Juiz suspende ação bancária em nome do diálogo entre consumidor e financeira: consumidor.gov.br.

21/01/2016

Por redação - 21/01/2016

O Juiz da Vara Bancária de Joinville, Santa Catarina, em atitude inovadora, promoveu a suspensão de ação proposta pelo consumidor e a financeira, valendo-se do sucesso e incentivo à conciliação da ferramenta "consumidor.gov.br". Após fundamentar a decisão na Análise Econômica da Litigância, bem assim na importância de racionalização da gestão das unidades judiciárias, decidiu: "Diante de todo exposto, SUSPENDO O PROCESSO, por 30 dias, a fim de que a parte autora R. F. da V. promova a exposição dos fatos narrados na inicial e o registro de seus pedidos em relação a parte ré B. B. F. S/A, através da ferramenta gratuita presente no site do TJSC denominada "consumidor.gov.br", sob pena de se considerar ausência de pretensão resistida e o feito ser extinto por falta de interesse de agir (CPC, art. 267, VI)."

Confira a decisão na íntegra abaixo


Autos n° 0310077-13.2015.8.24.0038

Ação: Procedimento Ordinário/PROC

Autor: R. F. da V.

Réu: B. B. F. S/A

R.H.

Cuida-se de ação de revisão de contrato bancário aforada por R. F. da V. em face de Banco B. F.  S/A, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela para não inscrição, ou exclusão, do nome da parte autora de cadastros de proteção ao crédito, assim como para manutenção de posse do bem financiado (caminhão Iveco-Fiat/Eurotech, placa XXXXXX).

O autor pagou 11 das 36 parcelas assumidas no contrato de financiamento.

Foi indeferido o pedido de justiça gratuita (fls. 77).

Sobreveio pedido de reconsideração, que não foi aceito (fls. 89/91), tendo a parte recolhido espontaneamente as custas judiciais, informado que sabe da existência da ação de busca e apreensão nº 0303719-32.2015.8.24.0038 e solicitado uma audiência conciliatória. Vale registrar que a procuração outorgada à procuradora do consumidor é de 16/04/2015, sendo que a ação foi aforada apenas dois meses depois, ou seja, em 17/06/2015.

O consumidor pede expressamente a baixa de restrição RENAJUD, deixando entrever que está na posse e uso indevido do veículo. O RENAJUD, por força de lei, foi inserido na ação de busca e apreensão que está arquivada administrativamente em razão de o veículo não ter sido localizado até o momento.

É a síntese do necessário. PASSO A DECIDIR, em sede interlocutória:

Apesar da natural necessidade de aperfeiçoamento constante da regulação do mercado financeiro (que não é missão constitucional do Judiciário), é impossível ignorar a excessiva litigiosidade na área de financiamentos de bens não duráveis, conhecida também como a “indústria" das ações revisionais bancárias.

Esse distúrbio do sistema judicial vem merecendo atenção dos estudiosos da Análise Econômica do Direito no mundo inteiro, pois “os denominados litigantes frívolos, provável produto da massificação da judicialização da Justiça, perturbam, com a sua actuação, a eficaz realização da mesma ao fazerem incorrer em custos inúteis todos os restantes intervenientes (...). Notou-se, de resto, que um dos objetivos da litigância frívola pode passar apenas pela obtenção de um acordo favorável. Na óptica social, a participação desse tipo de jogadores é genericamente prejudicial.” (PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância. Coimbra: Almedina, 2005, p.171/172).

Essa acertada posição acadêmica de origem portuguesa é também sentida durante minha atuação há mais de dez anos numa vara bancária.

Ao se observar atentamente as ações revisionais, percebe-se com muita nitidez que a gigantesca maioria das ações não terminam, seja pela inércia do consumidor em promover o cumprimento de sentença  ou por ter obtido um acordo extrajudicial que facilmente poderia ter realizado ANTES do aforamento da ação e não DEPOIS.

A proteção judicial em prol das partes que se socorrem do Judiciário acaba muitas vezes por conduzir a uma política jurídica efetivada a partir da argumentação jurídica da proteção dos princípios consumeristas e da justiça social.

Todavia, importante sempre se ter a noção de que, juntamente com o princípio da justiça social, se tenha também um olhar atento a vertente econômica que a compõe, sob pena de acidentalmente se causar um mal maior a toda a coletividade por ausência de visão das externalidades (positivas e negativas) que toda decisão judicial gera.

Destarte, “Ao se considerar que a ideia de justiça social incorpora não apenas os valores relacionados aos direitos sociais, mas também aqueles que regulam a ordem econômica, há que se considerar que para sua correta promoção, deve haver uma atuação conjugada e harmoniosa entre o Estado e o setor privado da economia. (...). De outro, deve o Estado, de acordo com o que estabelece a Constituição Federal em matéria da ordem econômica, permitir ao particular uma atuação no mercado a fim de que se possa assegurar o predomínio da iniciativa econômica privada, opção chancelada pela Constituição da República. Permanece, porém, na alçada do Estado, editar normas e tomar medidas voltadas a assegurar que o mercado se desenvolva de forma socialmente desejável.” (“A Justiça Social como fundamento das decisões judiciais”, Lara Bonemer Azevedo da Rocha e Márcia Carla Pereira Ribeiro).

A partir da Constituição de 1988, muito se tem falado e feito para garantir o livre acesso à justiça brasileira, todavia, poucos tem se debruçado sobre a análise dos custos de sua utilização e “o que parece escapar à percepção de alguns cientistas sociais é que o Judiciário é um recurso rival. Quanto mais pessoas utilizarem o Judiciário, menos útil ele será para a coletividade, pois menor será sua capacidade de prestar serviços públicos adjudicatórios. (...). O problema está em se focar o acesso ao recurso (Judiciário), quando o correto seria focar a possibilidade de usar e gozar do fruto (prestação jurisdicional), que é  em larga medida  o que realmente desejam as pessoas. Focar apenas o incentivo ao uso do Judiciário sem reconhecer que ele, hoje, já está sobrecarregado de casos e seu estoque é crescente, ainda que a taxas decrescentes (CNJ, 2011), é acelerar e incentivar a sobreutilização do Judiciário, o qual já não dá conta da demanda hoje.” (GIKO JR. Ivo Teixeira. A Tragédia do Judiciário. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 267, p. 178, set/dez 2014) (Grifo meu).

Cada dia mais se tem falado na metáfora de Garrett Hardin, conhecida como “Tragédia dos comuns”, muito bem abordada também pelo colega e Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa, em um julgamento paradigmático da 1ª. Turma de Recursos, da Capital:

“MANDADO DE SEGURANÇA - INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU A JUSTIÇA GRATUITA - EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROVADORES - AUSÊNCIA OU INSUFICIÊNCIA - DISTINÇÃO ENTRE ACESSO À JUSTIÇA AUTÊNTICO DO INAUTÊNTICO - INDEFERIMENTO DA INICIAL.

Por mais que discorde parcialmente (MORAIS DA ROSA, Alexandre: AROSO LINHARES, José Manuel. Diálogos com a Law & Economics. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011) da base teórica lançada por Flávio Galdino (GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005), não se pode negar que o exercício do direito de demandar em Juízo "não nasce em árvore." O manejo de tal direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do direito de ação. O exercício do direito de ação, sem custos, deve, para o fim de se acolher pretensões meramente patrimoniais, se dar pela via da Tragédia dos Comuns. A Tragédia dos Comuns é um tipo de armadilha social de fundo econômico, a qual envolve o paradoxo entre os interesses individuais ilimitados e o uso de recursos finitos. Por ela, se declara que o livre acesso e a demanda irrestrita de um recurso finito(Jurisdição) terminam por condenar estruturalmente o recurso por conta de sua superexploração. Em face dos limitados recursos do Poder Judiciário e de sua capacidade de assimilação, a propositura de ações abusivas, frívolas ou de cunho meramente patrimonial e repetitivas, sem custo, pode gerar o excesso de litigância (abusivo ou frívolo). O custo de um processo é assimilado pela coletividade e pelos demais usuários na forma de uma externalidade negativa.Lição de Júlio Cesar Marcellino Jr.: "A atual situação de inefetividade do Poder Judiciário, especialmente no que diz respeito à celeridade nas respostas às demandas judiciais, se dá, entre outras razões, pelo imenso acúmulo de ações judiciais que não podem ser assimiladas pelo sistema judiciário. Esse ponto específico do excesso de ações judiciais para uma estrutura limitada no tocante a recursos financeiros e humanos, deve ser analisado por um viés não convencional, no sentido de compreender que uma avaliação de cunho econômico, do tipo custo-benefício, pode, ao contrário do que eventualmente se pense, ampliar o acesso à justiça através da efetividade dos serviços judiciários. É preciso partir da dedução de que há manifesta abusividade na propositura de uma parcela das demandas judiciais. Em um primeiro olhar, pode até parecer contraditório defender-se uma ampliação de acesso à justiça por meio de uma limitação administrativa de ingresso de ações judiciais. Mas a contradição é só aparente. Basta que se veja a questão a partir de um ângulo diferente para se compreender que o acesso ilimitado ao Poder Judiciário acarreta, em verdade, um "inautêntico acesso", pois o simples fato de poder ingressar com uma demanda não é garantia de acesso pleno." (TJSC, Mandado de Segurança n. 4000041-62.2013.8.24.9001, de São João Batista, rel. Des. Alexandre Morais da Rosa, j. 10-04-2014).

O próprio Superior Tribunal de Justiça já afirmou que "Ajuizar ações é algo que envolve risco (para as partes) e custo (para a Sociedade, que mantém o Poder Judiciário). O processo não há de ser transformado em instrumento de claudicação e de tergiversação. A escolha pela via judiciária exige de quem postula a necessária responsabilidade na dedução de seus pedidos." (STJ, REsp. nº 946.499 - SP (2007/0094219-8), rel. Min. Humberto  Martins).

Novo milênio, novos tempos e novas formas de composição de conflitos que podem e devem ser incentivados e utilizados antes do ingresso precipitado ao Judiciário.

Cada dia mais os Tribunais Superiores estão trilhando diferentes caminhos e visões sobre o acesso à justiça, como por exemplo, quando obrigaram a demonstração de tentativa de composição prévia do conflito, como bem se observa no Recurso Repetitivo que estabeleceu como condição do aforamento da ação da exibição de documentos o pedido administrativo realizado perante à instituição financeira:

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. PEDIDO PRÉVIO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E PAGAMENTO DO CUSTO DO SERVIÇO. NECESSIDADE.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária.

2. No caso concreto, recurso especial provido." (STJ, REsp 1349453/MS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, 2a. Seção, j. 10/12/2014). (Grifei e sublinhei).

Até numa seara extremamente sensível, com nítidas e indiscutíveis repercussões sociais e até alimentares (diferente de uma relação negocial de mútuo), o guardião maior da Constituição no Brasil, em sede de repercussão geral, entendeu que não há nenhuma ofensa ao acesso ao Poder Judiciário o estabelecimento de condições para o regular exercício de ação, mais precisamente, demonstração inequívoca de tentativa de composição extrajudicial, no caso, requerimento prévio junto ao INSS:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.

1.A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.

2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.

(...)." (STF, RE 631240, Rel.  Min. Roberto Barro, Tribunal Pleno, j. 03/09/2014) (Grifei e sublinhei)?.

É sobre esse novo standard ético-judicial que passo a discorrer para demonstrar a indispensabilidade de se utilizar de meios de composição antes do ingresso dessa ação.

Da necessidade de utilização de meios de composição extrajudiciais.

No fim de 2015, o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina firmou compromisso com a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (SENACON), do Ministério da Justiça, para divulgação e utilização no sistema judicial de Santa Catarina da ferramenta gratuita conhecida como "consumidor.gov.br", que vem a ser um "serviço público para solução alternativa de conflitos de consumo via internet" (https://www.consumidor.gov.br/pages/principal/?1452514073471). O link já está inclusive disponível com destaque em nossa homepage através de um banner na lateral direita (www.tjsc.jus.br).

Essa nova estratégia para enfrentar a morosidade da justiça e abandonar a zona de conforto amparada na visão clássica do processo civil, vem gerando acendrada discussão pretoriana no vizinho Rio Grande do Sul, onde existem inúmeras decisões judiciais que determinaram o exaurimento da via da composição extrajudicial, com a adoção da ferramenta em comento.

Por ilustrar de forma brilhante a questão, destaco:

"agravo de instrumento. responsabilidade civil. projeto solução-direta consumidor. suspensão da ação. sobrestamento. possibilidade.

Já se passaram décadas desde que Mauro Cappelletti indicou, como terceira onda renovatória do processo civil, a necessidade de identificação de situações que preferencialmente não devem ser equacionadas pela justiça ordinária, mas sim direcionadas para mecanismos alternativos de resolução de conflitos, tais como a mediação, arbitragem e outros.

Assim, a iniciativa da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, em parceria com o Poder Judiciário, instituindo o projeto “Solução Direta Consumidor” está perfeitamente afinado com todas as modernas tendências contemporâneas.

Ou seja, a sociedade civil não pode suportar o custo de que Judiciário seja a primeira instituição a ser procurada para resolver os mais diversos problemas da vida de relação. Isso porque há um custo orçamentário enorme para a manutenção do Judiciário, que não pode e não deve ser ultrapassado. Portanto, o Judiciário deve ser a “última praia”, ou seja, quando realmente falharem os demais mecanismos disponíveis para solucionar conflitos, tem, sim, a parte, o direito constitucional de acesso à jurisdição. Todavia, quando o sistema propicia mecanismos ágeis, sem custo, para tendencialmente resolver de forma mais efetiva e rápida o litígio, é razoabilíssimo que se exija que a parte deles se utilize antes de ajuizar sua demanda.

É de se manter, portanto, a decisão da origem, que determinou a suspensão do feito pelo prazo de 30 dias para que a parte demonstre ter tentado resolver a questão administrativamente." (TJRS, AI n. 70063985626 (0083940-28.2015.8.21.7000), da comarca de São Leopoldo, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto (redator), 9a. C.Civ., j. 26.08.2015).

Após percuciente discussão, a Câmara, por maioria, determinou a adoção do programa, com um brilhante voto vencedor que tomo a liberdade de transcrever parcialmente, mas que recomendo a leitura, em especial das partes que tive que cortar por conta da extensão, mas que abordaram a questão até no direito estrangeiro:

"De fato, o Judiciário não pode ser visto nos nossos dias da mesma forma como era visto décadas atrás, antes da explosão da litigiosidade de massa. O número de demandas que eram ajuizadas tempos atrás era sensivelmente menor do que o atual. Ainda que tenha havido crescimento da estrutura do Judiciário desde então, pode-se dizer que estamos chegando no limite de expansão do mesmo. Nenhum Estado democrático moderno pode se dar ao luxo de expandir a estrutura de seu Judiciário de forma ilimitada. O Judiciário resolve problemas passados, mas a sociedade depende, para sua evolução, de resolução de problemas presentes e de investimentos pesados para tentar melhorar o futuro. Em todas as manifestações sociais dos últimos anos, e de todas as pesquisas que periodicamente são feitas, nunca, em nenhum momento, a população manifestou desejo de que se aumentasse a estrutura do Judiciário para que ele se tornasse mais ágil e célere. O que a população quer, substancialmente, é mais saúde, mais segurança e mais educação. Os fatores produtivos querem mais investimentos na infraestrutura  energia elétrica, rodovias, portos, etc. Tudo isso demanda recursos ingentes. Portanto, é impensável que qualquer gestor público de bom senso vá destinar mais recursos ao Judiciário, para expandir uma área estatal que olha para trás (a famosa imagem da 'lanterna na popa') e não visa o futuro.

Portanto, num clima geral de recursos escassos (e na realidade brasileira  e especialmente a gaúcha -, de recursos escassíssimos) há que se fazer melhor com os recursos disponíveis.

Pois bem. Além dos investimentos em informática, que redundaram um enorme ganho em produtividade, e de outras soluções que auxiliam na busca de maior racionalização dos serviços judiciários, as diversas nações procuram implementar medidas que visam conter a demanda sob controle, exatamente para tentar manter a estrutura judiciária funcionando razoavelmente.

Uma dessas medidas é a adoção de maior rigor para a concessão do benefício da assistência judiciária, de forma a forçar a parte a refletir mais sobre os custos de uma demanda e os riscos associados, fazendo com que somente demandas realmente importantes e de algum relevo cheguem ao Judiciário. Para se evitar que os pobres fiquem à margem do sistema, oferece-se a eles a possibilidade de ajuizarem demandas de pequeno alcance econômico ou de baixa complexidade através de sistemas mais informais de justiça (as small claims courts norte-americanas, por exemplo), com custo reduzido ou inexistente, dispensando-se inclusive a participação de advogados (como ocorre no sistema dos Juizados Especiais, em nosso Direito, para as demandas de até 20 salários mínimos).

Outra ideia, integrante da chamada terceira onda renovatória do processo civil, tal como identificada classicamente por Mauro Cappelletti, passa pela identificação de situações que preferencialmente não devem ser equacionados pela justiça ordinária, mas sim direcionadas para mecanismos de resolução alternativa de conflitos, tais como a mediação, arbitragem e outros.

De fato, uma das queixas mais comum, frente à justiça tradicional, numa escala quase que planetária, é no sentido de ser demasiadamente cara e lenta para poder fazer frente ao aumento das demandas judiciais. Isso explica porque boa parte dos conflitos nem mesmo chega ao sistema judiciário formal. Ou as demandas simplesmente não são ajuizadas, ou as partes procuram outras formas de dirimir seus conflitos.

A permanência e generalização das queixas fizeram com que surgisse um interesse crescente nas últimas décadas pela busca de alternativas ao modelo judicial tradicional. Embora universal, o fenômeno é mais nítido e perceptível no cenário norte-americano. Lá, mais do que em qualquer outro país, é acentuada a tendência de se implementar meios alternativos de resolução de litígios, denominados genericamente de A.D.R.  Alternative Dispute Resolution, expressão cujo sentido pode ser traduzido como “meios alternativos de resolução de conflitos”.

(...).

O que unifica todas essas experiências é o objetivo comum: trata-se de resolver litígios com o uso de técnicas processuais simplificadas, menos custosas e mais céleres.

Vittorio Denti identifica duas tendências relativamente ao movimento em direção a formas alternativas de resolução de litígios: uma tendência à desformalização e outra tendente à deslegalização.

Quanto à primeira tendência  no sentido de uma desformalização -, funda-se ela na tomada de consciência no sentido de que a acentuação das garantias formais no direito processual civil contemporâneo conduziu a um aumento do custo e da duração do processo, “tornando-o um instrumento inadequado para certos tipos de lide que exigem uma rápida intervenção na composição dos conflitos”. Por outro lado, também é consensual a constatação de que é “impossível resolver o problema do acesso à justiça dos jurisdicionados carentes através do aumento generalizado de assistência judiciária gratuita”, por causa do seu custo intolerável. Além disso, segundo Denti, o aumento quantitativo e a maior complexidade do trabalho do juiz moderno não podem ser enfrentados mediante o simplório aumento constante do quadro de magistrados. Há limites orçamentários não ultrapassáveis, diante da necessidade do Estado social contemporâneo direcionar os recursos limitados para obras sociais que aliviem o presente e transformem o futuro (educação, saúde, saneamento básico, obras de infraestrutura, etc), em vez de aumentar ilimitadamente a verba direcionada a um setor do Estado que se ocupa em dirimir conflitos passados. Ou seja, exige-se que haja ganho de eficiência, fazendo-se mais e melhor com a verba orçamentária disponível. Essa é outra razão pela qual se sustenta que a diminuição do volume de trabalho dos magistrados deve passar também pela composição extrajudicial de lides de menor complexidade, reservando-se o recurso à justiça tradicional, com suas inerentes garantias, às causas de maior importância e complexidade.

(...).".

Vivemos num mundo com custos elevados e recursos escassos e cada dia mais isso se torna evidente, assim, precisamos superar o singelo discurso constitucionalizado da defesa do direito de ação de forma ilimitada e do princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5o., XXXV), reconhecendo os inegáveis efeitos degenerantes provocados pela ausência de barreiras ao acesso indiscriminado ao Poder Judiciário.

O dilema atual que necessita ser enfrentado é garantir o acesso à justiça de forma mais ampla possível, em especial, para reconhecimento, garantia e efetivação dos direitos fundamentais. Mas para isso ocorrer de forma verdadeira e autêntica não basta discursos e citações de mantras constitucionais sagrados, é preciso concretizar essas aspirações, o que só irá ocorrer com a redução do número de ações e a atenção a significativa abusividade na utilização da via judicial.

Se isso tudo não é verdade, qual o motivo de não ter sido utilizado ou se resistir a métodos não adversariais de conflito, como o CEJUSC (ainda não existente na comarca de Joinville), ou a ferramenta proposta nessa decisão?

Se queremos criar a cultura da conciliação tão bem defendida pelo CNJ (http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-mediação), e por todos os Tribunais Estaduais, o que justifica a resistência as novas formas de composição extrajudicial e ausência de incentivo aos consumidores que a adotem? Os sistemas são simples, ágeis, gratuitos e atendem aos hipossuficientes em várias necessidades.

No site da ferramenta "consumidor.gov" se encontram as  empresas participantes, o ranking de sua atuação e a facilidade de se cadastrar uma reclamação. A empresa reclamada tem apenas 10 dias para responder. A média de resposta é de 7,5 dias. O índice de solução é de aproximadamente 80%. A média da nota de avaliação é 3,2 (de 5).

Ou seja, de cada DEZ CONFLITOS, potencialmente apenas DOIS iriam ser analisados pelo Judiciário (isso considerando que o consumidor não teria ficado satisfeito com a resposta apresentada e ainda julgasse conveniente "investir" numa lide apesar do custo-benefício que isso deveria implicar).

E ninguém em sã consciência e honestidade diga que Bancos não realizam acordos.

No último mutirão das DUAS VARAS BANCÁRIAS da comarca de Joinville (novembro de 2015), segundo dados oficiais e encaminhados ao CNJ e ao TJSC, o índice de conciliação ultrapassou o percentual de 90% (noventa por cento). Certamente, teria sido ainda maior se os consumidores tivessem realizado os diálogos extrajudicialmente, sem os custos que o aforamento das ações gerou (custas judiciais, honorários advocatícios, tempo, etc.). Vale registrar que alguns Bancos ainda realizaram 100% (cem por cento) de acordos e a maioria dos insucessos foi diante da ausência do consumidor que sequer compareceu à audiência apesar de devidamente intimado.

Tarda a hora de encerramos a visão atomista do processo, onde ficamos eternamente prestando atenção nos galhos sem observar que a floresta está pegando fogo. A tão esperada celeridade da Justiça deve conduzir a uma adequação de meios e fins.

Os Tribunais Superiores estão criando e estimulando esses novos caminhos e conceitos amparados em boa e alentada doutrina e moderna visão da lei processual. Basta agora acompanharmos esse movimento para tornar a justiça mais eficiente, obstar a litigância frívola e cumprir bem a nossa missão constitucional.

Diante de todo exposto, SUSPENDO O PROCESSO, por 30 dias, a fim de que a parte autora R. F. da V. promova a exposição dos fatos narrados na inicial e o registro de seus pedidos em relação a parte ré B. B. F. S/A, através da ferramenta gratuita presente no site do TJSC denominada "consumidor.gov.br", sob pena de se considerar ausência de pretensão resistida e o feito ser extinto por falta de interesse de agir (CPC, art. 267, VI).

Aguarde-se em arquivo administrativo até o fim do prazo ou manifestação das partes.

Intime-se. Cumpra-se. Joinville (SC), 15 de janeiro de 2016.   Yhon Tostes Juiz de Direito  
Imagem Ilustrativa do Post: Back when travel was glamorous // Foto de: Kathleen // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/72821066@N04/22100198330/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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