Por Redação - 18/09/2015
A Primeira Turma de Recursos da Capital (SC) negou provimento à Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público estadual a fim de reformar sentença que absolveu acusado, ao qual foi imputada a prática de crime ambiental contra a fauna, por supostamente manter em cativeiro alguns espécimes de pássaros silvestres.
No caso em tela, além de não haver comprovação da autoria delitiva, não houve também prova de materialidade, uma vez que os crimes contra a fauna deixam vestígios, sendo indispensável a realização de exame pericial. Cumpre salientar que a prova técnica seria necessária para averiguar se as espécimes apreendidas efetivamente pertencem à fauna silvestre, não podendo esta ser suprida pela prova indireta/testemunhal.
Confira abaixo o Acórdão completo:
Apelação Criminal n. 2013.100376-0, de São José
Relator: Alexandre Morais da Rosa
Apelante: Ministério Público de Santa Catarina
Apelado: M.A.V.
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APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. CRIME CONTRA A FAUNA. NÃO COMPROVADA AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO IMPROVIDO
Inicialmente, necessário consignar que com relação à validade dos elementos colhidos na fase indiciária, diante de suas peculiaridades (sem garantia da Jurisdição, do Contraditório, da Ampla Defesa, da Motivação dos Atos), cabe distinção: a) em relação às provas periciais o contraditório será diferido, a saber, no decorrer da instrução processual as partes poderão impugnar os laudos, pareceres, perícias, inclusive requerendo esclarecimentos e sua renovação; b) no tocante aos depoimentos testemunhais a renovação é obrigatória. Cuida-se de mero ato de investigação, sem que o indiciado tenha participado da produção das informações, nem mesmo controlada pelo Estado Juiz. A validade, portanto, é somente para análise da justa causa e cautelares pré-jogo, como explica Lopes Jr: “O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa Constituição, bem como o art. 8o da CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação.
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Vista, relatada e discutida a presente Apelação Criminal n. 2013.100376-0, de São José, interposta pelo Ministério Público de Santa Catarina em face de M.A.V..
ACORDAM, em Primeira Turma de Recursos Cíveis e Criminais, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
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Voto
1 – Trato de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público contra Sentença (fls. 37-41) que absolveu o acusado do crime previsto no art. 29, §1º, inciso III da Lei 9.605/98. Segundo consta do recurso, a decisão a quo proferida merece ser reformada, porquanto as provas carreadas dão conta da prática do crime descrito na denúncia. Nesse sentido, a materialidade delitiva estaria comprovada, consoante Termo Circunstanciado, Auto de Infração Ambiental. Do mesmo modo, a autoria se encontraria delineada a partir dos depoimentos prestados pelos policiais em juízo (fls. 25-26), bem como em suposta declaração dada pela esposa do acusado, a qual teria afirmado que os pássaros apreendidos eram de sua propriedade.
2 – Inicialmente, necessário consignar que com relação à validade dos elementos colhidos na fase indiciária, diante de suas peculiaridades (sem garantia da Jurisdição, do Contraditório, da Ampla Defesa, da Motivação dos Atos), cabe distinção: a) em relação às provas periciais o contraditório será diferido, a saber, no decorrer da instrução processual as partes poderão impugnar os laudos, pareceres, perícias, inclusive requerendo esclarecimentos e sua renovação; b) no tocante aos depoimentos testemunhais a renovação é obrigatória. Cuida-se de mero ato de investigação[1], sem que o indiciado tenha participado da produção das informações, nem mesmo controlada pelo Estado Juiz. A validade, portanto, é somente para análise da justa causa e cautelares pré-jogo, como explica Lopes Jr: “O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa Constituição, bem como o art. 8o da CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação.”[2].
3 – No caso dos autos, como bem demonstrado na Sentença, conquanto os pássaros tenham sido encontrados na residência do acusado, não há provas de que sejam de sua propriedade. Conforme já frisado, para que declarações proferidas na fase investigatória possam ter validade como meio de prova a ser valorada na formação do convencimento, devem, necessariamente, serem repetidas em juízo. Ocorre que, não obstante tenha sido mencionado suposta confirmação pela esposa do acusado de que os pássaros a ele pertenceriam, tal depoimento não foi reproduzido em juízo, motivo pelo qual não deve ser considerado. Ainda, em depoimento prestado pelo Policial E.C.F., é afirmado “que o acusado não se encontrava em casa, porém a esposa dele confirmou que os pássaros eram do acusado , que posteriormente foi corroborado pelo acusado [...]” (grifou-se). Todavia, o acusado não foi interrogado em juízo, de modo que a suposta confissão relatada pelos policiais não possui validade como forma de provar a autoria delitiva.
4 - Anote-se, ademais, que nos crimes que deixam vestígios, como é o caso dos crimes contra a fauna, é indispensável a realização de exame pericial como forma de comprovar a materialidade do delito. Ausente, não pode ser suprida por prova indireta (STJ, HC 131.655)[3]. Neste sentido, manifesta-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CRIMINAL. AMBIENTAL. CRIME CONTRA A FAUNA. MANTER EM CATIVEIRO ESPÉCIME DE FAUNA SILVESTRE (ARTIGO 29, § 1º, INCISO III, DA LEI Nº 9.605/98). Imprescindível o laudo pericial para a comprovação da materialidade do delito ambiental, diante da necessidade de definição das espécies a que pertencem os pássaros apreendidos em poder do réu. Ausência de materialidade que conduz à absolvição. RECURSO PROVIDO. (TJ-RS - RC: 71003828183 RS , Relator: Fabio Vieira Heerdt, Data de Julgamento: 06/08/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/08/2012)
No presente caso, contudo, não há laudo pericial que comprove que, de fato, as espécimes apreendidas pertencem à fauna silvestre, não sendo possível ser atestado por meio de Termo Circunstanciado ou mesmo Auto de Infração Ambiental.
5 – Ante o exposto, devido a ausência de comprovação seja da autoria ou da materialidade delitiva, a manutenção da Sentença absolvição do acusado é medida que se impõe.
DECISÃO
A Turma, por unanimidade, decidiu conhecer da Apelação Criminal e, no mérito, negar provimento.
Capital, 01 de Agosto de 2013.
Alexandre Morais da Rosa
Relator
[1] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e a sua Conformidade Constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 331-332.
[2] op cit. p. 333.
[3] ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 212.
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