roupas, tantas vezes quantas forem necessárias, nos mesmos moldes deferidos nos autos nº 0022113-34.2013.8.24.0038.
Comunique-se, com cópia da Resolução nº 1/2014, inclusive para observância em casos futuros, bem como para as providência cabíveis no caso concreto, com posterior informação a este Juízo no prazo de 10 dias.
5. Por fim, quanto aos fatos noticiados no ofício de fls. 73-5, requisite-se informação sobre eventual instauração de incidente disciplinar (5 dias), bem como, em caso positivo, o respectivo encaminhamento (30 dias). Após, conclusos.
Joinville (SC), 19 de outubro de 2015.
João Marcos Buch
Juiz de Direito
Imagem Ilustrativa do Post: 18ª Parada do Orgulho LGBT de Belo Horizonte // Foto de: upslon // Sem alterações
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