Flanelinhas e Habeas Corpus Coletivo. Parecer de Geraldo Prado. Confira.

10/05/2015

O Empório do Direito reproduz o brilhante parecer exarado pelo Professor e Escritor Geraldo Prado (Mestre e Doutor em Direito. Pós-doutor em História das Ideias e Cultura Jurídicas pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito Processual Penal da UFRJ. Investigador do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) sobre o Habeas Corpus Coletivo deferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em favor dos flanelinhas de Volta Redonda, impetrado pela Defensoria do Rio de Janeiro. A ordem foi concedida em favor dos “guardadores de veículos automotores nas ruas da cidade de Volta Redonda – ‘flanelinhas’ – garantindo-lhes o direito de ir, vir e permanecer a qualquer hora do dia”

[caption id="attachment_6945" align="alignleft" width="150"]Geraldo Prado Geraldo Prado[/caption]

Habeas Corpus Coletivo*

“Requisitos necessários á sua impetração

A petição para o habeas-corpus exige os seguintes requisitos:

1º O nome da pessoa, que sofre violência, e o de quem é della causa, ou auctor (8) – (Cód. De Proc. Crim. Art. 341, §1º)

(8) É reconhecido e garantido o direito de justa indemnisação, e em todo caso, das custas contadas em tresdobro, em favor de quem soffrer o constrangimento illegal, contra o responsável por semelhante abuso do poder. – (Cit. Lei nº 2033 de 20 de Setembro de 1871, Art. 18 §6 -)

Se a prisão illegal partir de um juiz collectivo, como de um tribunal, a responsabilidade se communica entre os seos membros, já solidariamente, quanto a satisfação do damno causado, e já repartidamente, quanto as custas e penas criminaes, muito embora a ordem de prisão seja subscripta pelo respectivo Presidente, pois que este representa os membros, que compõem o dito tribunal. – (V. Machado – obra cit, §9).

O paciente da violência pode ser colletivo ou singular; e quer num, quer noutro caso lhe é indisputável o direito de usar do habeas-corpus.”[1]

  

Recurso Extraordinário nº 0855810

Relator: Ministro Dias Toffoli

  1. A Consulta

1.1. Breve histórico e quesitos.

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Coordenadoria de Defesa Criminal, formula consulta relativamente à questão suscitada pelo Ministério Público estadual em Medida Cautelar, na esfera de Recurso Extraordinário interposto contra decisão da Segunda Turma Recursal Criminal do Estado do Rio de Janeiro. O acórdão impugnado ratificou a concessão da ordem de habeas corpus preventivo em favor dos “guardadores de veículos automotores nas ruas da cidade de Volta Redonda – ‘flanelinhas’ – garantindo-lhes o direito de ir, vir e permanecer a qualquer hora do dia”[2].

Alega o MP que ao julgar procedente o pedido de habeas corpus coletivo, impetrado em caráter preventivo, o juiz do Juizado Especial Criminal proferiu ato com “abrangência transindividual, abarcando um quantitativo indeterminado de pessoas”, fundado no reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei nº 6.242/75. Assevera o autor da Medida Cautelar que esta transcendência dos efeitos jurídicos da decisão seria o mesmo que conceder “efeitos erga omnes”, algo que é próprio do controle concentrado de constitucionalidade a ser exercido em caráter exclusivo pelo Supremo Tribunal Federal.

1.2. Por meio de decisão proferida em 14 de outubro de 2013, a desembargadora Terceira Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) suspendeu a eficácia do acórdão proferido pela mencionada Turma Recursal.

Destacou a eminente magistrada que “o fato de o Acórdão alvejado ter concedido salvo conduto a ‘todas as pessoas que se encontrem trabalhando como guardadores de veículos automotores nas ruas da cidade de Volta Redonda – flanelinhas...’” caracterizaria o fumus imprescindível ao provimento cautelar, assim como o periculum estaria demonstrado pois “a manutenção da eficácia do julgado alvejado expõe sobremodo a população de Volta Redonda, obrigando-a a conviver com a cobrança não oficial de uso específico de espaço público”.

1.3. O ponto controvertido, trazido à colação pelo MP, e referendado pela desembargadora Terceira Vice-Presidente do TJRJ, consiste na alegada impropriedade do habeas corpus coletivo preventivo que, segundo o MP, veicularia pretensão “própria das ações diretas de inconstitucionalidade, considerando que se pleiteou o afastamento da aplicação da Lei 6.242/75 na Comarca de Volta Redonda, em efeitos erga omnes.[3]

Em resumo: o fato de os pacientes do habeas corpus preventivo serem indeterminados, mas classificáveis como “flanelinhas”, e de se postular que por essa condição não sejam conduzidos à delegacia de polícia ou presos em flagrante por violação das normas dos artigos 47 da Lei de Contravenções Penais e Lei nº 6.242/75 equivaleria, para o MP, à dedução de pretensão típica do controle concentrado de constitucionalidade.

Em aparente abono ao seu ponto de vista o MP cita posição esposada pelo culto Ministro Gilmar Mendes, relativa à ação civil pública e ação popular, no sentido de que, nas hipóteses em que o objeto da ação civil é a própria constitucionalidade da lei estadual, reserva-se a matéria aos instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade.

Este é o resumo da controvérsia.

Quesitos:

Indaga a Consulente, à luz dos elementos apresentados:

(a) se é cabível habeas corpus em favor de um coletivo de pacientes;

(b) se no caso concreto o habeas corpus funcionou como sucedâneo de algum dos dispositivos processuais de controle concentrado de constitucionalidade.

Com a consulta a Consulente apresenta farta documentação em meio digital.

O tema reveste-se de interesse teórico e prático e transcende a própria controvérsia, pois que remete a questões centrais concernentes ao Estado de Direito, ao habeas corpus como garantia da liberdade de locomoção e ao controle difuso de convencionalidade que compete aos tribunais nacionais em vista do disposto na Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

É disso, pois, que tratará o presente estudo.

1.4. Argumentos centrais e estrutura do parecer.

Para orientação da leitura convém esclarecer como está estruturado o parecer e que argumentos compõem o fio condutor da perspectiva analítica eleita.

Em primeiro lugar sustenta-se a tese de que é cabível o habeas corpus coletivo nas hipóteses em que a ameaça à liberdade de locomoção tomar a forma de constrangimento dirigido a um coletivo de pessoas.

A proteção de um número indeterminado de pessoas contra ameaça concreta à liberdade de locomoção também é tema que toca ao denominado controle de convencionalidade.

Em seguida o parecer cuidará de distinguir a questão relativa à determinação do paciente daquela que concerne aos efeitos erga omnes peculiares às decisões em controle de constitucionalidade. 

  1. O habeas corpus e a defesa do devido processo legal

2.1. Considerações preliminares: o cabimento do habeas corpus coletivo preventivo

Com alguma frequência afirma-se que o fato de a Defensoria Pública e outras entidades de defesa dos direitos humanos impetrarem habeas corpus coletivo consistiria em uma sua inédita roupagem jurídica, incompatível com a vocação de tutela da liberdade ambulatorial que confere à ação um “tom individual”, não coincidente com a pluralidade de pacientes em improvável simetria de situação.

Quero crer que uma afirmação do gênero desconheça o passado do habeas corpus brasileiro. Não menciono a clássica contenda entre Pedro Lessa e Rui Barbosa, sobre a amplitude da proteção naquilo que ficaria conhecido na história como a “doutrina brasileira do habeas corpus”. [4]

Volto ainda mais no tempo, às lições de 1879, de Manoel Godofredo d’Alencastro Autran, citadas no preâmbulo deste parecer, para rememorar as circunstâncias em que, à luz do art. 340 do Código de Processo Criminal do Império, e depois do advento das leis que proscreveram o tráfico de escravos e promulgaram o “ventre livre”, a proteção de negros “suspeitos”, que perambulavam pela cidade do Rio de Janeiro, [5] sem cometer crime algum, dependia do habeas corpus coletivo, que integrava uma das muitas formas das chamadas ações de liberdade. [6]

2.2. Não há, pois, novidade no emprego do habeas corpus para tutelar a liberdade de locomoção de membros de coletividades.

Sequer seria razoável impor uma restrição do gênero quando o exercício de pretensões limitadoras da liberdade de locomoção não está, à vista da lei, legalmente condicionado a determinação de nomeação de acusados.

Com efeito, tanto o artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP), que elenca os requisitos da denúncia, como o artigo 352, inciso III, do mesmo diploma, que trata da citação por edital, conformam-se com “sinais característicos” do réu, que, ainda que não tenha nome conhecido, poderá ser formalmente acusado. [7]

O campo das indeterminações é bastante rico  quando o assunto é a repressão penal. Para ficarmos em exemplo no qual um dos protagonistas é o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Segurança Pública do Estado requereu –“com anuência do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro” - e o juiz da 39ª Vara Criminal da Capital deferiu mandado de busca e apreensão genérico, dirigido às residências do Complexo da Maré. [8]

2.3. Em um processo penal de matriz acusatória o princípio elementar da paridade de armas deve ao menos assegurar a paridade de oportunidades. Por isso, se é possível reprimir coletivamente, isto é, valendo-se as forças de segurança de dispositivos que não as obrigam a individualizar e nomear as pessoas e os bens fundamentais (domicílio, parcela vital do patrimônio pessoal etc.) que são afetados pelas ações repressivas, exigir-se sempre, em qualquer caso, a determinação dos afetados resultaria em uma diabólica inversão de ônus.

Sublinho o ponto porque o considero crucial, tendo em conta o compromisso constitucional de tutela das liberdades públicas e de preservação da dignidade da pessoa humana.

Em jogo, nessa patente distorção ideológica dos direitos humanos, encontram-se os mesmos fatores que estiveram presentes ao tempo do Império escravocrata: a) grupos sociais vulneráveis sob os mais variados aspectos, mas principalmente no que concerne à capacidade econômica e de representação judicial; b) a repressão penal ordenada “coletivamente” e em contrariedade à ordem jurídica.

Os exemplos de habeas corpus coletivo e as suas causas confirmam a hipótese: tutela de crianças e adolescentes submetidos a “toque de recolher”; tutela de presos indevidamente mantidos em regime de cumprimento de pena mais rigoroso.

2.4. A questão, portanto, a ser considerada no juízo de admissibilidade do habeas corpus, impetrado em favor dos membros de determinada coletividade, não nomeados previamente pelo impetrante, consiste em avaliar a plausibilidade da existência do coletivo, ainda que informal.[9]

Como o habeas corpus está estruturado sobre a base de um procedimento de cognição sumária, a exigir a prévia demonstração dos fatos alegados pelo(s) impetrante(s), a admissibilidade do habeas corpus coletivo demandará que o autor da ação mandamental comprove a existência da ameaça àquela determinada coletividade.

O que deve ser “determinado”, portanto, é a “coletividade” e não seus membros (a nomeação da totalidade das crianças e adolescentes de Cajuru[10] ou dos presos em Osasco[11] é desnecessária) e a plausibilidade dessa determinação da coletividade resulta da plausibilidade da própria ameaça à liberdade de locomoção dos membros da mencionada coletividade.

2.5. Interessante observar que no plano internacional a determinação da responsabilidade, quando há pluralidade de vítimas (“pacientes”), não fica paralisada pela impossibilidade concreta de imediata determinação de cada um dos indivíduos titulares de direitos fundamentais violados.

Assim, por exemplo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no Caso do Presídio Miguel Castro vs. Peru, assentou, em prol de uma maior eficácia da tutela de direitos humanos, que a “determinação de supostas vítimas e seus familiares tem sido ampla, e se ajusta às circunstâncias de cada caso.”

Vale citar alguns trechos do referido acórdão para revelar a tendência hermenêutica que preside ações como a de habeas corpus, destinadas a ser céleres instrumentos de garantia do exercício de direitos fundamentais.

“A Comissão apresentou a demanda a fim de que a Corte declare que o Estado é responsável pela violação dos direitos consagrados nos artigos 4 (Direito à vida) e 5 (Direito à integridade pessoal) da Convenção Americana, em relação à obrigação estabelecida no artigo 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) do mesmo instrumento, em detrimento de “pelo menos 42” detentos que faleceram; pela violação do artigo 5 (Direito à integridade pessoal) da Convenção, em relação à obrigação estabelecida no artigo 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) do mesmo instrumento, em detrimento de ‘pelo menos 175’ detentos que ficaram feridos e de 322 detentos ‘que, embora tenham saído ilesos [supostamente], foram submetidos a tratamento cruel, desumano e degradante’; e pela violação dos artigos 8.1 (garantias judiciais) e 25 (Proteção judicial) da Convenção, em relação à obrigação estabelecida no artigo 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) do mesmo instrumento, em detrimento ‘das [supostas] vítimas de seus familiares.

(...)

A jurisprudência deste Tribunal quanto à determinação de supostas vítimas e seus familiares tem sido ampla, e se ajusta às circunstâncias de cada caso. Em conformidade com o artigo 33.1 do Regulamento da Corte, cabe à Comissão, e não a este tribunal, definir com precisão e na devida oportunidade processual as supostas vítimas num caso perante a Corte. Entretanto, não sendo possível, em algumas ocasiões, a Corte considerou como vítimas pessoas que não foram citadas como tal na demanda, desde que o direito de defesa das partes tivesse sido respeitado e as supostas vítimas guardassem relação com os fatos objeto do caso e com a prova apresentada perante a Corte.”[12]

2.6. A noção albergada pela CIDH, de que a impossibilidade concreta de imediata determinação de cada um dos indivíduos titulares de direitos fundamentais violados não prejudica o conhecimento e julgamento da causa, na esfera muito mais restrita da Corte Internacional, fixa parâmetro que é adequado ao caso do habeas corpus, em especial porque a tutela da liberdade de locomoção reclama sempre a mais ágil e eficaz intervenção protetiva.

Não por outra razão o habeas corpus não se submete aos critérios da acusatoriedade e a sua jurisdição pode funcionar ex officio.

Releva notar que a diretriz hermenêutica extraída da citada decisão da Corte Interamericana, no sentido de que a determinação de supostas vítimas deve se ajustar às circunstâncias de cada caso, não conflita com os termos do preceito dispositivo constitucional do habeas corpus, extraídos do art. 5º: “LXVIII -  conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Não há impedimento a que a ação de habeas corpus inclua em seu âmbito de proteção os membros de uma coletividade, desde que a causa de pedir afirmada na inicial seja a ameaça à liberdade de locomoção desses membros.

A opção restritiva postulada pelo MP explica-se claramente se for considerado em sua abrangência o momento de edição do Código de Processo Penal de 1941: a) por um lado, a ideologia política autoritária do Estado Novo; b) por outro, a perspectiva individualista dominante no liberalismo econômico e seus reflexos em relação à pertinência subjetiva das demandas.

A combinação destes fatores configura a meu juízo a justificativa para excluir do âmbito de proteção do habeas corpus as pessoas vulneráveis, que integravam determinados grupos sociais que de acordo com a representação social dominante formavam as chamadas “classes perigosas”.

A rigor, a feição clássica do habeas corpus tutela de forma satisfatória os interesses dos membros das classes médias, mais raramente necessitados de habeas corpus, todavia em condições de acionar um defensor sempre que há risco de lesão a sua liberdade de locomoção.

Protege-se no varejo o que em regra podem ser denominadas situações do “varejo criminal”.

As ações ilegais de violação da liberdade de locomoção praticadas no “atacado” têm outro alvo social e é essa consideração, facilmente observada nos grupos de vítimas (pacientes) mencionados nos acórdãos da CIDH ou naqueles referidos neste parecer, que demanda a abertura hermenêutica que toma forma no habeas corpus coletivo.

2.7. Incorporar critérios do sistema interamericano de direitos humanos resulta da evolução de nossas fontes e da maneira como estão articuladas com vistas à implementação do Estado de Direito.

A transformação política com o fim da ditadura e, ainda, o restabelecimento da democracia em meados dos anos 80 do século vinte propiciaram as condições ideais para a inserção do Brasil nos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, em especial o regional, sob o influxo do Pacto de São José da Costa Rica, que formalmente fora incorporado ao direito brasileiro em 1992, por meio do Decreto nº 678.

Sob o ângulo interno os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade das leis e atos do poder público foram sensivelmente ampliados, assim como a legitimação para acioná-los, em um movimento condizente com a expansão da democracia.

O Brasil dessa forma inscreve-se no rol das nações ocidentais herdeiras da tradição de controle de leis e atos normativos, iniciada com o juiz inglês Sir Edward Coke, em 1610, e retomada nos Estados Unidos da América a partir do precedente instituído no caso Marbury vs Madison, em 1803. [13]

Luigi Ferrajoli, em Direito e Razão[14], assinala por sua vez que a realidade política demonstrou que a supremacia jurídica da Constituição, traço característico do Estado Constitucional de Direito, não mostrara força suficiente para conter abusos de poder, em especial os que são gerados no âmbito de maiorias de ocasião, que se valem disso para oprimir minorias.

Neste contexto, a reduzida capacidade operativa dos direitos fundamentais, em particular nos Estados que viveram décadas sob o jugo de ditaduras, requisitou a internacionalização dos direitos humanos, com a construção de um complexo sistema de proteção a estes direitos.

Ao que interessa ao tema examinado neste parecer convém registrar que o ingresso do Brasil na comunidade americana de Estados de Direito passa por sua incorporação ao sistema regional, com a citada adesão ao Pacto de São José da Costa Rica e a admissão da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com atribuições consultiva e contenciosa.

A eficiência do sistema interamericano decorre, ainda, da atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Releva notar que a própria Corte Interamericana decidiu acerca da natureza de suas funções e decisões, consagrando: (i) que os direitos e garantias previstos no Pacto de São José da Costa Rica configuram o denominado “bloco de convencionalidade” que serve como parâmetro de controle da constitucionalidade de leis e atos normativos dos Estados submetidos à sua jurisdição; (ii) os princípios pro homine e pro libertatis como critérios constitucionalizados de interpretação e aplicação das normas sobre direitos fundamentais; (iii) o controle de convencionalidade concentrado, exercido pela própria Corte; (iiii) o controle de convencionalidade difuso, exercido pelos juízes e tribunais dos Estados sujeitos à sua jurisdição; (iiiii) e o caráter obrigatório dos Informes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. [15]

Com isso e em consequência da decisão proferida no Caso Almonacid Arellano vs Chile, em 2006, assentaram-se duas obrigações fundamentais: a) a obrigação legislativa, em sede interna, de adoção de disposições legais concernentes a conformar a ordem jurídica aos parâmetros fixados pela Corte Interamericana; b) e a obrigação do Poder Judiciário nacional de compatibilizar suas decisões aos referidos parâmetros, o que converteu juízes e tribunais nacionais em “guardiães da convencionalidade”.[16]

2.8. Ainda que a Segunda Turma Recursal não tenha expressamente se referido à CIDH, a realidade é que a admissão do habeas corpus coletivo converge com as prescrições de mais ampla proteção, preconizadas por nosso sistema regional.

Perfeita e devidamente respaldada, portanto, segundo penso, a proposição constante do acórdão da Segunda Turma Recursal:

“Com relação à primeira preliminar, ou seja, da ausência de Habeas Corpus coletivo no ordenamento jurídico brasileiro, entendo que os princípios constitucionais expostos no artigo 5º da Constituição Federal devem ser interpretados de forma extensiva em favor das liberdades individuais. Não foi por outra razão que no Brasil, antes do advento do Mandado de Segurança, utilizava-se o Habeas Corpus como remédio em favor do direito líquido e certo. Assim, com a coletivização das demandas, natural que se interprete de forma ampliada o Habeas Corpus, permitindo-se a sua impetração coletiva, até porque a Constituição Federal Brasileira prevê expressamente o Mandado de Segurança coletivo. Assim, voto no sentido da rejeição desta preliminar.”

2.9. O contexto, pois, de aferição do cabimento do habeas corpus é o que se forma pela análise das circunstâncias fáticas que, segundo o(a) impetrante, ameaçam a liberdade de locomoção de um grupo de pessoas em regra vulneráveis.

Não há no caso em exame qualquer dúvida a respeito deste contexto fático. “Flanelinhas” de Volta Redonda são conduzidos à delegacia de polícia e lavram-se termos circunstanciados. Imputa-se a prática da contravenção do art. 47.

Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941.

Das contravenções relativas à organização do trabalho

Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.”

O tema é pacífico mesmo no arrazoado da Medida Cautelar em Recurso Extraordinário e a decisão liminar proferida nesta esfera reconhece que são os “flanelinhas” de Volta Redonda os “alvos” da ação repressiva estatal.

 

  1. O habeas corpus coletivo não se confunde com as ações de controle de constitucionalidade

3.1. Superada a questão do cabimento do habeas corpus coletivo, entra em pauta tema delicado, que exponho a partir da decisão que de fato o MP está impugnando, tal seja, aquela proferida pela Turma Recursal.

Alega o MP que houve proclamação da inconstitucionalidade da Lei nº 6.242/75 e que em virtude disso os efeitos da decisão produziram-se erga omnes.

3.2. Há diferenças que não são sutis entre as duas decisões sucessivamente impugnadas pelo MP: a concessiva original e a que a manteve em parte, sendo esta a desafiada pelo Recurso Extraordinário.

Vamos a esta, nos trechos principais de sua fundamentação:

“A lei nº 6.242/1975 e seu regulamento, o Decreto Federal nº 79.797/1977, são espécies normativas híbridas, contendo normas de natureza trabalhista e administrativa. O “registro” a que faz menção tais diplomas legais, nada mais é do que a “licença inscrição”, ato administrativo negocial.

Ora, os diplomas normativos que regulamentam o trabalho de guardador de veículos não fazem qualquer exigência acerca de qualificação profissional, requerendo tão somente o registro do trabalhador. Ressalte-se que não existem atos privativos de guardador de veículos, atos que, se praticados, poderiam vir a lesionar bem jurídico alheio.

Aliás, a exigência do registro de trabalhador estabelecido pelos citados regulamentos traduzem normas de cunho administrativo, com a finalidade de tão-somente organizar o trabalho, até porque os guardadores cuidam da organização do espaço público.

Em assim sendo, o exercício da atividade de guardador e lavador de veículos automotores, sem a “licença” “inscrição” (rectius: registro), configura apenas infração administrativa.

(...)

Diante de todas essas normas fundamentais, pretender criminalizar a conduta de quem trabalha em atividade que não requeira uma habilidade ou conhecimento especial, ainda que sem preencher todas as exigências administrativas exigidas, revela, tão somente, o desejo de exercer o controle social dos excluídos socialmente pela via do Direito Penal, o que não se pode tolerar.

(...)

Assim, se o desempenho da atividade de guardador de carros não está sujeito a nenhum requisito que tenha a finalidade de demonstrar a capacidade ou qualificação técnico-científica do profissional, forçoso concluir que o bem jurídico tutelado pelo art. 47, da Lei das Contravenções Penais, não foi ofendido, sendo, pois, atípica a conduta do autor do fato.”[17]

3.3. Quantas vezes se queira ler o trecho acima e não se encontrará negativa de vigência de lei, mas a afirmação textual de que “os diplomas normativos que regulamentam o trabalho de guardador de veículos não fazem qualquer exigência acerca de qualificação profissional, requerendo tão somente o registro do trabalhador. Ressalte-se que não existem atos privativos de guardador de veículos, atos que, se praticados, poderiam vir a lesionar bem jurídico alheio”.

E remata o voto, com clareza meridiana, que dispensa outras considerações: “Assim, se o desempenho da atividade de guardador de carros não está sujeito a nenhum requisito que tenha a finalidade de demonstrar a capacidade ou qualificação técnico-científica do profissional, forçoso concluir que o bem jurídico tutelado pelo art. 47, da Lei das Contravenções Penais, não foi ofendido, sendo, pois, atípica a conduta do autor do fato.” (grifo meu).

Ao contrário do que afirma o MP, o tribunal (Turma Recursal) sublinhou que a lei está vigente, mas que sua interpretação constitucional conduz ao reconhecimento de que eventual violação caracteriza “apenas infração administrativa” e não contravenção penal. Aliás, a lei em questão, de 23 de setembro de 1975, não “incrimina” (ainda que sob a forma de contravenção penal) a atividade de guardador de veículos automotores.

A irresignação do MP muito sinceramente não se dirige a este ponto, mas ao fato de o tribunal ter exigido, para a tipicidade objetiva de uma infração penal, a denominada “tipicidade material”, isto é, o potencial concreto de lesividade a um bem jurídico para evitar responsabilidade penal esvaziada de qualquer função. Em outras palavras: para evitar a arbitrariedade na designação de infratores penais.

No caso a exigência recaiu sobre o apetite incriminador dirigido aos “flanelinhas” de Volta Redonda, mas seria diferente se fosse uma decisão reconhecendo a bagatela no furto de um lápis? Pelo raciocínio exposto no Recurso Extraordinário creio que não.

3.4. Afirmar ou negar a existência de bem jurídico-penal no caso em tela não é objeto do parecer.

Cumpre, porém, salientar que para (tentar) obter a declaração de que no caso dos “flanelinhas” de Volta Redonda há um bem jurídico-penal protegido pelo Decreto Penal do Estado Novo, o MP argumentou com inexistente controle concentrado de constitucionalidade, conferindo ao coletivo de pacientes, guardadores autônomos de veículos automotores de Volta Redonda um caráter de generalidade e abstração irreal (do efeito erga omnes).

A alegação – que parece inspirar-se mais na decisão do juiz do Juizado Especial e não na impugnada, proferida pela Turma Recursal – maneja a declaração incidental proferida pelo primeiro, como prejudicial da sua decisão e, pois, de todo modo inconfundível com o controle concentrado de constitucionalidade, como se tratasse do critério para aferir a tipicidade material no caso concreto, empregado pela Turma Recursal.

A rigor, sequer se trata de caso de Recurso Extraordinário.

3.5. Isso não significa que a discussão travada seja menor. Ao revés, não há como deixar de estabelecer as simetrias com o Caso Gideão, que há cinco décadas marcou época na Suprema Corte norte-americana ao fixar o entendimento de que a defesa técnica é fundamental para um julgamento justo.

O jurista Abe Fortas sustentou perante a Suprema Corte o caráter substancial do direito de defesa. [18] Não bastavam as qualidades pessoais do acusado para que a autodefesa fosse suficiente para legitimar o julgamento.

Objetivamente retrucou o Ministério Público com a lei, ao aduzir que somente nos casos de pena de morte a lei do Estado da Flórida exigia a nomeação de defensor. [19] A nomeação de defensor não configuraria elemento da cláusula do devido processo.

A Suprema Corte norte-americana alterou o precedente e o direito ao defensor passou a integrar o próprio conceito de defesa penal. [20] A decisão do Caso Gideão repercutiu na administração da justiça penal nos Estados Unidos da América, apesar das desvantagens estruturais das defesas públicas em relação à acusação.

Pode-se dizer, no entanto, que o compromisso constitucional que norteou os juízes da Suprema Corte e os levou a abandonar o paradigma liberal e fixar o critério do julgamento justo, com igualdade de oportunidades e, portanto, com a presença de profissionais dos dois lados da contenda, guarda simetria com a natureza do desafio que agora se apresenta ao nosso Supremo Tribunal Federal: o de garantir que coletivos formados por pessoas em estado de vulnerabilidade, ameaçados pela expansão penal e por incontestáveis constrangimentos a sua liberdade de locomoção, que se apresentam no atacado das políticas criminais abusivas, possam se valer do habeas corpus coletivo para assegurar a sua dignidade e preservar a sua liberdade.

  1. Resposta aos quesitos.

À luz do caso concreto, algumas conclusões são, do meu ponto de vista, incontroversas.

  1. É cabível habeas corpus em favor de um coletivo de pacientes?

RESPONDIDO NO CORPO DO PARECER.

Sim. O habeas corpus coletivo é conhecido no direito brasileiro desde o Império. A não determinação do coletivo beneficiário da proteção da liberdade de locomoção, a depender das circunstâncias de cada caso, não constitui óbice ao exame do mérito no processo de habeas corpus. O que é indispensável é a determinação da hipótese de ameaça ou violação à liberdade de locomoção que em concreto guarde pertinência com o referido coletivo de pessoas.

  1. No caso concreto o habeas corpus funcionou como sucedâneo de algum dos dispositivos processuais de controle concentrado de constitucionalidade?

RESPONDIDO NO CORPO DO PARECER.

Não. A decisão proferida pela Turma Recursal não declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 6.242/75 ou do art. 47 da Lei de Contravenções Penais. A mencionada decisão não afastou a aplicação das leis referidas. Em verdade, o acórdão da Turma Recursal decidiu pela ausência de tipicidade material no intento de “incriminação” da atividade de “flanelinha”, por inexistência de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma contravencional, subsistindo, eventualmente, infração administrativa. Distinguiram-se, portanto, os âmbitos normativos das citadas leis, que no caso concreto não se superpõem ou são coincidentes.

São estas, pois, as considerações que me cabiam.

Ressalvado melhor entendimento, é o parecer.

Rio de Janeiro, 28 de abril de 2015.

Geraldo Prado

* Parecer pro bono, em face da relevância do tema e de sua repercussão no direito brasileiro.

[1] AUTRAN, Manoel Godofredo d’Alencastro. Do Habeas Corpus e seo recurso ou compilação das disposições legaes, e decisões do Governo a respeito, em exposição simples e methodica, seguida de um formulário do respectivo processo, e de um índice alphabetico. Rio de Janeiro: Garnier, 1879, p. 10-11. Negrito nosso.

[2] Trecho extraído do dispositivo da sentença proferida pelo culto juiz Roberto Henrique dos Reis, juiz do Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Volta Redonda. O relator do acórdão, na 2ª Turma Recursal, foi o então juiz e hoje desembargador Marcelo Anátocles.

[3] Petição inicial da Reclamação Constitucional com requerimento de medida liminar proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em 28 de fevereiro de 2013. p. 2; 3; e 7.

[4] GRINOVER, Ada Pellegrini. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 270-271.

[5] “Negros presos pela polícia por suspeição de que fossem escravos, ainda que alegassem liberdade, permaneciam escravos até que conseguissem provar a sua condição de livres. Eram corriqueiros os leilões dessas pessoas, para que fossem arrematadas por quem se interessasse em tê-las como propriedade.” CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 228.

[6] GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas, Ed. da UNICAMP, 2001.

[7]Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”

“Art. 352. O mandado de citação indicará:

(...)

III - o nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais característicos;”

[8] Medida Cautelar de Busca e Apreensão realizada em ruas do Complexo da Maré, distribuída ao Juízo da 39ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e processada sob o nº 0101343-46.2014.8.19.0001 “...Na oportunidade, pleiteou a autoridade policial ao poder judiciário, com anuência do Ministério Público do Estado do Rio de janeiro, a expedição de mandados de busca e apreensão em diversos endereços, designados como ruas, todas em lugares onde, notoriamente, a ordem pública estava aviltada por extensiva prática criminosa, mediante emprego de armas de fogo.”

[9] Uma ordem de prisão não fundamentada ou por qualquer outra razão manifestamente ilegal, que seja emitida contra os membros de uma torcida organizada de time de futebol ou simpatizantes de partidos políticos que ostentem estrelas ou tucanos em suas roupas, pode ser impugnada por meio de um habeas corpus coletivo. Da mesma maneira, uma ordem de condução coercitiva genérica, com as mesmas características, precedida da notícia de que as pessoas nessa condição, levadas à delegacia de polícia, são inexoravelmente presas em flagrante por manifestação ilícita, dará azo ao habeas corpus coletivo preventivo.

[10] Habeas Corpus nº 207.720/SP. 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Herman Benjamin. Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Paciente: Crianças e Adolescentes domiciliados ou que se encontrem em caráter transitório na Comarca de Cajuru/SP. Julgamento em 1º de dezembro de 2011.

[11] Medida Cautelar no Habeas Corpus 119.753/SP. Decisão monocrática proferida pelo Relator Ministro Luiz Fux. Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Paciente: Coletividade de Pessoas Presas em Regime Inadequado no CPD de Osasco/SP. Data: 24 de outubro de 2013.

[12] Caso do Presídio Miguel Castro vs. Peru. Sentença de 25 de novembro de 2006. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Direito à Liberdade Pessoal. Secretaria Nacional de Justiça, Comissão de Anistia, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. p. 99; 118-119.

[13] MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Panorámica del derecho procesal constitucional y convencional. Madrid: Marcial Pons, 2013, p. 660-1.

[14] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal, 5ª ed. Madrid: Trotta, 2001.

[15] MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Panorámica del derecho procesal constitucional y convencional. Madrid: Marcial Pons, 2013, p. 666-676.

[16] Idem. Ainda sobre o tema: ALBANESE, Susana (coord). El control de convencionalidad. Buenos Aires: Ediar, 2008 e a tese de doutorado de Junya Barletta, apresentada na PUC/RJ, em 2014, sob minha orientação.

[17] Recurso em sentido estrito nº 0035227-28.2012.8.19.0066. Segunda Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Juiz Marcelo Castro Anátocles da Silva Ferreira. Julgamento em 19 de julho de 2013.

[18]Fortas: Sr. Presidente da Suprema Corte; Permita-me o Tribunal. Se você  for olhar a transcrição do que foi gravado, talvez você vá compartilhar da minha impressão, que seria uma impressão de desânimo. Esta gravação não indica que Clarence Earl Gideon é um homem de talentos naturais inferiores. Esta gravação não indica que Clarence Earl Gideon é um idiota ou uma pessoa com baixa capacidade intelectual. Esta gravação não indica que o juiz do tribunal de julgamento do estado da Flórida, ou que  o Promotor de Justiça do Estado da Flórida, foi abandonado em seu dever. Ao contrário,  isso indica que eles tentaram ajudar Gildeon. Mas para mim, se o Tribunal me autoriza, essa gravação indica as dificuldades básicas de Betts contra Brady. E a dificuldade básica de Betts contra Brady é que nenhum homem, ao menos homem da lei,  pode conduzir um julgamento em sua própria defesa de modo que este julgamento seja um julgamento justo.” IRONS, Peter e GUITTON, Stephanie. May it please the court: the most significant oral arguments made before the supreme court since 1955. New York: The New Press, 2007. p.187 (tradução livre).

[19] Jacob: Antes de iniciar a argumentação de Betts contra Brady, eu gostaria de esboçar brevemente nosso argumento neste ponto. Primeiramente, gostaria de pontuar que historicamente não há qualquer fundamento para a inclusão de direito a nomeação automática de defensor em casos que não envolvam pena de morte na cláusula do devido processo. Em segundo lugar, eu gostaria de indicar ao Tribunal que o devido processo, o termo “devido processo”, assim como vem sendo utilizado por este Tribunal em muitos casos desde a Guerra Civil, é um conceito relativo e não absoluto; e portanto, este Tribunal não pode impor uma regra inflexível requerendo nomeação em todos os “felony cases” ou em todos os casos criminais, pela matéria. Posteriormente, eu irei discutir a questão do federalismo e a tentativa de mostrar ao Tribunal que a imposição de uma regra inflexível  nesta área poderia ser uma intromissão indevida no direito  histórico do estado de determinar suas próprias regras para o processo criminal. Irei também pontuar que embora a maioria dos Estados hoje preveja nomeações automáticas em casos que não requerem pena de morte,  os Estados que praticam isto o fazem por regra da Corte ou pelo Estatuto e não com base em constructos constitucionais. IRONS, Peter e GUITTON, Stephanie. May it please the court: the most significant oral arguments made before the Supreme Court since 1955. New York: The New Press, 2007. p.190 (tradução livre).

[20] Narrador: (...) O caso de Gideon foi uma história bem sucedida para “Bill of Rights”. Estados precisam agora prover  advogados para todas as defesas criminais dos que não podem pagar por eles. Porém julgamentos continuam não sendo “lutas justas” em vários tribunais. Defensores Públicos continuam sobrecarregados de trabalhos e com menos recursos do que promotores e policiais. Mas eles persistem, por muita gente pobre, como a última linha de defesa no nosso sistema jurídico. IRONS, Peter e GUITTON, Stephanie. May it please the court: the most significant oral arguments made before the supreme court since 1955. New York: The New Press, 2007. p.193 (tradução livre).

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