Preço e forma de pagamento devem ser informados nos anúncios em TV, decide STJ

11/01/2016

Por Patrícia Cordeiro - 11/01/2016

Na propaganda de um produto exibido na televisão, devem constar o preço e a forma de pagamento, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

A ação foi proposta porque uma empresa divulgava seus produtos em um canal de TV fechada, mas não informava a forma de pagamento e sequer os preços dos produtos. Para adquirir estas informações, o consumidor precisava ligar para a central de atendimento, e a ligação não era gratuita, mesmo que o consumidor acabasse por não adquirir o produto. Ou seja, era preciso pagar pela chamada para ter acesso às informações básicas que garante o Código de Defesa do Consumidor, como preço e forma de pagamento.

Em primeira instância, a empresa restou vencida e condenada a uma multa de R$ 100.000,00, por dia em caso de não cumprir a decisão. Não satisfeita, recorreu ao TJ/RJ que nada alterou na sentença.

Em resposta ao recurso, os ministros foram unânimes ao concordarem com Humberto Martins, relator do processo, que salientou que o direito à informação é garantia fundamental com previsão na Constituição Federal. E asseverou: “O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e forma de pagamento), as quais somente serão conhecidas pelo consumidor mediante o ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser concretizada.”

Confira abaixo a decisão na íntegra (os nomes das partes foram substituídos pelas iniciais).

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.428.801 - RJ (2013/0375584-9)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS

RECORRENTE : P. – C. E E. L.

ADVOGADO : D. L. R. E OUTRO(S)

RECORRIDO : A. L. D. E. D. R. D. J.

ADVOGADOS : A. D. S. T. A. L. D. S. C. E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto pela P. C. E E. L. (P.), com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

O acórdão recorrido negou provimento ao agravo interno interposto pela recorrente nos termos desta ementa (fl. 328, e-STJ):

"Agravo inominado em agravo de instrumento. Pretensão de modificação do decisum, sob reiterados argumentos de recurso anterior, além da alegação de tratar-se de matéria não passível de julgamento, conforme o artigo 557, do Código de Processo Civil. Este tem como escopo desobstruir as pautas dos tribunais, a fim de que as ações e os recursos, que realmente precisam ser julgados por órgão colegiado, possam ser apreciados o quanto antes. Aplicação dos princípios da economia e da celeridade processuais. Agravo, que nada acrescenta para a alteração pretendida. Desprovimento unânime do recurso" .

Por oportuno, o agravo de instrumento, objeto do agravo inominado, está assim ementado (fl. 299, e-STJ):

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. OFERTA PUBLICITÁRIA VEICULADA ATRAVÉS CANAL DE TELEVISÃO. FALTA DE INFORMAÇAO AO CONSUMIDOR DE TODOS OS ELEMENTOS EXIGIDOS PELO §1º, DO ARTIGO 37 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Diploma consumerista que impõe aos fornecedores, fabricantes e comerciantes o dever de informar, corretamente, com clareza e transparência, a respeito da mercadoria comercializada.

Onerosidade excessiva imposta ao consumidor, que para conhecer todas as informações necessárias à formalização do negócio, deve ligar para o número de telefone fornecido pela empresa ré e arcar com o encargo financeiro do pagamento da respectiva tarifa, mesmo que, a final, não concretize a compra. Conjunto probatório que demonstra a falha no dever de informação, a par da prática de propaganda enganosa. Astreintes razoavelmente arbitradas pelo julgador de primeiro grau.

Negativa de seguimento do recurso, com base no artigo 557, do CPC" .

Nas razões do recurso especial, a recorrente alega que as instâncias ordinárias deram errônea interpretação do art. 37, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto sua publicidade não induziu o consumidor em erro.

Defende que não há como afirmar que a propaganda por ela utilizada configure publicidade enganosa, uma vez que a divulgação de seus produtos sempre se deu de forma precisa (princípios da veracidade e transparência), sem nenhuma informação falsa capaz de levar o consumidor a erro.

Sustenta que há os consumidores medianamente informados e os desprovidos de conhecimentos médios, de modo que a publicidade varia conforme o público alvo. Assim, suas peças publicitárias estariam veiculadas em canal de TV fechada, cujo público-alvo seria as classes média e alta da população, dotadas de capacidade de reflexão e de necessidade acerca dos produtos noticiados, com elevado poder aquisitivo, acesso à Internet e, presumivelmente, formação cultural e compreensão do mercado.

Aduz, outrossim, que (fls. 347/349, e-STJ):

"resta claro que a fase de celebração ocorre no momento em que o consumidor realiza a ligação e busca todas as informações do produto detalhadamente, isto é, uma vez ciente das condições gerais do negócio o interessado irá analisar o produto anunciado e discutir quais seriam as formas de pagamento mais adequadas as suas possibilidades, uma vez que o consumidor médio que adquire os produtos comercializados pela recorrente não formaliza o negócio sem estar absolutamente certo de todas as condições a ele inerente, sendo inviável que todas as condições constem de um simples anúncio publicitário.

Salienta-se que a referida publicidade não se mostra apta a gerar qualquer confusão com relação ao preço do produto, pois descreve suas características essenciais. E verifica-se, portanto,  estar ausente um requisito essencial para caracterização de publicidade enganosa: a capacidade de enganar.

Diante de tais considerações resta claro que não há como considerar enganosa a publicidade veiculada pela recorrente e consequentemente, não há justificativa para a imposição de qualquer multa caso as propagandas da recorrente não sejam modificadas.

Não é concebível acreditar que quando um cliente após assistir a propaganda, entre em contato com o tele atendimento, não seja capaz de julgar se o produto que está sendo ofertado vale a pena ser adquirido ou não. O livre arbítrio do consumidor, por si só, afasta, inevitavelmente, o nexo causai, pois decorre da voluntariedade da conduta de compra do produto.

(...).

Ou seja, a união das técnicas publicitárias utilizada pela recorrente termina por servir para a consumação do intento final de toda e qualquer propaganda, não havendo porque se apontar para uma possível violação da legislação protetiva".

No tocante à interpretação do art. 37, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, aponta divergência jurisprudencial entre o acórdão recorrido e os julgados do STJ, tais como REsp 1.057.483/SP, AgRg no AgRg no REsp 1.261.824/SP e EDcl no REsp 1.159.799/SP.

Acresce ser exorbitante a multa diária para caso de descumprimento da decisão judicial, qual seja, R$ 100.000,00 (cem mil reais), ferindo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e comportando redução, sob pena de interferir na sobrevivência das atividades da recorrente e gerar o enriquecimento ilícito do credor.

Pugna pela correta interpretação do art. 37, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, afastando-se a condenação por publicidade enganosa, ou alternativamente, pela redução das astreintes a patamares moderados.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 421/439, e-STJ), sobreveio o juízo de admissibilidade negativo da instância de origem (fls. 448/457, e-STJ).

Parecer ministerial pelo improvimento do recurso especial (fls. 521/527, e-STJ).

É, no essencial, o relatório.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSO ESPECIAL Nº 1.428.801 - RJ (2013/0375584-9)

EMENTA

CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA. PUBLICIDADE DE PRODUTOS EM CANAL DA TV FECHADA. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO ESSENCIAL. PREÇO E FORMA DE PAGAMENTO OBTIDOS SOMENTE POR MEIO DE LIGAÇÃO TARIFADA. PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO. NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVER POSITIVO DE INFORMAR. MULTA DIÁRIA FIXADA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE EXORBITÂNCIA. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL INCOGNOSCÍVEL.

1. Na origem, a Comissão de Defesa do Consumidor da A. L. do E. d. R. d. J. propôs ação coletiva contra P. C. e E. L. (P.), sob a alegação de que a ré expõe e comercializa seus produtos em um canal da TV fechada, valendo-se de publicidade enganosa por omitir o preço e a forma de pagamento, os quais somente podem ser obtidos mediante ligação telefônica tarifada e onerosa ao consumidor, independentemente de este adquirir ou não o produto.

2. O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar a ré à obrigação de informar elementos básicos para que o consumidor, antes de fazer o contato telefônico, pudesse avaliar a possível compra do produto, com destaque para as características, a qualidade, a quantidade, as propriedades, a origem, o preço e as formas de pagamento, sob pena de multa diária por descumprimento. O Tribunal de origem, em sede de agravo interno, manteve a sentença.

3. O direito à informação, garantia fundamental da pessoa humana expressa no art. 5°, inciso XIV, da Constituição Federal, é gênero que tem como espécie o direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.

4. O Código de Defesa do Consumidor traz, entre os direitos básicos do consumidor, a "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam" (art. 6º, inciso III).

5. O Código de Defesa do Consumidor atenta-se para a publicidade, importante técnica pré-contratual de persuasão ao consumo, trazendo, como um dos direitos básicos do consumidor, a "proteção contra a publicidade enganosa e abusiva" (art. 6º, IV).

6. A publicidade é enganosa por comissão quando o fornecedor faz uma afirmação, parcial ou total, não verdadeira sobre o produto ou serviço, capaz de induzir o consumidor em erro (art. 37, § 1º). É enganosa por omissão a publicidade que deixa de informar dado essencial sobre o produto ou o serviço, também induzindo o consumidor em erro exatamente por não esclarecer elementos fundamentais (art. 37, § 3º).

7. O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e forma de pagamento), as quais somente serão conhecidas pelo consumidor mediante o ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser concretizada.

8. Quando as astreintes são fixadas conforme a capacidade econômica, a redução da multa diária encontra óbice no reexame do conjunto fático-probatório dos autos (Súmula 7/STJ). Ressalvam-se os casos de fixação de valor exorbitante, o que não ocorre no caso concreto.

9. A inexistência de similitude fática e jurídica entre os acórdãos confrontados impede o conhecimento do recurso especial com fundamento na divergência jurisprudencial.

Recurso especial conhecido em parte e improvido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):

A pretensão recursal não merece prosperar.

DA CONTROVÉRSIA

Na origem, a Comissão de Defesa do Consumidor da A. L. d. E. d. R. d. J., órgão representado pela A. L. D. E. D. R. D. J., propôs ação coletiva contra a P. C. E E. L. (P.). A autora alegou que a ré expõe e comercializa seus produtos em canal da TV fechada, valendo-se de publicidade enganosa omissiva quanto ao preço e à forma de pagamento, os quais somente podem ser obtidos mediante ligação telefônica tarifada, custo este que recai sobre o consumidor, independentemente de este adquirir ou não o produto.

A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar a ré à obrigação de informar, em todas as publicidades veiculadas na TV ou em qualquer outro meio publicitário utilizado ou que venha a substituí-los, os elementos básicos para que o consumidor, antes de fazer o contato telefônico, possa avaliar em sua plenitude a possível compra, com destaque para as características, a qualidade, a quantidade, as propriedades, a origem, o preço e as formas de pagamento, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em caso de descumprimento, valor que poderá ser majorado se houver recalcitrância.

Contra a referida sentença, a P. interpôs recurso de apelação, o qual teve seguimento negado monocraticamente (fls. 299/303, e-STJ). Irresignada, interpôs agravo interno, o qual teve provimento negado pelo Colegiado para manter as decisões anteriores (fls. 327/333, e-STJ).

DO DEVER DE INFORMAR

De matriz constitucional, o gênero "direito à informação" é garantia fundamental da pessoa humana, verbis:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;".

A liberdade de escolha do consumidor, direito básico previsto no inciso II do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, está vinculada à correta, fidedigna e satisfatória informação sobre os produtos e os serviços postos no mercado de consumo.

A autodeterminação do consumidor depende essencialmente da informação que lhe é transmitida, pois esta, a informação, é um dos meios de formar a opinião e produzir a tomada de decisão daquele que consome. Logo, se a informação é adequada, o consumidor age com mais consciência; se a informação é falsa, inexistente ou omissa, retira-se-lhe a liberdade de escolha consciente.

Assim, o "direito à informação", espécie do gênero constitucional, confere ao consumidor “uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia ” (REsp 1.144.840/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/3/2012, DJe 11/4/2012.).

Por sua vez, o "dever de informar" também deriva do respeito aos direitos básicos do consumidor, designadamente do disposto no inciso III do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê, como essencial, a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Mais do que obrigação decorrente de lei, o dever de informar é uma forma de cooperação, uma necessidade social.

Na atividade de fomento ao consumo e na cadeia fornecedora, o dever de informar tornou-se autêntico ônus pró-ativo incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor).

Ao cuidar da oferta nas práticas comerciais, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 31, evidencia o dever de informar:

“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.” (Grifo meu.)

A obrigação legal de informação no Código do Consumidor brasileiro tem largo espectro, pois não se limita ao contrato, e sim abrange qualquer situação na qual o consumidor manifeste seu interesse em adquirir um produto ou requerer um serviço (RINESSI, Antonio Juan. Relación de Consumo y Derechos del Consumidor. Buenos Aires: Astrea, 2006, p. 140.).

Há, portanto, dois principais momentos do dever de informar: (a) pré-contratual : a informação que antecede ou acompanha o bem de consumo, a exemplo da publicidade e da embalagem, respectivamente; e (b) contratual : a informação oferecida na formalização do ato de consumo, ou seja, no instante da contratação.

Nada mais coerente que, na relação de consumo, o polo que detenha pleno conhecimento do produto oferecido – quer por tê-lo produzido, quer por manter vínculo com seu processo de fabricação ou distribuição – seja também o responsável por prestar ao polo vulnerável (que desconhece todo esse processo) o necessário esclarecimento para que este possa tomar atitude consciente diante do produto posto à venda no mercado: adquiri-lo ou rechaçá-lo.

Frise-se que, no Código de Defesa do Consumidor, o dever de informar não é tratado como mero dever anexo, e sim como dever básico, essencial e intrínseco às relações de consumo.

Dessarte, não se pode afastar a índole enganosa da informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto de induzir o consumidor em erro, uma vez que não é válida a “meia informação” ou a “informação incompleta”.

De mais a mais, não é suficiente oferecer a informação. É preciso saber transmiti-la, porque mesmo a informação completa e verdadeira pode vir a apresentar deficiência na forma como é exteriorizada ou recebida pelo consumidor.

Informação e confiança entrelaçam-se. O consumidor possui conhecimento escasso acerca dos produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo. A informação desempenha, obviamente, função direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor.

O dever de informação positiva do fornecedor tem importância direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor. A informação deficiente frustra as legítimas expectativas do consumidor, maculando sua confiança.

No caso em debate, a falta de informação suprime a liberdade do consumidor de, previamente, recusar o produto e escolher outro, levando-lhe, ainda que não venha a comprar, a fazer uma ligação tarifada para, só então, obter informações essenciais atinentes ao preço e à forma do pagamento, burlando-lhe a confiança e onerando-lhe.

DA PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO

Ciente de que a relação de consumo não se restringe à fase contratual, o legislador quis proteger o consumidor das estratégias prévias de incentivo ao consumo.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor atenta-se para a publicidade, importante técnica pré-contratual de persuasão ao consumo, trazendo, como um dos direitos básicos do consumidor, a "proteção contra a publicidade enganosa e abusiva" (art. 6º, IV).

Ademais, entre os princípios norteadores da publicidade, citam-se, por exemplo, a identificação da publicidade (art. 36, caput), a vinculação contratual da publicidade (arts. 30 e 35), a não abusividade da publicidade (art. 37, §2º), a inversão do ônus da prova (art. 38), a transparência da fundamentação da publicidade (art. 36, parágrafo único), a correção do desvio publicitário, a lealdade publicitária (art. 4º, VI) e a veracidade da publicidade (art. 37, § 1º).

Basicamente, a publicidade enganosa pode ser comissiva ou omissiva. A publicidade é enganosa por comissão quando o fornecedor faz uma afirmação não verdadeira, parcial ou total, sobre o produto ou serviço, capaz de induz o consumidor em erro (art. 37, § 1º). É enganosa por omissão a publicidade que deixa de informar dado essencial do produto ou serviço, também induzindo o consumidor em erro por deixar de esclarecer elementos fundamentais (art. 37, § 3º).

Para Rizzato Nunes, “tudo aquilo que apesar de ser essencial já faz parte do conhecimento regular do consumidor não tem necessidade de ser mencionado” , ao passo que “sempre que o dado for essencial, mas por algum motivo não for conhecido do consumidor, por ser novo ou por divergir do que este pensa como uso normal, dever ser informado” . Ademais, “é essencial o elemento cuja omissão acaba por influenciar a decisão do consumidor para adquirir o produto ou o serviço” , além de se considerar essencial “tudo aquilo que a lei determinar que o anúncio publicitário deve conter” (NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 576.).

O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois suprime informação essencial sobre o produto, a saber: o preço e a forma de pagamento, os quais somente serão conhecidos pelo consumidor mediante o ônus de uma ligação interestadual e tarifada, mesmo que a compra não venha a ser concretizada. Obviamente, pela via telefônica (interestadual e tarifada) e diante de um operador de telemarketing , o consumidor, que só então conheceu o preço e a forma de pagamento, sente-se mais pressionado a optar pela compra, ainda mais que a recorrente trabalha com "peças e promoções limitadas".

Tanto a publicidade enganosa comissiva quanto a omissiva são expressamente rechaçadas pelo legislador, verbis:

"Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão , capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço" .

Nesse sentido, a doutrina de Herman Benjamin é precisa:

"O legislador demonstrou colossal antipatia pela publicidade enganosa. Compreende-se que assim seja. Esse traço patológico afeta não apenas os consumidores, mas também a sanidade do próprio mercado. Provoca, está provado, uma distorção no processo decisório do consumidor, levando-o a adquirir produtos e serviços que, estivesse mais bem informado, possivelmente não adquirisse.

(...) não se exige prova da enganosidade real, bastando a mera enganosidade potencial ("capacidade de indução ao erro"); é irrelevante a boa-fé do anunciante, não tendo importância o seu estado mental, uma vez que a enganosidade, para fins preventivos e reparatórios, é apreciada objetivamente; alegações ambíguas, parcialmente verdadeiras ou até literalmente verdadeiras podem ser enganosas; o silêncio - como ausência de informação positiva - pode ser enganoso; uma prática pode ser considerada normal e corriqueira para um determinado grupo de fornecedores e, nem por isso, deixar de ser enganosa; o standard da enganosidade não é fixo, variando de categoria a categoria de consumidores (por exemplo, crianças, idosos, doentes, rurícolas e indígenas são particularmente protegidos).

Não se confunde publicidade falsa com publicidade enganosa. Aquela não passa de um tipo desta. O grande labirinto dessa matéria decorre exatamente do fato de que a publicidade enganosa nem sempre é evidentemente falsa." (BENJAMIN, Antonio Herman V. Oferta e publicidade. In: Manual de direito do consumidor. Antonio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 281-282.)

Também registrou o julgado que negou seguimento à apelação, mantido pela Corte de origem, que:

"Ao contrário, as peças publicitárias transmitem, extensiva e detalhadamente, as características, as qualidades, a composição, a origem, o funcionamento e os benefícios dos produtos com a finalidade de familiarizar o consumidor com produtos específicos e provocar-lhe a vontade de realizar a compra, sem veicular o preço e as formas de pagamento, o que impõe àquele onerosidade excessiva, pois, para conhecer todas as informações necessárias à formalização do negócio, deve ligar para o número de telefone fornecido pela ré e arcar com encargo financeiro do pagamento da respectiva tarifa, mesmo que, a final, não concretize a compra" (fl. 303, e-STJ).

Principalmente por se tratar de compra por telefone (ou qualquer outro meio à distância), na qual o consumidor não está vendo o produto, mais deveria se esmerar a recorrente em cumprir seu dever de informar e respeitar o direito de o consumidor ser informado.

Os paradigmas trazidos para invocar a suposta divergência jurisprudencial não se amoldam ao caso concreto, porquanto a publicidade enganosa não ficou caracterizada nos precedentes colacionados, enquanto, na hipótese destes autos, a publicidade enganosa por omissão está tipicamente configurada. Logo, o recurso especial é incognoscível pela divergência por falta de similitude fática e jurídica entre os acórdãos confrontados.

Quanto à alegação de exorbitância da multa diária fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais) em caso de descumprimento da determinação de prestar informação essencial sobre o produto, não procedem os argumentos da recorrente. Ocorre que a instância ordinária determinou as astreintes com base na capacidade econômica da recorrente, de modo que a redução da multa diária encontra óbice no reexame do conjunto fático-probatório dos autos (Súmula 7/STJ).

Tampouco se verifica exorbitância apta a atrair a excepcional redução das astreintes: lembre-se de que se trata de uma ação coletiva (e não individual) e que a multa diária, de caráter preventivo e pedagógico, somente será devida em caso de descumprimento da obrigação. Reduzi-la implicaria incentivo à persistência da publicidade enganosa, já que o lucro gerado pelo dano poderia ser maior do que o custo com eventual pagamento da multa diária.

O Tribunal de origem, atento ao caráter enganoso da publicidade lesiva ao consumidor, conferiu adequada interpretação ao art. 37, § 1º, do Diploma Consumerista, razão pela qual o acórdão recorrido não merece reparo.

Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como penso. É como voto.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Relator


Imagem Ilustrativa do Post: Remote Controller 2 // Foto de: Matthew Hurst // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/skewgee/7140012561

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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