NOTA PÚBLICA DO CLADEM/BRASIL SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DA MARCHA DAS VADIAS E A CONDENAÇÃO DE MULHERES POR ATO OBSCENO

27/10/2016

Por redação- 27/10/2016

O Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher - CLADEM, publicou nota pública sobre a criminalização da marcha das vadias e a condenação de mulheres por ato obsceno.

Confira:

NOTA PÚBLICA DO CLADEM/BRASIL SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DA MARCHA DAS VADIAS E A CONDENAÇÃO DE MULHERES POR ATO OBSCENO

O Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, entidade feminista de defesa dos direitos das mulheres, dentre os quais encontra-se o legítimo e secular direito ao protesto, vem a público manifestar sua irresignação com a decisão exarada pela Justiça paulista que, em setembro passado, CONDENOU a militante feminista Roberta da Silva Pereira pela prática do crime de ato obsceno.

A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público em agosto de 2015 imputando à Roberta a prática de ato obsceno em lugar exposto ao público, consistente na conduta de retirar a camiseta e expor seus seios em via pública durante a Marcha das Vadias – 2013, na cidade de Guarulhos/SP.

Conforme consta na decisão de primeira instância o “art. 233 do Código Penal tipifica a prática de ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público, que ofende o pudor público, considerando-se o sentimento comum vigente no meio social”; e que conhecidas obras jurídicas brasileiras afirmam ter a conduta “conteúdo sexual” sendo “atentatória ao pudor público, suscitando repugnância”. Diz, o magistrado, que o ato da militante ofende “o decoro público ou sentimento coletivo a respeito da honestidade e decência dos atos, que se fundam na moral e nos bons costumes”.

Em suas palavras pontifica o magistrado que “o ato obsceno pode ser concebido como aquilo que ofende o pudor ou a vergonha, causando um sentimento de repulsa e humilhação criado por um comportamento indecoroso"; que se os "mecanismos de controle social acompanharam a revolução sexual e o aumento da participação feminina em todos os setores resultando em discussões sobre temas como o divórcio, a união estável, aborto, união homoafetiva, pornografia, dentre outros. Todavia, não se justifica a infringência de comandos normativos que expressamente definem determinadas condutas como crime"; e que, "por fim, à título de argumentação, a sociedade tem o direito de ser respeitada no sentimento do pudor e da sua dignidade”.

Lamentamos e repudiamos profundamente que, em pleno século 21, o corpo feminino, quando convém aos interesses de uma sociedade e suas instituições, ainda majoritariamente controladas por homens, seja condenado por critérios de “decência” e “pudor” como forma de cerceamento da liberdade feminina.

Contudo, lamentamos e repudiamos, mais profundamente, que nossos corpos sejam usados como motivações vazias de sentido para a criminalização da luta por direitos humanos fundamentais que ainda nos são negados em nosso país.

Nós, mulheres, conhecemos bem os instrumentos visíveis e invisíveis que historicamente nos amordaçam e que nos submeteram ao longo da história a processos criminais, ao cárcere e, não poucas vezes, ceifaram nossas vidas. A memória das escravas que resistiram aos seus “senhores”, das trabalhadoras queimadas dentro de fábricas, das sufragistas, das que queimaram sutiãs em praça pública vive, pulsa e grita dentro de cada uma de nós.

O peito desnudo de Roberta não é um ato obsceno. É um grito pela descriminalização do aborto, pela erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, pela liberdade. Lamentamos que a Justiça paulista de primeira instância tenha visto ofensa à decência, ao pudor, onde precisaria ter visto direito ao protesto, direito a ter direitos.

Somos solidárias à Roberta pelo que sua condenação representa: a criminalização de todas as mulheres que vão às ruas lutar por direitos. E, por tal razão, por ser esta nossa missão institucional, a razão de nossa existência, o Cladem/Brasil permanecerá vigilante em relação aos desdobramentos deste caso.

Fonte: CLADEM/BRASIL


Imagem Ilustrativa do Post: Marcha das Vadias 2013 // Foto de: Maria Objetiva // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mariaobjetiva/8835094981/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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