Por Patrícia Cordeiro - 07/08/2015
A 8° Turma do Tribunal Regional do Trabalho da segunda região decidiu que uma empresa de assessoria a restaurantes deve pagar indenização como forma de substituir o auxílio alimentação de uma ex-funcionária, já que lhe fornecia apenas alimentos “fast e food”, como batata frita, sanduíches e refrigerantes. Em sua defesa a empresa alegou que o acordo coletivo da categoria previa o fornecimento de refeição gratuita, mas não especificava que tipo de alimentos deveriam ser oferecidos, e os lanches dessa forma estavam de acordo com a norma.
Não foi esse o entendimento do relator do recurso, o desembargador Marcos César Amador Alves, que afirmou: “O Instrumento Coletivo, ao prever a concessão de alimentação gratuita ao empregado ou de ticket-alimentação, teve por escopo prover-lhe alimentação balanceada, em atendimento às suas necessidades nutricionais diárias. Desse modo, o fornecimento de lanches (hambúrgueres, batatas fritas e refrigerantes), invariavelmente, consoante restou demonstrado por meio da prova oral (fls. 165/165-verso), revela-se nocivo à saúde, o que, em última análise, malfere a dignidade do trabalhador, que tem o direito de se alimentar adequadamente”.
Confira o voto no relator na íntegra (os nomes das partes foram substituídos pelas iniciais):
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO
PROCESSO Nº 0000882-90.2013.5.02.0303 – 8ª TURMA
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE: B. B. O. E A. A R. S/A
RECORRIDO: T. A. C. S.
ORIGEM: 03ª VARA DO TRABALHO DE GUARUJÁ
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FORNECIMENTO DE FASTFOOD. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA AO TICKET-REFEIÇÃO. DEVIDA. O fornecimento de lanches (hambúrgueres, batatas fritas e refrigerantes), invariavelmente, revela-se nocivo à saúde, malferindo a dignidade do trabalhador, que tem o direito de se alimentar adequadamente. Recurso da reclamada ao qual se nega provimento na espécie.
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I – R E L A T Ó R I O
Inconformada com a r. sentença de fls. 181/188-verso, integrada pela r. decisão proferida em sede de Embargos de Declaração de fl. 192, cujo relatório adoto, que julgou parcialmente procedentes os pedidos da reclamatória promovida por T. A. C. D. S. em face de B. B. O. E A. A R. S/A, recorre ordinariamente a reclamada, às fls. 194/198, pretendendo a exclusão da condenação relativa às diferenças pela inobservância do piso salarial, ao adicional de insalubridade, ao intervalo intrajornada, às horas extras e noturnas, ao auxílio-alimentação, ao reembolso da lavagem do uniforme, à devolução dos descontos realizados a título de faltas e aos honorários advocatícios.
Contrarrazões às fls. 204/207.
É o relatório.
II - V O T O
1. Admissibilidade recursal
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do recurso.
2. Mérito
2.1. Das diferenças pela inobservância do piso normativo
Pretende a reclamada a exclusão das diferenças salariais, ao argumento de que, por ter contratado a reclamante como “horista”, com jornada de 180 horas mensais, não lhe era devido o piso salarial convencional, defendendo, neste aspecto, ser correto o procedimento atinente à remuneração dos serviços apenas e tão somente pelas horas de trabalho prestadas.
O MM. Juízo a quo reconheceu as sobreditas diferenças salariais à obreira, adotando como parâmetro o piso normativo proporcional à carga horária máxima contratada, consoante se pode inferir da r. sentença, à fl. 183, entendimento que se sustenta.
É que, a despeito das várias considerações da reclamada no sentido de que respeitava o “valor hora” previsto na norma coletiva, emerge claro o desrespeito ao piso salarial da análise da prova documental disponível, em especial, do cotejo da cláusula 2ª das Convenções Coletivas, com os contracheques acostados à inicial (fls. 26/45).
Da detida análise do contrato de trabalho de fls. 75/77, infere-se que a obreira foi contratada para trabalhar mediante escala de trabalho, cumprindo jornada semanal de 36 (trinta e seis) horas semanais.
Patente, pois, que apesar de expressamente indicado o número de horas semanais no contrato de trabalho, havia um patamar mínimo a ser cumprido, não havendo, pois, falar em variação segundo as horas efetivamente laboradas.
Reputo, portanto, correta a r. sentença ao deferir à obreira as diferenças relativas ao piso da categoria, proporcionalmente ao número de horas mínimas contratadas, bem assim os reflexos respectivos.
Nego provimento.
2.2. Do intervalo intrajornada
Nada a prover.
Incontroverso o fato de a reclamante anotar pessoalmente os seus controles de jornada, inclusive no que se refere ao intervalo para refeição e descanso, como bem explicitado pela reclamada em suas razões recursais (fl. 195-verso).
Desse modo, correta a r. sentença ao deferir o intervalo intrajornada como hora extraordinária quanto aos períodos nos quais o referido interregno não se encontra assinalado ou foi parcialmente fruído. Inteligência da Súmula nº 437 do C. TST.
Nego provimento.
2.2. Das horas extras. Das horas noturnas. Dos feriados laborados
A reclamada pugna pela exclusão das horas extras, das horas noturnas e dos feriados laborados. Sustenta, neste aspecto, que a reclamante não demonstrou a incorreção do pagamento nos contracheques, pelo que são indevidas as diferenças postuladas.
Com razão.
Tendo cumprido a reclamada a determinação legal concernente à apresentação de controles de jornada (docs. 95/109), na forma do artigo 74, § 2º, da CLT, bem assim se observando dos contracheques diversos pagamentos a título de horas extras, horas noturnas e feriados laborados (fls. 26/27 e 110/112), incumbia à reclamante apontar, ainda que por simples amostragem, diferenças em seu favor, encargo do qual não se desvencilhou na espécie (artigo 818 da CLT c/c artigo 333, I, do CPC).
Nessa ordem de ideias, reformo a r. sentença para excluir da condenação as horas extras e reflexos, inclusive aquelas relativas aos feriados laborados, bem assim as horas noturnas.
Dou provimento nestes termos.
2.3. Do ticket-refeição
Argumenta a reclamada que a indenização substitutiva ao ticket-refeição deve ser expungida da condenação, sustentando que a norma coletiva não especifica o tipo de refeição a ser servida ao trabalhador, de maneira que os lanches que fornecia à obreira se prestam ao fim colimado, havendo, nesse toar, o integral cumprimento da cláusula convencional.
Sem razão.
Como bem esposado pelo MM. Juízo a quo, o Instrumento Coletivo, ao prever a concessão de alimentação gratuita ao empregado ou de ticket-alimentação, teve por escopo prover-lhe alimentação balanceada, em atendimento às suas necessidades nutricionais diárias.
Desse modo, o fornecimento de lanches (hambúrgueres, batatas fritas e refrigerantes), invariavelmente, consoante restou demonstrado por meio da prova oral (fls. 165/165-verso), revela-se nocivo à saúde, o que, em última análise, malfere a dignidade do trabalhador, que tem o direito de se alimentar adequadamente.
Sendo assim, mantenho a r. sentença que entendeu por descumprida a disposição convencional em apreço, deferindo à obreira a indenização correspondente.
Nego provimento.
2.4. Do adicional de insalubridade
A reclamada defende, no que diz respeito ao adicional de insalubridade, a neutralização dos agentes físicos constatados pela perícia judicial, por meio dos equipamentos de proteção individual fornecidos à autora.
Assevera, ainda, que a reclamante, em razão da alternância de atribuições, não estava exposta, na integralidade do tempo, a agentes nocivos à saúde.
Ao exame.
Da detida análise dos autos, em especial, do bem elaborado laudo pericial de fls. 131/138, com esclarecimentos às fls. 144/146, verifica-se que o Sr. Perito concluiu pela ativação da reclamante em condições insalubres, em grau médio, seja por exposição a calor acima dos limites de tolerância, seja ao frio, sem o adequado fornecimento de equipamentos de proteção individual, na forma da Portaria nº 3.214/78, NR 15, e seus Anexos 03 e 09.
De ser pontuado que a insurgência recursal evidencia seu mero inconformismo com o resultado desfavorável da perícia, não tendo o condão de afastar, por si só, o laudo elaborado pelo perito de confiança do Juízo, mormente pelo fato de não ter trazido aos autos elementos probatórios que contrariem a prova técnica referenciada.
Pelo contexto probatório dos autos, não há reparos a serem lançados na r. sentença, a qual deve ser mantida.
Nego provimento.
2.5. Do reembolso pela lavagem do uniforme
A recorrente pretende a reforma da r. decisão de origem que deferiu à obreira o reembolso dos gastos pela lavagem do uniforme, no que não tem razão
Com efeito, a prova oral de fls. 165/165-verso, inclusive produzida pela própria reclamada, não deixa margem a dúvidas de que aos empregados incumbia levar os uniformes para as respectivas residências para o fim de lavá-los.
Desse modo, ante o disposto no Instrumento Coletivo (cláusula 30, alínea “a”), devido em favor da reclamante o adicional de lavagem e conservação de uniforme, nos moldes deferidos na origem.
Nego provimento.
2.6. Da devolução dos descontos indevidos
Nada a prover.
A reclamante logrou demonstrar, por meio de atestado médico (fl. 25), a incorreção dos descontos realizados pela reclamada em suas verbas rescisórias a título de faltas injustificadas.
Correta, pois, a r. decisão de origem ao deferir a devolução dos descontos, por indevidos.
Nego provimento.
2.7. Da multa de 40% do FGTS sobre as verbas de natureza salarial
Com razão. Resulta incontroverso nos autos que a extinção do contrato de trabalho deu-se a pedido da autora (fl. 04).
Desse modo, indevida a multa de 40% do FGTS sobre as verbas salariais deferidas, constante da parte final da alínea “k” do dispositivo sentencial.
Dou provimento.
2.8. Dos honorários advocatícios
Nos termos da Súmula nº 219 do C. TST, são requisitos para a concessão dos honorários assistenciais: a assistência do trabalhador por sindicato de sua categoria profissional, na forma do artigo 14 da Lei nº 5.584/70 e a comprovação da percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo legal ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.
No caso em análise, a autora encontra-se assistida pela entidade sindical representante de sua categoria, tendo declarado à fl. 16 que não possui condições de arcar com os custos do processo sem prejuízo próprio ou de sua família.
Dessa forma, preenchidos os requisitos legais para a concessão dos honorários assistenciais ao sindicato profissional, na forma da Súmula nº 219, I, do C. TST, reputo correta a r. sentença ao deferi-los.
Nego provimento.
III – D I S P O S I T I V O
ANTE O EXPOSTO,
ACORDAM os Magistrados da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em CONHECER do recurso da reclamada; e, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO PARCIAL para excluir da condenação as horas extras e reflexos, inclusive aquelas relativas aos feriados laborados, as horas noturnas e a multa de 40% do FGTS sobre as verbas salariais deferidas, tudo nos termos da fundamentação do voto do Relator, mantendo-se inalterada a r. decisão originária em seus demais aspectos.
MARCOS CÉSAR AMADOR ALVES
Desembargador Federal do Trabalho
Relator
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