Por Redação - 19/09/2015
Em recente julgamento do Recurso Especial n. 1.407.907/SC, o Superior Tribunal de Justiça analisou a colisão de princípios constitucionais referentes à Liberdade de Imprensa e à proteção à Honra Objetiva, neste caso entendida como a honra profissional, da pessoa jurídica.
Uma empresa jornalística detentora de publicação de ampla circulação estadual divulgou matéria em que consignou afirmações categóricas a respeito de empresa atuante no mercado de pescados quanto à prática, por parte desta, de “golpe internacional”, por ter enganado empresa norte-americana, enviando produtos estragados e diversos daqueles contratados (“empresa compra camarão e recebe lula”)
O STJ entendeu que a referida matéria excedeu a mera atividade informativa, uma vez que o jornal imputou à empresa-requerente conduta desleal no seu âmbito de atuação comercial. Além disso, não houve real preocupação com a veracidade das informações veiculadas. Ainda que não se imponha à imprensa rigoroso dever de veracidade, é-lhe exigível mínimo compromisso ético com a informação verossímil.
De acordo com a decisão proferida pelo TJSC,
a troca de mensagens entre os representantes das empresas revela que os fatos não se deram da forma como relatados na matéria jornalística, pois várias transações foram bem-sucedidas, com a remessa de produtos correspondentes aos pedidos, devidamente inspecionados por representante escolhido pela própria empresa F. De outro lado, o inquérito policial instaurado para apurar a prática de estelionato ou apropriação indébita, pela autora, foi arquivado após concluir-se pela inocorrência de aludidas infrações penais investigadas.
Assim sendo, a empresa jornalística foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais à pessoa jurídica requerente. O quantum indenizatório, fixado em R$ 50.000,00 devidamente corrigidos, foi mantido pelo STJ, pois o entendimento deste tem sido no sentido de que, não se tratando de quantia irrisória ou excessiva, o valor deva ser preservado.
Vale a leitura da íntegra da decisão colacionada abaixo, de Relatoria do Min. Marco Buzzi.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.407.907 - SC (2013/0327526-0)
Recorrente: Z.H.E.J. S/A
Recorrido: S.I.C.P. Ltda. - Massa Falida
Interes. F.C.I.I.E.
Interes. D.C.
Interes. L.L.F.
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RELATÓRIOO EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por Z.H.E.J. S/A, com fulcro no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Na origem, S.I.C.P. Ltda. ajuizou ação condenatória em face da ora recorrente e de F.C.I.I.E. e L.L.F..
Em sua inicial, arguiu a recorrida ter firmado com a pessoa jurídica F. um contrato para "a produção de lagosta inteira, caudas de lagosta, camarão rosa da parte norte do Brasil, camarão da parte sul do Brasil", e, ainda, que além do fornecimento normal das mercadorias já mencionadas, foram enviados pescados constituídos por lula e polvo, porquanto expressamente solicitados pela contratante ré (F.). Outrossim, afirmou que todas as mercadorias enviadas atenderam rigorosamente aos padrões de qualidade exigidos pelo mercado internacional, notadamente o norte-americano, conforme atestam os certificados de qualidade dos produtos, emitidos à época das remessas, dentre os quais aquele que fora passado e firmado pelo Inspetor de Qualidade da própria empresa requerida. Contudo, não obstante tenha procedido à correta e adequada entrega dos produtos conforme os pedidos da empresa F.C.I.I.E., essa, por meio de seu diretor presidente e representante legal, passou a divulgar publicamente, de forma irresponsável e leviana, falsas afirmações no sentido de difamar a empresa autora, que, apoiadas pelo órgão de imprensa escrita que figura como litisconsorte passivo nesta ação, culminou em prejuízos à demandante, notadamente em razão de duas matérias publicadas no D.C., nas quais se menciona a existência de 'golpe internacional', atribuindo à autora a conduta de ter enganado as contratantes norte-americanas.
Nesse sentido, asseverou que a chamada da matéria com a expressão 'Golpe Internacional' e 'Empresa compra camarão e recebe lula' é forte e taxativa, sendo extremamente prejudicial à imagem da empresa autora, mormente porque, segundo alegara, tais fatos não corresponderiam à realidade. Destacou, ainda, a negligência do órgão de imprensa demandado por não ter se preocupado em saber da realidade dos fatos.
Pediu, ao final, a procedência do pedido formulado na demanda, a fim de que as rés fossem condenadas ao pagamento da indenização pleiteada, em quantia a ser arbitrado pelo julgador.
Houve desistência da ação em relação à ré L.L.F..
Devidamente citadas as demais requeridas, apenas Z.H.E.J. S/A ofereceu contestação, em que arguiu, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido e inépcia da petição inicial. No mérito, aduziu a inexistência de difamação ou injúria, pois "os escritos impugnados foram informados unicamente pelo animus narrandi, sem qualquer intenção ofensiva à honra do postulante".
O magistrado singular julgou procedente o pedido e, de conseguinte, condenou F.C.I.I.E. e Z.H.E.J. S/A, solidariamente, ao pagamento de indenização pelos danos extrapatrimoniais experimentos, essa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), "a sofrer atualização monetária desde o arbitramento (Súmula 362 do STJ) e juros de mora a partir da veiculação da reportagem jornalística ofensiva à honra e à imagem da autora (10.12.1992), nos termos da Súmula 54 do STJ."
Inconformada, a ré Z.H.E.J. S/A interpôs recurso de apelação, ao qual o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou provimento, em acórdão assim ementado:
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSA À IMAGEM, MEDIANTE MATÉRIA JORNALÍSTICA CALUNIOSA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA EMPRESA RESPONSÁVEL PELO JORNAL. NEGLIGÊNCIA DA RÉ AO CONFERIR A VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES OBJETO DA REPORTAGEM OFENSIVA. DANO MORAL CARACTERIZADO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA VERBA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
Ultrapassa o direito constitucional de informar a empresa jornalística que publica reportagem ofensiva à honra e à imagem de outrem, sem o apoio de, pelo menos, indícios fortes de verdade a respeito das graves acusações nela contidas.
O valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, a um só tempo, de lenitivo para a dor psíquica experimentada pelo lesado, e de pedagogia, com carga de séria reprimenda para evitar que o ofensor reincida. (fl. 704, e-STJ)
Contra o referido acórdão, a empresa jornalística ré interpôs recurso especial, em cujas razões alega, além de dissídio pretoriano, a existência de violação aos artigos 186 e 188, inciso I, ambos do Código Civil, bem assim ao 5º, incisos IV e XIV, e 220 da Constituição Federal.
Sustenta, em síntese, inexistir ato ilícito na hipótese dos autos, ao argumento de que as matérias jornalísticas objeto de impugnação consubstanciaram exercício regular de um direito (liberdade de imprensa), pois "se limitam a trazer informações acerca de desentendimento contratual havido entre as empresas autora e primeira ré - F.C.I.I.E.." Outrossim, argui que veiculou as citadas publicações baseada nas informações repassadas pela empresa F., as quais foram objeto de inquérito policial e ação judicial havida entre essa e a empresa autora. Conclui, em suma: "não há falar em ato ilícito por parte da ora apelante que se limitou a narrar os fatos, de interesse público, eis que envolvia negociação comercial internacional de extremo relevo para o nosso Estado. As versões de todos os envolvidos nos fatos foram devidamente publicadas. Os fatos noticiados eram verdadeiros, ou seja, a discussão do contrato firmado entre a empresa autora e a primeira ré existia, tanto que foi objeto de inquérito policial e processos judiciais" (fl. 731, e-STJ). Subsidiariamente, pugna pela redução do quantum indenizatório.
Contrarrazões às fls. 843-850, e-STJ.
Admitido o processamento do recurso (fls. 859-860, e-STJ), ascenderam os autos a esta Corte.
Encaminhado o feito ao Ministério Público Federal, esse, por intermédio de seu representante, opinou pelo não provimento do recurso (parecer às fls. 918-924, e-STJ).
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.407.907 - SC (2013/0327526-0)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL (ART. 105, INC. III, "a" e "c", CF/88) - AÇÃO CONDENATÓRIA - MATÉRIA JORNALÍSTICA - COLISÃO ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E A PROTEÇÃO À HONRA OBJETIVA DE PESSOA JURÍDICA - TUTELA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO VEICULADO NA DEMANDA, RECONHECENDO A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR, AO REPUTAR CARACTERIZADA A NEGLIGÊNCIA DO ÓRGÃO DE IMPRENSA AO NÃO CONFERIR A VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES OBJETO DA REPORTAGEM OFENSIVA.
INSURGÊNCIA RECURSAL DA EMPRESA JORNALÍSTICA.
1. No tocante à alegada ofensa aos artigos da Constituição Federal, tem-se por inviável a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais, nesta via recursal, o que implicaria a usurpação de competência atribuída ao eg. Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102).
2. A partir de uma interpretação sistemática e sob a perspectiva do princípio da unidade da Constituição, infere-se que a liberdade de informação jornalística não detém caráter absoluto, de modo a ser mitigada nas hipóteses previstas no artigo 5º e incisos ali enumerados, isto é, em se tratando de direitos e garantias relacionadas aos direitos de personalidade.
Especificamente quanto à pessoa jurídica, a extensão de tais direitos de personalidade e sua respectiva tutela/proteção encontra-se prevista no artigo 52 do Código Civil, ao assim dispor: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
3. Não se olvida da impossibilidade de se impor à imprensa um rígido dever de veracidade, pois é apenas exigível um compromisso ético com a informação verossímil, consoante já decidiu esse Colegiado (Cf. REsp 680.794/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/06/2010, DJe 29/06/2010; REsp 1294474/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe 12/02/2014).
Todavia, no caso em tela, ainda que incontroversa a existência de demanda judicial na qual se discutia suposto inadimplemento contratual, bem assim que os fatos relatados foram objeto de inquérito policial, a forma/o modo com que se narraram as informações, consignando afirmações categóricas quanto à prática de golpe internacional no mercado de pescados e, ainda, ao expor, impositivamente, que a importadora norte-americana fora enganada, tendo recebido produtos estragados, diversos daqueles solicitados ("empresa compra camarão e recebe lula"), revelam ter a empresa jornalística ultrapassado o mero animus narrandi.
Portanto, inegável que a matéria jornalística, ao atribuir à autora conduta desonrosa, maculou sua imagem, um dos principais direitos da personalidade reconhecidos às pessoas jurídicas e, vale afirmar, bem de valor inestimável no âmbito comercial (honra profissional). Efetivamente, em não tendo a recorrente se limitado a noticiar eventual desentendimento entre as empresas contratantes, tecendo comentários ofensivos à imagem da autora, inafastável o dever de indenizar/compensar os danos extrapatrimoniais daí advindos.
4. No que tange ao quantum indenizatório, aplicável o óbice da súmula 7/STJ, mormente quando evidenciado que o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico das partes, com razoabilidade, bom senso e com atendimento às peculiaridades do caso.
5. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
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VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): O presente recurso não merece prosperar, pois a matéria veiculada no periódico editado pela ora recorrente excedeu a mera atividade informativa, imputando à ora recorrida conduta desleal no seu âmbito de atuação comercial - mercado de pescados.
1. De início, não se conhece das alegadas violações aos dispositivos constitucionais apontados como malferidos, sob pena de usurpação da competência reserva ao Supremo Tribunal Federal, consoante estabelecido no artigo 102 da Carta Magna.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. BRASIL TELECOM. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. OFENSA. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO. CRITÉRIO ESTABELECIDO NO TÍTULO EXECUTIVO TRANSITADO EM JULGADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. No tocante à alegada ofensa aos artigos da Constituição Federal, tem-se por inviável a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais, nesta via recursal, o que implicaria a usurpação de competência constitucionalmente atribuída ao eg. Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102).
2. Transitada em julgado a decisão condenatória, não é mais possível a alteração dos critérios de conversão das ações a serem indenizadas, sob pena de ofensa ao instituto da coisa julgada. Precedentes.
3. A modificação dos parâmetros fixados pelas instâncias ordinárias para apuração do montante devido, expressamente definidos no título judicial executivo transitado em julgado, não é possível nesta fase processual.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 589.444/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 20/04/2015)
A despeito de não caber a esta Corte a análise minudente acerca de eventuais violações a preceitos constitucionais, principalmente ante o fato de ter a parte interposto o competente recurso extraordinário a ser oportunamente analisado pela Suprema Corte (o apelo foi inadmitido, tendo sido manejado o respectivo agravo), é certo que em razão de o direito à indenização decorrente de publicação de matéria jornalística fundar-se, principiologicamente, nas restrições à liberdade de imprensa, é imprescindível tecer considerações acerca do direito à informação.
De fato, admitido o recurso especial, deve-se aplicar o direito à espécie, providência que reclama, sobretudo em demandas como a dos autos, o enfrentamento de temas de cunho constitucional, a fim de se acolher ou rejeitar a violação do direito infraconstitucional invocado ou para conferir à lei a interpretação que melhor se ajusta à Carta Magna.
2. Feitos esses esclarecimentos iniciais, procede-se à delimitação da controvérsia instaurada por meio do presente apelo extremo, qual seja: a configuração de danos extrapatrimoniais pela veiculação de matéria jornalística em órgão de comunicação de circulação estadual, notadamente no texto cuja chamada utiliza a expressão "golpe internacional", afirmando ter a pessoa jurídica autora enganado as importadoras norte-americanas, ao remeter produtos diversos e em qualidade inferior àqueles contratados.
Em defesa, a ora recorrente sustenta a inexistência de ato ilícito, ao argumento de que teria se baseado em informações repassadas pela empresa F. - contratante norte-americana -, bem assim que as matérias jornalísticas publicadas nos dias 10 e 11 de dezembro de 1992 limitaram-se a apresentar os motivos de desentendimento contratual havido entre as partes, fatos, aliás, em discussão na esfera judicial e também objeto de inquérito policial.
À solução da aludida controvérsia, faz-se necessário, de início, colacionar excertos da matéria jornalística reputada ofensiva, trechos esses constantes da petição inicial, os quais foram mencionados e examinados na sentença e acórdão recorrido:
GOLPE INTERNACIONAL
“EMPRESA COMPRA CAMARÃO E RECEBE LULA”
O americano L.F., presidente da F.C.I., uma empresa importadora de alimentos instalada em Atlanta, Estados Unidos, já sabe o que é comprar gato por lebre, ou melhor lula por camarão. E, para mostrar que não gostou de ser enganado, está processando a S.C.I.P. Ltda., de Itajaí...
Pelo contrato de exclusividade assinado com a S., a F. deveria receber na metade deste ano 31 containers recheados com camarão torpedo tipo exportação. Na prática acabou recebendo seis, lotados de um crustáceo de qualidade inferior. Depois de reclamar, teve de engolir outros sete containers abarrotados com lula em estado de decomposição e cujo valor está orçado em 50 centavos a peça contra o camarão, cujas caixas com dois quilos custam 12 dólares...
No final, depois de destrata-lo, mandando-o retornar aos Estados Unidos sem reclamar, V.S. afirmou a L. que não havia honrado o compromisso pelo fato de estar enfrentando uma série crise financeira...
L. raciocina, com cara de quem é a vítima de um crime planejado...
Uma vez explanada a publicação, passa-se à investigação da potencialidade ofensiva das expressões ali veiculadas, o que perpassa pelo exame acerca da existência ou não de excesso na narrativa dos fatos, bem assim da repercussão do conteúdo das matérias em relação à imagem/honra objetiva ou bom nome da autora; análise essa que se encontra intrinsecamente ligada à aferição da extensão e limites da liberdade de informação.
No ponto, cumpre asseverar que a Constituição Federal, ao dispor sobre liberdade de expressão - aqui entendida em sentido lato, a englobar a liberdade de imprensa e de informação - prevê, em seu artigo 220, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
De modo complementar a essa última disposição, relativa à observância do disposto na própria Carta Constitucional, enuncia o parágrafo primeiro do aludido artigo: “§1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”
Dentre os incisos do artigo 5º mencionados, destacam-se o V e X, os quais, pela pertinência, transcreve-se:
Art. 5º
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Com efeito, é possível inferir, por meio de uma interpretação sistemática e sob a perspectiva do princípio da unidade da Constituição, que esta prescreve o caráter não absoluto da liberdade de informação jornalística, a ser mitigada nas hipóteses previstas no artigo 5º e incisos ali enumerados, isto é, em se tratando de direitos e garantias individuais relacionadas aos direitos de personalidade.
Especificamente quanto à pessoa jurídica, a extensão de tais direitos de personalidade e sua respectiva tutela/proteção encontra-se prevista no artigo 52 do Código Civil, ao assim dispor: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
De fato, a liberdade de expressão, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, a saber: i) o compromisso ético com a informação verossímil; ii) a preservação dos chamados direitos da personalidade - honra, imagem, privacidade e intimidade -, esses, frise-se, extensíveis às pessoas jurídicas; e iii) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi).
Sobre tais limitações, citam-se os seguintes precedentes:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. SÚMULA Nº 227/STJ. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. CAPACIDADE PROCESSUAL. OFENSA À HONRA OBJETIVA DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO E CRÍTICA. ENTREVISTA CONCEDIDA POR MÉDICO PSIQUIATRA. QUESTIONAMENTO ACERCA DA POTENCIAL INFLUÊNCIA DO ABUSO DE DROGAS NA PRÁTICA DE CRIME DE HOMICÍDIO. AFIRMAÇÃO DO ENTREVISTADO DE QUE A CONDUTA DE INSTITUIÇÃO AUTORA É PERMISSIVA E INCENTIVADORA DO USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. MONTANTE INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. ALEGAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVO DA LEI DE IMPRENSA. NÃO CONHECIMENTO. NÃO RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. Ação indenizatória, por danos morais, movida por instituição de ensino superior de renome, a quem foi atribuída pelo réu, em entrevista concedida à emissora de rádio, parcela de responsabilidade pelo crime, de grande repercussão nacional, que vitimou o casal Richtofen.
2. Entrevistado que, ao ser questionado sobre a potencial influência das drogas nos desígnios homicidas dos jovens responsáveis pelo crime, desvia-se do que lhe foi perguntado e passa a tecer considerações desabonadoras a respeito de suposto comportamento permissivo e incentivador do uso de determinada droga por parte da instituição de ensino superior autora da demanda.
3. A pessoa jurídica, por ser titular de honra objetiva, faz jus à proteção de sua imagem, seu bom nome e sua credibilidade. Por tal motivo, quando os referidos bens jurídicos forem atingidos pela prática de ato ilícito, surge o potencial dever de indenizar (Súmula nº 227/STJ).
4. A garantia constitucional de liberdade de manifestação do pensamento não é absoluta. Seu exercício encontra limite no dever de respeito aos demais direitos e garantias fundamentais também protegidos, dentre os quais destaca-se a inviolabilidade da honra das pessoas, sob pena de indenização pelo dano moral provocado.
5. As afirmações de que a instituição de ensino recorrida tem "a ideologia de favorecer o uso da maconha", consubstanciando-se em um "antro da maconha", evidenciam a existência do ânimo do recorrente de simplesmente ofender, comportamento ilícito que enseja, no caso vertente, o dever de indenizar.
6. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reduzido o montante fixado pelas instâncias ordinárias apenas quando abusivo, circunstância inexistente no presente caso, em que não se pode afirmar excessivo o arbitramento da indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) diante das especificidades do caso concreto.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.
(REsp 1334357/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe 06/10/2014; grifou-se)
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RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÍCIA JORNALÍSTICA QUE INCLUI DEPUTADO FEDERAL NO ROL DE "MENSALEIROS BONS DE RENDA". INFORMAÇÃO QUE SE DISTANCIA DA REALIDADE DOS FATOS. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
1. Embora a proteção da atividade informativa extraída diretamente da Constituição garanta a liberdade de "expressão, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (art. 5º, inciso IX), também se encontra constitucionalmente protegida a inviolabilidade da "intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, inciso X).
2. Nesse passo, apesar do direito à informação e à liberdade de expressão serem resguardados constitucionalmente - mormente em épocas eleitorais, em que as críticas e os debates relativos a programas políticos e problemas sociais são de suma importância, até para a formação da convicção do eleitorado -, tais direitos não são absolutos. Ao contrário, encontram rédeas necessárias para a consolidação do Estado Democrático de Direito: trata-se dos direitos à honra e à imagem, ambos condensados na máxima constitucional da dignidade da pessoa humana.
3. O direito à informação não elimina as garantias individuais, porém encontra nelas os seus limites, devendo atentar ao dever de veracidade. Tal dever, ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa não deve consubstanciar-se dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil, o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas. Não se exigindo, contudo, prova inequívoca da má-fé da publicação.
[...]
8. Recurso especial não provido.
(REsp 1374177/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 28/10/2013; grifou-se)
No caso dos autos, embora a recorrente alegue a inexistência de ato ilícito, ao argumento de que as matérias jornalísticas publicadas limitaram-se à explicitação dos motivos de desentendimento contratual havido entre as partes, fatos esses objeto de demanda judicial e inquérito policial, infere-se que, ao narrar as alegadas desavenças comerciais, a ré ultrapassou o mero animus narrandi, imputando à pessoa jurídica autora a prática de "golpe internacional", consoante denota a própria chamada da matéria, além das expressões "empresa compra camarão e recebe lula"; outrossim, afirmou-se que "O americano L.F. [...] já sabe o que é comprar gato por lebre, ou melhor lula por camarão. E, para mostrar que não gostou de ser enganado, está processando a S.C.I.P. Ltda., de Itajaí...", assertivas que demonstram o excesso quando da narrativa dos fatos e desconstituem a tese defensiva de que apenas houve a descrição de suposto desentendimento comercial.
Nesse contexto, bem pontuou a Corte de origem:
[...] a apelante veiculou matéria jornalística, sem a indispensável cautela, vindo a vilipendiar a honrabilidade, a moral e a manchar a imagem da autora, ao divulgar em seu periódico, sob o título "Golpe Internacional", a manchete e informe: 'Empresa compra camarão e recebe lula", referindo-se a suposto descumprimento do contrato havido entre a empresa e a autora e a F.; fato este cuja prova não se logrou fazer nos autos do processo. Bem ao contrário, a troca de mensagens entre os representantes das empresas revela que os fatos não se deram da forma como relatados na matéria jornalística, pois várias transações foram bem-sucedidas, com a remessa de produtos correspondentes aos pedidos, devidamente inspecionados por representante escolhido pela própria empresa F.. De outro lado, o inquérito policial instaurado para apurar a prática de estelionato ou apropriação indébita, pela autora, foi arquivado após concluir-se pela inocorrência de aludidas infrações penais investigadas.
Não se olvida da impossibilidade de impor à imprensa um rígido dever de veracidade, pois é apenas exigível um compromisso ético com a informação verossímil, consoante já decidiu esse Colegiado (Cf. REsp 680.794/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/06/2010, DJe 29/06/2010; REsp 1294474/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe 12/02/2014).
Todavia, no caso em tela, ainda que incontroversa a existência de demanda judicial na qual se discutia suposto inadimplemento contratual, bem assim que os fatos relatados foram objeto de inquérito policial, a forma/o modo com que se narraram as informações, consignando afirmações categóricas quanto à prática de golpe internacional no mercado de pescados e, ainda, ao expor, impositivamente, que a importadora norte-americana fora enganada, tendo recebido produtos estragados, diversos daqueles solicitados ("empresa compra camarão e recebe lula"), revelam ter a empresa jornalística ultrapassado o mero animus narrandi.
Sobre a necessária objetividade que deve permear o dever/direito de informar, leciona José Afonso da Silva:
A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-se-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade de tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas deformação. (DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 247; grifou-se)
Portanto, inegável que a matéria jornalística, ao atribuir à autora conduta desonrosa, maculou sua imagem, um dos principais direitos da personalidade reconhecidos às pessoas jurídicas e, vale afirmar, bem de valor inestimável no âmbito comercial em que essa atua (honra profissional). Efetivamente, em não tendo a recorrente se limitado a noticiar eventual desentendimento entre as empresas contratantes, tecendo comentários ofensivos à imagem da autora, inafastável o dever de indenizar/compensar os danos extrapatrimoniais daí advindos.
Acerca da configuração dos danos extrapatrimoniais em caso como este - ofensa à imagem de pessoa jurídica -, cumpre ressaltar o enunciado da Súmula 227/STJ ("A pessoa jurídica pode sofrer dano moral"), bem assim o seguinte excerto doutrinário:
Induvidoso, portanto, que a pessoa jurídica, embora não seja passível de sofrer dano moral em sentido estrito - ofensa à dignidade, por ser esta exclusiva da pessoa humana -, pode sofrer dano moral em sentido amplo - violação de algum direito da personalidade -, porque é titular de honra objetiva, fazendo jus a indenização sempre que seu bom nome, credibilidade ou imagem foram atingidos por algum ato ilícito. Modernamente fala-se em honra profissional como uma variante da honra objetiva, entendida como valor social da pessoa perante o meio onde exerce sua atividade. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012, p. 110; grifou-se)
Com efeito, não merece reforma o acórdão recorrido quanto ao reconhecimento da obrigação de indenizar.
2. No que concerne ao pedido subsidiário, isto é, de redução do quantum indenizatório, fixado em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), afigura-se aplicável o enunciado da Súmula 7 do STJ, haja vista que, não obstante o grau de subjetivismo que envolve o tema, uma vez que não existem critérios predeterminados para a quantificação do dano moral, esta Corte Superior tem reiteradamente se pronunciado no sentido de que a indenização deve ser suficiente a restaurar o bem estar da vítima, desestimular o ofensor em repetir a falta, não podendo, ainda, constituir enriquecimento sem causa ao ofendido.
Com a apreciação reiterada de casos semelhantes, concluiu-se que a intervenção desta Corte ficaria limitada às hipóteses em que o quantum fosse irrisório ou excessivo, diante do quadro fático delimitado em primeiro e segundo graus de jurisdição.
Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, considerando proporcionalmente o grau de culpa, o nível sócio-econômico do recorrido e, ainda, o porte econômico do recorrente, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida (REsp 259.816/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000).
Sobre a temática, assim se manifestou a Corte de origem:
Na espécie, a ofensa perpetrada pela ré foi grave, por ter levado ao conhecimento do grande público leitor de tão importante órgão de imprensa acusações levianas. Assim, não tenho dúvida de que atingiu um dos bens mais preciosos da autora, qual seja a sua imagem e honorabilidade.
A calúnia torna-se ainda mais evidente na medida em que se sabe que a matéria jornalística foi dada em tom sensacionalista, sob o título "golpe internacional", distanciando-se, ainda mais, do pressuposto da verdade informativa, alegado pela apelante. Destarte, o que se tem é que a apelante preocupou-se mais com a vendagem de seu jornal do que com a obrigação de conferir a fidedignidade de suas fontes informativas a respeito das transações comerciais entre as empresas litigantes, precipitando-se ao prejulgar, infundadamente, a autora. Além do mais, a apelante é empresa poderosa, detentora do jornal de maior circulação de Santa Catarina, sendo certo que a indenização fixada não a colocará sob o risco de falir e servir-lhe-á de exemplo para que não torne a reincidir. Por estas razões, mantenho a verba indenizatória em R$ 50.000,00. (fl. 712, e-STJ)
Dessa forma, para modificar as conclusões consignadas no acórdão impugnado e reputar estar exagerado o quantum arbitrado como quer a parte recorrente, seria necessária a incursão no conjunto fático-probatório das provas e nos elementos de convicção dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial (Súmula 7 do STJ), interposto tanto com base na alínea "a" quanto na "c" do permissivo constitucional.
Nesse sentido: REsp 1328914/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 24/03/2014; REsp 1500676/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 12/02/2015, DJe 24/02/2015.
3. Do exposto, conheço em parte do recurso especial e, na extensão, nego-lhe provimento.
É como voto.
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