Juiz nega liminar para desocupação de estudantes do IFES "para garantir a sobrevivência da democracia"

16/11/2016

Por Redação 16/11/2016

O juiz federal Rodrigo Gaspar Melllo, da 1ª Vara Federal de São Mateus, nos autos da ação de reintegração de posse Processo n.º 0031263-25.2016.4.02.5003 (2016.50.03.031263-5), interposta pelo Instituto Federal do Espírito Santo ( IFES), negou liminar para a desocupação do estabecimento de ensino, que está ocupada por estudantes desde o dia 11 de outubro, em resistência contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que congela investimentos públicos em educação e outras áreas pelo prazo de 20 anos; contra a Medida Provisória (MP) 746, que impõe uma reestruturação do ensino médio; e contra também o Projeto de Lei (PL) 193/2016, que institui a "escola sem partido".

Os alunos do IFES ainda defendem uma pauta específica de reivindicações para a melhoria da escola e das condições de ensino e aprendizagem.

A Defensoria Pública da União atua na defesa dos estudantes e alegou que a ocupação não se trata de questão possessória, mas sim de um movimento cujo objetivo é expressar o pensamento sobre questões atuais e pertinentes no debate político nacional.

Na decisão, o  juiz, menciona que o artigo 5º da Constituição assegura a todos os brasileiros a livre manifestação do pensamento e o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garante a toda pessoa o direito à liberdade de pensamento e expressão, podendo-se buscar, receber e difundir ideias e informações, pela palavra, por escritos ou por qualquer outro meio.

Ainda, a decisão menciona o importante contraponto entre a mobilização estudantil e a ameaça de perda de direitos representada pelo governo Temer: “assegurar aos estudantes que vêm ocupando as escolas, institutos e universidade em todo o país (inclusive o prédio do Anexo II do campus do IFES – São Mateus) organizados pela UNE, pela UBES e, em São Mateus, pela UMES, é garantir a sobrevivência da própria democracia na medida em que esses movimentos foram os primeiros, e talvez sejam os únicos, a manifestar concretamente sua oposição às propostas do Poder Executivo no campo da Educação”.

  Confira a decisão:   PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESPÍRITO SANTO 1ª VARA FEDERAL DE SÃO MATEUS PROCESSO N.º: 0031263-25.2016.4.02.5003 (2016.50.03.031263-5) Decisão

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – IFES ajuizou ação de reintegração de posse em face da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Mateus e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, alegando, em síntese, que estudantes secundaristas ocuparam no dia 11 de outubro de 2016 o prédio do anexo II do campus IFES – São Mateus.

Formulou requerimento de medida liminar para que seja deferida a reintegração de posse e determinada a desocupação do prédio do anexo II do campus IFES – São Mateus, o que passo a apreciar.

Vale esclarecer, inicialmente, que, embora o requerente fundamente sua demanda nos artigos 1.210 e seguintes do Código Civil e 560 e seguintes do Código de Processo Civil, os fatos narrados na petição inicial, tal como bem ressaltado pela Defensoria Pública da União em sua petição de fls. 46/53, não se circunscrevem somente a uma questão possessória, uma vez que os estudantes que ocupam o prédio do anexo II do campus do IFES – São Mateus não o fazem propriamente a fim de obter o domínio do imóvel ou de exercer poderes inerentes à propriedade (o que atrairia a incidência unicamente das regras de proteção da posse previstas no Código Civil e no Código de Processo Civil), mas com o objetivo de manifestar seu pensamento sobre questões que atualmente se põem no debate político nacional, a saber: a Proposta de Emenda à Constituição nº 241, de 2006, que limita pelo prazo de vinte anos o orçamento destinado à educação pública e a Medida Provisória nº 746, de 2016, que altera a Lei nº 9.394, de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e promove modificações no ensino médio.

Nesse contexto, os fatos ora postos à apreciação do poder judiciário também atraem a incidência do art. 5º, IV da Constituição, que assegura a todos os brasileiros a livre a manifestação do pensamento e do art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garante a toda pessoa o direito à liberdade de pensamento e expressão, podendo-se buscar, receber e difundir ideias e informações, pela palavra, por escritos ou por qualquer outro meio.

A liberdade de expressão e manifestação do pensamento pode ser manifestada por qualquer meio e, portanto, também pode ser legitimamente manifestada por meio de uma conduta. Cabe, então, examinar se os estudantes que ocupam o prédio do anexo II do campus do IFES – São Mateus o fazem sob o amparo dos artigos 5º, IV da Constituição e 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Como vem noticiando os meios de comunicação social, estudantes de todo o país vêm ocupando os prédios de diversas escolas, institutos federais e universidades em protesto contra as mencionadas propostas de iniciativa do poder executivo que pretendem reduzir o orçamento da educação pública e modificar as normas de diretrizes e bases da educação para o ensino médio.

De acordo com nota à imprensa divulgada pela União Nacional dos Estudantes, pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos em 1º de novembro de 2016, os estudantes também se manifestam:

“Pela retirada imediata da MP 746 de reforma do Ensino Médio; Pela retomada da discussão do PL 6840/2013 sobre a reformulação do Ensino Médio, em sua Comissão Especial no Congresso; Por um calendário de audiências públicas para discutir e debater a reformulação do Ensino Médio com a sociedade civil, intelectuais, entidades educacionais; Pela não aprovação da PEC 55 (antiga PEC 241); Contra a Lei da mordaça (escola sem partido)”.

A Defensoria Pública da União também esclarece em sua petição de fls. 46/53 que a questão ora sob julgamento não é meramente local, estando inserida em um movimento de estudantes que já ocupa mais de mil escolas por todo o país, dentre elas sessenta institutos federais, aproximadamente.

Independentemente do mérito das reivindicações dos estudantes, sobre o qual não cabe ao poder judiciário neste momento se pronunciar, impõe-se registrar apenas que os estudantes que ocupam o prédio do anexo II do campus do IFES – São Mateus compõem um movimento mais amplo de manifestação política e protesto social, devendo, portanto, gozar, em princípio, da proteção das normas constitucionais e internacionais que asseguram a livre expressão e manifestação do pensamento.

Todas as pessoas têm o direito de se reunir e se manifestar politicamente nos espaços públicos, especialmente em bens de uso comum do povo como ruas e praças, e também, em certas circunstâncias, em bens de uso especial, como é o caso dos protestos levados a cabo pelos estudantes em escolas, institutos e universidades públicas.

Cabe observar que nenhuma lei proíbe que estudantes ocupem as suas escolas como forma de manifestação política e protesto social, valendo reiterar que as regras de proteção da posse invocadas pelo IFES em sua petição inicial não se aplicam à espécie porque os estudantes não pretendem adquirir a propriedade do imóvel e exercer poderes inerentes ao domínio. Por tal razão, não é adequado qualificar os estudantes como invasores ou esbulhadores, como equivocadamente faz a petição inicial. Ao ocupar o prédio do anexo II do campus do IFES em São Mateus, os estudantes buscam apenas se fazer ouvir pelas autoridades governamentais que não lhes têm franqueado o debate e a possibilidade de participação na formulação de políticas públicas que afetam a educação.

O IFES também invoca uma série de outros bens jurídicos e direitos que, em seu entender, justificariam o deferimento de uma ordem para desocupação do imóvel pelos estudantes. Não se demonstrou concretamente, porém, qualquer ato de violência ou depredação do patrimônio público pelos estudantes, ameaça a professores, técnicos administrativos ou outros estudantes. Ao contrário, na audiência que se realizou na sede deste juízo no dia 21 de outubro de 2016, os estudantes propuseram, espontaneamente, diversas medidas que permitiram: (a) a retomada, ainda que parcial, das aulas nos três turnos de funcionamento do instituto federal, (b) a utilização dos laboratórios pelos estudantes de engenharia em qualquer horário e (c) a desocupação de diversas salas de aula, exceto uma única, a sala S-5, onde permaneceram com a ocupação, comprometendo-se a manter a limpeza do local.

Quanto ao direito dos demais estudantes à continuidade do ano letivo que fora interrompido (o que agora já não mais ocorre uma vez as aulas foram retomadas, ainda que apenas em período parcial), também invocado pelo IFES como fundamento a amparar o deferimento de ordem  de desocupação, isso, por si só, não pode justificar que se suprima dos estudantes o direito de expressar e manifestar o pensamento por meio da ocupação da escola.

Se a interrupção do ano letivo, por si só, fosse motivo para justificar a proibição da manifestação dos estudantes por meio da ocupação da escola, também se deveria proibir aos professores, por exemplo, o exercício do direito de greve, o que seria absurdo.

Apesar de causar um enorme prejuízo aos estudantes, que tem as suas atividades de ensino completamente paralisadas, o direito de greve é assegurado aos professores, assim como a todos os trabalhadores e servidores públicos, pelos artigos 9º e 37, VII da Constituição, cabendo aos próprios trabalhadores “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

E assim a greve também é assegurada aos profissionais de saúde, aos bancários, aos demais servidores públicos, inclusive os do poder judiciário. E como a greve — que é conduta por meio da qual as categorias de trabalhadores manifestam o seu protesto contra as condições de trabalho a que estão submetidos e contra suas perdas salariais — a Constituição também permite outras condutas de manifestação e expressão do pensamento e do protesto social, seja contra ou favor dos governantes e de suas políticas de governo ou, ainda, sobre outras questões relevantes para a sociedade.

Ainda durante este ano, diversas manifestações contrárias ao governo eleito ocorreram nas ruas e avenidas, impedindo o tráfego de veículos e o trânsito de pessoas que delas não participavam. Nem por isso o estado tem o poder de proibi-las, ao contrário tem o dever de garanti-las.

Os transtornos que decorrem dessas manifestações de rua são ônus que a sociedade deve suportar por escolher viver em um regime que pretende ser democrático. Os constituintes fizeram essa escolha, a Constituição garante o direito de reunião e manifestação do pensamento, cabe ao judiciário assegurá-los, independentemente das posições políticas assumidas pelos manifestantes.

Assegurar aos estudantes que vem ocupando as escolas, institutos e universidade em todo o país (inclusive o prédio do anexo II do campus do IFES – São Mateus) organizados pela UNE, pela UBES e, em São Mateus, pela UMES, é garantir a sobrevivência da própria democracia na medida em que esses movimentos foram os primeiros, e talvez sejam os únicos, a manifestar concretamente sua oposição às propostas do poder executivo no campo da educação.

As atividades educacionais já foram parcialmente retomadas e, como se verifica no documento de fls. 78/79, os estudantes estão cumprindo a palavra empenhada na audiência de fls. 55/60.

Portanto, não há razão para se determinar neste momento —em detrimento do direito à expressão e manifestação do pensamento dos estudantes — a desocupação do prédio do anexo II do campus do IFES – São Mateus e menos ainda de permitir o uso da força contra os estudantes.

Pelo exposto, indefiro o requerimento de medida liminar.

Indefiro o requerimento formulado pela Defensoria Pública da União no item III, da petição de fls. 46/53, que deve ser veiculado em ação própria, e não como matéria de defesa.

Intimem-se as partes, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal.

Embora o autor não possa identificar os estudantes que participam da ocupação do prédio do anexo II do campus do IFES – São Mateus, é possível qualificar e fornecer o endereço da pessoas jurídicas indicadas para compor o polo passivo da relação processual.

Sendo assim, emende o autor a petição inicial, no prazo de quinze dias, sob pena de indeferimento, para qualificar e fornecer o endereço dos réus (Código de Processo Civil, art. 321).

São Mateus, 4 de novembro de 2016.

Rodrigo Gaspar de Mello

Juiz Federal   Fonte: JFES  
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