No processo eletrônico, prazo em dobro vale até o novo CPC

02/06/2015

Por Patrícia Cordeiro - 02/06/2015

O Código de Processo Civil no artigo 191, prevê prazo em dobro em caso de litisconsortes com procuradores diferentes, que de acordo com a 3º turma do STJ, é válido inclusive para processos eletrônicos, enquanto o novo CPC não entrar em vigor;

Para o TRF, o dispositivo que concede prazo em dobro, não deveria ser aplicado em caso de processo eletrônico, por compreender que os advogados poderiam visualizar os autos simultaneamente, sem problemas para ter vistas aos autos.

O STJ reformou a decisão do TRF da 4º região, e o relator, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou: “A utilização do processo judicial digital afastou a impossibilidade de diferentes advogados obterem vista simultânea dos autos. Assim, não mais subsiste a situação que justificava a previsão do prazo em dobro. No entanto, a lei disciplinadora do processo eletrônico (Lei nº 11.419/2006) não alterou nem criou nenhuma exceção ao determinado no art. 191 do CPC, de forma que, ausente alteração legislativa acerca do tema, não há como deixar de se aplicar o dispositivo legal vigente, sob pena de se instaurar grave insegurança jurídica e ofender o princípio da legalidade.”

Para o relator deve ser aplicado o disposto no artigo 191 do Código de Processo Civil, até a entrada em vigor do novo Código, que traz mudança expressa sobre a questão, vejamos:

"Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.

§ 1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles.

§ 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos "

Confira o voto no relator na íntegra (os nomes das partes foram substituídos pelas iniciais):

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.488.590 - PR (2014/0266299-3)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (RELATOR):

Trata-se de recurso especial interposto por S. C. D. A. L. – E.P.P, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Colhe-se dos autos que, na origem, C. E. F. (C.) ajuizou ação monitória (e-STJ fls. 2/4) contra S. C. D. A. L. – E.P.P. visando, em síntese, o pagamento de quantia relativa a empréstimo efetuado a pessoa jurídica.

S.C. D. A. L. – E.P.P e os devedores solidários E. K. e A.D. V. M. opuseram cada um embargos à ação monitória (e-STJ fls. 114/146 e 171/197, respectivamente), os quais não foram recebidos por terem sido considerados intempestivos (e-STJ fl. 224).

Opostos embargos de declaração por S. C. D. A. L. – E.P.P e os devedores solidários opuseram aclaratórios (e-STJ fls. 230/236 e 239/244), alegando que os embargos monitórios eram tempestivos, pois estavam sendo representados por procuradores diversos, devendo ser aplicada a regra do prazo em dobro prevista no art. 191 do Código de Processo Civil (CPC). Os embargos de declaração foram rejeitados sob o fundamento de que a disposição do art. 191 do CPC não se aplica aos processos que tramitam em meio eletrônico (e-STJ fl. 255).

Interposta apelação por S. C. D. A. L. – E.P.P, o Tribunal local negou provimento ao recurso em acórdão assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. PRAZO EM DOBRO. ART. 191 DO CPC. LITISCONSÓRCIO COM PROCURADORES DISTINTOS. PROCESSO ELETRÔNICO. DESNECESSIDADE. 1. O tratamento desigual dado aos litisconsortes com procuradores diferentes justifica-se pela dificuldade da confecção de defesa, uma vez que os advogados não podem retirar em carga os autos do processo, tendo vista apenas em cartório. 2. Tratando-se de processo eletrônico, porém, há permanente disponibilidade de vista dos autos, de modo que, à luz de uma interpretação teleológica, atenta aos princípios da utilidade, igualdade e da ampla defesa, a contagem dos prazos em dobro não se sustenta" (e-STJ fl. 311).

No especial, S. C. D. A. L. – E.P.P alega divergência jurisprudencial e violação do art. 191 do Código de Processo Civil (CPC), defendendo, em síntese, que:

a) quando os litisconsortes tiverem procuradores diferentes, os prazos processuais são contados em dobro;

b) aos processos eletrônicos aplica-se o disposto no art. 191 do CPC enquanto não houver alteração ou revogação do dispositivo legal; e

c) a lei que trata da informatização do processo judicial não fez alteração quanto à forma de contagem de prazos nos processos eletrônicos.

Ausentes as contrarrazões, os autos foram admitidos na origem.

É o relatório

RECURSO ESPECIAL Nº 1.488.590 - PR (2014/0266299-3)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (RELATOR):

O recurso merece prosperar.

1. Da origem

Cinge-se a controvérsia a definir à aplicação ou não do prazo em dobro, previsto no art. 191 do Código de Processo Civil (CPC), aos processos judiciais eletrônicos.

2. Da aplicação do disposto no art. 191 do CPC aos processos eletrônicos

A aplicação do prazo em dobro para contestar, recorrer e, de modo geral, falar nos autos quando os litisconsortes tiverem procuradores diferentes está prevista no art. 191 do CPC e visa possibilitar acesso e manuseio dos autos aos advogados, haja vista ser o prazo comum.

A utilização do processo judicial digital afastou a impossibilidade de diferentes advogados obterem vista simultânea dos autos. Assim, não mais subsiste a situação que justificava a previsão do prazo em dobro.

No entanto, a lei disciplinadora do processo eletrônico (Lei nº 11.419/2006) não alterou nem criou nenhuma exceção ao determinado no art. 191 do CPC, de forma que, ausente alteração legislativa acerca do tema, não há como deixar de se aplicar o dispositivo legal vigente, sob pena de se instaurar grave insegurança jurídica e ofender o princípio da legalidade.

Nesse sentido é a manifestação de Flávio Luiz Yarshell:

"(...)

Com a devida vênia, interpretação dessa natureza é equivocada e gera insegurança incompatível com o que legitimamente se espera do processo judicial. Regras sobre prazos são parte importante da disciplina da relação jurídica processual e, portanto, estão sujeitas ao princípio da legalidade. Se a lei que regulou o processo eletrônico nada estabeleceu a respeito, não é lícito ao intérprete presumir regra que restrinja de prerrogativa até então vigente. As normas processuais sobre prazos – de cuja falta de observância podem decorrer prejuízos relevantes para as partes, sem falar na responsabilidade funcional dos advogados – devem ser interpretadas à luz dos princípios constitucionais da segurança e da confiança legítima. Inteligência que simplesmente tenha por implicitamente derrogada a regra do art. 191 do CPC não se coaduna com tais postulados e, portanto, não se harmoniza com o conteúdo do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV)" (Processo eletrônico e prazos processuais: vigência plena da regra do art. 191 do CPC. Carta Forense de 2/4/2013).

Desse modo, apesar de se reconhecer que o disposto no art. 191 do CPC está em descompasso com o sistema do processo eletrônico, a alteração nas disposições aplicáveis a estes processos deve decorrer de mudança na lei processual civil, diante da observância do estrito princípio da legalidade, hipótese em que ficaria preservada a segurança jurídica do sistema como um todo, bem como a proteção da confiança.

Atento à necessidade de alteração legislativa, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) ressalva a aplicação do prazo em dobro no processo judicial digital:

"Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.

§ 1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles.

§ 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos " (grifou-se).

Contudo, enquanto não estiverem vigentes as novas disposições do CPC, não há como aplicar o entendimento firmado no acórdão recorrido.

3. Conclusão

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar a aplicação do prazo em dobro, na espécie, devendo os autos retornar à instância de origem a fim de que o juízo de primeiro grau julgue os embargos monitórios opostos como entender de direito.

É o voto.


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