Juiz de SC autoriza trabalho externo com prisão docimiliar a apenado em regime semiaberto

24/06/2016

Por Redação - 24/06/2016

O Juiz da Vara Criminal de São Francisco do Sul - Poder Judiciário de Santa Catarina, dr. Tiago Fachin, decidiu, no dia 23 de junho, em favor do trabalho externo pelo reeducando cumulado com a prisão domiciliar em caso de pena privativa de liberdade fixada em regime semiaberto, considerando a situação do estabelecimento prisional da região.

Confira a decisão na íntegra


Autos n° 0004089-88.2010.8.24.0061

Ação: Execução da Pena/

Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Avoco os autos com base no disposto no art. 66, V, “a”, “c”, “g”, “h”, VI, VII e VIII, da LEP.

 

Trata-se de processo de execução penal definitiva de *, condenado nos autos de nº * (da Vara Criminal de São Francisco do Sul) e nos autos de nº * (da 10ª Vara Criminal da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR), ao cumprimento das penas somadas de 04 anos e 09 meses de reclusão, em regime semiaberto, tendo, até a presente data, cumprido 02 anos, 08 meses e 13 dias de reprimenda.

Considerando que a Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul, inaugurada em 11.08.2010, foi interditada pelo Juiz Corregedor, pasmem, no dia seguinte, 12.08.2010, pela Portaria n. 002/2010, cujos fundamentos não foram superados na medida em que foram editadas sucessivas e periódicas portarias, a saber, Portaria 004/2010 de 30.08.2010, Portaria n. 005/2010 de 17.09.2010, Portaria n. 001/2011 de 03.02.2011, Portaria n. 003/2011 de 25.04.2011, Portaria n.º 01/2014 de 25.02.2014, Portaria n. 02/2014 de 26.02.2014 e Portaria n. 08/2015 de 27.08.2015; Considerando que, não obstante os termos da Portaria nº 02/2016 deste Juízo publicada em 13.05.2016, na presente data  (22.06.2016) permanecem 140 (cento e quarenta) internos nas dependências da Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul, sendo que 31 ostentam condenação proveniente de unidades jurisdicionais que não esta Vara Criminal, consoante Ofício n. 181/2016 do Supervisor da Unidade Prisional, noticiando que até a presente data nenhuma alteração física ou retirada de presos foi promovida pelo DEAP, Considerando as vagas e padronizadas informações prestadas no Ofício nº 0330/2016/GA/DEAP sobre o déficit de vagas nas unidades prisionais do Estado de Santa Catarina e também sobre os esforços empregados pela Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania para o cumprimento das determinações exaradas por este Juízo Criminal, sem contudo, demonstrar concretamente qualquer delas; Considerando o adendo à Portaria n 02/2016, em 16.06.2016, que prorrogou por cinco dias o prazo para cumprimento das determinações, sob pena de soltura de todos os internos da Unidade Prisional de São Francisco do Sul em situação conflitante com a interdição parcial decretada, mediante responsabilidade pessoal dos subscreventes do Ofício nº 0330/2016/GA/DEAP; Considerando o flagrante desvirtuamento da natureza jurídica das Unidades Prisionais Avançadas projetadas para acolhimento de presos provisórios da respectiva cidade pela Secretaria de Justiça e Cidadania, por meio do Departamento Estadual de Administração Prisional – DEAP, que, no caso da Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul, permite e articula a entrada / permanência de presos provisórios e definitivos tanto de São Francisco do Sul quanto de outras comarcas, Considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal; Considerando que o art. 5º, III, XLVII, “e” e XLIX, da Constituição Federal erige como direito e garantia fundamental de todo cidadão a vedação à tratamento desumano e degradante, penas cruéis e o asseguramento de respeito e integridade física e mental das pessoas presas; Considerando que não há prisão perpétua no regime do Estado Democrático Brasileiro, ou seja, todos os cidadãos detentos, invariavelmente, retornação ao convívio social, sobrelevando, pois, a necessidade de que seja prestado efetivo papel ressocializador de garantia efetiva dos direitos previstos na Lei de Execuções Penais; Considerando que tanto o trabalho interno e externo, quanto a remição pelo estudo, foram suspensos por decisão correicional na Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul em razão da superlotação carcerária e das recorrentes fugas ocorridas no desenvolver de tais atividades; Considerando que a ausência de ligação de água e esgoto da Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul com a rede municipal é providência detectada desde sua inauguração, tendo sido motivo de antecedente interdição, fato ainda não solucionado, o que tem redundado no contingenciamento de água a determinados horários por dia aos presos;  Considerando os diversos pedidos administrativos apresentados pela Supervisão da Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul em busca dos mais comezinhos itens, tal qual vestimentas para os detentos, colchões, equipamentos de informática, inexistência de linha telefônica fixa, ausência de bloqueador de sinal de celular, carência de recursos financeiros para conserto das viaturas, inexistência absoluta de atendimento médico há mais de 60 dias e deficiencia estrutural do provisório e insuficiente atendimento odontológico, em parte decorrente da superlotação desde sempre vivenciada, carências estas todas objeto de determinações da Corregedoria-Geral da Justiça no Relatório de Inspeção realizado em 04.11.2013 à Secretaria de Justiça e Cidadania, por meio do Departamento Estadual de Administração Prisional – DEAP; Considerando que a Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul, desde seu nascimento até esta data (mais de 5 anos), encontra-se parcialmente interditada, tendo pouquíssimos intervalos de regularidade legal e constitucional, cuja precariedade do ato administrativo não pode ser eternizada; Considerando o teor da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 11.05.2016 nos autos do Recurso Extraordinário n. 641320/RS relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, onde a Suprema Corte assentou entendimento de que, ante a ineficácia evidenciada do Estado, reconhecendo-se a falência do sistema carcerário, é dever do Juízo Corregedor das Execuções Penais adotar e desenvolver soluções que minimizassem a insuficiência da execução, como se daria com o cumprimento da sentença em prisão domiciliar ou outra modalidade sem o rigor necessário; Considerando as Regras de Mandela”[1]; as quais “podem e devem ser utilizadas como instrumentos a serviço da jurisdição e têm aptidão para transformarem o paradigma de encarceramento praticado pela justiça brasileira”; Considerando, sobretudo, o teor do Ofício n. 127/2016/02PJ/SFS, por meio do qual a Promotora de Justiça titular da 2ª Promotoria de Justiça desta Comarca se manifesta pela prorrogação dos prazos fixados na Portaria n. 02/2016 deste Juízo, sensibilizada pela situação surreal de absoluta ausência, em todas as frentes, das Policias Militar e Judiciária nesta Comarca, fundamentando e decidindo.

No caso em apreço, quanto ao(à) reeducando(a), foi ele(a) condenado(a) à pena privativa de liberdade de 04 anos e 09 meses de reclusão em regime semiaberto.

Está, neste momento, cumprindo pena na Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul e desta forma se encontra encarcerado(a), sendo que por ineficiência do aparelho estatal não lhe foi até o momento permitido sua colocação em local adequado, nas condições que a lei prevê.

O pano de fundo, o que se descortina, é de todo comum à execução penal, onde estabelecimentos prisionais que deveriam abrigar 100 presos recebem 300, onde existem pouquíssimos estabelecimentos penais para cumprimento do semiaberto, colônias penais, agrícolas ou industriais, e outras tantas mazelas resultado da falta de interesse político e financeiro de investimentos de dinheiro público na massa carcerária.

E, como a postura das autoridades públicas não acena para a mudanças deste quadro, o que se põe em evidência e na mirada do Judiciário são direitos incontestes, judicialmente reconhecidos, cerceados por deficiências estruturais.

Sabe-se que a moralidade diz respeito ao indivíduo na sua singularidade. "No entanto, o critério de certo e errado, a resposta à pergunta: O que devo fazer?, não depende, em última análise, nem dos hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor nem de uma ordem de origem divina ou humana, mas do que decido com respeito a mim mesma. Em outras palavras, não posso fazer certas coisas porque, depois de fazê-las, já não serei capaz de viver comigo mesma”. (ARENDT, Hannah, Responsabilidade e Julgamento. Tradução Rosaura Einchenberg. São Paulo. Compania das Letras, 2004, p. 164).

Neste pulsar, o cotejo fático retrata a necessidade de adoção de providências prementes, ante a flagrante e recalcitrante ineficiência do Estado (incluído o Poder Judiciário, em última análise).

Vejo-me, pois, diante de duas aspirações com sopesamentos diferenciados e opostos, conflitantes: de um lado a preponderando viuolação e interesse do apenado em exercer minimamente seus direitos fundamentais – indeclináveis – ao trabalho, saúde, dignidade e recuperação, e de outro a gana em cumprir, à risca, todos os requisitos e particularidades de vigilância inerentes aos regime prisional semiaberto.

A questão é, quem deve arcar com o que? A meu sentir, todos os envolvidos devem responder, menos o apenado!

De antemão, contudo, à míngua do pensamento por vezes distante e desconectado que povoa o senso comum devo dizer que não faço aqui meia culpa no estilo somos todos culpados. Não há responsabilidade coletiva. Quando somos todos culpados, ninguém o é. A culpa, ao contrário da responsabilidade, sempre seleciona, é estritamente pessoal. Refere-se a um ato, não a intenções ou potencialidades. É apenas num sentido metafórico que podemos dizer que sentimos culpa pelos pecados de nossos pais, de nosso povo ou da humanidade, em suma, por atos que não praticamos, embora o curso dos acontecimentos possa muito bem nos fazer pagar por eles.

Pois bem, esquadrinhada a situação dos autos, passo a deliberar acerca da possibilidade de prisão domiciliar.

Na espécie, é sabido que na Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul existem dezenas de homens que cumprem pena legalmente no regime semiaberto e fechado.

No entanto, a previsão do cumprimento da pena conforme a lei não se concretiza no mundo real. E tal fato se dá, eminentemente, pela desatenção do Estado na criação de condições dignas e fáticas individualizadas de cumprimento de pena. O que se vê é que os detentos em regime semiaberto, além de permanecerem em sua maioria juntos aos detentos em regime fechado e presos provisórios, não possuem oferta de trabalho pelo Estado.

Preocupado com essa situação, a Corregedoria do sistema prisional desta Unidade alertou o Estado desde a inauguração da Unidade Prisional para que promovesse as medidas necessárias, o que redundou na edição, última, de portaria tendo sido oficiado à Secretária de Estado da Justiça e Cidadania de Santa Catarina e ao Diretor do DEAP, motivadamente notificando-os para adequar o cumprimento das penas dos detentos em regime semiaberto, sobre a superlotação, condições mínimas de funcionamento, fixando-se prazo para cumprimento.

Porém, nenhuma ação foi realizada e a situação permanece a mesma, com detentos em regime semiaberto cumprindo pena no regime fechado.

Com efeito, a Lei de Execução Penais, em seu art. 117, taxa claramente o regime prisional em que o preso deve se encontrar para pleitear a concessão de prisão domiciliar, além de elencar outras condições, in verbis:

"Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;

II - condenado acometido de doença grave;

III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

IV - condenada gestante."

O que se tem na letra fria da lei são hipóteses indicativas de possibilidade de prisão domiciliar a condenados cumprindo pena em regime semiaberto ou fechado.

De toda forma, é evidentemente possível a mitigação da regra legal, em atenção a elementos maiores norteadores da aplicação da lei, como é o caso daquele referente à preservação da dignidade da pessoa humana.

Em verdade, o deferimento da medida pressupõe, a verificação do binômio necessidade/inadequabilidade, onde a necessidade se traduz em questões de ordem humanitária (como a saúde, por exemplo), observáveis concretamente, e a inadequabilidade se refere à impossibilidade carcerária no que tange à manutenção do reeducando em conformidade com suas necessidades.

O Ministro Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso (in Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 260) ao tratar da razoabilidade/ proporcionalidade disserta: "Além da adequação entre o meio empregado e o fim perseguido - isto é, a idoneidade da medida para produzir o resultado visado -, a idéia de razoabilidade compõe-se ainda de mais dois elementos. De um lado, a necessidade ou exigibilidade da medida, que impõe verificar a inexistência de meio menos gravoso para a consecução dos fins visados. Sendo possível conter cereto dano ambiental por meio da instalação de um filtro próprio numa fábrica, será ilegítimo, por irrazoável, interditar o estabelecimento e paralisar a produção, esvaziando a liberdade econômica do agente. Nesse caso, a razoabilidade se expressa através do princípio de vedação do excesso".

Em tempos de legislação penal de pânico, onde o legislador, após tomar a exceção como regra, age como se o direito penal fosse o único instrumento hábil a revolver o problema da violência, espera-se que “os magistrados criminais, cônscios de seus deveres constitucionais, não se intimidem diante de campanhas \'moralizadoras\' (na fachada) de parte da imprensa e continuem a desempenhar com galhardia e coragem o seu papel de custos libertatis, pondo cobro a ilegais restrições ou ameaças de restrição à liberdade individual, seja quem for a vítima desses abusos e qualque que seja a \'interpretação\' que os \'donos da moral\' entendam de fazer”(Editorial. IBCCRIM n.124).

Nesse contexto, as penas criminais com seu caráter repressivo, em todas as suas vertentes oficiais, acabam sendo absolutamente ineficazes para aquilo que se propõe, que é a redução da violência e a paz social.

Ainda assim, diante da situação consolidada e das milhares de pessoas presas no país, é preciso jurisdicionar e buscar de todas as formas uma redução no dano prisional, para isso continuando a acreditar que a pena possui primordialmente um caráter reeducativo, de tentativa, no mínimo, de resgate da dignidade.

Neste sentido, a lei estabelece um sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade (art.33, do CP e art.112, da LEP), que culmina com o livramento condicional. Ou seja, a condenação é dividida em quatro períodos: recolhimento celular contínuo (fechado); isolamento noturno, com trabalho externo/interno e ensino durante o dia (semi-aberto); semiliberdade, em que o condenado trabalha fora do presídio e recolhe-se à noite em albergue (aberto); livramento condicional.

O principal objeto, portanto, da aplicação da lei de execuções penais se encontra na prevenção dos delitos e na “oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social (...) as penas e as medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor na comunidade” (Exposição de motivos da lei de execuções penais, item 13 e 14).

O art.1º, da LEP, aliás, estabelece que “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”

Tendo isto em conta, para preservar os institutos e fins da execução penal, a Constituição Federal de 1988 previu como função jurisdicional a questão da execução penal, ex vi do art.5: “XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes(....)XLVII - não haverá penas (...) cruéis; XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Desta maneira, a jurisdicionalização da execução penal firmou um sistema de garantias aos reeducandos e uma inequívoca responsabilidade da autoridade judiciária para com a execução da pena.

 E especialmente o fundamento da dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF) deve ser observado na execução penal.

Não fosse bastante a destacada atenção conferida no âmbito nacional aos direitos fundamentais, sobretudo ao direito do preso, trago à baila o que sedimentou as Nações Unidas com as chamadas Regras de Mandela[2]; destacadamente os seguintes princípios básicos:

“Princípios básicos

Regra 3

O encarceramento e outras medidas que excluam uma pessoa do convívio com o mundo externo são aflitivas pelo próprio fato de ser retirado destas pessoas o direito à autodeterminação ao serem privadas de sua liberdade. Portanto, o sistema prisional não deverá agravar o sofrimento inerente a tal situação, exceto em casos incidentais, em que a separação seja justificável, ou nos casos de manutenção da disciplina.

Regra 4

  1. Os objetivos de uma sentença de encarceramento ou de medida similar restritiva de liberdade são, prioritariamente, de proteger a sociedade contra a criminalidade e de reduzir a reincidência. Tais propósitos só podem ser alcançados se o período de encarceramento for utilizado para assegurar, na medida do possível, a reintegração de tais indivíduos à sociedade após sua soltura, para que possam levar uma vida autossuficiente, com respeito às leis.
  2. Para esse fim, as administrações prisionais e demais autoridades competentes devem oferecer educação, formação profissional e trabalho, bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis, inclusive aquelas de natureza reparadora, moral, espiritual, social, esportiva e de saúde. Tais programas, atividades e serviços devem ser oferecidos em consonância com as necessidades individuais de tratamento dos presos.

Acomodações

Regra 12

  1. As celas ou quartos destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por mais de um preso. Se, por razões especiais, tais como superlotação temporária, for necessário que a administração prisional central faça uma exceção à regra, não é recomendável que dois presos sejam alojados em uma mesma cela ou quarto.

Regra 13

Todas os ambientes de uso dos presos e, em particular, todos os quartos, celas e dormitórios, devem satisfazer as exigências de higiene e saúde, levando‑se em conta as condições climáticas e, particularmente, o conteúdo volumétrico de ar, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.

Regra 14

Em todos os locais onde os presos deverão viver ou trabalhar:

(a) As janelas devem ser grandes o suficiente para que os presos possam ler ou trabalhar com luz natural e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco mesmo quando haja ventilação artificial;

(b) Luz artificial deverá ser suficiente para os presos poderem ler ou trabalhar sem prejudicar a visão.

REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O TRATAMENTO DE PRESOS

Regra 15

As instalações sanitárias devem ser adequadas para possibilitar que todos os presos façam suas necessidades fisiológicas quando necessário e com higiene e decência.

Regra 16

Devem ser fornecidas instalações adequadas para banho, a fim de que todo preso possa tomar banho, e assim possa ser exigido, na temperatura apropriada ao clima, com a frequência necessária para a higiene geral de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana em clima temperado.

Regra 17

Todos os locais de um estabelecimento prisional frequentados regularmente pelos presos deverão ser sempre mantidos e conservados minuciosamente limpos.

Higiene pessoal

Regra 18

  1. Deve ser exigido que o preso mantenha sua limpeza pessoal e, para esse fim, deve ter acesso a água e artigos de higiene, conforme necessário para sua saúde e limpeza.
  2. A fim de que os prisioneiros possam manter uma boa aparência, compatível com seu autorrespeito, devem ter à disposição meios para o cuidado adequado do cabelo e da barba, e homens devem poder barbear-se regularmente.”

Edilson Pereira Nobre Júnior, ao mencionar dignidade da pessoa humana, direito e processo penal, ressalta: “(...) o constituinte de 1988 plasmou, à guisa de fundamento da república Federativa do Brasil como Estado Democrático de direito, a dignidade da pessoa humana, retratando o reconhecimento de que o indivíduo há de se constituir o objetivo primacial da ordem jurídica. Dito fundamental, o princípio- cuja função de diretriz hermenêutica lhe é irrecusável- traduz a repulsa constitucional às práticas, imputáveis aos poderes públicos ou aos particulares, que visem a expor o ser humano, enquanto tal, em posição de desigualdade perante os demais, a desconsiderá-lo como pessoa, reduzindo-o à condição de coisa, ou ainda a priva-los dos meios necessários à sua manutenção”(in: O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, LEX 266, pág.5-20).

Repita-se: a execução da pena objetiva a ressocialização e reintegração do condenado na comunidade, para isso prevendo um sistema progressivo. E a natureza jurisdicional da execução penal para isso serve, para garantir a realização e respeito aos princípios de direito e ao fundamento da dignidade da pessoa humana, no caso concreto para respeito ao direito ao cumprimento da pena no regime ao qual o reeducando legalmente se encontra.

Neste aspecto, deve-se considerar que o caminho mais judicioso é o da efetivação do cumprimento da pena no regime semiaberto. Na ausência de local adequado e próprio para tanto, previsto em lei, apresentando o detento a possibilidade de trabalho regular em empresa privada regular, cumpre autorizar a prisão domiciliar e o trabalho externo. Isto lhe é de direito.

 É da jurisprudência:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO AO RECURSO APROPRIADO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO DA PENA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PROGRESSÃO DE REGIME. AUSÊNCIA DE ESTABELECIMENTO ADEQUADO AO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME SEMIABERTO. PACIENTE MANTIDA EM REGIME FECHADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO, POR SER SUBSTITUTIVO AO RECURSO CABÍVEL E, DE OFÍCIO, CONCEDIDA A ORDEM, CONFIRMANDO A LIMINAR CONCEDIDA, PARA QUE A PACIENTE AGUARDE EM REGIME ABERTO OU, NA FALTA DE CASA DE ALBERGADO, EM PRISÃO DOMICILIAR, O SURGIMENTO DE VAGA EM ESTABELECIMENTO COMPATÍVEL COM O REGIME SEMIABERTO. 1. Os Tribunais Superiores restringiram o uso do habeas corpus e não mais o admitem como substitutivo de recursos, e nem sequer para as revisões criminais. Em homenagem à garantia constitucional e a fim de se evitar prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal, o suscitado constrangimento ilegal passa a ser analisado, para, se o caso, conceder o habeas corpus de ofício. 2. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que é direito subjetivo do recluso, cabendo ao Estado a sua implementação, cumprir a pena nos exatos termos da condenação ou decisão da Vara de Execuções Penais, conforme o caso. Destarte, a ausência de vaga em estabelecimento prisional adequado para a sua efetivação não tem o condão de agravar a situação do apenado, devendo cessar de imediato. 3. Habeas corpus não conhecido. De ofício, concedida a ordem, para confirmar a liminar, a fim de que a paciente aguarde em regime aberto ou, na falta de estabelecimento condizente com tal regime, que aguarde em prisão albergue domiciliar o surgimento de vaga em estabelecimento compatível com o regime semiaberto" (STJ - HC: 230082 CE 2011/0313605-1, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 24/09/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2013)

Já o Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário julgado em 11 de maio de 2016, assim decidiu:

“[...] a possibilidade de manutenção de condenado em regime mais gravoso, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado ao seu regime, seria uma questão ligada a duas garantias constitucionais em matéria penal da mais alta relevância: a individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) e a legalidade (CF, art. 5º, XXXIX). O sistema brasileiro teria sido formatado tendo o regime de cumprimento da pena como ferramenta central da individualização da sanção, importante na fase de aplicação (fixação do regime inicial) e capital na fase de execução (progressão de regime). Assim, a inobservância do direito à progressão de regime, mediante manutenção do condenado em regime mais gravoso, ofenderia o direito à individualização da pena. A violação ao princípio da legalidade seria ainda mais evidente. Conforme art. 5º, XXXIX, da CF, as penas devem ser previamente cominadas em lei. [...] O fundamental seria afastar o excesso da execução — manutenção do sentenciado em regime mais gravoso — e dar aos juízes das execuções penais a oportunidade de desenvolver soluções que minimizassem a insuficiência da execução, como se daria com o cumprimento da sentença em prisão domiciliar ou outra modalidade sem o rigor necessário" (STF; RE n.641320/RS; relator Ministro Gilmar Mendes; 11.5.2016).

Enfim, a Constituição deve ser levada a sério, numa hermenêutica responsável, cumprindo ao juiz, ao verificar a violação de direitos, fazê-los respeitar. Somente através dessa prerrogativa constitucional irrenunciável é que se evita a banalidade do mal, muito bem abordada por Alberto Alonso Muños (Eichmann em Jerusalém e a banalidade do mal na decisão do juiz. Boletim do IBCCRIM. Ano14, n.52, jan-mar. 2011, p.15), para quem o magistrado que não pensa na decisão. É o cumpridor mecânico de normas pelo mero fato de estarem vigentes. É o aplicador, por convicção irrefletida, de uma jurisprudência \'consolidada\'. Essa é a fôrma mais monstruosa: nele, não há o \'não querer pensar\', que  ainda lhe apresenta uma escolha ética. Há apenas o \'não pensar\' burocrático daquele que se tornou mera peça da engrenagem."

É preciso pensar. Portanto, efetivar o direito ao cumprimento da pena em regime semiaberto, conforme previsão legal, é admitir e reafirmar, sempre, que a pessoa do condenado jamais perderá sua natureza humana e por este motivo será sempre merecedora de irrestrito respeito em seus diretos e garantias fundamentais. Este salto ético já foi dado e o atual padrão de civilidade assim exige, bem como a humanidade em paz agradece.

E assim, considerando o bom comportamento extraído da ausência de quaisquer incidentes disciplinares recentes e porque e atendidas as condições de segurança, cumpre autorizar o trabalho externo cumulado com a prisão domiciliar.

Diga-se também que esta decisão, porque vincula a prisão domiciliar ao emprego regular, não só fomenta a vontade do detento em se reintegrar pacificamente à sociedade, resgatando sua autoestima, como também evita a banalização do regime semiaberto pelo Estado, como já feito com o aberto. Caberá ao Estado buscar ações concretas para os detentos em regime semiaberto que, por falta de oferta de emprego privado, permanecerão encarcerados.

Aliás, essa medida é de caráter provisório, num momento de crise pelo qual passa o sistema prisional catarinense. Não tem ela o condão de se eternizar no tempo, abstraindo da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania a sua integral responsabilidade pela oferta de estrutura e recursos humanos adequados, dentro das exigências legais, mormente da Constituição Federal e das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Presos.

Repita-se: esta decisão visa efetivar o respeito à lei, que implica em autorizar o trabalho externo ao detento que cumpre pena em regime semiaberto e sua prisão domiciliar. Isso se faz em razão da ineficiência do estado. Portanto, se contingências e fatos prejudiciais às pessoas vier a acontecer, numa eventual reincidência, não só o detento será recolhido e terá seu regime regredido, como o Estado poderá vir a ser responsabilizado por omissão.

Por isso, as condições a serem cumpridas pelo detento, além do comprovante de emprego regular em empresa formal e domicílio certo na Circunscrição de São Francisco do Sul em até 30 dias, implicam no seu comparecimento mensal não perante o Juízo mas sim perante a direção prisional para justificar suas atividades, com prova de manutenção do vínculo empregatício, tudo sob pena de revogação do benefício.

Caberá à unidade prisional informar periodicamente o cumprimento regular da pena, pois de sua responsabilidade.

Para efeito de melhor compreensão desta decisão e de seus fundamentos, resume-se-a:

  1. É direito do detento que cumpre pena em regime semiaberto estar alocado em ambiente próprio, onde se possibilite inclusive o trabalho;
  2. Na Unidade Prisional Avançada de São Francisco do Sul os detentos do regime semiaberto ficam juntos aos detentos do regime fechado e aos presos em caráter provisório, sem oferta oficial de trabalho;
  • Alertada várias vezes e por fim notificada para adequação no cumprimento da pena dos detentos em regime semiaberto, superlotação e cumpriumento de portaria de interdição, a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania quedou-se inerte;
  1. A concessão pura e simples de prisão domiciliar aos detentos do regime semiaberto afasta do Estado a responsabilidade por ações que visem investimento no sistema;
  2. Então, para os detentos que apresentarem proposta de emprego, com anotação em carteira, em estabelecimento regular, que tenham bom comportamento e que estejam legalmente no regime semiaberto, será avaliada a possibilidade de prisão domiciliar com autorização de trabalho externo.
  3. Como a situação é de crise no sistema prisional catarinense, a decisão também é de caráter provisório. Ou seja, cabe ao Estado buscar investimentos no sistema, de forma a não eternizar a falta de vagas no regime semiaberto.
  • Fatos prejudiciais às pessoas que vierem a acontecer, até mesmo numa eventual reincidência, não só implicarão no recolhimento do detento, com regressão de regime, como poderão resultar na responsabilização do Estado por omissão.
  • Por isso, as condições a serem cumpridas pelo detento, além do comprovante de emprego com anotação em carteira em estabelecimento regular e domicílio certo na Circunscrição de São Francisco do SUl, implicam no seu comparecimento mensal não perante o Juízo mas sim perante a direção prisional para justificar suas atividades, com prova de manutenção do vínculo empregatício, tudo sob pena de revogação do benefício.

Ante o exposto, porque demonstrada a necessidade de medida,  considerando o cumprimento da pena em regime semiaberto e com base nos fundamentos supra, presentes os requisitos legais, DEFIRO A PRISÃO DOMICILIAR para o *das seguintes condições, inclusive sob pena de regressão de regime: (I) comprovação, no prazo de 30 (trinta) dias de efetiva contratação de emprego, mediante carteira assinada, caso ainda não o tenha feito anteriormente; (II) permanecer em sua residência nos dias úteis durante o repouso noturno, das 20:00 horas às 05:00 horas do dia útil seguinte, e integralmente nos dias de folga, compreendidos aqui os feriados e finais de semana em que não comprove expediente, ressalvadas autorizações expressas para alteração de horário de trabalho; (III) não se ausentar da cidade sem autorização judicial; (IV) comunicação prévia de mudança de endereço e (V) comparecer perante a direção prisional SEMANALMENTE para informar e justificar suas atividades, bem como comprovar a manutenção do vínculo empregatício, com apresentação de cartão ponto.

Comunique-se à direção prisional para que apresente o reeducando a este Juízo no dia 24.06.2016, com a finalidade de assinatura de termo de compromisso. Encaminhe-se ainda cópia à direção prisional para anotação no prontuário do(a) reeducando(a) e controle/fiscalização da medida.

Deverá ainda a unidade prisional comunicar a este Juízo, no máximo até o mês subsequente, caso ocorra o não comparecimento mensal do reeducando.

Intimem-se. No mais, aguarde-se o cumprimento da pena.

São Francisco do Sul (SC), 23 de junho de 2016.

Tiago Fachin Juiz de Direito
Notas e Referências:

[1] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Mandela: Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos /Conselho Nacional de Justiça, Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, Conselho Nacional de Justiça – 1. Ed – Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2016.

[2] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Mandela: Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos /Conselho Nacional de Justiça, Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, Conselho Nacional de Justiça – 1. Ed – Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2016.


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