Juiz reconhece inépcia em ação de revisão bancária denominada "Metralhadora Giratória"

07/07/2015

Por Alexandre Morais da Rosa - 07/07/2015

O Juiz Yhon Tostes, da Vara Bancária de Joinville (SC), em alentada decisão, transcrita abaixo, reconheceu a impossibilidade de analisar pedidos genéricos de revisão bancária, sublinhando que "não cabe ao órgão julgador confrontar as teses arguidas na petição inicial e verificar quais delas são cabíveis ou não aos inúmeros contratos trazidos pela parte e a outros que nem se conhece (sentença não é exercício de adivinhação e nem de futorologia), porque essa tarefa, até em prestígio à nobre atividade advocatícia, compete ao profissional contratado pelo consumidor." Mais adiante afirma: "Ora, no caso concreto, a parte autora cita mais de 24 (vinte e quatro) contratos, isso sem considerar aqueles que ela supostamente nem teve acesso mas pretende revisar (exercício de adivinhação e futorologia). Ademais, os documentos juntados, e designados apenas como "Documentação", começam às fls. 78 e vão até às fls. 853." E finaliza: "Lides inconsistentes não interessam a ninguém. O Judiciário deve cumprir o seu importante papel de proteção dos consumidores sérios e que demonstrem efetivamente a lesão a seus direitos. Ressalta-se que se a parte não dispunha do pacto firmado entre as partes, deveria ter aforado ação cautelar de exibição de documentos para obter a cópia do contrato e, após, de posse desta, fundamentar os pedidos da ação de revisão. Como se disse Acórdão Bandeirante nº 994.06.147073-6, com clareza e coragem dignas de aplausos, com grifos meus: "Nem se fale em inversão do ônus da prova, já que a instrução da peça vestibular com o contrato celebrado importaria em delimitação do pedido, feito de forma genérica e inadmissível. Não pode a autora pretender compelir o Banco a juntar aos autos cópia dos instrumentos celebrados para, só depois disso, verificar o que, efetivamente, existe de abusivo, modificando, assim, o pleito original. Muito menos afirmar genericamente que existe algo de errado, que poderá ser apurado em perícia. Constitui o que se convencionou chamar de 'metralhadora giratória'. A demanda judicial não pode ser uma aventura jurídica. Há de conter postulações precisas, viabilizando o exercido do direito de defesa. Nem a alegação de que o relacionamento existente tem características de consumo aproveita à autora, pois o Código de Defesa do Consumidor exige um mínimo de credibilidade na postulação.". (TJSP. Apelação n° 994.06.147073-6, Rel. Sebastião Garcia; 6ª Câmara de Direito Privado, 06/05/2010)."

Cada vez mais é necessário que os pleitos sejam antecipados de ações próprias para, somente então, poder-se fixar o devido processo legal. Não se pode abarrotar o Judiciário com ações que discutem teses jurídicas, sem que no caso, sequer, saiba-se a pertinência. Trata-se da aplicação da Tragédia dos Comuns no campo do Poder Judiciário, com externalidades negativas em todos os demais usuários do Poder Judiciário que ficam alijados do tempo e lugar ocupado por demandas genéricas.

Segue a decisão abaixo.


Autos n° 0315357-96.2014.8.24.0038 Ação: Procedimento Ordinário/PROC Autor: F. e outros Réu: Banco do Brasil   Vistos, etc.

F. Ltda e outros aforou esta ação de revisão contratual contra Banco do Brasil, com fulcro em inúmeros contratos de concessão de crédito.

Determinada a emenda da petição inicial para que fosse observada a norma insculpida no artigo 285-B do CPC (fls. 859-864), a parte autora interpôs agravo de instrumento e o TJSC deu provimento ao recurso, determinando o regular prosseguimento do feito (fls. 895-899).

A instituição financeira compareceu espontaneamente ao feito e apresentou contestação (fls. 900-918). Alegou, preliminarmente, a inépcia da inicial por falta de observância ao art. 285-B do CPC, bem como carência de ação em face de o autor deduzir pedido incerto, sem ter esclarecido quais as cláusulas supostamente abusivas. No mérito, sustentou a legalidade dos contratos e encargos pactuados.

A parte autora, por sua vez, impugnou a contestação, rechaçando os argumentos expendidos pelo agente de crédito (fls. 1264-1287).

Em seguida, os autos vieram-me conclusos.

É a síntese do necessário. DECIDO:

DA PERDA DE OBJETO DO AGRAVO

Tendo em vista o comparecimento espontâneo do agente de crédito e o oferecimento de contestação, cabível o julgamento antecipado da demanda (CPC, art. 330, I).

Diante da determinação de emenda da inicial (fls. 859-864), houve a interposição de agravo de instrumento em que foi concedida a antecipação da tutela recursal para regular prosseguimento do feito (fls. 895-899).

Em seguida, a instituição financeira ré compareceu espontaneamente ao feito e apresentou contestação, arguindo preliminares de inépcia da inicial, por descumprimento do art. 285-B do CPC, bem como pela dedução de pedido genérico pelo autor (fls. 900-918).

Agora, com a sentença onde mantenho a minha humilde posição devidamente fundamentada, para prevenir eventuais arguições da parte autora de que estou descumprindo ou ofendendo de qualquer forma instância recursal superior, creio ser interessante demonstrar a legalidade de minha posição uma vez que, com a prolação da sentença o agravo perde seu objeto, ainda que o efeito suspensivo ou ativo tenha sido deferido. Isso ocorre, pois a sentença é proferida em cognição exauriente, circunstância que, em tese, inexiste quando se trata de agravo por instrumento.

Teresa Arruda Alvim Wambier, comentando sobre a pendência de julgamento de agravo quando prolatada sentença e não interposta apelação, discorre sobre o tema, inclusive citando doutrina de Nelson Nery Jr., para quem

"na situação ora analisada, 'a sentença é condicional, vale dizer, produzirá efeitos plenos se desprovido o agravo'. O mesmo, no entanto, não ocorre em relação às liminares. Assim escreve o autor: 'Situação diferente ocorre quanto às medidas liminares de caráter antecipatório, como as do CPC 273, 461 e 928. Nestes casos a superveniência de sentença de mérito não depende da manutenção ou da cassação da liminar antecipatória, já que ambas – liminar e sentença – decidirão sobre a mesma matéria (mérito ou efeito dele decorrente). Se a interlocutória (liminar antecipatória) aprecia o mérito ou algum de seus efeitos e a sentença de mérito também, são decisões da 'mesma classe', razão por que a sentença absorve a liminar antecipatória'. A seguir, afirma que em tais casos o agravo restará prejudicado, por falta superveniente de interesse recursal.

Entendemos, pelas razões expostas, que, em razão do trânsito em julgado da sentença, o agravo resta prejudicado, o mesmo ocorrendo em relação ao agravo interposto contra a decisão que concede, ou não, uma liminar.

Na verdade, todo o segmento recursal derivado de decisões interlocutórias concessivas ou denegatórias de liminares cai por terra, depois de proferida a sentença, estando aí abrangidos também os embargos de declaração, o recurso especial e o recurso extraordinário. Todos os recursos que tenham sido sucessivamente interpostos da decisão concessiva ou denegatória de liminar 'perdem o objeto'. Ou melhor, perdem a utilidade.

Como o tribunal, ao decidir o agravo, gera uma decisão que toma o lugar da decisão confirmada ou reformada, não tem sentido transplantar a decisão obtida em grau de recurso para um 'momento' do processo que ficou superado pela sentença, e que não se configura em pressuposto lógico para que esta pudesse ter sido prolatada. Este é justamente o 'momento' em que decisões são proferidas com base em cognição superficial, que ficou superado. Quando da prolação da sentença de mérito, o juiz ou tem plena convicção no sentido de que ao autor assiste (ou não) direito ou de que o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito. A concessão de liminar anteriormente (ou a denegação), como se afirmou acima, não se consubstancia em pressuposto lógico para prolação de qualquer tipo de sentença.

Prolatada a sentença, é esta que prevalece." (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a nova Lei do Agravo (Lei 11.187/2005). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 582-583).

Interessante ressaltar também que "'o provimento de improcedência do pedido é juridicamente incompatível com a manutenção da liminar, de sorte que, decretada a improcedência, ipso facto, perde a eficácia a liminar, independentemente de haver ou não interposição de recurso'. Em suma, há uma incompatibilidade lógica entre ambos os pronunciamentos, devendo o último sobrepor-se ao primeiro." (ORIONE NETO, Luiz. Liminares no processo civil. 2. ed. - São Paulo: Editora Método, 2002, p. 109)

Nosso Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de manifestar-se em hipótese semelhante a dos autos.

No caso, tratava-se de ação de revisão de contrato na qual a antecipação dos efeitos da tutela para exclusão de cadastros de inadimplentes e manutenção na posse do veículo foi indeferida pelo juízo monocrático. O autor agravou e a Câmara de Agravo deferiu o efeito ativo.

Entretanto, considerando a posterior prolação de sentença, o relator Des. Jorge Luiz de Borba, por ocasião do julgamento definitivo, asseverou que

"Havendo sido extinto o feito principal com resolução de mérito, o agravo quedou prejudicado e perdeu seu objeto e utilidade, carecendo por isso de interesse recursal o agravante.

Importante ressaltar que o agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória não possui força suficiente para reformar sentença de mérito, salvo em matéria probatória, razão pela qual se mostra inócuo o resultado pretendido.". O recurso recebeu a seguinte ementa:

"AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. INDEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA A EXCLUSÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E A MANUTENÇÃO NA POSSE DO BEM. JULGAMENTO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO NA ORIGEM. RECLAMO PREJUDICADO.

'Ocorrendo o julgamento da ação principal, com o acolhimento do pleito formulado na inicial, a sentença proferida passa a substituir em todos os seus efeitos a liminar deferida initio litis, acarretando a prejudicialidade do agravo de instrumento contra ela interposto, por perda de objeto' (AI n. 96.005674-2, de Palhoça, rel. Des. Eder Graf, j. 22-10-1996)." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2009.033262-9, de Biguaçu, rel. Des. Jorge Luiz de Borba , j. 08-02-2010)

No mesmo sentido: Agravos de Instrumento ns. 2011.044827-3, 2010.047602-8 e 2009.028772-6, todos do TJSC.

O Tribunal paulista sustenta a mesma tese:

"Recurso. Agravo de instrumento. Prolação de sentença. Perda do objeto. Recurso prejudicado." (670789420128260000 SP 0067078-94.2012.8.26.0000, Relator: Luis Carlos de Barros, Data de Julgamento: 20/08/2012, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/08/2012).

Não é diferente com o TRF da 1ª Região:

"PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. PERDA DO OBJETO.

I - A orientação jurisprudencial deste egrégio Tribunal e do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a superveniência da sentença de mérito, nos autos de origem, como no caso, conduz à prejudicialidade do agravo de instrumento, interposto contra decisão que defere ou indefere medida liminar ou antecipação de tutela, a autorizar o relator a negar-lhe seguimento, pela posterior perda de objeto.

II - Agravo Regimental a que se nega provimento, por considerar-se prejudicado, na espécie, o agravo de instrumento." (TRF1, AGA 0032480-80.2011.4.01.0000 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.621 de 01/03/2013).

Retornando às lições de Teresa Arruda Alvim Wambier, registro que a renomada jurista destaca que a orientação jurisprudencial do STF era firme no sentido contrário – de que o agravo não perderia o objeto pela superveniência de sentença, citando posicionamentos nos quais era sustentado o caráter condicional da sentença, casos em que, se provido o agravo, seriam nulos os atos posteriores a este recurso.

Por outro lado, aduz que após promulgada a Constituição Federal de 1988, o STJ passou a considerar que a não interposição de apelação é incompatível com a vontade de ver o agravo julgado, o qual restaria prejudicado. (vide WAMBIER, Ob. Cit, pág. 578).

Com efeito, por dever de consciência e para demonstrar com transparência a verdade, tenho ciência que ainda persistem alguns poucos entendimentos no sentido de que a decisão exarada em agravo de instrumento prevalece mesmo sobre a cognição exauriente levada a efeito na sentença, no entanto, é preciso salientar que a maciça jurisprudência do STJ está pacificada noutro rumo, ou seja, reconhecendo a perda superveniente de objeto desse reclamo.

Assim, tanto por respeito a instância superior como também por disciplina judiciária, procuro orientar minhas decisões de acordo com o entendimento majoritário da Corte de Justiça de Santa Catarina e, em especial, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, visando à concretização dos ideais de justiça diante de um custo-benefício ideal da prestação jurisdicional e da segurança jurídica que a todos interessa.

De início, registre-se que segundo o Superior Tribunal de Justiça a prolação de sentença não está adstrita ao julgamento do agravo:

"PROCESSO CIVIL. SENTENÇA PROFERIDA ANTES DE PROVIDO O AGRAVO INTERPOSTO ANTERIORMENTE. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO DESTE. OCORRÊNCIA DE COISA JULGADA. PERDA DE OBJETO DO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I - A existência de agravo não impede que a sentença seja proferida nem que ela transite em julgado, dada a ausência, por lei, de efeito suspensivo para o agravo.

II - Sem a suspensão da eficácia da decisão interlocutória impugnada pela via do agravo de instrumento, o processo segue seu curso, sem prejuízo dos atos subseqüentes, entre eles o pronunciamento de mérito.

III - Em última análise, nem o efeito meramente devolutivo do agravo, nem a sentença, muito menos a coisa julgada podem submeter-se a condições, isto é, admitir-se que o juiz deva aguardar o desfecho do agravo, em todos os casos, para que possa sentenciar, significaria ampliar a extensão do efeito devolutivo do agravo, sem base legal.

IV - Assim, a eficácia do comando da sentença não pode subordinar-se ao julgamento de agravo interposto anteriormente, seja pela inadmissibilidade da sentença condicional, seja pela sua finalidade de resolver definitivamente o conflito de interesses.

V - Sob outro ângulo, ainda que eficaz a sentença, a formação ou não da coisa julgada, conforme provido ou não aquele agravo anterior, comprometeria de fundo a segurança jurídica, princípio que, afinal, resguarda toda a ciência jurídica.

VI - A ausência de prequestionamento inviabiliza o acesso à instância especial." (REsp 292565/RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/11/2001, DJ 05/08/2002, p. 347).

No mais, são realmente fartos os julgados do egrégio STJ que dão guarida ao entendimento ora adotado, valendo dizer que, nos idos de 2005, até havia divergência de posicionamentos, mas, mesmo à época, o STJ já havia decidido o seguinte:

"PROCESSO CIVIL – RECLAMAÇÃO – TUTELA ANTECIPADA – POSTERIOR SENTENÇA DE MÉRITO – PREVALÊNCIA.

1. O juízo provisório outorgado por liminar ou tutela antecipada, oriundo de Tribunal ou por ele chancelado, não perde a natureza jurídica de precariedade, sendo substituído inteiramente pela sentença de mérito, após cognição exauriente.

2. Teoria da hierarquia que ofende a lógica do sistema e aprofunda a hierarquização objetiva no âmbito do Poder Judiciário, aspecto que a nova tendência do processo pretende atenuar.

3. Embargos de declaração prejudicados. Reclamação improcedente." (Rcl 1444/MA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 203) – destaquei.

Em seu voto, o Min. Luiz Fux, atualmente no STF, concordando com a relatora, Min. Eliana Calmon, ainda afirma que:

"Essa reclamação seria o mesmo que dizer o seguinte: 'Se o tribunal defere tutela antecipada, paralisa-se o processo e o juiz não pode proferir uma sentença de mérito'. Se acolhêssemos a reclamação, geraríamos essa perplexidade."

Com o passar do tempo, a orientação majoritária se firmou no sentido da perda de objeto do agravo. Confira-se:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE DEFERIU LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUPERVENIENTE JULGAMENTO DE MÉRITO NA AÇÃO PRINCIPAL. PERDA DE OBJETO DO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que perde o objeto o agravo de instrumento contra decisão concessiva ou denegatória de liminar com a superveniência da prolação de sentença, tendo em vista que essa absorve os efeitos do provimento liminar, por se tratar de juízo de cognição exauriente.

2. A decisão monocrática ora agravada baseou-se em jurisprudência do STJ , razão pela qual não merece reforma.

3. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 956504/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 27/05/2010) – grifei.

E:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDORA PÚBLICA. REVISÃO DO ATO DE APOSENTADORIA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA

TUTELA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE DEFERE LIMINAR. PROLAÇÃO DE SENTENÇA DE MÉRITO. PERDA DO OBJETO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que perde o objeto o agravo de instrumento contra decisão concessiva ou denegatória de liminar com a superveniência da prolação de sentença, tendo em vista que essa absorve os efeitos do provimento liminar, por se tratar de juízo de cognição exauriente (AgRg no REsp. 956.504/RJ, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 27.05.2010).

2. Não se aplica, à hipótese, o decidido no EREsp. 765.105/TO, uma vez que não incidem as disposições concernentes ao cumprimento de sentença nas execuções por quantia certa, dada a existência de rito próprio para a Fazenda Pública (art. 730 do CPC).

3. Agravo Regimental desprovido." (AgRg no Ag 1366461/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe 14/11/2011) – grifei.

Também:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PEDIDO LIMINAR. INDEFERIMENTO. SENTENÇA DE MÉRITO SUPERVENIENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERDA DE OBJETO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO." (AgRg no REsp 1114681/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2012, DJe 01/08/2012) – destaquei.

Ainda:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERDA DE OBJETO.

1. Cinge-se a demanda à sentença superveniente à ação principal que acarretou a perda de objeto do Agravo de Instrumento que tratava da antecipação dos efeitos da tutela.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido da perda de objeto do Agravo de Instrumento contra decisão concessiva ou denegatória de liminar com a superveniência da prolação de sentença, tendo em vista que esta absorve os efeitos do provimento liminar, por se tratar de juízo de cognição exauriente.

3. Recurso Especial não provido." (REsp 1332553/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 11/09/2012) – destaquei.

Sobre o caráter provisório da liminar e exauriente da sentença:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA PROCEDENTE. PERDA DE OBJETO DO RECURSO RELATIVO À MEDIDA LIMINAR. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1. As medidas liminares, editadas em juízo de mera verossimilhança, objetivam ajustar provisoriamente a situação das partes, desempenhando no processo função de natureza temporária. Sua eficácia se encerra com a superveniência da sentença, provimento tomado à base de cognição exauriente, apto a dar tratamento definitivo à controvérsia . Precedentes do STJ.

2. Agravo Regimental não provido." (AgRg no Ag 1322825/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9.11.2010, DJe 3.2.2011) – grifei.

Com clareza solar, o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Albino Zavascki e processualista renomado autor de inúmeras obras, quando ainda no STJ, relatou recurso que restou assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MEDIDA LIMINAR. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA JULGANDO A CAUSA. PERDA DE OBJETO DO RECURSO RELATIVO À MEDIDA ANTECIPATÓRIA.

1. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório" (Súmula 98/STJ).

2. As medidas liminares, editadas em juízo de mera verossimilhança, têm por finalidade ajustar provisoriamente a situação das partes envolvidas na relação jurídica litigiosa e, por isso mesmo, desempenham no processo uma função por natureza temporária. Sua eficácia se encerra com a superveniência da sentença, provimento tomado à base de cognição exauriente, apto a dar tratamento definitivo à controvérsia, atendendo ou não ao pedido ou simplesmente extinguindo o processo.

3. O julgamento da causa esgota, portanto, a finalidade da medida liminar, fazendo cessar a sua eficácia. Daí em diante, prevalece o comando da sentença, e as eventuais medidas de urgência devem ser postuladas no âmbito do sistema de recursos, seja a título de efeito suspensivo, seja a título de antecipação da tutela recursal, providências cabíveis não apenas em agravo de instrumento (CPC, arts. 527, III e 558), mas também em apelação (CPC, art. 558, § único) e em recursos especiais e extraordinários (RI/STF, art. 21, IV; RI/STJ, art. 34, V).

4. Conseqüentemente, a superveniência de sentença acarreta a inutilidade da discussão a respeito do cabimento ou não da medida liminar, ficando prejudicado eventual recurso, inclusive o especial, relativo à matéria.

5. A execução provisória da sentença não constitui quebra de hierarquia ou ato de desobediência a anterior decisão do Tribunal que indeferira a liminar. Liminar e sentença são provimentos com natureza, pressupostos e finalidades distintas e com eficácia temporal em momentos diferentes. Por isso mesmo, a decisão que defere ou indefere liminar, mesmo quando proferida por tribunal, não inibe a prolação e nem condiciona o resultado da sentença definitiva, como também não retira dela a eficácia executiva conferida em lei.

6. No caso específico, a liminar foi indeferida em primeiro grau, e mantida a decisão pelo tribunal local, ao julgar agravo de instrumento. Pendente recurso especial dessa decisão, sobreveio sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito. Tal sentença dá tratamento definitivo à controvérsia, ficando superada a discussão objeto do recurso especial.

7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido." (REsp 853.349/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/09/2006, DJ 25/09/2006, p. 242) – grifei e sublinhei.

Vários outros precedentes do Tribunal da Cidadania apresentam o mesmo entendimento acima mencionado, valendo citar, apenas a título de exemplo, EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1269657/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 27/08/2012; EDcl no REsp 1179156/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 24/04/2013; AgRg no REsp 640128/RS, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), DJe 29/04/2013; e REsp 1355018/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 04/04/2013, DJe 10/05/2013.

Portanto, equacionada a questão sob os pontos de vista doutrinário e jurisprudencial, tendo em vista que a decisão que analisa o pedido de liminar é substituída pela sentença, a partir do momento em que esta é prolatada os inconformismos devem ser pleiteados pela via adequada, ainda que haja necessidade de medida urgente.

Por tudo quanto exposto, a liminar anteriormente concedida pelo e. TJSC (fls. 895-899) perde seu efeito.

DA PETIÇÃO INICIAL APRESENTADA E SUAS PRINCIPAIS FALHAS

Em que pese a subscrição de escol, as imprecisões são tantas que me forçam a realizar quase um quadro sinótico das principais e mais destacadas falhas materiais detectadas.

Estou há mais de dez anos numa vara bancária. Incessantemente procuro estudar e observar com atenção o direito contratual brasileiro em suas diversas óticas, razão porque entendo efetivamente que a melhor e mais percuciente visão do contrato passa por sua compreensão como um meio jurídico facilitador de produção e circulação de riquezas e a Justiça tem como missão maior o seu cumprimento e a garantia dos direitos de propriedade visando a fomentar o crescimento econômico e social.

Nessa esteira, Timm coloca que "(...) o contrato deve ser visto em seu contexto institucional, para que as soluções dogmáticas ou as decisões judiciais não entrem em conflito ou não desinstitucionalizem' o contrato frente ao mercado (as soluções jurídicas devem enxergar a floresta e não apenas o arbusto, de modo que nem sempre uma decisão no caso posto a julgamento, ou nem sempre a análise de uma relação contratual isolada do seu contexto, será a mais benéfica do ponto de vista coletivo)." e, mais adiante, ressaltando que o modelo solidarista (paternalista) do contrato não resulta necessariamente em bem-estar na sociedade diante da ausência da observância dos custos de transação, acresce que "a intervenção judicial em favor da parte mais fraca pode ser fonte de externalidades negativas no caso de um contratante que não esteja totalmente pagando (internalizando) pelo benefício proporcionado pela barganha, mas, ao reverso, está sendo beneficiado por uma intervenção ex post do Estado na relação contratual (tal como ocorre nos contratos bancários julgados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que limitam a taxa de juros em 12%, devido à remanescente Lei da Usura)."[1]

Registro, desde logo, o que recentemente consignou o ilustre Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, em julgamento de apelação interposta contra uma sentença deste juízo:

"(...) Não se revela plausível a alegação do insurgente de que pactuou encargos diferentes dos que são exigidos. Esse argumento integra uma petição padronizada que pode ser utilizada para qualquer causa revisional.

Observa-se, data venia, com frequência, essa inadequada prática.

A reprodução indiscriminada retira credibilidade da causa petendi.

Nessas condições, não se mostra adequada a produção de prova para a demonstração de um fato muito mais próximo da conjetura do que da efetiva realidade.(...)." (TJSC, Apelação Cível n. 2014.071795-7, de Joinville, rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. 11-06-2015).

A assertiva supra cabe como uma luva à petição inicial desta ação de revisão de contratos, completamente padronizada e genérica, em que o douto subscritor se dá ao trabalho de, no máximo, citar alguns dos inúmeros (não se sabe sequer quantos) contratos.

Para se ter uma ideia dessa "metralhadora giratória", basta fazer um cotejo com as demais ações de revisão contratual ajuizadas pelos causídicos do autor para se aferir como ele habitualmente reproduz a conduta corretamente combatida e bem salientada pelo eminente Des. Ronaldo e pela boa doutrina e jurisprudência pátria:

- 314154-02.2014;

- 313250-79.2014;

- 321190-95.2014;

- 323783-97.2014;

- 300100-94.2015;

- 301686-69.2015;

- 301873-77.2015;

- 301871-10.2015;

- 302217-58.2015;

- 302529-34.2015;

- 302628-04.2015;

- 302632-41.2015;

- 302636-78.2015;

- 302950-24.2015;

- 302985-81.2015.

Em absolutamente todas elas constam, sem exceção, apenas assertivas generalizadas sobre a relação contratual sem maiores especificações das supostas abusividades perpetradas pela instituição financeira adversa.

Com efeito, veja-se que se trata de ação discutindo teses jurídicas e não o caso concreto.

Digo isso por que, conquanto existam algumas especificações (número, data, valor e taxa de juros de alguns contratos – todas, porém, "a título exemplificativo" – fls. 10 e 12), a maior parte da peça é recheada de generalidades:

- à fl. 09 a autora declara que almeja a revisão de todos os contratos pactuados, porém à fl. 05 afirma que firmou outros contratos, mas que não detém os números, muito menos as cópias das avenças;

- às fls. 13-15 afirma-se a ausência de contratação da capitalização de juros em alguns contratos, mas a incidência diária do anatocismo em outros, inexistindo apontamento algum de quais são os contratos com a alegada capitalização diária dos juros;

- às fls. 20-22 requer-se a exibição de uma série de documentos incertos: "todos os documentos relacionados às partes, vinculados à conta corrente nº 4.386-9, agência 3428-2, bem como todos os contratos pactuados e os acima mencionados, extratos da conta corrente de todo o período contratual, inclusive memória de evolução do débito, contrato e faturas dos cartões de crédito Ourocard Empresariais" (sic, fls. 21). Neste ponto, ressalto inclusive que a falta de atendimento ao art. 356, I e II, do CPC, impede a própria exibição requerida, pois como seria possível aferir o cumprimento da deliberação se a autora não tem a menor ideia de quantos e de quais são efetivamente os documentos?;

- à fl. 41 a parte autora assevera: "Recomenda-se uma minuciosa análise de todos os contratos em questão, há de se verificar o quão explorador pretender ser e foi a Instituição Ré, muito distante da publicidade e dos sorrisos que conduzem o consumidor, que acabam por dilapidar seu já escasso patrimônio." (sic);

- às fls. 41-44 insurge-se contra a aplicação do Certificado de Depósito Interbancário – CDI, todavia não se identifica sequer um contrato em que pactuada a incidência desse encargo;

- às fls. 44-49 e 58-60 investe-se, respectivamente, contra a TJLP como índice de correção monetária, a cobrança de tarifas bancárias e os encargos moratórios (comissão de permanência cumulada com outros encargos), entretanto não há indicação da existência de nenhuma dessas despesas em qualquer dos vários contratos juntados ao feito.

Em face do exposto, verifica-se que merece razão a preliminar de inépcia da inicial, arguida pela instituição financeira, pois a parte autora não discriminou as obrigações contratuais que pretende controverter, descumprindo frontalmente o disposto no art. 285-B do CPC.

Neste ponto, vale frisar que a separação de poderes (CRFB, art. 2º) só autoriza o afastamento de alguma lei em certos e limitados casos, como, por exemplo, inconstitucionalidade, vício sequer suscitado pelo autor em relação à Lei 12.810/2013, que introduziu o art. 285-B ao CPC (dispositivo reprisado, aliás, no novo CPC, conforme art. 330, § 2º[2]).

A respeito do assunto, aliás, Lenio Streck destaca o seguinte:

"Em suma: o que não podemos fazer é cumprir a lei só quando nos interessa. Explicitando isso de outra maneira, quero dizer que o acentuado grau de autonomia alcançado pelo direito e o respeito à produção democrática das normas faz com que se possa afirmar que o Poder Judiciário somente pode deixar de aplicar uma lei ou dispositivo de lei nas seguintes hipóteses:

a) quando a lei (o ato normativo) for inconstitucional, caso em que deixará de aplicá-la (controle difuso de constitucionalidade stricto sensu) ou a declarará inconstitucional mediante controle concentrado;

b) quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias. Nesse caso, há que se ter cuidado com a questão constitucional, pois, v.g., a lex posterioris, que derroga a lex anterioris, pode ser inconstitucional, com o que as antinomias deixam de ser relevantes;

c) quando aplicar a interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna necessária uma adição de sentido ao artigo de lei para que haja plena conformidade da norma à Constituição. Neste caso, o texto de lei (entendido na sua “literalidade”) permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que o torne adequado a Constituição;

d) quando aplicar a nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung), pela qual permanece a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinada(s) hipótese(s) de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, enquanto na interpretação conforme há uma adição de sentido, na nulidade parcial sem redução de texto, ocorre uma abdução de sentido;

e) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo.

f) quando – e isso é absolutamente corriqueiro e comum – for o caso de deixar de aplicar uma regra em face de um princípio, entendidos estes não como standards retóricos ou enunciados performativos. Conforme deixo claro em Verdade e Consenso (posfácio da terceira edição), é através da aplicação principiológica que será possível a não aplicação da regra a determinado caso (a aplicação principiológica sempre ocorrerá, já que não há regra sem princípio e o princípio só existe a partir de uma regra). Tal circunstância, por óbvio, acarretará um compromisso da comunidade jurídica, na medida em que, a partir de uma exceção, casos similares exigirão, graças à integridade e a coerência, aplicação similar. Um exemplo basilar que ajuda a explicar essa problemática “regra-princípio” é o da aplicação da insignificância. Em que circunstância um furto não deverá ser punido? A resposta parece ser simples: quando, mesmo estando provada a ocorrência da conduta, a regra deve ceder em face da aplicação do princípio da insignificância. Entretanto, isso implicará a superação do seguinte desafio hermenêutico: construir um sentido para esse princípio, para que este não se transforme em “álibi para aplicação ad hoc”. Lamentavelmente, a dogmática jurídica fragmentou ao infinito as hipóteses, não havendo a preocupação com a formatação de um mínimo grau de generalização. No mais das vezes, uma ação penal que envolve esse tipo de matéria é resolvido com a mera citação do princípio ou de um verbete, na maioria das vezes, absolutamente descontextualizado. Trata-se de uma aplicação equivocada da exceção, embora se possa dizer, em um país com tantas desigualdades sociais, que, na maior parte das vezes (no atacado), as decisões acabam sendo acertadas. A aplicação da insignificância – como de qualquer outro princípio jurídico – deve vir acompanhado de uma detalhada justificação, ligando-a a uma cadeia significativa, de onde se possa retirar a generalização principiológica minimamente necessária para a continuidade decisória, sob pena de se cair em decisionismo, em que cada juiz tem o seu próprio conceito de insignificância (que é, aliás, o que ocorre no cotidiano das práticas judiciais)."[3]

Frise-se que condicionar o exercício do direito de ação ao preenchimento de alguns requisitos (como é o caso do art. 285-B) não é o mesmo que simplesmente negar acesso à Justiça. Fosse assim o STF não teria decidido, por exemplo, que só existe interesse de agir em ajuizar ação pleiteando benefício previdenciário quando previamente negado o requerimento na seara administrativa[4]. No mesmo rumo o STJ, no que diz respeito às ações de exibição de documentos, em julgamento de recurso especial representativo de controvérsia[5].

Outrossim, não cabe ao órgão julgador confrontar as teses arguidas na petição inicial e verificar quais delas são cabíveis ou não aos inúmeros contratos trazidos pela parte e a outros que nem se conhece (sentença não é exercício de adivinhação e nem de futorologia), porque essa tarefa, até em prestígio à nobre atividade advocatícia, compete ao profissional contratado pelo consumidor.

Peça inicial com incontáveis contratos e sem devida identificação de cláusulas é petição inicial repleta de pedidos genéricos, vedada pelo art. 286, caput, do CPC, sobretudo por não se enquadrar em nenhum dos incisos do dispositivo.

De fato, salvo poucas exceções, o Código de Processo Civil não admite pedido indeterminado (CPC, art. 286) e pedido determinado é aquele delimitado em relação ao “que” (qualidade) e ao “quanto” (quantidade)[6].

Somente em alguns casos é que se admite pedido genérico (incisos I a III do art. 286 do CPC), que é aquele relativamente indeterminado, pois é indeterminado apenas em relação ao “quanto”.

É bom lembrar “que os requisitos do pedido (certeza, determinação, clareza e coerência) são os mesmos requisitos da sentença (cf. v. 2 deste Curso). Se o pedido é um projeto de sentença, nada mais razoável do que exigir dessa os mesmos requisitos exigidos daquele”. (ob. cit., p. 455)

Desse modo, resta inequívoco que o pedido não pode ser indeterminado em relação à “qualidade”, ou seja, só é possível, numa ação de revisão de contrato, pedir a modificação ou extinção de cláusulas avençadas caso devidamente especificadas, relegando-se à fase liquidatória exclusivamente a apuração do “quanto” (valor) da obrigação.

Ora, no caso concreto, a parte autora cita mais de 24 (vinte e quatro) contratos, isso sem considerar aqueles que ela supostamente nem teve acesso mas pretende revisar (exercício de adivinhação e futorologia). Ademais, os documentos juntados, e designados apenas como "Documentação", começam às fls. 78 e vão até às fls. 853.

Dessa forma, em que pese a subscrição de escol, a inicial não possui as condições ideais de transpor os umbrais de admissibilidade, razão por que, ausente a emenda, merece ser imediatamente extinta.

A parte autora foi intimada para: a) Promover a juntada do(s) contrato(s) que pretende revisar (em ordem cronológica); b) Proceder a indicação precisa das cláusulas contratuais que contenham eventuais abusividades e/ou ilegalidades e que serão objetos da lide; c) Apresentar de forma clara a correta explicitação jurídica e financeira de como chegou aos valores da dívida tidos como incontroversos frente a relação negocial objeto dessa lide; d) Efetuar o depósito do montante incontroverso (desde o dia que se tornou inadimplente), observado o procedimento explicitado neste decisum; e) Juntar os comprovantes de depósito das parcelas já quitadas; f) Corrigir o valor dado à causa e efetuar a complementação do pagamento das custas iniciais. (fls. 859-864).

Todavia, a parte autora não cumpriu nenhuma das deliberações. Nem aquela que ela mesmo se propôs a observar: a consignação judicial dos valores referentes ao único contrato em aberto (fls. 18-20 e 64, item 1.1.2).

Como já frisei no início da sentença, com todo respeito ao ilustre Des. Artur Jenichen Filho (fls. 895-899), entendo que a inicial deve ser indeferida, mormente por que a instituição financeira arguiu a preliminar de inépcia da inicial e não houve preclusão sobre o assunto, até mesmo porque a parte ré não poderia ser prejudicada por uma decisão judicial tomada sem lhe oportunizar a manifestação.

DO ARTIGO 285-B DO CPC

Sabe-se que a petição inicial tem que ser escrita, clara e com conteúdo específico, de forma a delimitar o objeto da demanda. Em sentido contrário, admitem-se apenas algumas exceções, as quais não se enquadram nesta lide. Essa é a inteligência do art. 286 do CPC.

O professor Fredie Didier Jr. leciona: "Como a demanda tem a função de bitolar a atividade jurisdicional, que não pode extrapolar os seus limites (decidindo além, aquém ou fora do que foi pedido), costuma-se dizer que a petição inicial é um projeto de sentença: contém aquilo que o demandante almeja ser o conteúdo da decisão que vier a acolher o seu pedido." (DIDIER JR. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. V.I., 12ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 421).

Insta destacar que a Lei 12.810/2013 incluiu o artigo 285-B no Código de Processo Civil, com a seguinte redação:

"Art. 285-B. Nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013).

Parágrafo único. O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados. (Incluído pela Lei nº 12.810, de 2013)."

Tocante à alteração normativa, já citado professor Fredie Didier Jr explica:

"O dispositivo cria um novo caso de inépcia, que acresce o rol do parágrafo único do art. 295 do CPC, embora isso não tenha ficado claro – o texto menciona o que o autor tem de fazer, mas não disse o que acontece se ele não cumprir este ônus.

Proposta demanda que tenha por objeto a discussão de dívida oriunda de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, cabe ao autor identificar, precisamente, qual o valor que pretende controverter e qual é a parcela incontroversa. Ou seja: não basta o pedido de revisão de dívida, é preciso especificar o que se discute.

Não discriminado este valor, cabe ao juiz determinar a intimação do autor para que emende a petição inicial; não retificado o defeito, a petição há de ser indeferida, por inépcia.

(...)

A regra é boa; está em consonância com os princípios da boa-fé processual e da cooperação, além de ser harmônica com o sistema jurídico brasileiro."[7]

A inclusão da norma supracitada no Código de Processo Civil deixa clara a preocupação do legislador de que os consumidores não aforem ações de revisionais de contrato sem coerente e plausível análise das especificidades do caso concreto.

Convém ressaltar que o entendimento agora positivado no Código de Processo Civil há muito já vinha sendo adotado por diversos Tribunais[8] que entendiam pela indispensabilidade de apresentação do contrato e indicação precisa das cláusulas reputadas abusivas, com fulcro no enunciado sumular nº 381 do STJ, que veda a revisão de ofício de cláusulas contratuais.

Regra absolutamente semelhante já foi inclusive anteriormente estipulada para contratos de financiamento imobiliário, conforme teor do artigo 50 da Lei 10.931/2004 (vide DIDIER JR. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. V.I., 12ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 435).

Com a inclusão do artigo 285-B no CPC, além dos requisitos indispensáveis à propositura da petição inicial (CPC, art. 282), outros pressupostos de admissibilidade devem ser observados, quais sejam: a) juntada dos contratos que se pretende revisar; b) indicação precisa das cláusulas contratuais que contenham abusividades; c) explicitação jurídica e financeira dos valores incontroversos e depósito do referido montante; d) juntada dos comprovantes de depósito das parcelas já quitadas.

Contudo, no caso ora em pauta, a parte autora não apresentou todos os contratos objeto da lide, nem indicou as cláusulas reputadas abusivas. Também não houve correção do valor da causa, tampouco o depósito do montante que entende devido.

Logo, diante da inobservância do artigo 282 e do novel artigo 285-B do CPC, o indeferimento da inicial é a medida que se impõe, como se verá a seguir.

DA AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE TODOS OS CONTRATOS

Nos termos da Súmula 381 do STJ: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas."

Ainda, como visto anteriormente, o art. 285-B do CPC narra que a parte autora deve indicar claramente quais as cláusulas do contrato que entende abusivas, bem como proceder à quantificação do valor incontroverso, o qual deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados, através de depósito judicial.

Da conjugação dessas normas, extrai-se que é imprescindível a apresentação do contrato, para que as cláusulas possam ser precisamente impugnadas pela parte autora, bem como, a fim de possibilitar a elaboração do cálculo do montante incontroverso, com base nos dados constantes no pacto firmado entre os litigantes.

Dessa forma, "já que a instrução da peça vestibular com o contrato celebrado importaria em delimitação do pedido, feito de forma genérica e inadmissível. Não pode a autora pretender compelir o Banco a juntar aos autos cópia dos instrumentos celebrados para, só depois disso, verificar o que, efetivamente, existe de abusivo, modificando, assim, o pleito original." (TJSP. Apelação n° 994.06.147073-6, Rel. Sebastião Garcia; 6ª Câmara de Direito Privado, 06/05/2010).

Conveniente salientar que a mudança legislativa deixou clara como a luz solar a impossibilidade de se deferir tutela judicial para juntada posterior dos contratos objeto da demanda. Ou seja, acabou com a controvérsia jurisprudencial no tocante a uma firme, clara e induvidosa delimitação do pedido na forma de apresentação dos contratos e indicação das cláusulas objeto da lide aforada.

Lides inconsistentes não interessam a ninguém. O Judiciário deve cumprir o seu importante papel de proteção dos consumidores sérios e que demonstrem efetivamente a lesão a seus direitos.

Ressalta-se que se a parte não dispunha do pacto firmado entre as partes, deveria ter aforado ação cautelar de exibição de documentos para obter a cópia do contrato e, após, de posse desta, fundamentar os pedidos da ação de revisão.

Como se disse Acórdão Bandeirante nº 994.06.147073-6, com clareza e coragem dignas de aplausos, com grifos meus: "Nem se fale em inversão do ônus da prova, já que a instrução da peça vestibular com o contrato celebrado importaria em delimitação do pedido, feito de forma genérica e inadmissível. Não pode a autora pretender compelir o Banco a juntar aos autos cópia dos instrumentos celebrados para, só depois disso, verificar o que, efetivamente, existe de abusivo, modificando, assim, o pleito original. Muito menos afirmar genericamente que existe algo de errado, que poderá ser apurado em perícia. Constitui o que se convencionou chamar de 'metralhadora giratória'. A demanda judicial não pode ser uma aventura jurídica. Há de conter postulações precisas, viabilizando o exercido do direito de defesa. Nem a alegação de que o relacionamento existente tem características de consumo aproveita à autora, pois o Código de Defesa do Consumidor exige um mínimo de credibilidade na postulação.". (TJSP. Apelação n° 994.06.147073-6, Rel. Sebastião Garcia; 6ª Câmara de Direito Privado, 06/05/2010).

De maneira bastante firme acentuou o Des. Pedro Bernardes, da 9ª Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgando a Ap. Civ. N° 1.0035.07.094649-2/001, com destaques meus:

"O artigo 844, II, do CPC, estabelece que tem lugar, como procedimento cautelar preparatório, a exibição judicial de documento comum que esteja em poder de co-interessado ou credor. É esse, pois, o caminho adequado para a parte autora obter o aludido contrato, indispensável à instrução da presente ação, e, por conseguinte, ao seu processamento regular. Cabia ao recorrente, antes de interpor a presente ação, ajuizar a competente ação cautelar de exibição de documentos e, apenas quando já estivesse de posse dos contratos, ajuizar a ação pleiteando a revisão."

E na sequência ainda ensina: "Se é verdade que não dispõe de cópia dos contratos celebrados, deveria ter se valido da ação própria para compelir o Banco a lhes apresentar uma das vias. Não o fazendo, admitindo que promove ação sem saber efetivamente se o que lhe é cobrado está previsto contratualmente ou não e se fere legislação vigente ou não, dificultam extremamente a defesa da instituição bancária e inviabilizam a prestação jurisdicional. Para discutir a validade das cláusulas contratuais de instrumento que voluntariamente celebrou, estabelecendo condições para o relacionamento bancário, a autora deveria, no mínimo, ter se inteirado do conteúdo do que assinou antes de movimentar a máquina judiciária. Aparentemente, vale-se da demanda para curar imprevidência consistente na assinatura de instrumento que não podia cumprir."

Esse norte já foi muito bem exposto pelo culto e ilustrado Desembargador Ricardo Fontes, mutatis mutandis:

"APELAÇÃO CÍVEL. EMISSÃO IRREGULAR DE AÇÕES. BRASIL TELECOM S/A. MÉRITO. PARTE AUTORA QUE SUSTENTA TER FIRMADO CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA COM A REQUERIDA. PETIÇÃO INICIAL QUE NÃO ATENDE AOS REQUISITOS DOS ARTS. 282, III, E 286 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA INCABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE INÉPCIA DA EXORDIAL POR ESTE TRIBUNAL. RECONHECIMENTO, CONTUDO, DA ILEGITIMIDADE PASSIVA. EXTINÇÃO DO FEITO COM ALICERCE NO ART. 267, VI, E § 3º, DO DIPLOMA MENCIONADO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSOS PREJUDICADOS.

Os arts. 282, III, e 286, primeira parte, do CPC devem ser respeitados em todas as demandas que seguem o rito ordinário ou sumário, naquelas cuja causa de pedir repousa em cumprimento deficitário de contrato de participação financeira em serviços de telefonia inclusive, com pedido de subscrição de ações ou indenização pecuniária. Para obstar o que se pode chamar de "sentenças virtuais" e "avalanche de recursos", fundados em "demandas de massa" deflagradas sem o mínimo de cuidado e de atenção às regras processuais em vigor (o que não se deve confundir com a "liquidação zero" posterior, aceita pela doutrina e jurisprudência), é necessário que: a) na peça inaugural, a parte autora aponte com precisão qual o contrato firmado com a concessionária, a modalidade ajustada (PEX ou PCT) e o importe investido, com suas respectivas datas, sob pena de indeferimento, com a possibilidade de emenda no primeiro grau; e b) conquanto seja possível a incidência do CDC ao caso, o Magistrado indefira o pedido de inversão do ônus da prova, à exceção da hipótese em que o requerente cumpra o disposto no art. 356, I, do CPC, ao individualizar integralmente o documento cuja exibição é pretendida. A presunção de veracidade prevista no art. 359 do CPC é cabível apenas se a parte individualiza o documento que se pretende exibir. A mera indicação de um número de terminal ou de contrato, ou ainda a juntada de fatura (original ou cópia), não satisfaz os requisitos mínimos para a propositura da actio, porque é fato notório, atualmente, a viabilidade de aquisição por meio de simples telefonema. Diz-se isso também porque a parte autora dispõe de tutela específica e típica para a correta instrução do feito, qual seja, a prévia ação de exibição (arts. 844 e 845 do CPC). Ressalvam-se, evidentemente, os processos em que a ré houve por bem confessar, expressa ou implicitamente, a realização do negócio com o requerente, que pretende a subscrição ou a indenização pecuniária (cuja subsidiariedade, assim como a integralidade dos pedidos iniciais, deve ser analisada pelo Magistrado, sob pena de caracterização de decisão citra ou infra petita). Confissão, aqui, vista como a juntada perfeita e acabada, pela concessionária, dos documentos necessários. Ao Tribunal, em grau de recurso, é vedado indeferir a inicial em medida operacional ex officio. Se a parte requerente não demonstra sequer indícios de contratação sob o sistema de participação financeira, impõe-se o reconhecimento de ilegitimidade passiva e a extinção do processo, sem resolução do mérito, com alicerce no art. 267, VI, e § 3º, do CPC. Cabe ao litigante que deu causa à extinção da demanda sem a apreciação do mérito a satisfação das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados segundo os parâmetros do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC." (TJSC, Apelação Cível n. 2011.073363-9, de Joinville, rel. Des. Ricardo Fontes , j. 27-10-2011) (grifei).

Ora, se o consumidor não tem todos os contratos, não há lide delimitada (ofensa à Súmula 381 do STJ), ressaltando-se que o Juiz não pode à luz do CPC atual aceitar emenda da inicial após a citação.

Logo, o contrato objeto da lide se afigura como documento indispensável ao prosseguimento do feito. A não apresentação deste impede que os demais requisitos sejam cumpridos, uma vez que, sem o pacto firmado entre os litigantes não há como se proceder a quantificação do valor incontroverso, tampouco a delimitação do pedido, de acordo com o 282 e 285-B do CPC. Cópias de extratos não servem para nada a não ser indicar a existência de uma relação negocial (abertura de conta-corrente, serviços, etc), todavia, não possuem elementos seguros e suficientes para embasar uma revisional. Os índices, fórmulas e encargos pactuados estão presentes apenas nos contratos. Não é por mero acaso que o nomen iuris da ação é REVISÃO DE CONTRATOS e não REVISÃO DE EXTRATOS!

Neste diapasão, colaciono a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

"AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE CONTRATO. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. PROCESSO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

Em Ação de Revisão de Cláusula Contratual indispensável a cópia do contrato de financiamento do veículo, sob pena de indeferimento da peça inaugural, com a conseqüente extinção do feito, sem a resolução do mérito, nos termos do Artigo 267, inciso IV, do Pergaminho Processual. Recurso não provido." (AC 106720831213150011, Rel. Pereira da Silva, j. 09/06/2009).

Feitas estas constatações, não há outro caminho a ser adotado senão o indeferimento da inicial em razão da ausência de emenda, conforme disposto no artigo 284, parágrafo único do Código de Processo Civil.

DA AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

Em não tendo sido apresentado todos os contratos objeto da lide, tornou-se inviável a delimitação do pedido (não observada nem mesmo para os contratos juntados), conforme determinado na decisão de fls. 859-864. Isto porque a parte autora simplesmente lançou teses sobre abusividades contratuais, sem pontuar onde se encontravam as alegadas irregularidades no contrato, ou seja, não indicou precisamente quais as cláusulas que pretende revisar.

Segundo o professor Fredie Didier Jr: "Pedido certo é pedido expresso. Como será examinado adiante, não se admite, como regra, o pedido implícito e nem se permite interpretação extensiva do pedido. "Não se admite, a teor da melhor técnica, pedido obscuro, dúbio e vago (...)". Tanto o pedido mediato quanto imediato devem ser certos.

Pedido determinado é aquele delimitado em relação à qualidade e quantidade (...).

O pedido precisa ser claro, intelegível. Pedido que tenha sido formulado de maneira pouco clara implica em inépcia da inicial (...)" (DIDIER JR. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. V.I., 12ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, 438) (grifei).

Sobre a necessidade de especificação do pedido, o professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves explica que: "O CPC, art. 286, estabelece que o pedido deve ser certo ou determinado. O uso da conjunção alternativa foi infeliz, pois em regra ele deve ser certo e determinado. Por certo entende-se aquele que esteja individualizado, possibilitando a sua perfeita identificação. A petição inicial deve indicar o bem da vida pretendido, ou ao menos, fornecer elementos que permitam identificá-lo. Ademais, o pedido deve ser determinado quanto à sua quantidade." (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. V1. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 340) (grifei).

A não observância do preceito insculpido no artigo 282, III, do CPC (exposição do fato e fundamento jurídico do pedido) impede a análise pelo Magistrado de questões desprovidas de fundamentação e que não foram devidamente arguídas pela parte. Neste contexto, recomenda-se a leitura da Apelação Cível n. 2010.059147-8, relatada pelo Desembargador Pedro Manoel Abreu.

Sobre o tema, colaciono a seguinte decisão do Tribunal de Justiça, que revela a necessidade de exposição precisa sobre a abusividade contratual:

"AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. EXPOSIÇÃO DEFICIENTE DOS FATOS E DA CAUSA DE PEDIR. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO PEDIDO. PARTE QUE PEDE A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS SEM INDICÁ-LAS OBJETIVAMENTE, ALÉM DE REQUERER A DEVOLUÇÃO DE QUARENTA PARCELAS PAGAS SEM JUSTIFICAR O MOTIVO DE SUA PRETENSÃO. INÉPCIA CARACTERIZADA. RECONHECIMENTO EX OFFICIO. EXTINÇÃO DA AÇÃO QUE SE IMPÕE, POIS APÓS OFERECIDA A RESPOSTA, ESTANDO FORMADO O CONTRADITÓRIO, NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE EMENDA DA INICIAL. APELO PREJUDICADO.

"...determinada a citação, não é mais caso de o juiz possibilitar a emenda (art. 284). Assim, havendo inépcia e mesmo que a princípio fosse possível o conserto, o caminho é a extinção do feito" (TJSC, AI 98.018434-7, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra) (grifei).

Neste rumo, colaciono a decisão do egrégio Tribunal de Justiça catarinense:

"REVISÃO CONTRATUAL EX OFFICIO – SUPOSTA EXISTÊNCIA DE CLÁUSULAS ABUSIVAS – ALEGAÇÕES GENÉRICAS – NECESSIDADE DE PRÉVIA FORMAÇÃO DO CONTRADITÓRIO – MORA SUBJETIVA CONFIGURADA – SENTENÇA CASSADA – JULGAMENTO DA LIDE PELO TRIBUNAL (CPC, ART. 515, §3º) – PROCEDÊNCIA DO PLEITO INAUGURAL.

Perfilhando o hodierno posicionamento firmado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, impossibilita-se a revisão de ofício dos contratos com fulcro nos preceitos insculpidos no Código de Defesa do Consumidor, por manifesta transgressão ao disposto nos artigos 128, 460 e 515, todos do Código de Processo Civil, cuja análise dos termos contratuais pelo órgão julgador condiciona-se ao prévio apontamento dos eventuais encargos abusivos em sede de contestação, aliado à prova cabal de que as taxas cobradas pela instituição financeira efetivamente encontram-se em patamares desproporcionais." (ACível 2006.002719-0, Rel. Salete Silva Sommariva, 1ª Câmara de Direito Comercial, 29/06/2006) - destaquei.

Vale destacar, também, trecho de julgado recente do nosso TJSC, de relatoria do ilustre Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva, em que é analisado contrato carreado de forma incompleta:

"Com efeito, a inicial foi instruída com uma cédula de crédito bancário (fls. 35/36). Essa peça não se cuida de documento, tendo em vista que não há identificação das partes e, por conseguinte, dos termos concretos da avença. Não expressa, portanto, a materialização de vontades e intenções, não se prestando para absolutamente nada. A indicação específica de cláusulas, como o autor realizou à fl. 97, só pode estar assentada na criação aleatória, porquanto não é possível determinar objeto se inexistente ou indefinido." (Apelação Cível nº 2013.039619-0, de Joinville, Rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, julgado em 07/05/2015)

Ora, se o autor não faz a indicação clara das abusividades e indicação dos fatos do art. 282, II, do CPC (por óbvio que nas ações revisionais é a indicação das cláusulas contratuais que estão gerando o conflito e a suposta lesão), não há como apresentar o cálculo do valor incontroverso.

Reclamar que as instituições financeiras são entidades malévolas e os consumidores são uns pobres coitados ("hipossuficientes") não autoriza ninguém a afastar os preceitos do Código de Processo Civil que contém uma boa solução quando essas partes estão em conflito e necessitam da intervenção jurisdicional.

Sem indicação de cláusula e com um valor jogado aleatoriamente numa inicial, o que se tem é uma lide frívola tal qual improbus litigator, em que este só vê benefícios em deixar de realizar qualquer esforço para residir em Juízo apostando na morosidade ou até mesmo em erro, diante de orientações judiciais que apontam para o custo reduzido ou inexistente para instauração das demandas (para melhor compreensão desse problema complexo recomendo a leitura: "Análise Económica da Litigância, Miguel Carlos Teixeira Patrício, Almedina Editora, Coimbra, 2005).

Assim, inviável a revisão das cláusulas contratuais diante da não especificação das alegadas abusividades.

DA AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DOS CÁLCULOS E DEPÓSITO DO VALOR INCONTROVERSO

Como já explicitado, o art. 285-B do CPC narra que a parte autora deve quantificar o valor incontroverso, o qual deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados, através de depósito judicial.

Portanto, passou a ser requisito de admissibilidade da inicial a quantificação do valor incontroverso e a consignação dessa quantia, tornando-se indispensável não somente para eventual concessão de tutela antecipada, mas sim como condição para recebimento da ação revisional.

Em que pese a apresentação de alguns cálculos, o fato é que a presente ação revisional abrange outros contratos, não juntados pela parte autora, o que obviamente a impediu de efetuar as demais planilhas de evolução do débito. Contudo, essa circunstância apenas demonstra o grau de inépcia da inicial, já que se busca a revisão de contratos que nem foram analisados pelo patrono da autora, ou seja, a abusividade alegada na inicial para os pactos não carreados seria abstrata (daí o porquê do meu entendimento de que se cuida de revisão discutindo teses jurídicas e não as abusividades contratuais concretas).

Frisa-se que o montante descrito no artigo 285-B do CPC não é uma importância aleatoriamente apontada pelo consumidor, mas "entendido aí o montante a resultar do balizamento a ser estabelecido na avença." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2008.079205-9, de Araranguá, rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, j. 04-06-2009). Assim, pode-se considerar incontroversa a parcela quando "abstraídos os valores tidos por excessivos", (Emb. Infr. n. 2006.003401-6, rel. Des. Ricardo Fontes, j. em 14.06.2006).

Indispensável, portanto, o conhecimento dos encargos contratados para que sejam apontadas as abusividades e procedida a quantificação do montante entendido como devido.

Embora em sede de embargos à execução, o Tribunal de Justiça catarinense bem expôs que "Não bastam as alegações de erro ou excesso no cálculo do montante executado. O embargante, ao oferecer suas razões, deve apresentar um outro cálculo, demonstrando, com clareza, a impropriedade daquele que instrui a execução." (AC 2000.021836-7, Rel. Des. José Volpato de Souza, j. 16-05-2003 -grifei), entendimento este que certamente se estende agora às ações revisionais, uma vez que não se mostram suficientes as simples alegações de irregularidades, sendo indispensável o apontamento destas e demonstração aritmética dos reflexos das ilegalidades apontadas.

De posse do contrato, a parte autora deveria ter adotado uma das duas soluções: a) a elaboração de um cálculo sério demonstrando o valor certo e o errado, extraindo o valor incontroverso claramente discriminado; b) a apresentação de cálculo efetuado por contador de sua livre escolha (que NÃO É o do Fórum!), elaborado exatamente de acordo com o que o operador do direito (advogado do consumidor) já delimitou.

O cálculo então deveria ser anexado à petição inicial e mencionado nos pedidos do autor (v.g. indicação das taxas de juros utilizadas pelo Banco e as supostamente corretas; indicação clara da cumulação indevida de encargos e seus efeitos, etc.).

Determinou-se também a apresentação dos comprovantes de pagamento das parcelas já quitadas pela parte autora.

Entretanto, observa-se que a parte autora também não anexou aos autos os referidos documentos, os quais são necessários para verificação da correção dos valores a serem depositados judicialmente.

Logo, a ausência do cálculo do valor incontroverso e do depósito deste valor (o que a própria autora requereu – fls. 18-20 e 64), leva ao indeferimento da inicial, em razão do flagrante desrespeito aos ditames do novel artigo 285-B do CPC.

DA AUSÊNCIA DE CORREÇÃO DO VALOR DA CAUSA

O valor da causa, em ações revisionais deve ser representado pelo ganho econômico pretendido pelo autor, ou seja, a diferença entre o valor fixado no contrato e o pretendido.

A parte autora atribuiu à causa um valor aleatoriamente eleito, sem qualquer referência ou relação com o proveito econômico pretendido.

Sobre o valor da causa nas ações revisionais, colaciono o acórdão do STJ que segue:

"PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. ART. 542, § 3º, DO CPC. EXCEÇÃO AO COMANDO LEGAL QUE DETERMINA A RETENÇÃO DO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. ART. 259, V, DO CPC.

"1. A jurisprudência desta Corte relaciona o valor da causa ao proveito econômico pretendido com a demanda. Assim, na hipótese em que a ação revisional no qual foi apresentada a impugnação ao valor da causa visa, justamente, nova definição do valor do contrato, a fim de obter o reequilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico, o valor da causa deve ser a diferença entre o valor originalmente fixado e o pretendido.

"2. Recurso especial a que se dá parcial provimento." (REsp nº 742.163/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 15/12/2009, DJe 02/02/2010)

Ainda acerca esta questão, colaciono a jurisprudência catarinense sobre o indeferimento da exordial quando não observada a determinação judicial de emenda para correção do valor da causa:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR. AVENTADA A CORREÇÃO DO VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA. DECISÃO QUE DETERMINOU A EMENDA DA INICIAL PARA REAQUEDAÇÃO IRRECORRIDA. INCIDÊNCIA DOS EFEITOS DA PRECLUSÃO TEMPORAL MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE, DIANTE DA INÉRCIA DO AUTOR, DECRETOU A EXTINÇÃO DO FEITO. RECURSO NÃO CONHECIDO." (TJSC, Apelação Cível n. 2013.029831-3, de Criciúma, rel. Des. Altamiro de Oliveira, j. 06-08-2013) (grifei).

Imperioso anotar que o dever de estipular corretamente o valor da causa tem a função de delimitar inclusive o valor das custas iniciais.

No presente caso, a parte autora deixou de promover a correção do valor da causa, como lhe incumbia, o que também se configura como razão para o indeferimento da exordial.

Veja-se que a parte autora declara expressamente os valores cobrados a maior em diversos contratos às fls. 06-08, cuja soma importa em R$ 2.084.260,30 (dois milhões, oitenta e quatro mil, duzentos e sessenta reais e trinta centavos), isso sem considerar que a pretensão da parte autora versa inclusive sobre a repetição do indébito em dobro, ou seja, o valor mínimo da causa é significativamente superior àquele indicado na inicial.

Portanto, pertinente corrigir de ofício o valor da causa para R$ 2.084.260,30 (dois milhões, oitenta e quatro mil, duzentos e sessenta reais e trinta centavos), pois é o valor que reflete minimamente a pretensão econômica da parte autora (isso a que se consegue entrever no meio desse imbróglio), sem levar em conta o pleito de repetição dobrado do indébito.

No que tange à possibilidade de correção de ofício:

"PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - VALOR DA CAUSA - ALTERAÇÃO DE OFÍCIO - DISCREPÂNCIA RELEVANTE ENTRE O VALOR DADO A CAUSA E O SEU EFETIVO CONTEÚDO ECONÔMICO - POSSIBILIDADE - RECURSO NÃO CONHECIDO.

1 - A teor da jurisprudência desta Corte, "se existe uma discrepância relevante entre o valor dado à causa e o seu efetivo conteúdo econômico, de modo a causar gravame ao direito do erário, que é indisponível, cabe ao Juiz determinar a correção da disparidade." (REsp 168.292/GO, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ de 28/05/2001).

2 - Recurso não conhecido." (REsp 784.857/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/2006, DJ 12/06/2006, p. 494)

DO INDEFERIMENTO DA INICIAL

Por todos os motivos acima expostos, a petição inicial merece ser indeferida, tendo em vista a ausência da devida emenda, conforme explicitado nos itens anteriores e nos termos do artigo 284, parágrafo único do CPC.

O professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves anota:

"Compete ao juiz fazer um exame da admissibilidade da petição inicial, que deve ser cuidadoso, pois, depois da citação do réu, o pedido e os seus fundamentos não poderão ser modificados, senão com o consentimento deste. É nessa fase inicial que eventuais defeitos ou irregularidades poderão ser sanados, devendo o juiz conceder prazo para que o autor a regularize. O defeito pode ser intrínseco, pelo descumprimento do CPC, art. 282, ou extrínseco, por violação do art. 283. Em ambos os casos, o juiz não deve extinguir desde logo a inicial, sendo imprescindível que conceda prazo ao autor para sanar o vício. (...) Se o vício não for solucionado, o juiz a rejeita." (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. V1. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 346/347).

Ainda sobre a possibilidade de indeferimento da inicial quando não promovida a emenda, destaco:

"Quando a petição inicial apresentar-se com lacunas, imperfeições ou omissões, mas esses vícios forem sanáveis, o juiz não a indeferirá de plano. 'Determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 dias' (art. 284). Só se o autor não cumprir a diligência no prazo que lhe foi assinado, é que o Juiz, então, indeferirá a inicial (art. 284, parágrafo único)" (Direito Processual Civil, Humberto Theodoro Júnior, p. 382).

Neste diapasão, colaciono o acórdão da lavra do ilustre Desembargador Robson Luz Varella, no qual há referência à necessidade de que a emenda seja efetuada nos estritos termos da decisão que a determinou:

"(...)INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - PRÉVIA OPORTUNIZAÇÃO DE EMENDA DA EXORDIAL - NÃO ATENDIMENTO DA ORDEM JUDICIAL NO PRAZO LEGAL - INTERLOCUTÓRIA, ADEMAIS, NÃO AGRAVADA OPORTUNAMENTE - PRECLUSÃO DA MATÉRIA EM SEDE DE APELAÇÃO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA - RECURSO DESPROVIDO.

Por força do disposto no art. 284, parágrafo único, e no art. 267, inc. I, ambos do Código de Processo Civil, é possível o indeferimento da exordial e a conseqüente extinção do processo, sem resolução de mérito, no caso de a parte permanecer inerte após ter sido oportunizada a emenda da peça vestibular ou a ofereça de maneira incompleta, considerando que tal determinação deve ser cumprida, independente do seu conteúdo, que poderá ser objeto do competente recurso oportunamente, hipótese não ocorrida no caso concreto." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.077502-5, Rel. Des. Robson Luz Varella, j. 20/11/2012) (grifei).

No mesmo norte, da lavra do eminente Des. Artur Jenichen Filho:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EMENDA DA INICIAL NÃO CUMPRIDA, DE FORMA INTEGRAL, POR DUAS VEZES. SENTENÇA QUE JULGA EXTINTO O FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, ANTE A AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS AO PROCESSAMENTO DO FEITO. APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 284 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Nos termos do artigo 284, do Código de Processo Civil, verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. Caso o autor não cumpra a diligência, de modo integral, o juiz indeferirá a petição inicial. (Apelação Cível n. 2013.021263-6, de Criciúma, Relator: Juiz Saul Steil, j. 28-5-2013). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (TJSC, Apelação Cível n. 2011.070420-5, de Chapecó, rel. Des. Artur Jenichen Filho, j. 08-10-2013) (grifei).

Para estancar qualquer dúvida, destaca-se a decisão do STJ sobre o tema:

"PROCESSO CIVIL. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. VÍCIO SANÁVEL. DECLARAÇÃO DE INÉPCIA. ARTIGO 284, DO CPC. NECESSIDADE DE PRÉVIA OPORTUNIZAÇÃO DE EMENDA DA INICIAL. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO. GARANTIA DA EFETIVIDADE PROCESSUAL. DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR. CERCEAMENTO DE DEFESA. CARACTERIZAÇÃO.

1. O indeferimento da petição inicial, quer por força do não preenchimento dos requisitos exigidos nos artigos 282 e 283, do CPC, quer pela verificação de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, reclama a concessão de prévia oportunidade de emenda pelo autor e o transcurso in albis do prazo para cumprimento da diligência determinada, ex vi do disposto no artigo 284, do CPC (Precedentes do STJ: REsp 671986/RJ, DJ 10.10.2005; REsp 802055/DF, DJ 20.03.2006; RESP 101.013/CE, DJ de 18.08.2003; AGRESP 330.878/AL, DJ de 30.06.2003; RESP 390.815/SC, DJ de 29.04.2002; RESP 384.962/MG, DJ de 08.04.2002; e RESP 319.044/SP, DJ de 18.02.2002).

2. O Código de Processo Civil, em seus artigos 282 e 283, estabelece diversos requisitos a serem observados pelo autor ao apresentar em juízo sua petição inicial. Caso, mesmo assim, algum desses requisitos não seja preenchido, ou a petição apresente defeito ou irregularidade capaz de dificultar o julgamento do mérito, o CPC permite (artigo 284) que o juiz conceda ao autor a possibilidade de emenda da petição - se o vício for sanável, porque, se insanável, enseja o indeferimento prima facie. Não cumprida essa determinação judicial, a petição inicial será indeferida, nos termos do artigo 295, VI, c/c o parágrafo único, do artigo 284, ambos do CPC, o que resulta na extinção do processo sem julgamento do mérito com fulcro no artigo 267, I, do Codex Processual. (...)" (REsp 812323/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, j. 16/09/2008) (grifei).

Importante frisar que a Corte de Justiça Catarinense já manteve sentença de minha autoria em caso similar:

“Apelação cível. Ação revisional. Contratos de empréstimo. Processo extinto, sem resolução do mérito. Indeferimento da inicial, sob o fundamento de não estar instruída com os ajustes e o pedido não ser certo e determinado (artigo 295, parágrafo único, I, e artigo 267, I, do Código de Processo Civil). Insurgência do autor. Exordial que, de fato, aponta a causa de pedir e a pretensão final de forma genérica, sem indicação precisa dos ajustes, tampouco dos encargos efetivamente cobrados que entende abusivos. Teses abstratas que dificultam a defesa e impossibilitam o exame das cláusulas. Inadmissibilidade, ademais, de revisão de ofício. Súmula 386 do Superior Tribunal de Justiça. Sentença extintiva mantida. Recurso desprovido.” (TJSC, Apelação Cível n. 2011.092909-6, de Joinville, rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. 11-06-2015) – Destaquei.

Ressalta-se que é desnecessária a intimação pessoal do autor para emendar a inicial, como se confere no acórdão catarinense:

"APELAÇÃO CÍVEL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO GARANTIDO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E NOTA PROMISSÓRIA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA JUNTADA DO TÍTULO DE CRÉDITO ORIGINAL. NÃO CUMPRIMENTO E INEXISTÊNCIA DE RECURSO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. 1. DOCUMENTO ESSENCIAL NÃO COLACIONADO À EXORDIAL. EXEGESE DOS ARTS. 282 E 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL IRREFUTÁVEL, POIS PETIÇÃO INICIAL INEPTA (ART. 295, CPC). 2. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. 3. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

São pressupostos processuais de validade da relação processual: a) petição inicial apta (v. CPC 295); b) citação válida; c) capacidade processual (legitimatio ad processum) (CPC 7º e 8º); d) competência do juiz (inexistência de incompetência absoluta: material ou funcional; e) imparcialidade do juiz (inexistência de impedimento do juiz - CPC 134 e 136). (NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 525)." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.057779-7, de Joinville, rel. Des. Raulino Jacó Brüning, j. 23-10-2012).

Feitas estas considerações, o indeferimento da inicial é a medida que se impõe.

Ex positis, com subsunção no art. 295, § único, I, do CPC, ACOLHO as preliminares arguidas pelo réu e INDEFIRO a inicial aforada por F. Ltda e outros contra Banco do Brasil, extinguindo, via de consequência, o processo sem julgamento do mérito (autos n. 0315357-96.2014.8.24.0038), na forma do art. 267, I, do Código de Processo Civil.

Custas pela parte autora, com base no novo valor dado à causa nessa sentença (R$ 2.084.260,30 - dois milhões, oitenta e quatro mil, duzentos e sessenta reais e trinta centavos).

Com fulcro no princípio da causalidade, considerando também o novo valor dado a causa nessa sentença, CONDENO a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios ao douto patrono do Procurador do Banco réu, no importe de R$ 100.00,00 (cem mil reais), na forma do artigo 20,§ 4º, do Código de Processo Civil, que deverão ser corrigidos monetariamente desde a data da prolação da sentença, incidindo juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão (EDcl no REsp 1119300/RS).

Oficie-se imediatamente ao ilustre Des. Relator do agravo de instrumento n. 2015.004294-9, dando-lhe ciência desta sentença. Comunique-se via Diretoria Judiciária, por e-mail.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Transitado em julgado, em havendo cálculo da Contadoria para o pagamento das custas, ao arquivo em definitivo.

Solicitada a devolução de documentos, cumpra o Sr. Escrivão o item 2.6.1, do Manual de Procedimento Cível (Quando a parte ou advogado solicitar o desentranhamento de documento em processo findo, o cartório deverá entregá-los mediante recibo, permanecendo fotocópia nos autos.Havendo custas pendentes do interessado, a entrega será feita somente após o pagamento.Em se tratando de título de crédito, será certificado no título o número do processo do qual foi desentranhado.).

E em havendo valores depositados para pagamento das diligências não realizadas pelos Oficiais de Justiça, fica desde logo autorizada a restituição ao depositante, que deverá observar a Orientação n.º 35 da Corregedoria-Geral da Justiça. O procedimento para devolução do valor de diligências não realizadas seguirá a orientação da Diretoria de Orçamento e Finanças, basicamente a mesma utilizada para a devolução de custas e informada na internet (http://www.tj.sc.gov.br/jur/custas/frj.htm).

Outrossim, nos termos da referida Orientação da CGJ, o pedido deverá ser dirigido ao Presidente do Conselho do Fundo de Reaparelhamento da Justiça, via protocolo administrativo no Tribunal de Justiça ou poderá ser enviado pelo correio (Rua Álvaro Millen da Silveira, n. 208 – CEP 88020-901 – Florianópolis – SC), ou seja, a pretensão não é mais processada perante este Juízo. E o respectivo processo administrativo deve ser devidamente instruído pela parte interessada.

Cumpra-se.

Joinville (SC), 03 de julho de 2015.

Yhon Tostes

Juiz de Direito


[1] TIMM, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. Ed. São Paulo:Atlas, 2015. págs.170 e 205

[2] "§ 2o Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito." – Grifei. [3] STRECK, Luiz Lenio. Aplicar a "Letra da Lei" é uma Atitude Positivista? Em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/ article/view/2308>. Acesso em: 3 julho 2015. [4] "A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição.” (STF, RE 631240, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014) - Destaquei. [5] “Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária.” (REsp 1349453/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 02/02/2015) – Grifei. [6] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento, vol. 1, 14. ed. – Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 455. [7] Em: <http://www.jurisciencia.com/artigos/nova-hipotese-de-inepcia-da-peticao-inicial-art-285-b-do-cpc-fredie-didier/1892/>. Acesso em 24 maio 2013. [8] Neste sentido: TJRS, Ap.Civ. N. 599478898, Rel. Des. Matilde Chabar Maia, 2ª C.Cív.Esp., J. 29.11.2000; TARS, Ap. Civ. N. 197268865, Rel. Juiz Ricardo Raupp Ruschel,  15ª C.Cív., J. 30.09.1998; TJSC,  Ap. Cív. n.  1998.005630-6, de Santo Amaro da Imperatriz, rel. Des. Trindade dos Santos, j.  27/10/1999; TJSC, Apelação Cível n. 2011.073363-9, de Joinville, rel. Des. Ricardo Fontes , j. 27-10-2011.


Imagem Ilustrativa do Post: Machine Minds and Machine Hearts // Foto de: Carl Glover // Sem alterações Disponível em:  https://www.flickr.com/photos/34239598@N00/8033823293/in/photolist-deVrLH-rz3yLS-4uWcJS-spgGbC-sn9dTS-sn9gDm-s7QSdy-5DFfi7-4tAnKz-5DFfe3-8GJkJt-ds1vgK-ryCfL7-nMBe7j-9cEWYL-4Z2Nm3-f1kx4h-e6KSYf-s7S225-9cBSyx-nRriFH-5DF41y-bCTmx6-ixqEC5-8pYLVP-rsr2NC-4xhgty-adBgZR-spgJBu-spgF7d-spphve-s7RZ23-s7S13w-sn9i4A-rsr79S-5Zd9CW-ietuZ-5DF3Ww-8Hr8wK-5DFfmS-9fsTYw-nPtGKq-nx8VB9-nPkHNx-nPzrYb-nx9MaX-nPkCpr-nx92uT-nMzXGo-nx91s1 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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