Entra em vigor a Recomendação 41, do CNMP, que define parâmetros sobre a atuação do MP na apuração de fraudes do sistema de cotas

13/09/2016

Por Redação- 13/09/2016

Após ser aprovada,  por unanimidade, durante a 15ª Sessão Plenária de 2016 do CNMP, entrou em vigor  a Recomendação nº 41/2016, publicada no Diário Eletrônico do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) dessa segunda-feira, 5 de setembro.

A recomendação define parâmetros para a atuação dos membros do MP brasileiro para a correta implementação da política de cotas étnico-raciais em vestibulares e concursos públicos.

De acordo com a normativa, os membros do MP brasileiro devem dar especial atenção aos casos de fraude nos sistemas de cotas para acesso às universidades e cargos públicos –nos termos das Leis nº 12.711/2012 e 12.990/2014, bem como da legislação estadual e municipal pertinentes –, atuando para reprimi-los, nos autos de procedimentos instaurados com essa finalidade, e preveni-los, especialmente pela cobrança, junto aos órgãos que realizam os vestibulares e concursos públicos, da previsão, nos respectivos editais, de mecanismos de fiscalização e controle, sobre os quais deve se dar ampla publicidade, a fim de permitir a participação da sociedade civil com vistas à correta implementação dessas ações afirmativas.

  Confira: RECOMENDAÇÃO Nº 41, DE 09 DE AGOSTO DE 2016

Define parâmetros para a atuação dos membros do Ministério Público brasileiro para a correta implementação da política de cotas étnico-raciais em vestibulares e concursos públicos.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício da competência fixada no artigo 130-A, §2°, I, da Constituição Federal, e com fundamento no artigo 147, inciso IV, do Regimento Interno do Conselho Nacional do Ministério Público – RICNMP, nos autos da Proposição n.° 1.00438/2015-08, julgada na 15ª Sessão Ordinária, realizada em 9 de agosto de 2016;

Considerando que o Conselho Nacional do Ministério Público tem por missão fortalecer e aprimorar o Ministério Público brasileiro, assegurando sua autonomia e unidade, para uma atuação responsável e socialmente justa, e como visão de futuro a de ser o órgão de integração e desenvolvimento do Ministério Público brasileiro;

Considerando que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, cabendolhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme art. 127 da Constituição da República;

Considerando que, dentre esses direitos, avulta o de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública ao direito à igualdade, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

Considerando que o art. 3º da Constituição Federal de 1988 estabelece dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;

Considerando que, desse modo, a Constituição brasileira adotou uma concepção de complementaridade entre igualdade formal e igualdade material que permite tratamento legitimamente diferenciado a determinados coletivos, com vistas a ilidir desigualdades socialmente construídas das quais resultam restrições no acesso a bens essenciais e direitos fundamentais;

Considerando que o Estado brasileiro é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – aprovada pela Resolução 2106 (XX) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 21 de dezembro de 1965 – que tem como diretrizes o combate à discriminação racial, em todas as suas formas e manifestações, e a promoção da efetiva igualdade de todas as pessoas, prevendo, para tanto, a adoção pelos Estados Partes de medidas especiais e concretas para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais ou de indivíduos pertencentes a esses grupos;

Considerando que, tendo assinado a Declaração de Durban – adotada em 31 de agosto de 2001, em Durban (África do Sul), durante a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata –, o Estado brasileiro reconhece que os afrodescendentes “enfrentam barreiras como resultado de preconceitos e discriminações sociais predominantes em instituições públicas e privadas” e que “a igualdade de oportunidades real para todos, em todas as esferas, incluindo a do desenvolvimento, é fundamental para a erradicação do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata”;

Considerando que, no âmbito do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, o Brasil assinou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e formas conexas de Intolerância que possui entre os seus objetivos centrais a promoção de condições equitativas de igualdade de oportunidades e o combate à discriminação racial, em todas as suas manifestações individuais, estruturais e institucionais;

Considerando o início da Década Internacional dos Afrodescendentes, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), cuja proposta é reconhecer a desigualdade e a discriminação étnico-racial; promover a justiça, através de medidas especiais e; desenvolver a comunidade afrodescendente em seus aspectos econômicos e sociais.

Considerando que a Lei nº. 12.288/2010 – que institui o Estatuto da Igualdade Racial em âmbito nacional –, no seu art. 39, visa à igualdade de oportunidades para a população negra também no serviço público; Considerando que, por ocasião do julgamento da ADPF 186, em 26 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a constitucionalidade da política de cotas étnico-raciais, posicionamento ratificado no julgamento da ADI 3330;

Considerando que a composição do funcionalismo público brasileiro não reflete a diversidade da população do país, observando-se que, entre 2004 e 2013, a quantidade de negros no serviço público variou de 22,3% para 29,9%, sendo que a população negra representa 50,7% de acordo com o IBGE;

Considerando que a Lei nº. 12.711/2012 garante a reserva de 50% das matrículas por turno das universidades federais e dos institutos federais de educação para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, com o acréscimo de critérios de renda familiar e étnico - racial;

Considerando que a Lei nº. 12.990/2014 determina que aos negros seja reservada 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, medida que é também prevista por diversas leis estaduais;

Considerando as notícias que vêm sendo divulgadas, pela imprensa e pelos diversos ramos do Ministério Público, sobre a ocorrência de fraudes em inscrições realizadas em certames públicos que reservam vagas para negros, seja para o ingresso em universidades públicas na condição de cotistas, seja para concorrer, em idêntica situação, a cargos públicos disponibilizados em concursos abertos, sem que tais candidatos atendam, realmente, aos critérios legais estabelecidos;

Considerando que os editais de concursos públicos para provimento de vagas da Administração Pública Direta e Indireta, nos âmbitos federal, estadual e municipal – seguindo paradigma adotado no Brasil –, têm estabelecido a autodeclaração como critério de elegibilidade do candidato para concorrer pelo sistema de cotas raciais;

Considerando, no entanto, que a autodeclaração não é critério absoluto de definição da pertença étnico-racial de um indivíduo, devendo, notadamente no caso da política de cotas, ser complementado por mecanismos heterônomos de verificação de autenticidade das informações declaradas, tendo o STF, no julgamento da ADPF 186, se pronunciado especificamente sobre a legitimidade do sistema misto de identificação racial;

Considerando que inúmeras investigações sobre tais ocorrências já foram abertas por iniciativa do Ministério Público no país, bem ainda várias ações judiciais foram promovidas face a supostos atos de falsidade contidos nas autodeclarações apresentadas;

Considerando que aos agentes públicos é imposto o dever jurídico de observância aos princípios que regem a Administração Pública, especialmente, por força do disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência;

Considerando que, nos termos do art. 11 da Lei nº. 8.429/1992, “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência (...) e V - frustrar a licitude de concurso público (...)”;

Considerando que a omissão na fiscalização do sistema de cotas por parte dos agentes públicos, além de configurar ato de improbidade administrativa por violação de princípio, caracteriza explícito desvio de finalidade, que ocorre nas hipóteses em que o ato administrativo – no caso, nomeação de servidores públicos – é praticado em descompasso com os objetivos estabelecido pelo legislador, constituindo, assim, violação ideológica da lei;

Considerando que, portanto, a Administração Pública tem o dever/poder de fiscalização do sistema de cotas nos seus concursos públicos, devendo estabelecer nos editais critérios objetivos para verificação da autodeclaração étnico-racial dos candidatos;

Considerando ser atribuição do Ministério Público adotar providências diante da omissão dos poderes públicos na fiscalização de fraudes no sistema de costas nos vestibulares e concursos públicos que estabeleçam reserva de vagas para candidatos negros;

Considerando o debate ocorrido por ocasião da Audiência Pública sobre “Fraudes nos sistemas de cotas e mecanismos de fiscalização – O papel do Ministério Público”, realizada no dia 3 de novembro de 2015, na sede deste Conselho Nacional do Ministério Público, presidida pelo Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais, Fábio George Cruz da Nóbrega, oportunidade em que foram ouvidos, dentre outros, autoridades e representantes de órgãos públicos e dos movimentos sociais, no âmbito local e nacional, RECOMENDA:

Art. 1º. Os membros do Ministério Público brasileiro devem dar especial atenção aos casos de fraude nos sistemas de cotas para acesso às universidades e cargos públicos – nos termos das Leis nºs 12.711/2012 e 12.990/2014, bem como da legislação estadual e municipal pertinentes –, atuando para reprimi-los, nos autos de procedimentos instaurados com essa finalidade, e preveni-los, especialmente pela cobrança, junto aos órgãos que realizam os vestibulares e concursos públicos, da previsão, nos respectivos editais, de mecanismos de fiscalização e controle, sobre os quais deve se dar ampla publicidade, a fim de permitir a participação da sociedade civil com vistas à correta implementação dessas ações afirmativas.

Art. 2º Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 09 de agosto de 2016.

RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS

Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

Fonte: CNMP

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