O autor Guilherme Barcelos, em entrevista, fala sobre a 2ª edição da obra "Processo Judicial Eleitoral & Provas Ilícitas - A Problemática das Gravações Ambientais Clandestinas"

28/07/2016

Por Redação - 28/07/2016

Já está disponível no mercado editorial a 2ª edição da obra "Processo Judicial Eleitoral & Provas Ilícitas - A Problemática das Gravações Ambientais Clandestinas", de Guilherme Barcelos. Em entrevista, o autor fala sobre as novidades da edição:

Qual a proposta do livro?

O livro apresenta a análise de um tema muito controverso no direito brasileiro: o tema das gravações ambientais clandestinas como “elementos de prova” (lembremo-nos das recentes gravações de Senadores da República e outras figuras do primeiro escalão da política nacional em situações um tanto constrangedoras, cuja utilização do conteúdo em juízo, no entanto, é demasiado questionável – para dizer o mínimo, sobretudo em razão da clarividente premeditação e da malícia que permeou a prática, sem ignorar a velada vigilância do Estado-investigador para com as investidas). Como procuramos evidenciar no curso da obra, as gravações ambientais clandestinas, consideradas aquelas promovidas por um interlocutor sem o conhecimento do outro, ou seja, às escuras, são produzidas no âmbito específico no Direito Eleitoral de forma premeditada e por meio de aleivosias, com vistas a patrocinar, a partir do registro escondido, acusações judiciais propostas por terceiros que não o interlocutor, nas quais, assim sendo, litigam partes diversas. Trata-se tal prática, parafraseando o Prof. Lenio Streck, de uma evidente “pegadinha delacional” ou, na esteira do que consignamos na obra, “pantomima probatório-acusatória”. No relevante contexto, procurou-se sustentar, então, também como uma forma de constranger a tradição jurisprudencial eleitoral brasileira, a ilicitude que envolve os produtos da clandestinidade, seja pela verdadeira instrumentalização do individuo e pela afronta ao direito fundamental à privacidade, seja pelo caráter sub-reptício da prova, produzida e utilizada tão só com o fim de dar guarida a acusações promovidas por pessoas alheias à relação dialógica, em detrimento de adversários políticos destas, prática muito assemelhada a uma espécie de flagrante preparado, diga-se. Para tanto, é bom frisar, lançamos mão de duas diretrizes centrais: a primeira, questionar se o interlocutor levaria o diálogo a termo sabedor da gravação; e a segunda, ao fim e ao cabo, ter em mente que o Direito não deve ser realizado a qualquer preço, importando recordar que aqui o meio ainda continua justificando o fim, não o contrário.

Fale sobre as novidades desta nova edição.

Nesta segunda edição traremos novas teses, novos julgados dos tribunais eleitorais brasileiros, atualizações de acordo com o novo CPC e, no mais, apresentação e prefácios subscritos por profissionais do primeiro escalão do Direito Eleitoral brasileiro, tais como Anderson de Oliveira Alarcon e Guilherme de Salles Gonçalves, ambos do estado do Paraná, e Vânia Siciliano Aieta, do Rio de Janeiro.

Quais as motivações para escrever sobre este tema?

O tema que envolve as gravações ambientais clandestinas é um dos mais tormentosos do Direito Eleitoral e Processual Eleitoral brasileiro. Com efeito, a prática escamoteada de gravar um diálogo às escuras para que, após, terceiro venha a utilizá-lo como prova de algum suposto ilícito eleitoral, resta disseminada no âmbito dos processos submetidos ao crivo do Poder Judiciário Eleitoral. Com a disseminação dos meios eletrônicos a tendência é que demandas desta espécie sejam uma constante cada vez maior, sobretudo em âmbito político-eleitoral. Demonstrando o acalorado debate que paira sobre a controvérsia, ou seja, sobre a (i) licitude desses instrumentos (de acusação), os Tribunais Eleitorais do país apresentam entendimentos conflitantes entre si, em considerável levante no sentido de reconhecer a licitude das gravações ambientais, isso sem maiores fundamentos e reflexões acerca da temerária problemática, contudo. Ademais, considerando o acirramento que paira sobre a disputa eleitoral e que acaba, por muitas vezes, sendo trazido para a órbita de um processo judicial eleitoral, a matéria deve ser discutida à luz da própria realidade que envolve uma eleição, na qual as disputas, são acirradas, prevalecendo, muitas vezes, paixões condenáveis, nas palavras do Min. Marco Aurélio Mello. Não se pode ignorar, de igual sorte, as peculiaridades que envolvem a produção e a utilização das gravações ambientais clandestinas para fins eleitorais. A práxis demonstra que tais instrumentos acabam produzidos de forma premeditada e por meio de artifícios traiçoeiros, para que, após, sejam utilizados em juízo como elemento acusatório, tudo por pessoas interpostas que não o próprio interlocutor. A temática, então, impõe acurada reflexão, de modo que até mesmo a própria Justiça Eleitoral não se torne a salvaguarda de candidatos que nas urnas não obtiveram êxito, e que, a partir daí, por meio de práticas políticas nada edificantes, se utilizam de artificiosas acusações objetivando, perante os Tribunais, a mudança do desfavorável quadro político-eleitoral que lhes recai. 

Como foi o processo de pesquisa para escrever?

Realizamos a leitura de muitos livros de direito constitucional, de direito processual penal e de direito processual civil, além dos livros de direito eleitoral, obviamente, e fizemos um profundo e minucioso garimpo na jurisprudência dos Tribunais Eleitorais de todo país.

Quais as principais conclusões adquiridas com a obra? 

O Direito Eleitoral é algo que está em profunda crise. Não é de hoje, por exemplo, que vivenciamos um movimento de expansão na atividade legislativa em matéria eleitoral. A cada ano são criadas novas restrições à elegibilidade, tipos normativo-repressivos, ilícitos eleitorais e sanções cada vez maiores e mais graves, estado d’arte que denuncia uma escalada quase que fetichista contra os direitos políticos.  Nos últimos tempos, a legislação eleitoral lato sensu vem trilhando caminhos de repressão às campanhas eleitorais e aos candidatos em potencial ou já no curso da campanha, tudo a partir da sistemática introdução de regras inspiradas no clamor da opinião pública (ou publicada), geralmente sob o álibi argumentativo-persuasivo do combate à corrupção no âmbito da política nacional e aos descaminhos perpetrados no curso das campanhas. Assim, com o clarividente fito de maquiar as causas históricas, antropológicas, sociológicas e políticas da corrupção que envolve a sociedade brasileira, tanto no público, quanto no privado, o manancial legislativo-repressivo se apresenta, demagogicamente, como a única resposta para tal problema, a “pedra filosofal” do combate à corrupção na vida nacional, e se materializa, ao fim e ao cabo, por intermédio da desenfreada criação de novos e mais rigorosos comandos normativos eleitorais. Trata-se, assim, de algo marcado pelo rigor e pela ineficácia, justamente em razão dos símbolos de repressão assentados, os quais, evidentemente, caem no vazio, em razão da insuficiência prática que os permeia. Daí que o Direito Eleitoral é hoje algo marcado pela ilusão, pela dissimulação, pela discrepância entre os discursos e a realidade, o que acaba por subverter a lógica do sistema e desvirtuar a efetividade legal eleitoral. Esse imaginário, igualmente, abarca forte conteúdo moral e emocional, um viés apaixonado e, como tal, acrítico, o que contribui, significativamente, para a sua impropriedade, levando em conta o alto grau de manipulação que abarca tal fenômeno, de modo que se incuta no imaginário social uma falsa ideia de combate à corrupção (eleitoral ou não).  E o pior: uma falsa ideia de eficácia nesse desiderato. Atrelado a isso, não há como ignorar a crescente investida da Justiça Eleitoral contra registros de candidatura, diplomas e mandatos eletivos, considerado o gigantesco número de cassações impostas, as quais, não raramente, advém de uma vontade de poder que ignora, primeiramente, que qualquer investida descriteriosa desta estirpe afasta da cena política o protagonismo do eleitorado e, em segundo lugar, vai de encontro, sem dúvidas, à soberania do povo, relegando-a, ao fim e ao cabo, ao alvedrio dos Tribunais.  Neste contexto, pode-se dizer que a marcha recente do Direito Eleitoral brasileiro percorre o horizonte do apequenamento dos direitos políticos, da democracia representativa, da soberania popular e dos demais direitos fundamentais e garantias individuais plasmados no sistema constitucional. Cada vez mais, a despeito de defender o regime democrático e a legitimidade, lisura e moralidade dos processos eleitorais contra a influência do poder econômico, do poder político, e das comunicações, bem assim contra as investidas daqueles tidos como “impuros”, os movimentos de “lei e ordem” ganham corpo e adeptos, usurpando, sobremodo, a liberdade (submetida à CF e à legislação por ela legitimada) que deve nortear um processo eleitoral genuinamente democrático e o protagonismo do eleitorado na medula deste mesmo processo. Hodiernamente, estamos imersos num cenário no qual os candidatos são inimigos declarados do Estado, e essa realidade, em boa parte, tem nos relegado um verdadeiro direito de exceção. Ou, nas palavras dos Professores Marcelo Peregrino e Fernando de Castro Faria, um “direito eleitoral do inimigo”. Assim, é que direitos e garantias são diuturnamente suprimidos ou relativizados (como a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal, a vedação ao aproveitamento de provas ilícitas etc.), punições ou restrições político-eleitorais são antecipadas (basta lembrar a lei da ficha limpa que, dentre outras temeridades, prevê, no texto atual, a atração de uma causa de inelegibilidade a partir de uma simples decisão colegiada, e não transitada em julgado, portanto), leis ou dispositivos legais são criados e direcionados diretamente a quem se quer atingir etc. Nesse ínterim, o campo para justiçamentos é próspero. E a crença de que os fins justificariam os meios representa o santo graal deste movimento “law and order”. O tema do livro se encontra imerso nesse mesmo cenário, sobretudo a partir da chancela, por muitos Tribunais, de verdadeiros ilícitos de ensaio, tudo com lastro em argumentos utilitaristas ou consequencialistas. Logo, toda essa problemática merece o rechace daqueles cidadãos preocupados com a questão da democracia. O livro se insere nesse habitus, portanto, e vem à tona como uma forma de contributo, de modo que realizemos, rememorando as palavras do Prof. Lenio Streck, uma espécie de constrangimento epistemológico em face da jurisprudência das Cortes eleitorais brasileiras.


O livro pode ser adquirido aqui.


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