Entrevista com nosso colunista Leonardo de Bem. Confira!

15/01/2016

Leonardo, fale sobre você, como escolheu o Direito e como foi sua trajetória profissional.

Meu pai foi magistrado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e, desde pequeno, acompanhava sua profissão e, especialmente, as sessões do Tribunal do Júri na Comarca de Lages. Após sua aposentadoria, a família se deslocou para Curitiba. Alguns anos depois, fui aprovado no vestibular da PUC-PR. No início do curso, com as disciplinas propedêuticas, caracteristicamente voltadas à formação humanística, tive um primeiro entusiasmo. Com o transcorrer dos semestres e com os estudos das disciplinas do eixo de formação profissional e prático, em especial Direito Penal e Processual Penal, meu interesse aumentou. Fui um privilegiado porque muitos livros constavam no acervo bibliográfico familiar. Ler os clássicos de Magalhães Noronha, Aníbal Bruno e Nélson Hungria me fascinou. E com o transcorrer das fases conheci os mais modernos. Nilo Batista, com suas impostações críticas. Juarez Tavares, com sua sólida formação europeia. Tive a certeza que, tornando-me docente, estaria na companhia do Direito Penal.

E, de fato, esse casamento foi oficializado. O primeiro passo foi dado ao final da época universitária, pois aceitei a sugestão de um professor para escrever minha monografia sobre as lesões desportivas como um exemplo de atipicidade conglobante. A proposta, agradável aos olhos de quem sente entusiasmada paixão pelos esportes e pelo Direito Penal, especialmente com Zaffaroni, foi ganhando forma com o passar dos meses. Devidamente apresentada, meus avaliadores incentivaram continuar a investigação, considerando a escassa produção entre os brasileiros a respeito do tema defendido.

Essa sugestão foi recordada alguns anos depois. Nesse intervalo, primeiro dediquei meus estudos aos concursos. Almejava uma toga. Depois, frustrado com os insucessos, iniciei na advocacia. Essa segunda tentativa também fracassou. As causas criminais eram inconstantes e a insatisfação com uma “clínica geral” me dominou. Precisava de um fôlego novo. Precisava retomar meus estudos específicos na área penal. Aliás, desde o início o desejo era apenas a aproximação com novos livros e novas ideias. Diante desse desejo, inscrevi-me para um tradicional curso de mestrado em Portugal. Meses depois embarcava para estudar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Uma satisfação ter a oportunidade de percorrer os mesmos corredores de gabaritados professores.

Lembro-me perfeitamente da primeira aula de Direito Penal na antiga ala do Colégio São Pedro. Ao final, em conversa com o Prof. Dr. Costa Andrade, apresentei entusiasmado as ideias iniciais, quando, para minha surpresa, descobri que a proposição pretendida foi tema de sua homenagem como discípulo ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Despedi-me e velozmente fui até a biblioteca solicitar o livro. Os dias seguintes foram de leitura agradável. Mal podia esperar o próximo encontro. Eis que ao final da segunda aula, com olhar sereno e um singelo sorriso, o Mestre questionou sobre minha leitura e, apresentadas as considerações, prontamente informou-me que não precisava buscar outro orientador. Tinha a honra de tê-lo como meu guia e, com efeito, o privilégio de escutar pessoal e atentamente os axiomas que emanavam de seus discursos fundamentados em premissas político-criminais.

Com o transcorrer dos dias coube-me a tarefa de pesquisador, renovada a todo tempo, com a ampliação de horizontes que a escolha por Coimbra me oportunizou. Esta Escola veio corroborar a habitual tendência que, desde os tempos universitários, travei contra a velha doutrina, também afirmada por Serrano Neves de que, em assuntos de Direito Penal, vale o argumento da autoridade e não a autoridade do argumento. Meu principal objetivo acadêmico foi encontrar a linha de fronteira entre a tolerabilidade e a intolerabilidade jurídico penal dos homicídios e lesões que se verificam nos esportes. Iniciei por Coimbra um sério estudo do Direito Penal desportivo, posteriormente avaliado com distinção pelo júri composto por Figueiredo Dias, Maria Paula Ribeiro de Faria e Manuel da Costa Andrade.

Ao regressar ao Brasil fui convidado para assessorar o Desembargador Torres Marques, novo Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A aceitação ocorreu e com ela efetivamente passei a conhecer o dia a dia forense. Também quis o destino ofertar a possibilidade de concorrer a uma vaga como substituto na Universidade Federal de Santa Catarina. Com 26 anos iniciava minha carreira de docente e encontrava meu habitat profissional. Por dois anos cumulei as funções de gabinete com as de sala de aula. No Tribunal de Justiça permaneci por mais um ano. Nos três anos de acórdãos e liminares ganhei bagagem prática, no entanto me afastei dos grandes referenciais teóricos, visto que a mecanização do trabalho era enorme. Nessa época já ministrava aulas em uma faculdade particular e recebia convites de outras. Decidi aceitá-los e em meados de 2008 passei a dedicar-me integralmente à docência.

Em maio de 2009, no entanto, abdiquei do meu dever de ensinar para continuar com a minha vontade de aprender. Quis o destino meu retorno à Europa como bolsista selecionado no curso de doutorado em Direito Penal Italiano, Comparado e Internacional da Università degli Studi di Milano. Novamente o tema da criminalidade desportiva me premiou. Com ele fui o primeiro brasileiro no Departamento de Ciências Criminais Cesare Beccaria. Tinha em mente a possibilidade de renovar e ampliar meus conhecimentos. E confesso que a expansão de horizontes foi impressionante, a começar pela possibilidade de encontrar os professores que somente conhecia por textos. O melhor é que essa sensação se renovava diariamente ao presenciar os sábios saindo com passos firmes de seus gabinetes até a saída do Instituto. Suponho que meus olhos refletiam toda a admiração que eles me provocavam. Não é todo dia que se depara com um triunvirato formado pelo saudoso Giorgio Marinucci e pelos renomados Pagliero e Dolcini. E tudo se intensificou com o passar dos dias e das classes de doutorado do ilustre Prof. Dr. Francesco Viganò.

Apesar da dificuldade natural com o novo idioma, Viganò teve a sensibilidade de saber conduzir a um forasteiro pelo mesmo caminho dos demais colegas. Mais além de suas aulas obrigatórias no doutorado, seguia-o nas classes da graduação. Seus ensinamentos me impulsionavam a continuar estudando e a percorrer o caminho da busca pelo conhecimento. Minha principal meta: trabalhar a realidade e a utopia da responsabilidade penal no campo desportivo. Nessa tarefa tive a contribuição, durante um período de cotutela, da Profª. Drª. Rosario de Vicente Martínez, Catedrática da Universidad de Castilla-La Mancha, especialista no tema e grandiosa de coração.

A nova oportunidade na Europa, com maior maturidade acadêmica, foi bastante recompensada. No dia 4 de março de 2013 concluí o doutorado, alcançando o grau em um inovador sistema de doutorado “europeu”, que se caracteriza pelo fato de a sua apresentação, debate e defesa de tese ser sustentada em pelo menos dois idiomas, o italiano e o espanhol, que são as línguas das Universidades nas quais cursei o doutorado, idiomas aos quais adicionei o meu português a pedido da comissão julgadora e que, graças à história ibero-americana, é também uma bela língua americana e europeia. Foi uma manhã na qual atingi o máximo sucesso, excelente cum laude. Encerrava-se mais um importante ciclo acadêmico. Participaram do júri, além dos dois professores orientadores no regime de cotutela: Gabriele Fornasari, Carlo Ruga Riva, Patrícia Faraldo Cabana e Daniel Verona Gómez.

Leonardo, como foi o retorno às salas de aula?

No retorno ao Brasil fui agraciado com a abertura de novo edital para concurso público de professor substituto da Universidade Federal de Santa Catarina. Retornei por três semestres. Aos novos alunos somaram-se os antigos do Centro Universitário Estácio de Sá. Fui demitido da Faculdade Anhanguera porque minha qualificação superava o propósito de ensino da instituição. Aliás, uma triste realidade em razão da mercantilização do ensino. Por sua vez, o doutorado me credenciou para a contratação em outras faculdades particulares nas cidades de Brusque e Joinville, ambas em Santa Catarina. Essas novas frentes também decorreram do fato de meu vínculo com a Universidade Federal ser prematuramente rescindido. O professor titular da disciplina regressou de seu pós-doutorado antes do previsto. Ademais, no meu último semestre, uma vaga que estava em aberto no departamento foi preenchida por decisão judicial e a chegada de outro profissional. As portas do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC se fecharam temporariamente. Permaneci nas Instituições particulares, porém, sempre com vontade de novamente lecionar em uma Universidade Pública.

Essa última passagem pode revelar uma pessoa ambiciosa. A palavra ambição, contudo, corretamente usada, significa criar um próprio caminho na vida. E seguindo as palavras de Guimarães Rosa – “sempre que há uma vontade, existe um caminho”, meu novo caminho foi o concurso para professor adjunto da UFRJ. Infelizmente o sorteio dos pontos não me favoreceu. Fui desclassificado na primeira fase e, ainda hoje, resta certa frustração de não ter alcançado a oportunidade de ser avaliado presencialmente pelos Professores que tanto me influenciaram no gosto pelo Direito Penal (Nilo e Juarez).

Nesse mesmo ano surgiu nova oportunidade, em outra região brasileira e em novo Estado. Segui para o Mato Grosso do Sul. Aliás, a vida reserva caminhos que entenderemos somente mais tarde. Superei os entraves das diversas fases até a aprovação em primeiro lugar. No início de 2015 ingressei em definitivo no corpo docente de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, recentemente atestada pela Ordem dos Advogados com o selo de qualidade de ensino. É em sua modesta estrutura que busco, todos os dias, dignificar minha profissão de educador com trabalho, honestidade, sinceridade e ética. Isso porque tenho a nítida certeza que habilitado estou para conjugar o verbo ensinar.

Como surgiu a ideia de escrever para o Empório?

Minha proximidade com o Alexandre Morais da Rosa nasceu nos tempos de TJSC. Nessas coincidências da vida, antes de tornar-se magistrado (longa data), ele também assessorou o novo Presidente da Corte Catarinense. Depois, tornamo-nos colegas na UFSC em razão de sua aprovação para professor adjunto de Direito e Processo Penal. Com efeito, compartilhamos algumas defesas de monografias e mesas de congressos jurídicos. Interessante que em mais de uma oportunidade conversamos para escrever algo em coautoria, mas, pelas minhas andanças dos últimos anos, o propósito não se concretizou. Por meio do Empório, assim, nasceu a possibilidade de, ainda que não em coautoria, associar meu nome ao do Alexandre, bem como ao nome de muitos outros respeitados estudiosos do Direito. É uma experiência muito bacana fazer parte do time de colunistas do Empório do Direito.

Quais temas são abordados em sua coluna?

Meu destaque é para os temas relacionados ao Direito Penal. Aqueles que seguem a coluna já puderam ler sobre teoria do bem jurídico, paternalismo penal, estrutura dos delitos, culpa temerária, dosimetria da pena, abolição da pena de morte, entre outros assuntos. Como a criminalidade esportiva foi a minha aliada pela vida acadêmica, contribuí com alguns ensaios nesse âmbito. Outra temática que é bastante potencializada se refere aos crimes de trânsito (embriaguez, participação em racha, etc.).

Quais as motivações para escrever sobre estes temas?

Nos meus textos busco um indispensável diálogo entre doutrinador e julgador. As posições que adoto, por óbvio, não são unânimes, nem muito menos pacíficas. Nunca escrevo para agradar o sendo comum teórico, mas sempre fazendo uma análise propositiva, muitas vezes contra o que já foi escrito. Minha pretensão não é a imposição de ideias, mas a promoção de um debate recíproco, pois a Ciência Penal precisa da Magistratura, como esta necessita daquela. Felizmente algumas ideias foram bem recebidas.

Há alguma novidade no mercado editorial para 2016?

Sim. Com o amigo João Paulo Martinelli, pós-Doutor pela Universidade de Coimbra e Professor da UFF – Universidade Federal Fluminense, pela Editora Saraiva, estaremos lançando o primeiro volume do livro Lições Fundamentais de Direito Penal. Comentamos a Parte Geral do Código Penal. Para o próximo ano queremos aumentar a coleção com os comentários aos crimes em espécie do Código Penal.

Quais os objetivos com a nova publicação?

A obra que será apresentada ao público é um tanto pretensiosa. Nosso principal objetivo é levar aos estudantes de graduação e pós-graduação lições fundamentais que permitam uma visão crítica do Direito Penal, sem se limitar às técnicas concurseiras e repetidoras de julgados de nossos tribunais. Em síntese, pretendemos levar à sala de aula as discussões relevantes do Direito Penal para uma avaliação crítica e, quiçá, a formação de uma geração mais preocupada com os reflexos da criminalização e da sanção penal na sociedade, em especial quanto aos grupos sociais mais vulneráveis. O Direito Penal é, indiscutivelmente, o ramo mais repressor do Direito e o mais violento instrumento de controle social do Estado e, assim, seu estudo não pode ser resumido ao exame da OAB ou aos concursos públicos. Há muito mais além de provas objetivas e discursivas. Queremos proporcionar uma discussão em torno das questões fundamentais do Direito Penal. Não queremos que nossos leitores sejam simples repetidores de julgados e macetes de concursos. Entendemos que é fundamental a aprovação no exame da OAB ou dos concursos, até mesmo para o exercício da profissão, entretanto, a visão crítica e aberta do Direito Penal é mais importante. Ao sair da individualidade, quem ganha com operadores jurídicos capazes de enxergar os problemas reais é a sociedade.

E quando teremos acesso a essa novidade?

Muito provável que no início do mês de março a obra já esteja disponível.

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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