Juiz não pode pronunciar acusado quando Ministério Público requer a absolvição sumária no júri, decide TJPA

12/08/2015

Por Redação - 12/08/2015

A Desembargadora Nadja Nara Cobra Meda, do TJPA, deu provimento ao recurso da defesa para reconhecer que não se pode pronunciar o acusado sem pedido expresso da acusação. A leitura do julgado coloca o processo penal de partes e supera versão autoritária do processo penal em que o juiz poderia condenar/pronunciar mesmo sem a sustentação da acusação pelo Ministério Público.

Vale destacar do julgado: "I - Deve ser decretada a absolvição quando, em alegações finais do Ministério Público, houver pedido nesse sentido, pois, neste caso, haveria ausência de pretensão acusatória a ser eventualmente acolhida pelo julgador. II - O sistema acusatório funda-se no princípio dialético que conduz um processo de sujeitos que tem suas funções absolutamente distintas, a de acusação, a de defesa e a de julgamento. O Magistrado, é inerte diante da atuação acusatória, bem como se afasta da administração das provas, que está cargo das partes. O desenvolvimento da jurisdição depende da atuação do acusador (Ministério Público), que a invoca, e só se realiza validade diante da atuação do defensor. III - A vinculação do julgador ao pedido de absolvição feito em alegações finais pelo Ministério Público é decorrência natural do sistema acusatório, preservando com isso a separação entre as funções no processo. Aceitar de outra forma, seria admitir o julgador inquisidor, que atua sem a devida provocação. IV - Em sendo assim, sufragando as alegações finais Ministeriais e defensivas, as razões do Recurso em Sentido Estrito, as Contrarrazões do Recurso em Sentindo Estrito, bem como o Parecer Ministerial de 2o Grau absolvo sumariamente o recorrente."

Confira o inteiro teor do acórdão abaixo


ACÓRDÃO Nº.

SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CRIMINAL ISOLADA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO

PROCESSO Nº. 0005690-42.2012.8.14.0028

RECORRENTE: F.B.B.F. (Adv. Humberto Feio Boulhosa).

RECORRIDO: JUSTIÇA PÚBLICA.

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: S.M.P. DE O. (Adv. Arnaldo Lopes de Paula)

PROCURADOR DE JUSTIÇA: Promotor de Justiça Convocado SERGIO TIBURCIO DOS SANTOS SILVA

RELATOR DESIGNADA: JUÍZA CONVOCADA NADJA NARA COBRA MEDA.

RELATORA ORIGINÁRIA: MARIA EDWIGES DE MIRANDA LOBATO

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - ABSOLVIÇÃO DO RÉU DECRETADA - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ALEGAÇÕES FINAIS - VINCULAÇÃO DO JULGADOR - SISTEMA ACUSATÓRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

I - Deve ser decretada a absolvição quando, em alegações finais do Ministério Público, houver pedido nesse sentido, pois, neste caso, haveria ausência de pretensão acusatória a ser eventualmente acolhida pelo julgador.

II - O sistema acusatório funda-se no princípio dialético que conduz um processo de sujeitos que tem suas funções absolutamente distintas, a de acusação, a de defesa e a de julgamento. O Magistrado, é inerte diante da atuação acusatória, bem como se afasta da administração das provas, que está cargo das partes. O desenvolvimento da jurisdição depende da atuação do acusador (Ministério Público), que a invoca, e só se realiza validade diante da atuação do defensor.

III - A vinculação do julgador ao pedido de absolvição feito em alegações finais pelo Ministério Público é decorrência natural do sistema acusatório, preservando com isso a separação entre as funções no processo. Aceitar de outra forma, seria admitir o julgador inquisidor, que atua sem a devida provocação.

IV - Em sendo assim, sufragando as alegações finais Ministeriais e defensivas, as razões do Recurso em Sentido Estrito, as Contrarrazões do Recurso em Sentindo Estrito, bem como o Parecer Ministerial de 2o Grau absolvo sumariamente o recorrente.

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1a CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à por maioria de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RESE para absolver sumariamente o Recorrente, nos termos do voto da Relatora Designada, vencida a Exma Desembargadora Maria Edwiges de Miranda Lobato. Sala das Sessões do Tribunal de Justiça, aos vinte e um dias do mês de julho de 2015.

Julgamento presidido pela Exma. Desembargadora Vânia Lúcia da Silveira.

Belém, 21 de julho de 2015. J.C. – NADJA NARA COBRA MEDA Relatora Designada .

RELATÓRIO

Adoto o relatório, da Relatora originária.

Tratam os autos de recurso penal em sentido estrito interposto por F. B. B. F., através de defensor constituído, com fulcro no art. 581, inciso IV, do CPP, contra a r. decisão que o pronunciou pela prática do crime tipificado no art. 121, caput, do CP (homicídio simples) submetendo-o a julgamento perante a Corte Popular.

O Ministério Público Estadual denunciou F. B. B. F. pela prática do crime tipificado no art. 121 do Código Penal perpetrado contra a vítima W. G. P. de O.. Ao que consta, no dia 16/05/2012, o denunciado (Delegado de Polícia Civil) estava investigando crimes envolvendo droga, patrimônio e tecnologia, e, assim, ele foi até o endereço de um suspeito chamado J. M. L. para fazer vigilância e prender os envolvidos nos delitos. No transcorrer da vigilância, contatou-se que J. não estava na residência, mas sim na Praça do Magrão, situada na Folha 28, motivo pelo qual o denunciado fez uma ronda na VP8 e abordou a babá do filho de J. chamada L. V. R. quando ela estava subindo na garupa da moto do mototaxista E. da S. C., momento em que o acusado resolveu se caracterizar como mototaxista, pegou L. como passageira e saiu em direção a Praça do Magrão.

Durante o percurso, L. disse ao denunciado que J. poderia estar no interior de um cyber na Folha 28 chamado Cicomputadores, motivo pelo qual o acusado, por volta das 12h, ainda caraterizado como mototaxista, entrou no cyber, constatou que J. não estava no local e resolveu abordar a vítima (que era um dos clientes do estabelecimento) para saber de J.. Em seguida, o acusado tocou no ombro da vítima dizendo Polícia, por favor, me acompanhe, razão pela qual a vítima acompanhou o denunciado até a porta e, ao sair, a vítima agarrou o denunciado prendendo seus dois braços, ambos se desequilibraram e, enquanto caía, o acusado sacou sua arma e desferiu um tiro na vítima fazendo-a cessar a agressão, quando então o denunciado desferiu mais um tiro contra a vítima.

Após praticar o delito, o denunciado socorreu a vítima levando-a ao hospital, porém ela não resistiu aos ferimentos e morreu três dias depois.

Foi denunciado e pronunciado como incurso nas sanções punitivas do art. 121. Caput, do CP (homicídio simples).

Inconformado com a decisão interlocutória mista não terminativa manejou o presente recurso objetivando a absolvição sumária sob a alegação de agiu sob o manto da legítima defesa.

Em contrarrazões o representante do Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso.

A decisão de pronúncia foi mantida.

Por sua vez, a Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO VENCIDO

Conheço do recurso e passo a analisá-lo.

Nos autos existem indícios suficientes de autoria, prova da existência de crime e de que o ora apelante agiu compelido por animus necandi, pressupostos aptos a escorar a decisão de pronúncia.

Não há provas induvidosas, estremes de dúvida de que o recorrente atuou sob o manto da legítima defesa própria. Vejamos:.

A materialidade do fato está demonstrada pelo laudo de exame de corpo de delito de fls. 116/117 dos autos do inquérito policial em apenso (a perícia concluiu que a vítima foi atingida por dois projéteis de arma de fogo que atingiram a região do abdômen e da coxa direita; a vítima morreu devido a hemorragia interna); importante destacar que o perito verificou que o tiro letal que atingiu a vítima foi disparado à distância.

Os indícios suficientes de autoria restaram demonstrados pelos depoimentos colhidos ao longo da instrução processual.

A testemunha E. disse em juízo que escutou dois tiros, foi ver o que estava acontecendo e, assim, a 50 metros de distância, viu um homem vestido de mototaxista desferindo três tiros na vítima quando a vítima estava caída no chão, sendo que o referido homem era o réu; destacou não ter visto a vítima travar luta com o réu, sendo que a vítima gritava muito, ela pedia para o réu não matá-la; informou que ouviu dizer que o réu pegou a pessoa errada, não ouviu dizer que a vítima teria agredido o réu (fls. 62/63).

A testemunha B. afirmou em audiência que estava trabalhando no balcão da lanhouse quando o réu, utilizando um capacete na cabeça e vestindo um colete de mototaxista, entrou e foi direto até o computador utilizado pela vítima, sendo que depois réu e vítima saíram do estabelecimento e, em seguida, B. escutou três tiros e, após, viu a vítima caída no chão lesionada na barrida; esclareceu que os tiros foram quase imediatos e que não viu réu e vítima brigando nem ouviu falar ter havido luta entre ambos; informou que o réu não se identificou como policial ao entrar no estabelecimento (fls. 63).

O mototaxista E., informante inquirido em juízo, falou que, no dia do fato, estava buscando L., quando o réu apareceu se identificando como policial e lhe tomou o aparelho celular, o capacete, a moto e o colete, e saiu pilotando o veículo; disse que, certo momento, o réu mandou L. subir na garupa da moto, a fim de que ela mostrasse ao acusado o local em que J. estava, enquanto E. foi colocado numa caminhonete dirigida por um outro policial; asseverou que o motorista da caminhonete lhe levou até o local do fato e, dessa forma, viu a vítima deitada no chão com ferimentos de tiro no umbigo e na perna, momento em que a vítima foi colocada dentro da caminhonete; acrescentou ter escutado o motorista da caminhonete perguntar para a vítima o porquê de ela ter reagido, ocasião em que ela respondeu que pensava que era um assalto, pois o réu não se identificou como policial (fls. 65/66).

O investigador de polícia chamado W. disse em juízo que estava dirigindo a viatura policial (caminhonete) quando recebeu o telefonema e ficou sabendo que o réu tinha baleado um cidadão, razão pela qual W. foi ao local do fato, viu a vítima baleada, colocou a vítima na viatura e a levou ao hospital; afirmou ter perguntado para a vítima o que tinha ocorrido, momento em que ela respondeu que pensou que o réu iria mata-la (fls. 91).

I., cabo da PM, afirmou em audiência que, depois do fato, foi ao hospital, conversou com a vítima e ela lhe contou que um rapaz tinha chamado ela para sair do cyber e, como parecia que o rapaz iria pegar alguma coisa da pochet, a vítima achou que seria morta e, assim, ela avançou no rapaz sem saber que se tratava de um policial (fls. 93). C., cabo da PM, também conversou com a vítima no hospital, momento em que a vítima contou que estava acessando a internet quando uma pessoa vestida de mototaxista a chamou para sair do estabelecimento, mas essa pessoa puxou uma arma, motivo pelo qual a vítima foi para cima tentar desarmar, sem saber que a pessoa era policial (fls. 94).

O magistrado no momento da decisão de pronuncia de forma fundamentada e analisando as provas processuais se convenceu dos requisitos necessários para a decisão guerreada, como passo a transcrever (fls. 182/183), verbis:

Como se observa, é incabível a impronúncia, pois há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, haja vista que as declarações colhidas em juízo indicam ter sido o réu a pessoa que atirou na vítima. Tais indícios não podem ser, por enquanto, desconsiderados sob a alegação de que o réu agiu em legítima defesa, como o Ministério Público e a defesa argumentaram nos memoriais, ou de que ele apenas queria ferir a vítima, uma vez que inexiste, nesta fase do processo, prova incontroversa em nenhum desses dois sentidos (os testemunhos colhidos em juízo não são claros no que se refere à suposta legítima defesa, e nenhum outro elemento de convicção apurado ao longo da instrução processual corrobora, de forma categórica, a versão apresentada pelo réu). Neste momento, não é possível definir com exatidão se o réu agrediu a vítima para dela se defender legitimamente ou se ele a agrediu querendo simplesmente matá-la ou assumindo o risco de matá-la.

A decisão acerca da vontade do réu e das circunstâncias do fato demandaria aprofundado exame das provas, análise que compete ao Júri e, portanto, impede, nesta fase processual, a absolvição sumária ou a desclassificação (artigos 415 e 419 do CPP).

As conclusões das partes acerca do fato, as declarações do réu e das testemunhas, e as provas documentais devem ser avaliadas com detida cautela e aprofundado exame de mérito, funções atribuídas constitucionalmente ao Conselho de Sentença, juiz natural da causa. Sempre oportuno consignar que, no presente caso, há mero juízo de suspeita, não de certeza.

A excludente apontada em sede recursal não restou provada de forma induvidosa, estreme de dúvida, razão pela qual não merece acolhimento nesta fase processual. Cabendo aos jurados perquirir acerca do elemento subjetivo que norteou a conduta do recorrente, em obediência ao princípio do juiz natural, em consonância com reiteradas decisões jurisprudenciais, verbis:..

Existindo dúvida, ficam desautorizadas absolvições liminares, eis que, em tema de pronúncia, inverte-se a regra procedimental do in dubio pro reo para o in dubio pro societate, competindo, portanto, ao Júri, como tribunal de consciência, apreciar o caso e a prova carreada aos autos, dando a solução que lhe parecer mais justa (TJSC – RCr. 8.118 – Rel. Des. Marcio Batista – 1a C. Crim) (RT 613/364).

Absolvição sumária só se dá quando é justificada por tranquila e indiscutível prova de causa de exclusão de crime ou de isenção de pena, razão porque sua decretação judicial não pode basear-se apenas na palavra do réu, principalmente sem bons antecedentes (TJMG – Rec. – Rel. Gonçalves de Rezende – RT 533/381)

Ademais, é sabido que não cabem na fase de pronúncia profundas incursões probatórias, sendo suficientes, para tal decisão, a existência de prova do crime e de indícios suficientes da autoria do delito, aptos a fundamentar a convicção do magistrado, requisitos esses existentes nos autos. Possíveis dúvidas deverão ser dirimidas pelo Tribunal do Júri, posto que diretamente ligadas ao meritum causae, e em face do princípio in dúbio pro societate, que vigora nessa fase processual, conforme o entendimento que pontifica nos tribunais pátrios, verbis:

Se a sentença de pronúncia revela, em seu conteúdo intrínseco, os elementos essenciais à configuração do juízo de admissibilidade da acusação (CPP, art. 408), torna-se legítima a submissão do réu a julgamento por seu juiz natural: o Tribunal do Júri. (STF – HC 67.707 – RS – Rel. Min. Celso de Mello – 1a T. – J. 7.11.89 – Un.) (RTJ 141/816).

... A pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, adstrita à comprovação da materialidade e suficientes indícios de autoria, na forma do artigo 408 do Código de Processo Penal. 2) Inexistindo comprovação clara e incontroversa de que o acusado não praticou o fato delituoso ou tenha agido em legítima defesa e considerando que as dúvidas decorrentes da prova, são resolvidas em favor da sociedade, deve o magistrado pronunciá-lo, em face do princípio in dubio pro societate e para que os senhores jurados decidam quanto as eventuais controvérsias do feito. (TJPR – RSE 0098546-0 – (13057) – 1a C.Crim. – Rel. Des. Oto Sponholz – DJPR 26.03.2001)

Diante de indícios suficientes de autoria, prova da materialidade delitiva, evidências de animus necandi e da ausência de prova cabal da descriminante alegada, a decisão de pronúncia se impõe em homenagem ao princípio do Juiz Natural, devendo as dúvidas porventura existentes serem dirimidas pela Corte Popular.

Ante o exposto, conheço do recurso e lhe nego provimento para manter a decisão atacada.

É o voto.

Belém, 23 de julho de 2015 Desa. Maria Edwiges de Miranda Lobato – Relatora Originária VOTO VENCEDOR

F. B. na data dos fatos estava em uma operação policial devidamente estudada, planejada, inclusive com campana montada, para prender um traficante de drogas da cidade, oportunidade em que ao abordar a vítima foi surpreendido por este que valendo-se de sua compleição física e de seus conhecimentos em artes marciais tentou desarmá-lo.

Nos termos do Laudo Necroscópico de fls. 116, a vítima tinha compleição física forte, visto que era lutador de artes marciais.

Às fls. 437 do segundo volume do anexo, há laudo constatando que a autoridade policial sofreu agressões perpetradas pela vítima, tendo instintivamente efetuado 2 disparos de arma de fogo para se defender, atingindo a vítima na região abdominal, bem como na coxa esquerda, imediatamente após repelir a agressão injusta, o Delegado de Polícia providenciou o socorro necessário.

Em que pese a vítima ter alegado que tentou desarmar e imobilizar o policial por crer que naquele momento seria assaltada não merece credibilidade. O modus operandi da operação Policial dentro do Cyber Café não traz nem de longe qualquer aparência de que um assalto estava se desenvolvendo, posto que a Autoridade Policial adentrou no estabelecimento sem arma nas mãos, falando baixo e convidando a vítima para conversar fora do local.

Baseado em tais fatos o Ministério Público de primeiro grau em Alegações finais e Contrarrazões do Recurso em Sentido Estrito manifestaram-se pelo reconhecimento da legitima defesa com a consequente absolvição sumária do recorrente.

Busca a defesa, assim, o reconhecimento da legítima defesa e, consequentemente, a absolvição sumária do recorrente.

O recurso da defesa técnica do pronunciado, deve prosperar, posto que a pronúncia de F. B. B. F. é, ao meu ver, inviável por uma razão bastante simples: em suas alegações finais, o Ministério Público pleiteou sua absolvição sumária.

O sistema acusatório funda-se no princípio dialético que conduz um processo de sujeitos que tem suas funções absolutamente distintas, a de acusação, a de defesa e a de julgamento. O Magistrado, é inerte diante da atuação acusatória, bem como se afasta da administração das provas, que está cargo das partes. O desenvolvimento da jurisdição depende da atuação do acusador (Ministério Público), que a invoca, e só se realiza validade diante da atuação do defensor.

A sentença resulta dos argumentos desenvolvidos em contraditório pelas partes por ela afetados.

A partir dessas conclusões teóricas, afirma-se que, se o juiz condena (pronuncia) mesmo diante do pedido de absolvição elaborado pelo Ministério Público em alegações finais está, seguramente, atuando sem necessária provocação, portanto, confundindo-se com a figura do acusador, e ainda, decidindo sem o cumprimento do contraditório.

Não é possível imaginar que o oferecimento da denúncia esgota e eterniza a pretensão acusatória. O pedido de absolvição sumaria em alegações finais, oportunidade da apresentação da argumentação acerca das provas produzidas em juízo, impõe a absolvição pelo julgador, vez que equivale à retirada da acusação. Sem o pedido expresso pelo Ministério Público no momento destinado aos debates, o Judiciário não pode assumir a "lacuna" deixada pelo órgão acusador e acolher uma imputação não mais existente.

Na locução apresentada pelo art. do , há uma patente violação à necessária separação entre as funções de julgar e acusar e também grave ofensa à garantia do contraditório, visto que, as provas não foram alvo de argumentação que pretendesse a condenação. O magistrado balizaria seu convencimento, sobre a pronúncia, de suas próprias conclusões sobre as provas, sem qualquer atuação contraditória argumentativa do Ministério Público.

Cito as lições de Aury Lopes Jr. sobre o tema:

O acusador tem, portanto, a pretensão acusatória (ius ut procedatur) cujo exercício é fundamental para dar inicio e desenvolvimento ao processo. O poder de punir — que é do juiz e não do MP › somente poderá ser exercido após o pleno e exitoso exercício da pretensão acusatória. É o juiz quem detém o poder condicionado de punir.

E por que, então, o juiz não pode condenar quando o Ministério Púbico pedir a absolvição?

Exatamente porque o poder punitivo estatal — nas mãos do juiz — está condicionado à invocação feita pelo Ministério Público através do exercício da pretensão acusatória. Logo, o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém. Como consequência, não pode o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo. Condenar sem pedido é violar, inequivocamente, a regra do fundante do sistema acusatório que é o ne procedat iudex ex officio. Também é rasgar o Princípio da Correlação, na medida em que o espaço decisório vem demarcado pelo espaço acusatório e, por decorrência, do espaço ocupado pelo contraditório, na medida em que a decisão deve ser construída em contraditório (Fazzalari).

O poder punitivo é condicionado à existência de uma acusação. Essa construção é inexorável, se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição. Significa dizer: aqui está um elemento fundante do sistema acusatório.

Portanto, é incompatível com o modelo constitucional a regra prevista no atual artigo 385 do CPP . No mesmo sentido, ainda que fazendo um caminho diferente, Geraldo Prado afirma que isso não significa dizer que o juiz está autorizado a condenar naqueles processos em que o Ministério Público haja requerido a absolvição do réu, como pretende o artigo 385 do Código de Processo Penal Brasileiro. Pelo contrário. Como o contraditório é imperativo para validade da sentença que o juiz venha a proferir, ou, dito de outra maneira, como o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de contraditório, é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição. O fundamento da nulidade é a violação do contraditório (artigo 5o, inciso LV, da Constituição da República).

Também não se pode admitir, por outro lado, que se presuma serem os Promotores de Justiça ou Procuradores da República despreparados, prevaricadores ou incapazes de levar a cabo a acusação, a ponto de justificar-se a figura de um juiz-inquisidor que vai substituí-los no final do processo, para condenar sem acusação. Em democracia, a distinção de papéis e poderes exige responsabilidade, ou seja, ônus e bônus.

Como consequência, não pode o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo. Processualmente falando, o correto (diante de tal situação) seria que o juiz proferisse uma decisão de extinção do processo sem julgamento do mérito. Na falta de previsão legal, só nos resta a absolvição.

Concluindo, se no processo civil o conteúdo da pretensão é a alegação de um direito próprio e o pedido de adjudicação, no processo penal é a afirmação do nascimento de um direito judicial de punir e a solicitação de que o Estado exerça esse direito (potestas). O acusador tem exclusivamente um poder de acusar (ius ut procedatur), afirmando a existência de um delito e, em decorrência disso, pede ao juiz (Estado-Tribunal) que exercite o seu poder de condenar o culpado e executar a pena.

O Estado realiza seu poder de punir no processo penal não como parte, mas como juiz, e esse poder punitivo está condicionado ao prévio exercício da pretensão acusatória. A pretensão social que nasceu com o delito, é elevada ao status de pretensão jurídica de acusar, para possibilitar o nascimento do processo. Nesse momento também nasce para Estado o poder de punir, mas seu exercício está condicionado à existência prévia e total do processo penal.

Se o acusador deixar de exercer a pretensão acusatória (pedindo a absolvição na manifestação final), cai por terra a possibilidade de o Estado-Juiz atuar o poder punitivo, sob pena de grave retrocesso a um sistema inquisitório, de juízes atuando de ofício, condenando sem acusação, rasgando o princípio da correlação e desprezando a importância e complexidade da imparcialidade. http://www.conjur.com.br/2014-dez-05/limite-penal-juiz-nao-condenar-quando-mp-pedir-absolvicao, acesso em 03.08.2015.

A vinculação do julgador ao pedido de absolvição feito em alegações finais pelo Ministério Público é decorrência natural do sistema acusatório, preservando com isso a separação entre as funções no processo. Aceitar de outra forma, seria admitir o julgador inquisidor, que atua sem a devida provocação.

Em sendo assim, sufragando as alegações finais Ministeriais e defensivas, as razões do Recurso em Sentido Estrito, as Contrarrazões do Recurso em Sentindo Estrito, bem como o Parecer Ministerial de 2o Grau absolvo sumariamente o recorrente.

É o voto.

Belém, 21 de julho de 2015.

J.C. – NADJA NARA COBRA MEDA Relatora Designada


Imagem ilustrativa do post: The Gunfight // Foto de: faungg's photos // Sem Alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/44534236@N00/15470019802/in/photolist-pz2TVm-oe61AV-ff1MCC-6b6xg3-aYpxxe-9SbUFw-ffkr5M-71WYdy-6Zgw2f-ffzBJC-ffzzY1-ffzgRY-wb4fZx-4EPHjH-dWgWC8-ccMa2L-nPchEJ-eC1Ed8-nP4vSR-7TpZKE-mfzeY6-aYpzzp-nPci7L-9JAXYB-2SHTPo-86qsqY-uQp4Wn-uinmN4-vSrdjN-8Hs3HD-kGsRao-4DX1uB-r7oP4u-sZXPUX-8nbVTJ-naLG2A-nmUUyp-oXo4xB-r5p9x1-7MRdyM-tVX8Z1-uzP75V-bBs17g-5gxDkT-axTv9y-t91CAm-uA2UTB-tqAEgr-cQFETS-t91kWQ Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura