Mantida a condenação de padrasto que torturava enteada de apenas 03 anos

17/12/2015

Por Redação - 17/12/2015

Em Itapema, um delito causou profunda indignação e revolta diante da prática de tortura pelo padrasto contra a enteada de apenas 03 anos. O próprio réu filmou a conduta e divulgou as gravações por achar “engraçado” o susto e o temor que provocava na menina.

As práticas de tortura ocorriam quando a mãe da criança saía e a deixava sob os cuidados do até então namorado. Ele submetia a menina a castigos, tais como “dormir em pé”, em virtude de situações normais para a sua idade, como fazer necessidades biológicas na calça, por exemplo. Também jogava água no rosto da menina para acordá-la.

O juízo de primeira instância o condenou pela prática de tortura. Em recurso interposto pelo acusado almejando a desclassificação para o crime de maus tratos e redução de pena, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça manteve a condenação pelo delito de tortura, ante o intenso sofrimento psicológico causado à infante. Assim, o órgão colegiado deu provimento parcial ao recurso para reduzir a pena pela confissão parcial espontânea, além de aplicar a fração mínima no que tange à causa de aumento de pena relacionada à prática de crime contra criança.

Leia abaixo a íntegra do acórdão.


Apelação Criminal n. 2015.017342-6, de Itapema

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA PRATICADA CONTRA ENTEADA (LEI 9.455/97, ART. 1º, INC. II, C/C SEU § 4º, INC. II). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

1. PRELIMINARES. 1.1. JUÍZO DEPRECADO. TESTEMUNHA REFERIDA. CONCORDÂNCIA DO DEFENSOR (CPP, ART. 565). 1.2. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL. DISCRICIONARIEDADE (CPP, ARTS. 184 E 400, § 1º). 1.3. FALTA DE INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA. 1.4. INVERSÃO DA COLETA DA PROVA ORAL. CARTA PRECATÓRIA. 2. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. RELATO DA MÃE DA VÍTIMA E DA PSICÓLOGA QUE ATENDEU A CRIANÇA. CD CONTENDO FILMAGEM DOS ATOS. 3. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE MAUS-TRATOS (CP, ART. 136). INTENSO SOFRIMENTO PSICOLÓGICO. 4. CONFISSÃO PARCIAL. REDUÇÃO DA REPRIMENDA. 5. CAUSA DE AUMENTO. CRIME PRATICADO CONTRA CRIANÇA. FRAÇÃO MÍNIMA.

1.1. É permitido ao juízo deprecado determinar que testemunha referida seja ouvida na mesma audiência, sem necessidade da expedição de nova carta precatória para tal fim, ainda mais quando houve a concordância da defesa durante o ato (CPP, art. 565).

1.2. Cabe ao magistrado, destinatário da prova, indeferir a produção da que considere irrelevante, impertinente ou protelatória, notadamente de perícia não necessária ao esclarecimento da verdade (CPP, arts. 184 e 400, § 1º).

1.3. É correta a decretação da ausência, a justificar a inexistência de interrogatório do acusado na fase judicial se, mesmo intimados, este e seus defensores não compareceram à audiência de instrução e julgamento.

1.4. Não há nulidade na inversão da ordem da oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa caso os depoimentos daquelas tenham sido colhidos mediante carta precatória, pois sua expedição não suspende o trâmite da instrução.

2. Os relatos da mãe da infante e da psicóloga que atendeu a criança, de que o padrasto jogava água no rosto da vítima para acordá-la, além de submetê-la a castigos por situações corriqueiras para sua idade, como fazer xixi e cocô na calça (quiçá ante o que lhe impunha), autorizam a manutenção do decreto condenatório.

3. É inviável a desclassificação do crime de tortura para o de maus-tratos quando evidenciado o intenso sofrimento causado na vítima.

4. Faz jus à atenuante da confissão espontânea o agente que admite a prática delitiva, ainda que parcialmente, se a declaração é utilizada para fundamentar a condenação.

5. O simples fato de o crime ter sido cometido contra criança de 3 anos não autoriza a aplicação do quantum máximo da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, inc. II, da Lei 9.455/97, devendo-se levar em conta, também, outros fatores, como a inexistência de agressões físicas e o fato de a idade da vítima ser inerente à causa de aumento.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. REDUÇÃO DA PENA, DE OFÍCIO.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2015.017342-6, da comarca de Itapema (Vara Criminal), em que é apelante D. B. V. C. e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

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A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso, dar-lhe parcial provimento a fim de reconhecer a atenuante da confissão espontânea e, de ofício, aplicar na fração mínima a causa de aumento de pena do art. 1º, § 4º, inc. II, estabelecendo a reprimenda definitiva em 4 anos, 3 meses e 25 dias, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, por infração ao art. 1º, inc. II c/c seu § 4º, inc. II, ambos da Lei 9.455/97, em continuidade delitiva. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Desembargadores Volnei Celso Tomazini (Presidente) e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Odil José Cota.

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Florianópolis, 27 de outubro de 2015.

Sérgio Rizelo

RELATOR

RELATÓRIO

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Na Comarca de Itapema, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra D. B. V. C., imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 1º, inc. II, c/c seu § 4º, inc. II, da Lei 9.455/97, por sete vezes, e 217-A, c/c o 226, inc. II, do Código Penal, porque:

No mês de novembro de 2010, em horários que a instrução poderá determinar, nesta cidade, na casa em que o denunciado residia com sua companheira T. K. da C. A., e com a filha desta, Y. K. A. O. (de apenas três anos – fl. 08), aquele, valendo-se da sua condição de padrasto, da autoridade que exercia sobre Y. e da ausência de T., ao menos por sete vezes, submeteu a pequena Y. a intenso sofrimento mental, como forma de aplicar-lhe castigo pessoal, ao jogar água no rosto da menina enquanto ela dormia.

Y., em todas as oportunidades, acordava chorando intensamente e mostrava receio com a presença do denunciado (CD de fls. 07). Há notícias, ainda, de que o denunciado, valendo-se da ausência da mãe da pequena vítima, para castigá-la (na maioria das vezes, o motivo era apenas o fato de a menina fazer xixi nas calças), fazia com que Y. "dormisse" em pé ou permanecesse com o "nariz na parede".

Ainda, entre os meses de agosto e dezembro de 2010, em horário a ser apurado durante a instrução, no local supracitado, o denunciado, com o intuito de satisfazer lascívia e valendo-se da ausência de T., praticou com Y. atos libidinosos diversos da conjunção carnal, consistente em fazer com que ela, inocentemente, colocasse a mão em seu pênis e o masturbasse (fls. II-III).

Concluída a persecutio criminis, sobreveio a sentença das fls. 511-537, a qual julgou parcialmente procedente a exordial acusatória para:

1) absolver D. B. V. C. da imputação disposta no art. 217-A, c/c o 226, inc. II, do Código Penal; e

2) condenar D. B. V. C. à pena de 5 anos, 11 meses e 3 dias de reclusão, a ser adimplida em regime inicialmente semiaberto, por violação ao positivado no art. 1º, inc. II, c/c seu § 4º, inc. II, da Lei 9.455/97, por sete vezes, na forma do art. 71 do Código Penal.

Irresignado com o teor do decisum, D. B. V. C. interpôs o presente apelo, na forma do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal (fl. 540).

Nas razões do inconformismo, suscita, preliminarmente: a) a invalidade da nomeação de testemunhas pelo Juízo deprecado, pois excedeu os poderes delegados; b) a nulidade da decisão que indeferiu a elaboração de laudo psicológico por falta de fundamentação e por cerceamento de defesa; c) ilegalidade consistente na ausência de interrogatório e na decretação de sua ausência nos autos; e d) a inversão na ordem de coleta da prova oral, pois uma testemunha arrolada pela Acusação foi ouvida após as de Defesa.

No mérito, requer a desclassificação do crime de tortura para o de maus-tratos (CP, art. 136).

Subsidiariamente, postula o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (fls. 573-589).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 593-606).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Promotor de Justiça Convocado Andrey Cunha Amorim, opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 608-616).

Este é o relatório.

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VOTO

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Presentes os pressupostos de admissibilidade (fls. 539, 540 e 564), o recurso merece ser conhecido.

1. Preliminarmente

1.1. O Apelante D. B. V. C. alega que, ao inquirir duas testemunhas referidas, o Juízo deprecado extrapolou os poderes que lhe são concedidos no cumprimento da diligência, o que violaria os princípios do juiz natural e do devido processo legal.

Sem razão.

Colhe-se  do  termo  de  deliberação  da  audiência  realizada  em Londrina/PR:

Presentes somente em suas oitivas os Srs. L. C. de A. A. e M. A. K. A. [avô e avó da vítima], habilitados como assistente de acusação, mas ouvidos na qualidade de testemunhas do Juízo com a anuência do Ministério Público e da Douta Defesa. [...] A testemunha do Juízo L. C. de A. A. teve sua oitiva dispensada (fls. 324 e 324v).

Considerando que L. C. de A. A. não foi ouvido, inexiste prejuízo apto a invalidar o ato em relação a ele.

Quanto à oitiva da avó materna da Vítima, colhe-se da manifestação exarada pelo Excelentíssimo Promotor de Justiça Andrey Cunha Amorim como razão de decidir:

O princípio do Juiz Natural está previsto na Constituição Federal, no seu artigo 5º, incisos LIII, cujo comando determina que ninguém será processado ou sentenciado senão por autoridade competente. A competência natural, no entanto, pode ser delegada em algumas situações, visando a realização de determinados atos processuais. É o caso da carta precatória, por exemplo, através da qual ocorre a transferência de competência entre os juízos da mesma instância, visando a realização de determinado ato processual. O juízo deprecado, portanto, passa a ter competência delegada, podendo ouvir testemunhas além daquelas constantes expressamente da precatória, em busca da verdade real, a seu critério, como qualquer outro juiz, diga-se de passagem. Imagine-se se durante o depoimento de uma testemunha deprecada, esta mesma testemunha faz referência a uma outra. O juiz deprecado não pode ouvi-la como testemunha referida só porque não consta do rol da carta precatória- Por que- Qual o motivo da negativa- Não há razão plausível. Até porque o expediente utilizado pelo juízo deprecado encontrou consonância no princípio constitucional da celeridade processual (CF, art. 5º, LXXVIII). Seria ilógico devolver a carta precatória para se aguardar nova deprecata para oitiva de outra testemunha, na mesma Comarca (fl. 610).

Além disso, o Advogado constituído pelo Recorrente (Dr. Matheus Cury Sahão, fl. 160) estava presente no ato e, conforme se verifica do termo da audiência, concordou com a oitiva da avó materna da Ofendida.

Positiva o art. 565 do Código de Processo Penal que "Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse".

Nessa hipótese, incide o venire  contra  factum  proprium  (vedação ao comportamento contraditório), ou seja, a partir do momento em que a Defesa aquiesceu com a oitiva da informante, não pode impugná-la posteriormente. É um dos desdobramentos da boa-fé objetiva e da lealdade processual.

O Supremo Tribunal Federal orienta:

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. [...] 4. “No sistema das invalidades processuais [...] deve-se observar a necessária vedação ao comportamento contraditório, cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum proprium, em abono aos princípios da boa-fé e lealdade processuais” (HC nº 104.185/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 5/9/11). 5. Assim, “ninguém pode se opor a fato a que [tenha dado] causa; é esta a essência do brocardo latino nemo potest venire contra factum proprium” (ACO nº 652/PI, Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/10/14). 6. Habeas corpus extinto (HC 121285, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 11.11.14).

Extrai-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

[…] VIOLAÇÃO DA BOA FÉ OBJETIVA: PROIBIÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. ARTIGO 565 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...] 5. A relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva, da qual deriva o subprincípio da vedação do venire contra factum proprium (proibição de comportamentos contraditórios). Assim, diante de um tal comportamento sinuoso, não dado é reconhecer-se a nulidade. 6. Os ditames da boa-fé objetiva, especificamente, o tu quoque, encontra ressonância no artigo 565 do Código de Processo Penal, ao dispor que não cabe a arguição de nulidade pela própria parte que lhe deu causa ou que tenha concorrido para a sua existência. 7. Habeas corpus não conhecido (HC 318.858, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, j. 9.6.15).

Desta Corte:

[...] CERCEAMENTO DE DEFESA. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA SEM A PRESENÇA DOS ACUSADOS. CONCORDÂNCIA EXPRESSA DOS ADVOGADOS. VENIRE  CONTRA  FACTUM  PROPRIUM.  EIVA  NÃO  CARACTERIZADA.  WRIT CONHECIDO EM PARTE E ORDEM DENEGADA. (HC 2013.081247-4, Rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, j. 10.12.13).

Assim, afasta-se a preliminar.

1.2. O Recorrente também se insurge contra a decisão que indeferiu a elaboração de perícia.

O § 1º do art. 400 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de o Magistrado, destinatário da prova, "indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias", dispondo seu art. 184, que, "salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade".

E, como melhor se verá abaixo, os demais elementos do acervo probatório são capazes de demonstrar suficientemente a ocorrência do crime, agindo com acerto a Doutora Juíza de Direito ao negar a produção de novo exame psicológico.

Ressalta-se que o estudo apresentado no inquérito policial foi realizado por profissional devidamente habilitada no âmbito da psicologia e vinculada ao CREAS, unidade pública estatal ligada ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), segundo a Legislação de regência (Lei 12.435/11, art. 6º-C, § 3º), o que lhe confere oficialidade, em estrita observância ao art. 159 do Código de Processo Penal.

Dessarte, a decisão indeferitória é correta e está fundamentada, inexistindo cerceamento de defesa, pois "o cotejo das provas relevantes à elucidação da verdade real inclui-se na esfera de discricionariedade mitigada do juiz do processo, o qual, vislumbrando a existência de diligências lato sensu protelatórias, desnecessárias ou impertinentes aos autos, poderá indeferi-las mediante decisão fundamentada" (HC 282322, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 18.6.14).

Confira-se precedente desta Câmara:

Com relação à produção da prova no âmbito criminal, ao magistrado, condutor do processo, é conferida a faculdade de apreciar acerca da pertinência da prova ao deslinde da questão, conferindo-lhe a lei a faculdade de indeferir aquela que julgar meramente protelatórias ou desnecessária (CPP, art. 400, §1º), haja vista que, pela premissa legal "o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte" (CPP, art. 182), o próprio poderá negar a diligência requerida quando não for necessária ao esclarecimento da verdade (CPP, art. 184). (Ap. Crim. 2010.045372-1, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 29.3.11).

Em arremate, como bem lembrado pela Magistrada sentenciante, o Defensor não apontou "em que consistiria a necessidade e utilidade da realização da referida prova, apenas arguindo que a avaliação psicológica existente nos autos foi produzida na fase inquisitorial", e "não se justifica nova invasão na intimidade da ofendida, já submetida à avaliação psicossocial (fls. 12-22), [...] sob pena de gerar revitimização desaconselhável em casos como o presente, tendo em conta também a tenra idade da vítima" (fl. 514).

Por tudo isso, indefere-se a pretensão.

1.3. O Recorrente postula a decretação da nulidade do feito por ausência de seu interrogatório nas fases administrativa e judicial, agregando que o reconhecimento de sua ausência é ilegal.

Novamente razão não lhe assiste.

Em primeiro lugar, ao contrário do que afirma, o Apelante foi ouvido na fase extrajudicial às fls. 26-27.

E não foi interrogado em Juízo em face de sua ausência, que foi corretamente declarada.

Dispõe o art. 367 do Código de Processo Penal:

Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.

Com efeito, apesar de intimado pessoalmente em 18.11.11, o Recorrente não compareceu à audiência de instrução e julgamento realizada em 9.3.12 (fl. 215).

Da mesma forma, cientificados seus Procuradores via Diário de Justiça (fl. 205), não se fizeram presentes na solenidade, motivo pelo qual foi nomeado Defensor dativo para o ato (fl. 220).

Portanto, não existe irregularidade a ser sanada.

Este Tribunal já deliberou:

[...] PRELIMINAR. NULIDADE DO PROCESSO. SUPOSTA NÃO INTIMAÇÃO DO RÉU PARA COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. JUNTADA DE CARTA PRECATÓRIA APÓS O OFERECIMENTO DAS RAZÕES RECURSAIS. ACUSADO INTIMADO PESSOALMENTE. REVELIA CORRETAMENTE DECRETADA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. PREFACIAL RECHAÇADA. [...] (Ap. Crim. 2014.074858-1, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 19.3.15).

Igualmente:

[...] AVENTADA NULIDADE PROCESSUAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA - CONTINUAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO SEM A PRESENÇA DO ACUSADO, DE SEU DEFENSOR E DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - DENUNCIADO E CAUSÍDICO DEVIDAMENTE INTIMADOS PARA COMPARECER AO ATO EM AUDIÊNCIA ANTERIOR - DESÍDIA QUE NÃO JUSTIFICA A ALEGAÇÃO DE VÍCIO INSANÁVEL - INTELECÇÃO DO ART. 565 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL [...] (Ap. Crim. 2012.086198-6, Rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 11.4.13).

1.4. Por fim, o Apelante defende que é nula a inversão da ordem dos depoimentos porque T. K. da C. A., testemunha de acusação, foi ouvida após o serem as arroladas pela Defesa.

Preconiza o art. 222, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal:

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

§ 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.

§2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos.

No caso, houve a expedição de carta precatória a Londrina/PR para colher as declarações de sete "testemunhas", entre elas a genitora da Vítima, T. K. da C. A.

Ocorre que, após o envio da carta, o Ministério Público informou que a mãe da Vítima estava residindo em Curitiba/PR (fl. 255).

Por isso, enquanto as demais testemunhas foram ouvidas em Londrina/PR no dia 23.3.12 (fl. 255), o ato foi cumprido em Curitiba/PR apenas em 5.8.13 (fl. 402).

Logo, uma vez que a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal, além de a oitiva de T. ter ocorrido muito tempo depois do prazo para cumprimento do ato, não há qualquer nulidade na quebra da ordem do art. 400 do Código de Processo Penal.

Nesse norte:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ROUBO MAJORADO. INVERSÃO DA ORDEM PARA O INTERROGATÓRIO DO RÉU. INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS POR PRECATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. [...] 1. "Não há falar em mácula na realização do interrogatório dos acusados antes da oitiva de testemunhas de acusação, inquiridas por meio de carta precatória, pois este Superior Tribunal, em consonância com o disposto no art. 222, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, possui o entendimento de que a expedição de carta precatória não tem o condão de suspender o trâmite da ação penal." (R HC 44.385, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26/08/2014, DJe 09/09/2014). 2. Segundo a legislação penal em vigor, é imprescindível, quando se trata de alegação de nulidade de ato processual, a demonstração de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief , consagrado pelo legislador no art. 563 do CPP, verbis: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". [...] (AgRg no Resp 1547158, Relª. Minª Maria Thereza de Assis Moura, j. 3.9.15).

Também:

[...] INVERSÃO DA ORDEM DO INTERROGATÓRIO. INQUIRIÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. [...] 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que "na hipótese de oitiva de testemunha que se encontra fora da jurisdição processante, a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal, razão pela qual o togado singular poderá dar prosseguimento ao feito, em respeito ao princípio da celeridade processual, procedendo à oitiva das demais testemunhas, ao interrogatório do acusado e, inclusive, ao julgamento da causa, ainda que pendente a devolução da carta pelo juízo deprecado" (AgRg no RMS 33361/ES, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 11/09/2012, DJe 18/09/2012). Assim, estando o acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, incide a Súmula nº 83 desta Corte, aplicável por ambas as alíneas autorizadoras. [...] (AgRg no AREsp 608.184, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 25.8.15).

Esta Câmara assim também já deliberou:

[...] NULIDADE EM RAZÃO DA INVERSÃO DA OITIVA DE TESTEMUNHAS. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS COLHIDOS MEDIANTE CARTA PRECATÓRIA. EXCEÇÃO À ORDEM PREVISTA NO ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. [...] (Ap. Crim. 2014.037774-6, Rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 26.5.15).

Afastam-se, pois, todas as prefaciais.

2. Mérito

Apesar de não haver insurgência recursal quanto a esse ponto, importante destacar que a materialidade do crime é demonstrada com base no conteúdo do CD da fl. 7; no relatório informativo das fls. 17-22; e nos depoimentos colhidos durante a instrução.

Igualmente, a autoria é evidente.

O Recorrente D. B. V. C. não nega que arremessou água no rosto da Vítima enquanto ela dormia, mas disse que "foi uma brincadeira". Além do mais, confirma que aplicava alguns castigos à menina.

São as suas declarações diante da Excelentíssima Promotora de Justiça lotada em Londrina/PR (responsável pelas primeiras investigações):

indagado sobre um vídeo gravado pelo próprio declarante em que este último jogou diversas vezes um copo com água no rosto de Y. quando a mesma dormia, o declarante respondeu que tal fato realmente ocorreu no mês de novembro de 2010, acreditando que no dia 13 ou 14; que o declarante esclarece que ficava com Y. um fim de semana por mês, haja vista que T. fazia pós-graduação na cidade de Itajaí/SC, retornando no sábado a noite para pernoitar; [...] que indagado se o declarante aplicava castigos à pessoa de Y., o declarante responde que sim, e que tais castigos consistiam em deixá-la virada para a parede até que ela parasse de chorar; que indagado se o declarante sabe explicar por qual razão Y. teria indagado ao declarante se a colocaria para dormir em pé, o declarante respondeu que não sabe explicar, nunca tendo aplicado este tipo de castigo à mesma; que indagado por qual realizou este tipo de prática com Y., respondeu que não sabe explicar, tendo jogado água na primeira vez, tendo achado engraçado e repetido tal conduta outras vezes; que o declarante ressalta que todas as vezes que jogou água em Y., conforme aparece na gravação, ocorreram no mesmo dia; que indagado por qual razão o declarante esperava Y. dormir para então jogar água no rosto da mesma, o declarante tem a dizer que era justamente o ''sustinho'' que ela sofria que era o engraçado, entendendo hoje que tal fato foi uma ''bobeira''; que no mesmo dia em que tal fato ocorreu, o declarante contou para T., quando a mesma chegou de seu curso de pós-graduação, inclusive contou que tinha filmado, porém sem esclarecer o número de vezes e sem mostrar o vídeo, quando então T. não manifestou qualquer reação agressiva, apesar de não manifestar aprovação; que indagado por qual razão resolveu gravar o momento em que jogava água no rosto de Y., respondeu que decidiu gravar em razão de ter achado um fato engraçado [...] (retirado da sentença da fl. 515).

Por sua vez, colhe-se das declarações de T. K. da C. A., mãe da Ofendida, prestadas ao Ministério Público da Comarca de Londrina/PR:

eu procurei a Delegacia porque descobri que o meu ex-namorado maltratou a minha filha na minha ausência; que eu morei com ele durante 7 meses em Itapema/SC; que essas agressões ocorreram em Itapema; que eu tive conhecimento dessas agressões pelo chefe dele, que é casado com a prima dele, ele viu o vídeo na empresa, decidiu investigar porque no amigo secreto de final de ano, a pessoa que o havia tirado falou que ele ''maltratava crianças''; que o nome do chefe dele é D. E. A., dono da empresa V.; que ele ficou sabendo e a nossa relação com a família dele começou a ficar estranha; que no dia de natal a família dele nos ligou falando que não poderíamos passar o natal com eles, achei meio estranho mas acabamos indo à outro lugar; que no dia 26 o tio dele foi lá em casa várias vezes e ele não quis atendê-lo, pai da A., ''tio O.''; que a A. ligou no meu celular e ele falou que não era para eu atendê-la, até que eu consegui falar com ela escondida e ela pediu para eu ir até a casa dela; que ele tentou me proibir, mas como eu achei que estava tudo muito estranho, eu fui com a Y. na casa da A.; que eu falei com a A. na sacada, a mãe dela pegou a Y. para brincar enquanto eu falava com ela; que a A. me perguntou se eu confiava no D. e eu falei que sim, mas que em relação à Y. eu estava desconfiada de algumas coisas, como: toda vez que ele secava o cabelo dela ou trocava ela de roupa ela caía, mas que quando eu fazia essas coisas ela nunca caía; que ele dizia que ela dormia no colo dele, acabava desequilibrando e caía; que isso aconteceu umas 3 semanas antes de eu ver o vídeo; que eu tirei ela dos cuidados dele, pois como via que ele não conseguia segurá-la eu achei melhor eu fazer essas coisas; que de um tempo pra cá ela também já tinha dito que não queria mais que ele desse banho nela, que ele a trocasse de roupa; que ela tinha 3 anos, eu convivi com ele de junho a dezembro de 2010; que eu achei que ela queria a minha atenção; que ele ficava sozinho com ela um final de semana por mês, os dias que eu tinha pós; que eu contei essas coisas pra A. e ela me mostrou os vídeos chorando, falou que tinham descoberto essas coisas pela empresa; que eu só vi um dos vídeos porque não consegui ver os outros, são 7 vídeos, de oportunidades diferentes porque cada um tem uma toalha diferente e ele está sempre acordando ela com água no rosto; que ela me perguntou se eu sabia dessa situação e eu falei que uma vez que eu cheguei da pós eu percebi que quando eu cheguei em casa a Y. estava molhada, e eu perguntei pra ela e ela disse que o D. tinha jogado água nela, quando eu perguntei pro D. ele falou que fez uma brincadeira com a Y. jogando água nela e ela também jogou água nele; que eu falei pra isso não se repetir, pois era uma brincadeira estranha; que depois que eu vi o vídeo, vi que ela estava dormindo e ele acordando ela, eu fiquei muito abalada, não quis mais voltar pra casa, fiquei um pouco na casa da A. e depois liguei para a minha mãe falando que eu queria voltar pra Londrina; que eu já estava grávida dele de 7 meses; que nesse mesmo dia eu liguei pra ele e falei que não ía mais voltar pra casa, ele ficou bravo; que o tio O. tentou falar com ele várias vezes depois que eu vi o vídeo mas ele não quis falar com ele, ele só queria falar comigo em particular; que mesmo com um pouco de medo eu combinei de falar com ele no salão do prédio da A.; que eu perguntei como que ele filmou aquilo e ele me falou que tinha me contado que tinha jogado água no rosto da Y.; que eu falei que ele tinha me contado que jogou uma vez, não falou que ela estava dormindo nem que tinha filmado; que ele me falou que filmou porque tinha achado isso engraçado e queria ver pra rir depois; que eu fiquei depois esperando minha mãe vir me buscar para eu ir embora; que em 25/01/2011 eu fui encaminhada por vocês para o CREAS; que lá a Y. foi atendida, primeiramente fez uma entrevista comigo, perguntaram sobre o perfil dele e como ele era em casa; que ela foi atendida de uma a duas vezes por semana; que ela falou que ele batia nela na minha ausência, toda vez colocava ela de castigo e depois batia nela; [...] que depois que eu me afastei do D. percebi que ela está bem melhor, porque lá em Itapema ela caía muito, o que a psicóloga constatou que era por insegurança e por mais que ela abraçasse o D., ela tinha muito medo dele, todo dia na janta ela perguntava pra ele se ela dormiria em pé, e eu nunca descobri por que ela tinha esse medo; que eu não sei se aconteceu alguma coisa durante a noite; que ela tinha medo dele mas ele dizia que não porque senão ela não abraçaria e beijaria ele; que ela ia na escolinha no horário da tarde; que ele só ficava sozinho com ela quando eu ia para a pós, ou quando, por exemplo, eu ia no mercado, ele não queria ir e falava pra eu ir e deixar a Y. com ele, coisas rápidas; que sozinha com ele somente uma vez por mês, no sábado e domingo o dia inteiro; que ele aplicava castigos à ela; que toda vez que ela fazia xixi na calça, a gente tirava a fralda e as vezes ainda escapava xixi e ele colocava ela pra dormir com nariz na parede; que as nossas brigas eram praticamente por isso, porque ele era muito rígido, então quando eu ficava com ela eu não fazia castigo, não achava necessário, mas ele fazia um escândalo e para não brigarmos na frente dela eu cedia na maioria das vezes, porque assim eu perdia a autoridade de a gente brigar, mas ele nunca cedia, sempre dizia que a minha educação estava completamente errada; que quando nós namorávamos ele me dava muitas mordidas de ficar roxo mas era porque ele ''me amava''; que ele falava que como não era uma pessoa carinhosa, era a forma de ele demonstrar o sentimento dele, então em vez de beijinho ele dava um soco no braço e justificava que fazia isso porque tinha vontade de me esmagar; que teve só um dia que eu fiquei muito brava porque o soco doeu, já no final, quando eu não estava mais querendo ficar com ele a noite e eu fiquei vendo tv, até que ia passar um programa da Regina Casé e do Rodrigo Santoro que eu queria ver; que ele me chamou pra ir deitar com ele e como eu estava cansada porque tinha feito plantão eu fui; que eu brinquei com ele falando que ''ele tinha ganhado do Rodrigo Santoro'' e ele pegou e deu um murro na minha perna, até que eu voei pro lado; que ele ficou bem enciumado; que esse foi o dia que mais doeu; que eu já estava grávida, foi 10 dias antes do natal; que eu falei que não iria mais encostar nele e como não fomos passar o natal com a A., eu tive que fazer as pazes pra que não passássemos o natal em um clima chato; que esse dia foi a gota d'água; que por mais que ele fizesse umas brincadeiras idiotas ele nunca mudava; que por exemplo, tinha vezes que eu estava na cozinha fazendo comida e ele chegava e abaixava as minhas calças, eu achava que isso não era normal, ficava muito brava; que ele tinha umas brincadeiras muito estúpidas, mas sempre justificava, vinha e me abraçava e ia passando; que eu gostava bastante dele; [...] (retirado da sentença das fls. 516-518).

Na fase judicial, a mãe da Vítima, T. K. da C. A., repetiu o que tinha asseverado anteriormente:

ele não é pai da Y., começamos a namorar e alguns meses depois fomos morar juntos em Itapema com a Y.; que em dezembro eu fiquei sabendo dos vídeos, no dia do natal; que são 7 vídeos em que ele acordava a Y. jogando água no rosto dela; que eu fazia pós uma vez por mês, ia pra Itajaí e voltava só no final do dia; que em um desses dias da pós eu cheguei em casa, ela estava com a roupa molhada e eu perguntei pra ele o que tinha acontecido e ele falou que foi uma brincadeira de água, que ele jogou água nela e ela nele e depois passou; que íamos passar o natal com o primo dele que era dono da empresa em que ele trabalhava e no dia 24 eles desmarcaram, eu achei estranho mas o D. falou que não era nada; que no dia 25 o tio dele foi lá em casa, ele era bem amigo nosso, nos ajudou com a mudança, ele foi duas vezes lá em casa e ele não me deixou atender o interfone, nem falar com ele; que a tarde a prima dele me ligou e eu consegui atender, porque antes o D. ficava meio que me vigiando; que ela me chamou pra ir na casa dela e eu falei que ia; que o D. estava meio mau humorado e eu falei pra ele que ia na casa da prima dele; que eu peguei a Y. e fui na casa dela; que logo que eu cheguei lá, percebi que todos estavam com uma cara esquisita; que ela já pediu pra mãe dela ficar com a Y. para que nós conversássemos; que ela me perguntou se eu confiava no D. e eu falei que em relação à Y. eu confiava mais ou menos, que eu já estava desconfiada com algumas coisas mas nunca tinha pego ele fazendo nada; que por exemplo, ele ia secar o cabelo dela e ela caía, eu perguntava como ela tinha caído e ele falava que ela tinha dormido e por isso caiu, eu não entendia; que o nome da prima dele é A.; que eu falei que estava numa fase difícil, estávamos brigando muito; que ela falou pra eu sentar e me mostrou uns vídeos, até hoje eu não consegui ver todos, vi só os três primeiros no dia, eu tive náuseas; que na época a Y. tinha 3 anos; que eu via nos vídeos a Y. dormindo, ele colocava a câmera filmava ele jogando água no rosto dela e ela acordava meio que se afogando, desesperada e depois ele pegava ela no colo para acalmá-la e desligava a câmera, depois fazia de novo, tudo no mesmo dia; que hoje ela tem trauma de dormir a tarde; que tudo isso aconteceu no mesmo dia, quando eu estava na pós; que ele jogava um copo de água no rosto da menina; que ele fez isso porque achou divertido, engraçado, uma brincadeira; que a A. teve acesso aos vídeos porque eles trabalhavam numa empresa de automação e no amigo secreto da empresa a pessoa que tirou ele falou que ele tinha tirado uma pessoa que maltratava crianças, não sei se o D. mostrou os vídeos, não entendi direito; que a partir do amigo secreto o marido da A., o D., conseguiu pegar os vídeos, acho que ficava tudo numa rede dos computadores, conectado; que no dia do natal, quando eu vi o vídeo, eu não quis ir pra casa, fiquei na casa da A. e ele queria falar comigo, foi até lá na casa dela, eu desci no saguão e falei com ele e ele falou que fez porque achou engraçado, uma brincadeira, que não tinha feito por mal; que foi desesperador; que ele tinha o hábito de aplicar castigos, era muito rígido com a Y.; que era difícil porque não tínhamos diálogo, por mais que eu mostrasse um livro do Ivan Capelatto ele falava que o jeito dele educar era perfeito; que por exemplo ele fazia ela dormir com o nariz encostado na parede, não me lembro por quanto tempo; que o castigo era porque ela não guardava brinquedo, ou às vezes respondia; que eu percebi que ela reclamava que ela não gostava dele, que ele brigava muito com ela e tudo ela queria que eu fizesse, que eu contasse história pra ela dormir, não queria mais fazer as coisas com ele, tinha medo dele; [...] que a Y. nunca me falou nada sobre isso, não apresentou qualquer comportamento estranho, a única coisa que ela aparentava era estar insegura, com medo, eu dizia pra ele que ela tinha medo dele e ele falava que era respeito; que às vezes até na mesa, se ele olhasse torto pra ela ela já arregalava os olhos; [...] (retirado da sentença das fls. 518-520).

Deve ser destacado, ainda, o relatório psicológico elaborado por C.F.W., auxiliar de coordenação do CREAS III de Londrina/PR:

Trata-se de uma criança de apenas três anos, mas com boa fluência verbal. Os instrumentos técnicos utilizados incluíram: entrevistas individuais com a criança e com a genitora, observações, escuta, intervenções verbais e recursos lúdicos.

Durante os atendimentos, notou-se que a criança utilizava a palavra ''castigo'' para se referir a algumas condutas do padrasto: ''todo dia tinha castigo'' (sic), disse que o padrasto a deixava de castigo quando fazia ''xixi na calça'' (sic) e que a deixava de ''nariz na parede e da um tapa se eu chorava aqui na bunda'' (sic). A criança também verbalizou que o padrasto a deixava ''dormir em pé'' e, questionada sobre o motivo, disse ''ele era muito triste, ele fica bravo um pouquinho'' (sic), demonstrando que compreendia a dificuldade do padrasto e o quanto ele era autoritário e a intimidava.

Cabe ressaltar que, um dado significativo foi a manifestação sintomática e regressiva da enurese (''xixi na calça'') após os atendimentos da criança com este conteúdo, demonstrando grande sofrimento emocional.

Em alguns momentos, a criança demonstrou imaturidade e inocência na compreensão dos castigos infligidos pelo padrasto: ''quando ficava de castigo ele jogava água, eu ficava divertido, depois parou, eu depois troquei de roupa'' (sic).

O jogar água em seu rosto ocorria também durante o seu sono, ou seja, por diversas vezes a criança revelou que foi despertada pelo padrasto jogando água em seu rosto: ''dava muito susto e acordava'' (sic).

Considera-se que a criança em desenvolvimento atravessa vários estágios cognitivos. No estágio em que a criança se encontra, que denominamos de ''pré-operacional'', ela começa a usar a linguagem e, embora os processos de pensamento sejam cada dia mais sofisticados, ela não é capaz de raciocinar ou conceituar com a lógica adulta, por isso ela ainda usa seu próprio quadro de referência ao perceber o mundo e confiando na orientação de um adulto, para extrair significado e interpretação.

Durante o estágio, as crianças ainda são ingênuas e carentes de conhecimento e precisam confiar nos adultos para reunir informações sobre elas e sobre o mundo (Sanderson, 2005).

Podemos dizer, portanto, que Y. não tem total conhecimento sobre o que é apropriado ou não é, como o significado de ''jogar água'' era colocado como uma simples brincadeira, isso que foi sendo interpretado desta forma pela mesma. Os ''castigos'' (sic) aplicados à criança também eram interpretados pela mesma como se fosse algo correto, de sua total responsabilidade.

Essas atitudes provocaram algumas confusões no julgamento moral da criança que ainda encontrava-se em desenvolvimento, ora ela aceitava justificando ''eu ficava divertindo'' (sic), ora ela demonstrava sofrimento ''eu chorava! D. pára com isso, eu vou ficar molhada demais'' (sic). [...] (retirado da sentença das fls. 520-521).

Os depoimentos de A. A. V. A. (CD da fl. 225), D. E. A. (CD da fl. 225), C.F.W. (CD da fl. 340-B) e da avó materna da Ofendida (CD da fl. 340-B) corroboram os fatos já relatados.

Assim, considerando todas essas declarações, incluindo a confissão parcial do Recorrente, é plenamente comprovada a materialidade e a autoria delitivas.

2.1. Nas razões recursais, porém, o Apelante requer a desclassificação do seu agir ao consubstanciador do crime de maus-tratos (CP, art. 136).

A respeito do tipo penal de tortura, colhe-se do art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos. [...]

§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:

II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos.

A temática também possui assento no art. 5º, inc. III, da Constituição Federal ("ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante") e é objeto de Tratados Internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), incorporada ao ordenamento pátrio por força do Decreto 678/92.

A Resolução 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidades (datada de 10.12.84), mais conhecida como Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (ratificada pelo Brasil por força do Decreto 40/91), expressa que "o termo 'tortura' designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência" (art. 1º).

A mesma orientação emana da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (ratificada pelo Decreto 98.386/89), ao proclamar, em seu art. 2º, que "entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica".

De bom alvitre é consignar, também, que, com a criação do Tribunal Penal Internacional, a tortura foi erigida a crime de lesa-humanidade, a teor do art. 7º, alínea "f", do Estatuto de Roma, o que demonstra o absoluto repúdio à prática criminosa e a sua incompatibilidade com o Estado Democrático de Direito (CF, arts. 1º, caput, c/c o 4º, inc. II, e o 5º, inc. III).

Com  relação  à  chamada  "tortura  castigo",  Rogério  Sanches  Cunha ensina:

O inciso II pune a conduta daquele que submete alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (tortura castigo).

Esta forma criminosa, ao contrário da anterior, é própria, exigindo qualidade ou condição especial do agente, qual seja, a presença de uma prévia relação jurídica entre o torturador e a vítima. O sujeito ativo, aqui, se encontra na posição de garante (pela lei ou outra relação jurídica), somente podendo praticá-lo quem tem a guarda (de direito ou de fato), vigilância, poder (de direito público ou privado) ou autoridade sobre o torturado.

Igualmente, tem como sujeito passivo pessoa especial (pessoa que acha sob a guarda, de direito ou de fato, poder ou autoridade do torturador).

Além dos sujeitos, diferencia-se do incido anterior porque refere a intenso sofrimento físico ou mental. Esta expressão não pode ser desprezada, pois engloba a ideia de um sofrimento atroz, martirizante, insuportável, que, no caso concreto, desperta certa dificuldade de aferição.

O intenso sofrimento físico ou mental, aliás, é o que diferencia este tipo daquele insculpido no art. 136 do CP.

O que se visa com a prática dessa espécie de tortura é a submissão de alguém, pelo agente, a aplicação de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (finalidade especial). É crime, pois, submeter o preso a tratamento degradante como forma de punição arbitrária pelo delito praticado.

Essa espécie de tortura se consuma com a submissão da vítima a intenso sofrimento físico ou mental, mediante violência ou grave ameaça, atrelada às finalidades previstas no tipo penal em apreço, sendo possível a tentativa (delito plurissubsistente). (Tortura. In Legislação Criminal Especial. Col. Ciências Criminais . 2. ed. v. 6. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 1056).

Sobre o elemento subjetivo, Guilherme de Souza Nucci complementa:

É o dolo, possuindo elemento subjetivo do tipo específico, que é o de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Note-se que não se trata de submeter alguém a uma situação de mero maltrato, mas, sim, ir além disso, atingindo uma forma de ferir com prazer ou outro sentimento igualmente reles para o contexto. Não existe a forma culposa. (Leis penais e processuais penais comentadas. v. 2. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 686).

Em suma, o que caracteriza o crime de tortura, na modalidade do inc. II do art. 1º, é o intenso sofrimento da Vítima, causado mediante violência ou grave ameaça por alguém que a tenha sob sua autoridade. E é isso que diferencia o referido tipo do delito de maus-tratos, conforme se viu acima.

No caso, as condutas perpetradas pelo Recorrente não podem ser consideradas apenas como maus-tratos, porquanto os atos foram relevantes e causaram acentuado sofrimento e dor na criança Y., de apenas 3 anos de idade.

O depoimento da psicóloga C.F.W. é emblemático ao retratar o estado anímico da infante após seu afastamento do Acusado:

eu dei atendimento à vítima, à mãe da vítima, à avó e à tia A.; que foram 11 atendimentos com a criança, fiz estudos, relatórios; que ela continuou em atendimento, com 11 sessões nós podíamos ter avançado mais, mas eu saí do serviço e por outras situações não foi conclusivo; que já houve uma avaliação inicial sobre o caso; que trata-se de uma criança com apenas três anos de idade na data dos fatos, a fluência verbal tinha um pouco de dificuldade; que essa criança veio pro atendimento com uma suspeita de maus-tratos e o nosso serviço, o CREAS, atende esse tipo de situação e com esse intuito foi feito o atendimento da criança diante do ocorrido e do sofrimento emocional; que a criança colocou durante o atendimento várias situações que ela sofria de maus-tratos, como ele fazia ela dormir em pé, muitas vezes por ela fazer ''xixi nas calças''; que após o relato da violência que ela sofria ela chegou a ter enurese; que ele fazia ela ficar de castigo com o nariz na parede; que ela verbalizou que gostava do padrasto, por ser uma criança de três anos, a fragilidade pelo desenvolvimento dela, ela se pauta muito pelo que o adulto fala, para discernir o certo e o errado, a questão moral, ela seguia muito pela orientação do adulto; que ela chamava o padrasto de ''D.''; que ela relatou que ele jogava água no seu rosto, enquanto a mãe dela não estava em casa e dizia que era uma brincadeira; que ela falava que ora ela ficava ''divertindo''; que essa é a questão de se guiar pela orientação do adulto, como a situação era de brincadeira, então ela se guiava da seguinte forma, era uma brincadeira, ela ficava de ''divertindo'' e em outros momentos ela falava ''pára D., eu vou ficar molhada demais''; que nesse contexto de ''brincadeira'', havia o sofrimento, ela tentava estipular os limites; que o fato de ela fazer xixi e às vezes cocô na calça, trazia castigo, então ela tinha muito medo; que determinados momentos ele acordava ela para fazê-la dormir em pé, ou até a acordava jogando água em seu rosto; [...] que em relação aos maus-tratos, ela demonstrava sofrimento maior por causa disso, principalmente quando ele a castigava; que ela sentia culpa quando fazia xixi ou cocô na calça; que ela não relatou a mãe dela estar presente em nenhum desses castigos; [...] que a mãe não era conivente com o abuso, inicialmente ela estava bem fragilizada, até porque ela estava grávida do autor, então eu sentia que trazia muitos conflitos no sentido de ter responsabilidade sozinha sobre a criança; que no início eu senti que ela estava indignada e depois percebi que ela estava muito fragilizada; que ao mesmo tempo que ela pensava no que era certo, no sentido de denunciar, por outro lado sentia muita fragilidade até pelo afeto, ela gostava muito do autor, ela chorava, dizia que não acreditava que ele tinha feito isso; que até um certo ponto visualizava-se imaturidade e dependência em relação à ela e o agressor; que durante a entrevista ela contou algumas dificuldades no relacionamento, até a Y. contou; que ela relatou como perfil do agressor ser muito autoritário, ele que comandava a casa, ditava as regras, ordenava, colocava bilhetes; que ela acabava se submetendo às ordens dele; [...] que eu não quis assistir o vídeo, ela me disponibilizou, mas eu achei melhor tirar pelo relato da própria criança; que eu sou professora de psicologia comunitária e social e avaliação psicológica, atuo em duas faculdades, tenho mestrado em psicologia focado na área de violência sexual, tenho especialização em psicologia doméstica contra a criança e o adolescente, me formei na UEL, tenho um livro de prevenção à violência contra a criança e o adolescente, o primeiro é sobre a violência sexual e o segundo é sobre bulling; [...] que temos que ressaltar a diferença entre o atendimento clínico no consultório e o serviço especializado nesse tipo de violência; que é um trabalho psicosocial, não só eu como psicóloga tomo conhecimento do caso, mas também a assistente social e a equipe responsável pela região; que ela foi ouvida pela assistente social; que pra eu me basear na avaliação, são feitas entrevistas com a família, se a assistente social achar necessário, ela pode fazer uma visita, então usamos de várias formas para a avaliação; que ela relatou que a criança sentia medo, inclusive começou a perceber algumas coisas estranhas porque a criança caía demais, se desequilibrava facilmente e ela associou isso ao medo do padrasto que obrigava ela a agir de uma forma inadequada; que além do desenvolvimento da criança, havia uma cobrança além do que se espera pra essa idade; que outra coisa que ela ressaltou é que quando ela secava o cabelo dela a criança manifestava muito medo, e ela associou isso também ao medo do padrasto, agora não me lembro exatamente qual foi o relato, mas parece que ele também secava o cabelo dela, não lembro de que forma; que eu não tenho como concluir se o padrasto tinha esse comportamento com qualquer criança ou só com quem não seja filho dele, não avaliei isso; que a T. sentia medo dele, ela o sentia muito intimidador, ele a controlava muito, como para ir pra praia em Itapema, era difícil porque ela se sentia extremamente controlada, não podia sair tão sozinha, era sempre limitada, não se sentia completamente livre; que na época das avaliações eu trabalhava no CREAS III, serviço especializado na assistência social, está dentro do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome, Secretaria de Assistência Social, serviço que lida especificamente crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social e pessoal; que qualquer pessoa pode ter acesso ao nosso serviço; que não foi indicação, nós temos a ficha de notificação, qualquer pessoa pode preencher a ficha e depende da região que a pessoa reside para o técnico ir atendê-la; que a T. fez a triagem em 28/01/2011 e ela remeteu o fato à dezembro de 2010; que normalmente nós ouvimos o responsável legal, a mãe, e depois atendemos a criança; que eu senti desde o início que ela estava extremamente fragilizada, muito chorona; que no começo ela estava mais fragilizada pela situação da decepção do que aconteceu com o ex-companheiro, mas ela estava muito com a situação da justiça, ''mexeu com a minha filha, mexeu comigo''; [...] que a Y. começou a relatar esses fatos a partir da 4°, 5° sessão; que uma criança de três anos é guiada pelos seus responsáveis, porque ela ainda está construindo a sua ideia de mundo, de pessoas, se localizando na família; que se uma pessoa colocar uma ideia na cabeça de uma criança ela pode tomar essa ideia como verdade; [...] se fosse uma alienação parental, ela [criança] estaria carregada de emoções negativas em relação ao padrasto, é a primeira coisa da alienação parental, não houve porque ela sempre gostou e amou muito esse padrasto, o fato é da própria inocência dela de uma situação que ela verbaliza com clareza como alguém que vivenciou isso; [...] que é normal amar e ter medo do padrasto [...] então é uma pessoa que eu amava muito que fez alguma coisa que eu não tenho discernimento pra saber se é correto, o que não era correto que eu sei é que ele me agredia algumas vezes, me jogava água; que isso é muito comum e traz muita culpa pra criança, pois ela pode pensar que foi ela quem causou o estrago e a separação na família; que a reação de uma pessoa que sente medo, que tem extremo vínculo com ela, ela pode tentar agradar, demonstrar que não vai decepcionar, querer ser adequada pra ser aceita, ser amada; que a criança não teria que sentir necessariamente receio de voltar a conviver com ele um ano após ficar separada dele, pois ela ainda tem muito afeto por esse padrasto, em determinados momentos ela verbalizava sentir saudade, o que é normal sentir por quem é da família (retirado da sentença das fls. 523-526).

Também devem ser repetidos alguns trechos das declarações da genitora da Vítima em Juízo, a qual narra parte dos castigos aplicados pelo Recorrente:

são 7 vídeos em que ele acordava a Y. jogando água no rosto dela; que eu fazia pós uma vez por mês, ia pra Itajaí e voltava só no final do dia; que em um desses dias da pós eu cheguei em casa, ela estava com a roupa molhada e eu perguntei pra ele o que tinha acontecido e ele falou que foi uma brincadeira de água, que ele jogou água nela e ela nele e depois passou; [...] que ela [A.] me perguntou se eu confiava no D. e eu falei que em relação à Y. eu confiava mais ou menos, que eu já estava desconfiada com algumas coisas mas nunca tinha pego ele fazendo nada; que por exemplo, ele ia secar o cabelo dela e ela caía, eu perguntava como ela tinha caído e ele falava que ela tinha dormido e por isso caiu, eu não entendia; [...] que na época a Y. tinha 3 anos; que eu via nos vídeos a Y. dormindo, ele colocava a câmera filmava ele jogando água no rosto dela e ela acordava meio que se afogando, desesperada e depois ele pegava ela no colo para acalmá-la e desligava a câmera, depois fazia de novo, tudo no mesmo dia; que hoje ela tem trauma de dormir a tarde; que tudo isso aconteceu no mesmo dia, quando eu estava na pós; que ele jogava um copo de água no rosto da menina; que ele fez isso porque achou divertido, engraçado, uma brincadeira; [...] ele falou que fez porque achou engraçado, uma brincadeira, que não tinha feito por mal; que foi desesperador; que ele tinha o hábito de aplicar castigos, era muito rígido com a Y.; que era difícil porque não tínhamos diálogo, por mais que eu mostrasse um livro do Ivan Capelatto ele falava que o jeito dele educar era perfeito; que por exemplo ele fazia ela dormir com o nariz encostado na parede, não me lembro por quanto tempo; que o castigo era porque ela não guardava brinquedo, ou às vezes respondia; que eu percebi que ela reclamava que ela não gostava dele, que ele brigava muito com ela e tudo ela queria que eu fizesse, que eu contasse história pra ela dormir, não queria mais fazer as coisas com ele, tinha medo dele; [...] que a Y. nunca me falou nada sobre isso, não apresentou qualquer comportamento estranho,a única coisa que ela aparentava era estar insegura, com medo, eu dizia pra ele que ela tinha medo dele e ele falava que era respeito; que às vezes até na mesa, se ele olhasse torto pra ela ela já arregalava os olhos; [...] (retirado da sentença das fls. 518-520).

Ainda, a avó materna de Y. K. da C. A. contou algumas passagens que ouviu da própria menina sobre as atitudes do padrasto:

ela [T. e Y. com D.] se mudou em agosto de 2010 e logo no mês de setembro as coisas começaram a mudar, ela começou a me ligar chorando preocupada, falou que o D. tinha tomado todas as senhas dela das redes sociais, não deixava ela atender as amigas dela nem ir pra praia com a Y.; que eu a aconselhei à vir pra casa; que ela falou que queria tentar, que talvez fosse o gênio dele, então eu falei pra ela ir tentando e ver até onde isso poderia levar; que ela também se queixou porque o meu pai foi visitá-la em outubro, um casal de tios também foi visitá-la no mês de novembro, que era aniversário da T.; que os depoimentos que esses tios e o meu pai me passaram é que o D. era uma pessoa repressora, autoritária, que gostava de dominar a T. em todos os sentidos; que houve um fato que eu fiquei muito chocada, até que a T. me falou, que eles colocavam a Y. pra dormir as 9:30 e ela não podia sair do quarto, porque a Y. tinha o livre arbítrio pra sair do quarto a hora que ela quisesse, mas a fechadura era dessas redondas e para uma criança alcançar era difícil, e ela tinha dificuldade em movimentar essa fechadura; que a T. reclamou comigo e com o meu pai, e como meu pai estava lá na época ele comprou outra fechadura e perguntou se podia trocar, ela deixou e ele trocou; que quatro dias depois que o meu pai saiu de lá a T. me ligou falando que o D. ficou muito bravo, arrancou a fechadura e falou que ''nessa casa mando eu'', mesmo sabendo da dificuldade da Y. abrir a porta; que isso já me deixou muito preocupada, a minha preocupação era da Y., que possa sair e entrar do quarto quando ela quisesse; que depois disso, em dezembro, próximo do Natal, a T. me ligou desesperada, chorando muito, e falou que o D. tinha judiado da Y. e pediu para eu ir buscá-la; que isso foi pelas 9 horas da noite; que eu fui com meu marido e minhas duas filhas buscá-la; que quando chegamos em Itapema ela estava na casa de uma prima do D. e ela nos acolheu dizendo que a T. estava em segurança com ela, que ela não ia deixar ela voltar pra casa dela junto do D. e dali nós voltaríamos para Londrina; que eu aluguei um quarto de hotel, levei a T. comigo, agradeci a prima do D. e ela nos contou que ela ficou sabendo de uns vídeos que uns funcionários no dia do amigo oculto do escritório, a pessoa que o tirou falou que o D. judiava de crianças; que ela é dona do escritório e começou a questionar; que ela apertou o funcionário e ele falou que tinha um vídeo no sistema e todos os funcionários já tinham visto esse vídeo, mas como o D. é primo da dona da empresa eles ficaram constrangidos em contar pra ela; que essa prima viu esse vídeo, retirou a T. da casa dela para auxiliá-la, falou pra ela não voltar mais pra ele, avisou que ia despedir o D., pois mesmo sendo primo ela iria zelar pela empresa dela e não queria um funcionário assim; que ela despediu o D.; que a firma é dela e do marido D.; que eu retirei a T. e a Y., as levei para o hotel e a criança me perguntou se lá teria castigo, porque na casa dela tinha castigo, e eu falei que ali não teria castigo; que a Y. me perguntou se ela ia poder dormir deitada e eu falei que sim e perguntei porquê, e ela respondeu que o ''D.'' a fazia dormir em pé, então eu falei que não ia fazer isso e iria protegê-la; que eu fui pra Itapema no meu aniversário, preparei uma festinha lá e percebi que a Y. se assustava com a presença dele, abraçava ele, na verdade o D. foi cativando ela aos poucos; que desde a época que ele namorava a T. eu achava estranho, mas via que ele era uma pessoa diferente, que ele saía com a T. e levava a Y. pra passear junto, eu pensava que rapaz dessa idade fazia isso, mesmo conhecendo pouco a T.; que infelizmente a minha filha deixou o D. tomar cuidados de higiene, como quando fomos no Mac Donald's, a Y. queria ir ao banheiro e o D. já se apressava para levá-la; que ele foi tomando conta da Y. pra se aproximar sempre bastante dela; que o que a Y. demonstrava por ele era medo, ela se assustava com a presença dele, inclusive na hora do almoço ele colocava o prato da Y., e quando ela falava que não queria mais comer, ele olhava pra ela e ela já começava a comer apressada, e quando eu perguntava pra ela se ela ainda estava com fome ela falava que continuaria comendo; que foram coisas que eu não conseguia compreender, mas depois que eu tive acesso ao vídeo eu consegui entender o que estava acontecendo; [...] que a T. foi uma boa mãe pra Y., apesar de que quando ela estava em Itapema ela me ligava preocupada falando que o D. deixava ela cair muito facilmente no chão, ela já estava pressentindo alguma coisa; que ela só caía quando estava no colo dele; que ela tinha essa preocupação que alguma coisa estava errada na relação do D. com a Y.; [...] que a Y. demonstrava muito medo e respeito pelo D., mas mesmo assim o abraçava; [...] (retirado da sentença das fls. 527-529).

Percebe-se pelos depoimentos, portanto, que era comum o Apelante/padrasto aplicar castigos extremamente rígidos contra alguém de apenas 3 anos (dormir em pé, por exemplo), por situações corriqueiras para a idade dela, como fazer xixi ou cocô na calça.

Todos narram que, apesar de a Vítima gostar do Recorrente, tinha bastante medo dele e receio de quando ocorreria novamente o próximo castigo.

E o ápice de toda essa situação foram os vídeos contidos no CD da fl. 7, os quais demonstram, claramente, que, em sete oportunidades, enquanto a criança estava dormindo, o Recorrente a acordou jogando água diretamente contra o rosto dela. Consequentemente, ela despertava assustada, nervosa, algumas vezes sem ar, afogada, e chorando compulsivamente.

Em contrapartida, o Apelante, sem falar absolutamente nada, apenas limpava o rosto da menina e guardava a toalha. Não houve uma palavra para demonstrar o tom de brincadeira (caso isso pudesse ser chamado de brincadeira) ou algum consolo para acalmá-la. Nem sequer um sorriso teve! Simplesmente respondeu ao choro de sua enteada com indiferença.

O Apelante, até demonstrando uma certa frieza, disse, na fase extrajudicial, que "era justamente o 'sustinho' que ela sofria que era o engraçado" (fl. 27).

É evidente, portanto, a violência psicológica perpetrada pelo Recorrente contra a Vítima, sua enteada de apenas 3 anos de idade à época, de forma a feri-la "com prazer ou outro sentimento igualmente reles para o contexto" (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. v. 2. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 686).

Em hipóteses análogas, esta Corte também reconheceu a prática de tortura:

APELAÇÃO CRIMINAL - TORTURA NA MODALIDADE CASTIGO CONTRA CRIANÇA (LEI Nº 9.455/97, ART. 1º, II, § 3º, PRIMEIRA PARTE, C/C § 4º) E TORTURA POR OMISSÃO CONTRA CRIANÇA (LEI Nº 9.455/97, ART. 1º, § 2º C/C § 4º) - ALMEJADA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE MAUS-TRATOS OU ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AGRESSÕES COMETIDAS SEM QUALQUER MOTIVO APARENTE - PALAVRAS DAS VÍTIMAS CORROBORADAS PELO RESTANTE DA PROVA TESTEMUNHAL - ACUSADA MÃE BIOLÓGICA DAS VÍTIMAS - DEVER DE CUIDADO E PROTEÇÃO DECORRENTE DA LEI - POSSIBILIDADE DE EVITAR OS CRIMES DEMONSTRADA - RECURSO DESPROVIDO.[...] (Ap. Crim. 2015.002107-9, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 28.4.15).

Igualmente:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TORTURA (ART. 1º, II, C/C § 4º, INCISO II E ART. 1º, II, C/C § 3º § 4º, INCISO II, TODOS DA LEI N. 9.455/97, EM CONTINUIDADE DELITIVA). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. NEGATIVA DE AUTORIA PELOS RÉUS QUE NÃO ENCONTRA SUSTENTO NAS PROVAS DOS AUTOS. NARRATIVA DA VÍTIMA, CRIANÇA DE 4 ANOS DE IDADE, CONDIZENTE COM AS LESÕES POR ELA APRESENTADAS E COM O RELATO DAS DEMAIS TESTEMUNHAS OUVIDAS. PAI E MADRASTA QUE AGREDIRAM SEVERAMENTE A CRIANÇA, BEM COMO APLICARAM PUNIÇÕES, CAUSANDO INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO E PSICOLÓGICO, COMO FORMA DE CASTIGO PESSOAL. CONDUTAS CARACTERIZADORAS DO CRIME DE TORTURA CASTIGO. [...] (Ap. Crim. 2014.015165-4, Relª. Desª. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 27.11.14).

E deve ser desconstituído o argumento do Apelante, de que "não resta configurada, ao menos nos autos, de que a criança permutou com 'intensos sofrimentos', haja vista que a própria criança expôs à psicóloga que estava se divertindo" (fl. 633).

A especialista que atendeu a Ofendida é muito clara e didática ao descrever por que isso acontecia. Colaciona-se, novamente, parte de seu depoimento, sob o crivo do contraditório:

ela verbalizou que gostava do padrasto, por ser uma criança de três anos, a fragilidade pelo desenvolvimento dela, ela se pauta muito pelo que o adulto fala, para discernir o certo e o errado, a questão moral, ela seguia muito pela orientação do adulto; que ela chamava o padrasto de ''D.''; que ela relatou que ele jogava água no seu rosto, enquanto a mãe dela não estava em casa e dizia que era uma brincadeira; que ela falava que ora ela ficava ''divertindo''; que essa é a questão de se guiar pela orientação do adulto, como a situação era de brincadeira, então ela se guiava da seguinte forma, era uma brincadeira, ela ficava de ''divertindo'' e em outros momentos ela falava ''pára D., eu vou ficar molhada demais''; que nesse contexto de ''brincadeira'', havia o sofrimento, ela tentava estipular os limites; [...] que é normal amar e ter medo do padrasto [...], então é uma pessoa que eu amava muito que fez alguma coisa que eu não tenho discernimento pra saber se é correto, o que não era correto que eu sei é que ele me agredia algumas vezes, me jogava água; que isso é muito comum e traz muita culpa pra criança, pois ela pode pensar que foi ela quem causou o estrago e a separação na família; que a reação de uma pessoa que sente medo, que tem extremo vínculo com ela, ela pode tentar agradar, demonstrar que não vai decepcionar, querer ser adequada pra ser aceita, ser amada; que a criança não teria que sentir necessariamente receio de voltar a conviver com ele um ano após ficar separada dele, pois ela ainda tem muito afeto por esse padrasto, em determinados momentos ela verbalizava sentir saudade, o que é normal sentir por quem é da família (retirado da sentença das fls. 523-526).

Assim, não merece guarida o pleito de desclassificação.

3. Dosimetria da pena

Na primeira etapa, ao estabelecer a reprimenda do Recorrente, a Doutora Juíza de Direito justificou o aumento em 8 meses em sua pena-base nos seguintes termos:

A culpabilidade, entendida como grau de reprovabilidade da conduta é intensa, ante a tenra idade da vítima (3 anos de idade à época), porém por configurar a causa especial de aumento de pena, será considerada na terceira fase da dosimetria. O réu não registra antecedentes criminais (fls. 152/154). Não há elementos verificadores suficientes para se avaliar a respectiva conduta social e nem se tem laudo técnico a respeito de sua personalidade, o que, segundo a jurisprudência predominante no Tribunal de Justiça deste Estado impede sua valoração negativa. Os motivos eram banais e desproporcionais (enurese, desobediência). As circunstâncias pesam em desfavor do agente, eis que revelam grande crueldade, pois, a maior parte das ações foram cometidas enquanto a vítima dormia, o que revela extrema covardia, bem como indicam que agia o réu de forma consciente, fria e premeditada e não logo após a prática de um ato qualquer pela vítima. As consequências, embora graves, são inerentes ao tipo. A vítima, evidentemente, não contribuiu para a prática do crime.

A adoção do patamar de 1/6 para cada circunstância judicial, como limite para o aumento, afeiçoa-se adequada não só por se traduzir no entendimento reiterado desta Corte de Justiça, como também porque é o patamar mínimo estabelecido para majorar a sanção quando presente uma causa especial de aumento.

Na etapa intermediária, o Apelante busca o reconhecimento da atenuante pela confissão espontânea, argumentando que "em momento algum negou os fatos a ele imputados, tendo somente feito uma conotação discrepante no qual era intitulada sua conduta – ou seja, ele dispôs em depoimento que 'estava brincando' (fls. 26/27)" (fl. 630).

Nesse ponto, o recurso deve ser provido.

Verifica-se do seu interrogatório que, embora tenha dito que sua ação não passou de uma "brincadeira", sem qualquer conteúdo ofensivo, o Recorrente admitiu a aplicação dos castigos contra a enteada (como deixá-la de nariz virado contra a parede), além de atirar água no rosto da menina enquanto ela dormia.

Conforme recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, mesmo que a confissão tenha sido parcial, deve incidir a atenuante caso o Magistrado utilize essa declaração como fundamento para a condenação.

Veja-se:

3. "Para haver a incidência da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea 'd', do Código Penal, mostra-se irrelevante a forma que tenha sido manifestada a confissão, se integral ou parcial, notadamente quando o juiz a utiliza para fundamentar a condenação" (HC 270.093/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 06/11/2014; AgRg no Resp 1.392.005/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 18/06/2014; AgRg no Resp 1.442.277/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/09/2014; AgRg no Resp 1.338.485/SE, Rel. Ministra Marilza Maynard [Desembargadora convocada do TJ/SE], Sexta Turma, julgado em 07/08/2014) (HC 318.184, Rel. Min. Newton Trisotto, j. 26.5.15).

Inclusive, tal posicionamento originou a edição da Súmula 545, cujo enunciado preconiza: "quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal".

Esta Câmara Criminal já deliberou:

[...] CONFISSÃO PARCIAL UTILIZADA PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE QUE SE IMPÕE. PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES. PEDIDO DESPROVIDO. [...] (Ap. Crim. 2014.042372-0, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 4.8.15).

Também:

CONFISSÃO PARCIAL UTILIZADA PARA FUNDAMENTAR O ÉDITO CONDENATÓRIO - RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA ATENUANTE (CP, ART. 65, III, D) [...] (Ap. Crim. 2014.067411-4, rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 2.12.14).

Com efeito, a confissão parcial do Recorrente foi adotada como um dos fundamentos para sua condenação tanto na sentença quanto no presente julgamento.

Apenas como exemplo, cita-se, da sentença resistida:

O réu, quando ouvido pelo representante do Ministério Público da Comarca de Londrina, admite a prática dos atos que foram inclusive filmados pelo mesmo, alegando tê-los praticado sem intenção maldosa, apenas porque achou engraçado (fls. 26-27): [...] (fls. 514-515).

Por consequência, a pena deve ser reduzida em 1/6 (fração empregada por esta Corte em casos semelhantes) em razão da atenuante prevista no art. 65, inc. III, "d", do Código Penal, ficando estabelecida em 2 anos, 2 meses e 20 dias.

Na 3ª fase, presente a causa de aumento do art. 1º, § 4º, inc. II, da Lei 9.455/97, a Doutora Juíza de Direito considerou a "tenra idade da vítima" para exasperar a pena em seu grau máximo.

Nesse ponto é preciso fazer uma correção. O citado dispositivo está assim redigido:

§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:

[...] II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos.

Apesar de grave a conduta praticada contra uma criança de 3 anos, não se afigura razoável a majoração da pena no quantum máximo, devendo-se levar em conta também outros fatores, como a inexistência de agressões físicas, além do fato de a idade da Vítima ser inerente à causa de aumento.

Assim, empregada a fração de 1/6 (mínima), majora-se a pena para 2 anos, 7 meses e 3 dias.

Considerando que houve a prática de, pelo menos, sete infrações, deve ser mantido o patamar aplicado em 2/3 (máximo legal) pela continuidade delitiva, conforme decide esta Corte de Justiça:

de acordo com precedentes deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça, para o aumento da pena em razão da continuidade delitiva, dentro do intervalo de 1/6 a 2/3, previsto no art. 71 do Código Penal, deve-se adotar como critério a quantidade de infrações praticadas. Assim, aplica-se a fração de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5 para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações; e 2/3 para 7 ou mais infrações. In casu, verifica-se que a prova dá conta da prática de apenas dois crimes, sendo de rigor, portanto, a redução da fração de aumento pela continuidade delitiva para 1/6, devendo os efeitos serem estendidos ao corréu não apelante (Ap. Crim. 2011.018990-8, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 27.9.11).

E:

No caso de continuidade delitiva qualificada ou específica (CP, art. 71, parágrafo único), o aumento provocado na pena pela sua incidência deve observar às peculiariedades do caso concreto, atentando-se à gravidade, às consequências e ao número dos crimes praticados (Ap. Crim. 2012.081508-2, Rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 4.4.13).

Portanto, fica arbitrada definitivamente a reprimenda em 4 anos, 3 meses e 25 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto (CP, art. 33, § 2º, "b").

Considerando o quantum arbitrado, inviável a substituição da corporal por restritivas de direitos (CP, art. 44, inc. I), bem como a concessão de sursis (CP, art. 77, caput).

Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento do recurso, pelo seu parcial provimento para reconhecer a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, "d") e, de ofício, pela aplicação na fração mínima da causa de aumento de pena do art. 1º, § 4º, inc. II, estabelecendo definitivamente a reprimenda em 4 anos, 3 meses e 25 dias, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, por infração ao disposto no art. 1º, inc. II, c/c seu § 4º, inc. II, ambos da Lei 9.455/97, c/c o 71 do Código Penal.

Para os fins do disposto no § 5º do art. 87 do Regimento Interno desta Corte, nas Resoluções 44, 50 e 172 do Conselho Nacional de Justiça e no Provimento 29 da Corregedoria Nacional de Justiça, deve ser incluído, com fulcro no art. 1º, inc. I, "e", 7 da Lei Complementar 64/90, o nome do Acusado D. B. V. C. no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que Implique Inelegibilidade – CNCIAI.


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