É inepta a denúncia de associação para o tráfico por ausência de descrição da conduta, diz TJSC

12/09/2015

Por Redação - 12/09/2015

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina proferiu decisão nos autos da Apelação Criminal n. 2015.015398-1, na qual reconheceu, de ofício, a inépcia da denúncia referente ao delito de associação para o tráfico de drogas por ausência de descrição pormenorizada dos fatos, tais como modus operandi, estabilidade, permanência e divisão de tarefas.

De acordo com o Voto do Relator Des. Carlos Alberto Civinski,

"o réu deve defender-se dos fatos contidos na denúncia e não da capitulação do crime. Com efeito, a exordial acusatória não pode capitular um crime sem descrevê-lo, sob pena de desrespeitar o princípio constitucional da ampla defesa, sendo evidente o prejuízo sofrido pelos recorridos na hipótese, ante a imprecisão dos supostos elementos que teriam configurado a conduta típica imputada".

Confira abaixo a íntegra da decisão!


Apelação Criminal n. 2015.015398-1, da Capital

Relator: Des. Carlos Alberto Civinski

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (LEI 11.343/2006, ARTS. 33, CAPUT, E 35). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PRELIMINAR. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA INÉPCIA DA DENÚNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DESCRITO NO ART. 35 DA LEI 11.343/2006. PEÇA QUE NÃO CONTÉM DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DOS FATOS E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME IMPUTADO. VIOLAÇÃO DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO NO PARTICULAR.

- É inepta a denúncia que imputa o crime de associação para o tráfico de drogas, previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006, sem pormenorizar a maneira como ocorreu o fato típico, deixando, inclusive, de mencionar a estabilidade, a permanência e a divisão de tarefas.

MÉRITO. MATERIALIDADE INCONTROVERSA. AUTORIA COMPROVADA PELOS DEPOIMENTOS HARMONIOSOS DOS POLICIAIS MILITARES E DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS DOS AUTOS. DENÚNCIA QUE MOTIVOU CAMPANA POLICIAL EM IMÓVEL APONTADO COMO PONTO DE VENDA DE ENTORPECENTES. AGENTES FLAGRADOS COM APROXIMADAMENTE 50 QUILOS DE MACONHA, ALÉM DE PETRECHOS RELACIONADOS À NARCOTRAFICÂNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAR A MERCANCIA DA DROGA. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA OU CONTEUDO VARIADO. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO PARTICULAR. SENTENÇA REFORMADA.

DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (ART. 42 DA LEI 11.343/2006 C/C O ART. 59 DO CÓDIGO PENAL). CULPABILIDADE ACENTUADA PELA QUANTIDADE DA DROGA. PENA-BASE EXASPERADA EM 1/6 (UM SEXTO). SEGUNDA ETAPA. PENA INALTERADA. TERCEIRA ETAPA. AUSÊNCIA DE CAUSA DE AUMENTO. INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. REQUISITOS CUMULATIVOS NÃO PREENCHIDOS. REGIME INICIAL FECHADO.  SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL.

- O tráfico ilícito de drogas constitui delito de ação múltipla ou conteúdo variado, motivo pelo qual a sua consumação ocorre com a prática de qualquer um dos verbos narrados no tipo penal.

- "Transportar", "guardar" e "ter em depósito" substância entorpecente, cuja destinação comercial é demonstrada pelo conjunto probatório, configura a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006. Precedentes.

- Presente substrato probatório seguro, composto pelo depoimento dos policiais militares que atuaram na prisão em flagrante dos réus, em local denunciado como ponto de venda de entorpecentes, resta configurada a tipicidade da conduta, de modo a viabilizar a prolação do édito condenatório.

- A aplicação da causa especial de redução de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 exige o cumprimento cumulativo de quatro requisitos: primariedade, inexistência de antecedentes, não dedicação à atividade criminosa e não integração de organização criminosa. Ausente um deles, afasta-se o benefício.

- Parecer da PGJ pelo conhecimento e provimento do recurso.

- Recurso conhecido e parcialmente provido.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2015.015398-1, da comarca da Capital (4ª Vara Criminal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelados C.T.I. e outros:

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A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, declarar, de ofício, a inépcia da denúncia em relação ao crime descrito no art. 35 da Lei 11.343/2006; conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para condenar C.T.I., A. de O.J. e E.F., cada qual ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário mínimo (um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos), pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Desembargadora Marli Mosimann Vargas, com voto, e dele participou o Desembargador Paulo Roberto Sartorato.

Florianópolis, 25 de agosto de 2015.

Carlos Alberto Civinski

Relator

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de A. de O.J., E.F. e C.T.I., dando-os como incursos nas sanções dos arts. 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/2006, em razão dos seguintes fatos:

Fato 1.

Em condições de tempo e lugar ainda não apurados, os denunciados A. de O.J., E.F. e C.T.I. associaram-se para o fim de praticar o crime de tráfico ilícito de drogas.

Fato 2.

Colocando em prática o plano adrede arquitetado, os três denunciados, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no dia 23 de novembro de 2012, por volta das 22h30min, transportaram – a bordo do veículo G. placa XXX-9999, de propriedade de M.D.M. – e guardaram – na moradia situada na Rua A, proximidades daquela de n. 9999, bairro Campeche, nesta Capital –, 30 (trinta) porções de Cannabis Sativa Lineu, com peso bruto correspondente a 26,5 kg (vinte e seis quilos e quinhentos gramas), 34 (trinta e quatro) porções da mesma droga, com peso bruto total de 22,4 kg (vinte e dois quilos e quatrocentos gramas), e 1 (uma) porção de maconha com peso bruto total de 20,6 g (vinte gramas e seis decigramas), para posterior comercialização.

Consta no Caderno Indiciário que, dois dias antes, a Polícia Militar havia recebido notícia de que na referida residência estava ocorrendo tráfico de drogas.

Com a informação, os milicianos efetuaram campana nas imediações e avistaram os denunciados A. de O.J., E.F. e C.T.I. no local.

No dia 23.11.2012 os agentes viram o denunciado E. sair correndo da moradia – retornado aproximadamente 10 minutos depois –, enquanto o denunciado A. permaneceu no portão e o denunciado C. no interior da casa.

E. retornou conduzindo o veículo G. placas XXX- 9999, onde estava a droga (quase 50 kg), tendo A. aberto o portão para que ele pudesse estacionar o veículo, de ré. Os três denunciados, então, descarregaram o entorpecente e levaram para dentro de casa. Depois disso, E. estacionou o automóvel na via pública, a certa distância do local da entrega da maconha, retornando à casa a pé.

No momento em que C. e E. saíram da casa – pouco depois do recebimento da maconha –, foram abordados pelos Agentes Públicos, que em revista pessoal localizaram com o primeiro 500g de maconha, dividida em três pacotes, mais R$ 173,00 (cento e setenta e três reais), e com o segundo o valor de R$ 1.380,00 (mil  trezentos e oitenta reais) em espécie e uma folha de cheque preenchida no valor de R$ 200,00 (duzentos reais).

Ato contínuo, a Polícia ingressou na residência, onde encontrou A. e o restante da droga, além de objetos utilizados na sua preparação [balança de precisão, rolo de papel filme, rolo de fita adesiva – Termo de Apreensão de fls. 23/24], e aparelhos de telefonia celular.

Ao final, os denunciados receberam voz de prisão e foram encaminhados à Delegacia de Polícia para lavratura do flagrante.

A droga apreendida foi submetida a exame pericial (Laudo Preliminar de Constatação de fl. 26), ficando evidenciado tratar-se de Cannabis sativa Lineu, substância entorpecente vulgarmente conhecida como maconha, capaz de provocar dependência física e/ou psíquica, estando o seu uso e comercialização proibidos em  todo o território nacional, nos termos da Portaria n. 344/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da  Saúde (fls. II-IV).

Sentença: o Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa julgou improcedente a denúncia para absolver A. de O.J., E.F. e C.T.I. dos crimes descritos nos arts. 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/2006, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (fls. 325-334).

Recurso de apelação do Ministério Público: a acusação interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:

a) a materialidade e autoria delitivas do crime de tráfico de drogas ficaram demonstradas nos autos, notadamente em razão da prisão em flagrante dos agentes em posse de grande quantidade de material entorpecente (48,920kg de maconha), que poderia produzir, aproximadamente, cinquenta mil cigarros dessa substância; a operação policial foi precedida de denúncias acerca do tráfico de drogas exercido no local da abordagem;

b) são diversas as provas que revelam a associação formada pelos agentes para a prática do comércio espúrio, a justificar a condenação pelo delito descrito no art. 35 da Lei de Tóxicos, especialmente por ser uma sociedade criminosa estável e duradoura com tarefas predefinidas.

Requereu o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a condenar A. de O.J., E.F. e C.T.I. pela prática da conduta narrada na denúncia (fls. 342-347).

Contrarrazões de C.T.I.: a defesa impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) a absolvição deve ser mantida, porquanto o conjunto probatório não fornece segurança para prolação do édito condenatório, seja pelo crime de tráfico de drogas ou associação para o tráfico;

b) a negativa de autoria vai ao encontro do que relataram os policiais responsáveis pelo flagrante, destacando-se o fato de nenhum entorpecente ter sido encontrado na posse do apelado.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença absolutória (fls. 351-354).

Contrarrazões de E.F. e A. de O.J.: a defesa impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) o representante ministerial não apresentou fundamentos e provas que autorizam a reforma da sentença;

b) embora acolhida a materialidade, a autoria delitiva mostrou-se duvidosa, razão pela qual foi acertado o decreto absolutório.

Pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, a fim de que seja mantida a absolvição (fls. 364-366).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para a defesa dos apelados.

Parecer da PGJ: o Procurador de Justiça Carlos Eduardo Abreu Sá Fortes opinou pelo conhecimento e o provimento do recurso (fls. 376-388).

Este é o relatório.

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VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Da questão preliminar

Embora não alegada no transcurso do processo, tampouco constitua objeto da insurgência, deve ser reconhecida, de ofício, a inépcia da denúncia em relação ao crime de associação para o tráfico de drogas.

Isso porque a deficiência da peça acusatória sobressai de forma muito clara, uma vez que dedica apenas o "Fato 1." para dizer o seguinte: "Em condições de tempo e lugar ainda não apurados, os denunciados A. de O.J., E.F. e C.T.I. associaram-se para o fim de praticar o crime de tráfico ilícito de drogas."

Em relação aos demais termos, que constam do "Fato 2.", vê-se que a denúncia limita-se às circunstâncias do crime de tráfico de drogas, e, nessa abordagem, deixou de tratar dos elementos constitutivos do delito descrito no art. 35 da Lei 11.343/2006.

Nesse ponto, importa enfatizar que não há descrição pormenorizada da maneira como ocorreu o fato típico, destacando-se a falta de menção à estabilidade, permanência e divisão de tarefas.

Logo, não houve descrição condizente do fato delituoso e suas circunstâncias, o que caracterizou nítido descumprimento ao art. 41 do CPP:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

No que tange à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, Renato Brasileiro de Lima leciona:

Deve a peça acusatória narrar o fato delituoso detalhadamente, fazendo menção às circunstâncias que o envolvem e que possam influir na sua caracterização, como, por exemplo, aquelas que digam respeito a qualificadoras, causas de aumento ou diminuição de pena, agravantes, etc. Essa descrição deve ser feita com dados fáticos da realidade, não bastanto a simples repetição da descrição típica [...].

Há necessidade de que a conduta delituosa seja descrita com todas as suas circunstâncias, apontando-se, então, o que aconteceu, quando, onde, por quem, contra quem, de que forma, por que motivo, com qual finalidade, etc., sendo possível a utilização da técnica de se primeiro narrar o fato e, depois, apontar, por consequência, o tipo penal em que o agente está incurso, demonstrando-se o adequado juízo de subsunção a legitimar o exercício da pretensão punitiva [...].

O fato delituoso narrado na peça acusatória deve estar plenamente identificado como acontecimento histórico por circunstâncias que o delimitem no tempo e no espaço e, portanto, o diferenciem de outro evento da natureza. O acusado e seu defensor precisam ter consciência, com precisão, do fato imputado. Não pode o acusado, em síntese, correr o risco de ter proferido contra si decreto condenatório por fato diferente daquele constante da peça acusatória.

Como observa Antônio Scarance Fernandes, para proporcionar a reação do acusado, a exposição do fato pela acusação deve ser clara, precisa e completa. Segundo o autor, "a descrição é clara quando permite verificar no fato os elementos constitutivos do tipo e as circunstâncias que o individualizam; é precisa quando bem determina o fato sem permitir confusão com outro, é circunstanciada quando contempla todas as circunstâncias necessárias para a identificação dos elementos do tipo correspondente ao fato e para individualizar o fato no contexto temporal e espacial em que se manifestou" (Manual de processo penal. 2. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2014, p. 268/269).

E como é consabido, o réu deve defender-se dos fatos contidos na denúncia e não da capitulação do crime. Com efeito, a exordial acusatória não pode capitular um crime sem descrevê-lo, sob pena de desrespeitar o princípio constitucional da ampla defesa, sendo evidente o prejuízo sofrido pelos recorridos na hipótese, ante a imprecisão dos supostos elementos que teriam configurado a conduta típica imputada.

A propósito, mudando o que tem que ser mudado:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSO DA DEFESA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. EXORDIAL QUE NÃO DESCREVEU OS FATOS CRIMINOSOS E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. DISPOSTO NO ART. 41 DO CPP NÃO OBSERVADO. INÉPCIA RECONHECIDA, DE OFÍCIO. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO ABSOLUTÓRIO. TESES DE NEGATIVA DE AUTORIA E FRAGILIDADE DE PROVAS. ACUSADO FLAGRADO AO ARREMESSAR CRACK PELA JANELA DE VEÍCULO. APREENSÃO DE UMA PORÇÃO MAIOR DE CRACK NA RESIDÊNCIA DO RÉU. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS FIRMES E COERENTES A RESPEITO DA MERCANCIA. CONDIÇÃO DE USUÁRIO COMPATÍVEL COM O TRÁFICO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DO ART. 28 DA LEI 11.343/06 INVIÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. PERDIMENTO DO VEÍCULO DECRETADO NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO A RESPEITO DA UTILIZAÇÃO DO AUTOMÓVEL DE FORMA CONTÍNUA NO COMÉRCIO ILÍCITO. SOBRESTAMENTO DO CONFISCO DETERMINADO, DE OFÍCIO, PELO PRAZO E PARA OS FINS DO ART. 123 DO CPP. (Apelação Criminal 2013.072610-4, Terceira Câmara Criminal, Rel. Des. Torres Marques, j. em 26-11-2013, v.u., grifou-se).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO CULPOSO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302, CAPUT, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA INÉPCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVEU À SACIEDADE O FATO DELITUOSO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO PREJUDICADO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS SOBEJAMENTE DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. (Apelação Criminal 2014.018594-7, Quarta Câmara Criminal, Rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 24-7-2014, v.u., grifou-se).

Dessa feita, impõe-se o reconhecimento, de ofício, da inépcia da denúncia quanto ao crime previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006, ficando prejudicado o mérito do recurso em relação a tal imputação.

Do mérito

A versão da acusação é de que a materialidade e autoria delitivas do crime de tráfico de drogas ficaram demonstradas nos autos, notadamente em razão da prisão em flagrante dos agentes em posse de grande quantidade de material entorpecente (48,920kg de maconha), que poderia produzir, aproximadamente, cinquenta mil cigarros dessa substância; a operação policial foi precedida de denúncias acerca do tráfico de drogas exercido no local da abordagem.

O Magistrado a quo reconheceu a materialidade delitiva, contudo, entendeu que a autoria se mostrou duvidosa, razão pela qual absolveu os agentes do delito descrito no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, que dispõe:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

O delito aludido é de ação múltipla ou conteúdo variado, apresenta várias formas de violação da mesma proibição e basta para a consumação a prática de uma das ações ali previstas, sem a necessidade de efetiva comprovação da mercancia.

Examinando o conjunto probatório, verifica-se que o recurso comporta parcial provimento.

Não há controvérsia acerca da materialidade delitiva, reconhecida pelo Magistrado singular, como já mencionado. A discussão recai sobre a autoria do crime de tráfico de drogas.

Antes de analisar o mérito propriamente dito, faz-se necessário esclarecer que, dentre os meios de prova que podem ser utilizados para demonstrar a existência de um fato, tem-se as provas diretas, que são aquelas que por si só demonstram o fato, e as provas indiretas, que necessitam de elemento que as agregue ao fato apurado, para que revelem sua ocorrência, ainda que por meio de raciocínio lógico-dedutivo.

Sobre o tema, a lição de Guilherme de Souza Nucci:

Há, basicamente, dois métodos para se demonstrar ao juízo a veracidade dos fatos alegados: direto e indireto. Podemos, então, vincular os referidos métodos às provas, denominando-as de provas diretas e provas indiretas.

São diretas as que se unem, sem qualquer intermediário, ao fato objetivado. São indiretas as que necessitam de interposto fator, elemento ou situação para atingir o fato almejado. Em processo penal, admitem-se as provas diretas e as indiretas para qualquer fim: condenar ou absolver.

Logicamente, a avaliação da prova é feita de acordo com os sistemas já descritos em tópico anterior. Portanto, uma prova indireta pode ter mais força que a direta, desde que impulsione o convencimento do magistrado. Este, no entanto, no sistema de persuasão racional, deverá fundamentar o porquê da aceitação da prova indireta em detrimento da direta, afinal, esta última, em tese, é mais autêntica. Por outro lado, cuidando-se do sistema da livre convicção (Tribunal do Júri), pode-se aceitar a prova indireta, desprezando-se a direta, sem fornecer qualquer tipo de explicação.

Analisando-se em conjunto, a regra é a colheita de provas diretas (testemunhas que viram o fato; perícia do objeto componente da materialidade etc.); a exceção é a coleta de provas indiretas (indícios de que Fulano é o autor da infração penal). (Provas no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 21).

No caso em tela, verifica-se a soma de indícios e de provas diretas e indiretas, conjugação esta que permite concluir pela autoria delitiva dos apelados que agiram em conjunto a fim de praticar o crime de tráfico de drogas.

A corroborar os termos da peça acusatória, cuja leitura remete-se ao que consta do relatório, tem-se que os policiais militares, no dia 21 de novembro de 2012, receberam denúncia de que estava ocorrendo tráfico de drogas na "Servidão A.", nas proximidades do n° 9999.

Tal local trata-se de um imóvel, murado, no qual há uma residência e, aos fundos, cerca de seis apartamentos do tipo quitinete.

A partir da denúncia, os policiais passaram a realizar campana no local e, no dia 23 de fevereiro de 2012, observaram a presença de C., E. e A. na residência. Afirmaram que, em certo momento, C. entrou na casa, E. saiu correndo e A. ficou no portão, observando a movimentação na Rua.

Passados cerca de dez minutos, E. retornou, dirigindo um automóvel G., e, após a abertura do portão por A., estacionou o veículo no pátio do imóvel. Em seguida, os três iniciaram o descarregamento do bagageiro do carro.

Na sequência, E. retirou o veículo da residência e o estacionou em local afastado, retornando à moradia "com bastante euforia".

Logo após, C. e E. saíram do imóvel e foram abordados pelos policiais, que localizaram sob as vestes daquele três torrões de maconha, cada um com cerca de quinhentos gramas. Com este (E.) foram localizados cerca de R$ 1.300,00 em espécie, e um cheque preenchido no valor de R$ 200,00. E, no interior do imóvel, especificamente na única quitinete desocupada, foram apreendidos sessenta e quatro tijolos de erva prensada, num total de 48,9 quilos de maconha.

Importante acrescentar que o policial militar V.B.M., na fase indiciária (fl. 3), afirmou que, segundo apurado nas diversas apreensões de drogas no bairro Campeche, o apelado C., conhecido por "D.", seria a pessoa que comandava o tráfico na região. Disse, ainda, que a campana foi realizada em uma área de vegetação que permitia observar a movimentação no interior do imóvel, inclusive, que viu a maior quantidade do material entorpecente sendo guardada numa outra moradia do mesmo imóvel.

Embora não tenha sido inquirido na fase judicial, em razão da frequência em curso de formação no estado de Rondônia (fl. 267), a fala do policial V. foi corroborada por seu colega C.M.Z., que participou da campana e abordagem dos agentes.

Nesse sentido, o policial C., nas fases indiciária (fls. 5/6) e judicial (mídia de fl. 263), além de ratificar com coerência o relato do seu colega, destacou que foi possível ver e ouvir o momento em que E. e A. abriram o porta-malas do veículo e tiraram dois sacos. Esclareceu que o local dos fatos tratava-se de um terreno, murado, no qual havia uma residência e, nos fundos, cerca de seis apartamentos (quitinetes). Na residência, nada foi encontrado, contudo, no único apartamento em que não havia morador, a janela estava aberta e seu colega, tenente V.B.M., adentrou por ela. Após inspeção, localizaram uma balança de precisão, um torrão de maconha e sacos plásticos; atrás de um guarda-roupas, sob uma lona preta, localizaram dois sacos plásticos que continham 49kg (quarenta e nove quilos) de maconha, que foram retirados do veículo G. pelos agentes.

Vale mencionar o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete acerca da validade dos depoimentos prestados por policiais:

Não se pode contestar, em princípio, a validade dos depoimentos de policiais, pois o exercício da função não desmerece, nem torna suspeito seu titular, presumindo-se em princípio que digam a verdade, como qualquer testemunha (Processo penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 306).

Na mesma esteira segue o entendimento de Damásio E. de Jesus:

A simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita (STF, RTJ 68/64). Assim, como já foi decidido, é 'inaceitável a preconceituosa alegação de que o depoimento de policial deve ser sempre recebido com reservas, porque parcial. O policial não está legalmente impedido de depor e o valor do depoimento prestado não pode ser sumariamente desprezado. Como todo e qualquer testemunho, deve ser avaliado no contexto de um exame global do quadro probatório' (TACrimSP, RT 530/372) (Código de processo penal anotado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 167).

Embora o apelado C. tenha sustentado, durante o seu interrogatório judicial (mídia de fl. 273), reproduzido abaixo, que a versão policial não corresponde à realidade, a tese não encontra respaldo probatório, tratando-se, portanto, de mera conjectura ou vã tentativa de descreditar a fala do agente público.

E mais. Se acreditava na suspeição da referida testemunha, o momento processual adequado para contraditá-la seria antes do início do seu depoimento, nos termos do art. 214 do CPP, o que não foi feito, razão pela qual operou-se a preclusão.

Todos os apelados, que permaneceram em silêncio na fase policial (A. – fl. 7; E. – fl. 12; C. – fl. 17), em Juízo (mídia de fl. 273) negaram a autoria delitiva e contradisseram o contexto dos fatos revelado pela fala da autoridade policial.

A. de O.J. afirmou que residia na moradia em que nada foi encontrado, aduzindo que consigo tampouco foi apreendido dinheiro ou entorpecentes. Naquela ocasião, estava com sua esposa e filho em casa. Indagado, confirmou que havia garagem na sua residência, e que, no dia dos fatos, viu um veículo entrando no pátio do imóvel, contudo, não identificou os ocupantes. Declarou que não teve contato com C. e E. naquela ocasião. No mais, afirmou que já foi usuário de maconha, porém, na época não mais fazia uso. Não sabe o porquê da imputação e não tem nada contra os policiais, pois não os conhecia até a abordagem.

E.F. relatou que residia numa das quitinetes do imóvel "C.D.". Antes do flagrante, presenciou seu amigo C. saindo do imóvel e notou um barulho no mato, quando, repentinamente, foi abordado pela polícia. Consigo não foi encontrado entorpecente, apenas a quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) em espécie, proveniente do pagamento feito por seu patrão F., em razão de serviços de jardinagem. Indagado, esclareceu que conhece C. e A. "só de vista". Ao final, reconheceu que era usuário de maconha na época.

C.T.I. sustentou que estava no local dos fatos, pois pretendia adquirir entorpecente de um tal de A., que morava numa das residências do imóvel, o que de fato ocorreu, vindo a comprar 400g (quatrocentos gramas) de maconha, que foram apreendidos consigo quando do flagrante. Afirmou que não conhecia A. e E., os quais apenas estavam naquele local. Disse que o vendedor do entorpecente, assim que notou a presença policial, empreendeu fuga, contudo, os policiais não quiseram capturá-lo. Confirmou que era proprietário do veículo G., o qual não estacionou na residência mencionada pelos policiais. Ao final, admitiu ser usuário de maconha.

As testemunhas de defesa não trouxeram informações relevantes quando inquiridas na fase judicial (mídia de fl. 263), senão vejamos.

A.G.G., que também residia no imóvel C.D., apenas relatou que estava em sua residência quando houve a abordagem policial, tendo presenciado os agentes deitados no chão.

R.P. de M. e S.O.F. da S. não presenciaram os fatos, apenas abonaram a conduta de C..

Das versões defensivas, denota-se que não encontram respaldo nos elementos de prova que constam nos autos, havendo contradição acerca de pontos importantes na fala dos próprios agentes.

O apelado E. sustentou que a quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) era proveniente dos serviços de jardinagem que prestou ao seu patrão F., contudo, deixou de trazê-lo ao feito a fim de comprovar o alegado.

Não se desconhece o teor da declaração de fl. 100, no qual F.A.C.P. abona a conduta do apelado E., todavia, em momento algum faz menção à origem dos valores apreendidos.

C. disse que sequer conhecia os comparsas E. e A., no entanto, ambos afirmaram o contrário.

A. falou que, na época, não mais fazia uso de maconha,  contradizendo o que declarou no laudo de dependência toxicológica (fl. 254), no qual consta que era usuário e fumava cerca de quatro "baseados" por dia.

Os policiais V. e C. não confirmaram a existência de uma quarta pessoa, apontada por C. como A., possível fornecedor da droga, o qual teria empreendido fuga quando do flagrante. Tal alegação sequer foi explorada pela defesa na fase instrutória.

De mais a mais, não se pode perder de vista que a atuação policial partiu de denúncia que dava conta do comércio espúrio no imóvel C.D., que se confirmou quando do flagrante.

Vê-se que, no cotejo entre as versões, os depoimentos dos policiais sobressaem, pois convergentes entre si e com detalhes suficientes para possibilitar a correta compreensão dos fatos narrados na denúncia, inclusive corroborados pelos demais elementos de prova.

Nesse ponto, convém reproduzir o teor do termo de exibição e apreensão de fls. 23/24, do qual se extrai a vultosa quantidade de material entorpecente, valores em espécie e petrechos condizentes com a prática da narcotraficância:

- 3 (três) tijolos e 1 (um) tablete de maconha, apreendidos em poder de C.;

- 61 (sessenta e um) tijolos de maconha, apreendidos no interior da situada na Servidão A. [sic], frente ao n. 9999, bairro Campeche;

- 1 (uma) balança de precisão, digital Scale, modelo SF-400;

- 1 (um) rolo de papel filme;

- 2 (dois) rolos de fita adesiva, um de cor prata e outro marrom;

- 1 (uma) faca de cabo de madeira, de cor preta, com aproximadamente 15 cm de lâmina, e 1 (um) facão da marca Famastil;

- R$ 1.553,00 (um mil quinhentos e cinquenta e três reais) em espécie;

- 1 (uma) folha de cheque preenchida no valor de R$ 200,00 (duzentos reais);

- 2 (duas) bolsas de ráfia [...].

De outra parte, acrescenta-se que, ao tempo da ação, a condição de usuário dos agentes era inegável (laudos de dependência toxicológica de fls. 251-256 e mídia de fl. 273), e, como é sabido, tal circunstância não exclui a de traficante, tendo em vista que o dinheiro facilmente arrecadado pelo comércio de drogas, na maioria das vezes, também é utilizado para sustentar o vício.

A propósito:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PLEITO DEFENSIVO FUNDADO NA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. APREENSÃO DE GRANDE QUANTIDADE DE MACONHA E CERTA QUANTIA DE COCAÍNA EM PODER DO ACUSADO E EM SUA RESIDÊNCIA ALIADO AOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS E DA PROVA TESTEMUNHAL QUE ENFATIZAM A PRÁTICA DO VIL COMÉRCIO.   DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO. INVIABILIDADE. CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO DESCONFIGURA A DE TRAFICANTE.   PEDIDO DE DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE APLICADA. INOCORRÊNCIA. NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGAS APREENDIDAS QUE JUSTIFICAM O AUMENTO DA REPRIMENDA.   REQUERIMENTO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI N. 11.343/2006. INADMISSIBILIDADE. RÉU DEDICADO À PRÁTICA DE ATIVIDADES CRIMINOSAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS.   PRETENSÃO DE FIXAÇÃO DE REGIME MAIS BRANDO PARA INÍCIO DE CUMPRIMENTO DE PENA. INEXEQUIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO QUE CORROBORAM A DECISÃO.    SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS DESCABIMENTO. APELANTE QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DO ARTIGO 44, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO SUPERIOR A QUATRO ANOS.   RESTITUIÇÃO DOS VALORES APREENDIDOS. NÃO ACOLHIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA LICITUDE DA QUANTIA APREENDIDA.   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal 2014.092326-8, Primeira Câmara Criminal, rel. Des. José Everaldo Silva, j. 23-06-2015, v.u., grifou-se).

TRÁFICO DE DROGAS. A versão exculpatória não encontra respaldo nas provas. A testemunha de defesa não presenciou os fatos narrados na inicial. O policial ouvido em juízo corroborou os depoimentos dados na fase inquisitiva e confirma a apreensão da droga e do dinheiro na residência do acusado. Relato que se corrobora pelo depoimento do policial Rubens na fase inquisitiva. Inviável acolher impugnação genérica aos depoimentos dos policiais. A apreensão de grande quantidade de droga e de dinheiro, a existência de denúncias anteriores acerca do tráfico e os relatos testemunhais não deixam dúvidas da prática do delito. Pena bem dosada. O regime fechado é o adequado. NEGA-SE PROVIMENTO AO APELO. (TJSP, Apelação Criminal 00012175020138260058, Terceira Câmara de Direito Criminal, rel. Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro, j. 28/04/2015, v.u., grifou-se).

Vale a pena mencionar que, de acordo com o artigo 155 do CPP, vige no nosso sistema legal o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o julgador aprecia as provas livremente, cotejando-as e dando maior valor àquelas que possuem credibilidade.

Acerca do tema, a lição de Julio Fabbrini Mirabete:

Adotou a lei o princípio do livre convencimento (ou livre convicção, ou da verdade real), segundo o qual o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova, não ficando adstrito a critérios valorativos e apriorísticos e é livre em sua escolha, aceitação e valoração. (...) fica claro, porém, que o juiz está adstrito às provas dos autos, não podendo fundamentar qualquer decisão em elementos a eles estranhos: o que não está nos autos não está no mundo (quod non est in actis non est in mundo). É livre, porém, quando se guia pela crítica sã e racional, a lógica, o raciocínio e a experiência, o conduzirão nesse exame e apreciação. Por isso se fala no princípio da persuasão racional na apreciação da prova (GRECO, Vicente, ob. cit, p. 191, 348/349). Como o juiz deve fundamentar a decisão (art. 381, III), fala-se no princípio do livre convencimento motivado (Código de processo penal interpretado. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2000. p. 414-415).

Nesse sentido, à luz do conjunto probatório, verifica-se que a convicção lançada em sentença não corresponde à realidade dos autos.

Isso porque, consoante se infere da análise da prova oral acima destacada, os policiais que efetuaram o monitoramento do local apontado como ponto de tráfico de drogas, tinham condições, de onde estavam, para visualizar o que ocorria no interior do imóvel.

É bom esclarecer que o policial C., sob o crivo do contraditório (mídia de fl. 263), destacou que, embora existisse um portão de zinco na entrada do imóvel, o qual vedaria a visão se o chão fosse a referência ou estivesse agachado, no momento em que os agentes estacionaram o veículo na residência e fecharam o portão, o tenente V. "levantou um pouco, tinha uns arbustos, o porta-malas abriu e tiraram dois sacos; deu para escutar o barulho dos sacos saindo de dentro, fecharam o carro, abriram o portão, o carro saiu na rua, esse  masculino que estava dirigindo voltou, muito alegre, eufórico, comemorava".

Destaca-se, ainda, que há consonância entre a fala do referido agente público com aquela lançada pelo tenente V.B.M.,  perante a autoridade policial (fls. 3/4), que afirmou que "a guarnição incursionou até a frente da residência e acampanou em uma área de vegetação de onde se observava o movimento na residência", sendo que, após E. ter adentrado com o veículo, "os três conduzidos iniciaram o descarregamento da droga que estava no porta-malas do veículo G.", substância que "foi levada para o interior da residência". Após a abordagem de C. e E., "foi encontrado o restante da droga, na residência de Lucas da Silva, local este que o depoente viu quando adentraram para guardar a droga".

Assim, mostra-se equivocada a premissa lançada em sentença para fins de absolvição dos agentes, no sentido de que os policiais não teriam conseguido visualizar o conteúdo transportado, "em razão do bloqueio visual efetuado pelo portão de zinco situado em frente ao terreno em questão" (fl. 332).

Tal tese, de cunho defensivo, além de não encontrar respaldo nos elementos de prova, nem sequer foi explorada de forma satisfatória pela defesa, embora coubesse a ela (CPP, art. 156), a fim de confirmar que, de fato, era impossível aos agentes públicos visualizarem o que acontecia no interior do imóvel.

Dessarte, verifica-se que a sentença absolutória interpretou de modo equivocado o conjunto probatório constante do feito, mormente quando considerado o teor do que foi revelado pelos policiais militares, os quais, frisa-se, não alegaram a impossibilidade de visão em razão das características do imóvel.

Não bastasse, evidencia-se equívoco, também, no seguinte trecho da sentença impugnada, quando sustenta que "os tenentes M. e B. [...] não foram ouvidos em Juízo" (fl. 332).

Ora, ao que consta, apenas um tenente da Polícia Militar participou da ocorrência, juntamente com o policial C., e chama-se V.B.M. (fl. 3), ou seja, para que fique esclarecido, trata-se de apenas uma pessoa.

Por essas razões, e a partir da convicção deste Relator, inegável que a atuação dos agentes públicos, acampanados e movidos por denúncia acerca do comércio espúrio exercido no local do flagrante, mostrou-se eficiente para demonstrar a prática do crime de tráfico de drogas.

Desse modo, é possível afirmar que, na forma do art. 29 do Código Penal, a ação delituosa praticada pelos agentes subsumiu-se aos verbos nucleares "transportar", "guardar" e "ter em depósito" substância entorpecente para fins de revenda, nos termos do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006.

Da dosimetria

O crime pelo qual os apelados foram condenados possui como preceito secundário pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) dias-multa.

A aplicação da pena é efetuada observado o modelo denominado trifásico previsto no art. 68 do Código Penal.

A primeira fase é denominada fase judicial, na qual se valoram as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal e art. 42 da Lei 11.343/2006.

No caso, nada impede que a apreciação dos vetores dosimétricos seja feita de modo conjunto para os recorridos, uma vez que a situação fática e processual de cada um são equivalentes.

A culpabilidade não deve ser confundida com a imputabilidade do agente, ou seja, totalmente inadequado assentar o grau de consciência da ilicitude da conduta, a idade e a inexigibilidade de conduta diversa, porque tais elementos integram o conceito de culpabilidade que compõe o conceito analítico de crime.

A culpabilidade para efeito do art. 59 do Código Penal é tida como o grau de reprovabilidade da conduta, a intensidade dolosa do agente.

No caso, a droga apreendida trata-se de maconha, de menor nocividade, contudo, reconhecida como porta de entrada de entorpecentes com efeitos mais nefastos, como a cocaína e o crack.

Em relação à quantidade, trata-se de aproximadamente 50 quilos de maconha, montante capaz de atingir um número vultoso de usuários (fl. 26).

Assim, à luz do disposto no art. 42 da Lei 11.343/2006 e 59 do CP , mostra-se elevada a culpabilidade.

O conceito de antecedentes criminais é extraído de forma subsidiária, ou seja, o que não constituir reincidência (CP, arts. 63 e 64) constituirá maus antecedentes.

Além disso, discute-se se a existência de processos penais em curso podem constituir maus antecedentes.

A Constituição Federal talvez de maneira inédita no mundo consagrou que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII).

Entende-se que se trata de cópia mal traduzida do sistema adotado nos países europeus que consagram, inclusive na Carta Européia de Direitos Humanos, que ninguém será considerado culpado até que seja demonstrada a sua culpabilidade.

Essa invenção tupiniquim levou o Superior Tribunal de Justiça a editar o verbete 444 da súmula que reza:

É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

No tocante ao reconhecimento de maus antecedentes pela simples existência de investigação criminal em curso realmente não se mostra adequado.

No entanto, a existência de ação penal na qual o agente tenha sido condenado em primeira instância não pode à luz do entendimento sumulado ser valorado como maus antecedentes apesar de já ter sido demonstrada sua culpabilidade.

Do mesmo modo, a existência de ação penal em curso, na qual houve criteriosa análise no recebimento da denúncia, com exame de teses defensivas na defesa prévia, também não podem ser valoradas negativamente segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Os apelados não registram antecedentes criminais (A. - fl. 64; C. - fl. 67; E. – fl. 70).

A conduta social para a maior parte da doutrina contemporânea deve ser considerada como o relacionamento do indivíduo na sociedade em que vive.

Conforme Rogério Greco:

Verifica-se o seu relacionamento com seus pares, procura-se descobrir o seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, a exemplo de jogos ou bebidas, enfim, tenta-se saber como é o seu comportamento social, que poderá ou não ter influenciado no cometimento da infração penal (GRECO, Rogério. Código penal comentado. 2.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 128).

Em que pese o respeito pelo entendimento doutrinário dominante, observa-se que com a Constituição Federal de 1988 a definição de conduta social deve ser extraída de forma objetiva.

Porta-se de forma socialmente adequada quem observa a lei; do contrário, o indivíduo que reiteradamente viola a ordem jurídica se coloca à margem da sociedade.

O padrão de conduta da sociedade é definido, para fins penais, em conformidade com a lei, por força do princípio da legalidade estrita.

Logo, condutas moralmente reprováveis não podem influenciar na aplicação da pena.

Dentro dessas balizas, verifica-se que a conduta social mostra-se normal à espécie.

Quanto à personalidade, não há elementos nos autos que permitem valorá-la.

Os motivos do crime são as razões que levaram os recorridos a cometerem a infração penal, as quais no caso foram normais à espécie, pois objetivaram o lucro fácil, o que integra o próprio tipo penal.

As circunstâncias do crime são normais à espécie.

As consequências são inerentes ao crime.

Não há falar em comportamento da vítima porquanto trata-se de crime vago.

Em síntese, existe 1 (uma) circunstância desfavorável que influencia na aplicação da reprimenda na primeira fase (culpabilidade).

Assim, adotando-se o patamar de 1/6 (um sexto) a título de exasperação , a pena-base fica estabelecida em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, e a pena de multa em 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

O valor do dia-multa é fixado no mínimo legal, em razão da inexistência de elementos que possibilitem a valoração acima desse patamar.

Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes, a pena fica mantida no patamar supracitado.

E, na última fase, não há causas de aumento, tampouco há se falar na causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, uma vez que não foram preenchidos os requisitos para tanto.

Sobre o tema, Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e Willian Terra de Oliveira ensinam que:

No delito de tráfico (art. 33, "caput") e nas formas equiparadas (§ 1º), as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário (não reincidente), de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (traficante, agindo de modo individual e ocasional). Os requisitos são subjetivos e cumulativos, isto é, faltando um deles inviável a benesse legal (Nova Lei de Drogas Comentada; Lei 11.343, de 23.8.2006, Revista dos Tribunais, 2006, p. 165).

Para operar a redução em estudo, exige-se cumulativamente, pois, (1) primariedade do agente; (2) bons antecedentes; (3) não dedicação às atividades criminosas; nem (4) integrar organização criminosa.

De pronto, é possível afirmar que os dois primeiros requisitos estão preenchidos, pois, de fato, os apelados são primários e não possuem antecedentes criminais.

Porém, melhor sorte não lograram os recorridos em relação ao terceiro requisito, qual seja, a dedicação às atividades criminosas.

O envolvimento dos agentes com o tráfico de drogas era de conhecimento da comunidade do bairro Campeche, tanto é que, a partir de denúncia, a autoridade policial passou a monitorar o local indicado.

A grande quantidade de material entorpecente apreendido – aproximadamente 50 quilos de maconha – somente confirma que os agentes empreendiam comércio espúrio de larga escala.

Ademais, somente o traficante com inúmeros clientes e significativo tempo de atividade consegue amealhar recursos suficientes para dispor de maior quantidade de drogas, como no caso dos autos.

A respeito, já se posicionou esta Corte:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. APELANTE SURPREENDIDO EM SUA RESIDÊNCIA. APREENSÃO DE 1.350G (UM QUILO, TREZENTOS E CINQUENTA GRAMAS) DE COCAÍNA E UMA BALANÇA DE PRECISÃO DESTINADA À VENDA DE MATERIAL ENTORPECENTE. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO UNÍSSONOS E COERENTES, ALIADOS À CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DO APELANTE. DENÚNCIAS DE QUE NO LOCAL ERA REALIZADO O TRÁFICO DE DROGAS. ÁLIBI APRESENTADO DISSOCIADO DO ELENCO DE PROVAS. NARCOTRAFICÂNCIA EVIDENTE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 28 DA LEI N. 11.343/06. NÃO CABIMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE CONFIRMA A CONDIÇÃO DE TRAFICANTE DE DROGAS ATRIBUÍDA AO RÉU. CONDENAÇÃO MANTIDA. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA, PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. APREENSÃO DE GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS. INDICATIVO DE DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. PEDIDO SUCESSIVO DE SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ANÁLISE PREJUDICADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Criminal 2012.075395-7, Primeira Câmara Criminal, relª. Desª. Marli Mosimann Vargas, j. 9-7-2013, v.u., grifou-se).

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. LEI N. 11.343/06, ART. 33, CAPUT. CONDENAÇÃO. RECURSO DEFENSIVO. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. MATERIALIDADE E AUTORIA SOBEJAMENTE DEMONSTRADAS. CONFISSÃO DO RÉU, DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS E DO USUÁRIO EM CONSONÂNCIA COM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. RÉU QUE É FLAGRADO NO ATO DA MERCANCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. As palavras dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante, aliadas à de um usuário, são elementos suficientes para demonstrar a autoria delitiva, mormente quando conseguem flagrar o momento em que o réu entrega a droga que trazia consigo (pedra de crack) ao usuário que a adquiriu. PLEITOS SUCESSIVOS. TRÁFICO DE DROGAS. CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. CRIME PERMANENTE. AFASTAMENTO. Tratando-se de reiteração de crime de tráfico de entorpecentes, não deve ser reconhecida a continuidade delitiva, uma vez que as condutas descritas no art. 33, caput, da Lei 11.343/06 são consideradas de ação múltipla ou conteúdo variado, porque para a consumação do ilícito nele previsto basta a prática de uma das condutas representadas pelos verbos que integram o tipo penal. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI DE DROGAS INVIÁVEL. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. Comprovada a dedicação às atividades criminosas, mesmo sem exclusividade, fica afastada a possibilidade de concessão da causa de especial diminuição da pena prevista no § 4.º do art. 33 da Lei n. 11.343/06. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PENA QUE EXCEDE A 4 ANOS DE RECLUSÃO. VEDAÇÃO EXPRESSA DO ART. 44, I, DO CÓDIGO PENAL. Não há falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quando a reprimenda aplicada suplantar 4 anos (CP, art. 41, I). REGIME. ALTERAÇÃO. NATUREZA E QUANTIDADE DOS ENTORPECENTES. MANUTENÇÃO DO REGIME FECHADO. Ressalvada a posição deste relator, a natureza e a quantidade da droga, não sopesadas pelo juiz na fixação da pena-base, podem ser consideradas para a fixação de regime prisional mais gravoso. RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Criminal 2012.078386-4, Quarta Câmara Criminal, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 20-6-2013, v.u., grifou-se).

Colhe-se precedente do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. (1) CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REVOLVIMENTO PROBATÓRIO. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. (3) CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. NÃO INCIDÊNCIA. CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE POSSUÍA ENVOLVIMENTO COM A CRIMINALIDADE LIGADA À NARCOTRAFICÂNCIA. AFERIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. (4) CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, INCISOS III E V, DA LEI N.º 11.343/06. AFASTAMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. (5) WRIT NÃO CONHECIDO.

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial.

2. Inexiste ilegalidade na dosimetria da pena se o magistrado de primeiro grau e o Tribunal de origem apontaram motivos concretos para a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal. ("As circunstâncias foram graves, eis que o acusado transportava elevada quantidade de entorpecentes consistente em 203,27 (duzentos e três gramas e vinte e sete centigramas), sendo que a elevada quantidade de droga deve ser levada em consideração como fator preponderante na fixação da pena-base, conforme o art. 42 da Lei n.º 11.343/06 "). Em sede de habeas corpus não se afere o quantum aplicado, desde que devidamente fundamentado, como ocorre na espécie, sob pena de revolvimento fático-probatório.

3. Concluído pela Corte de origem, com arrimo nos fatos da causa, que o paciente possuía envolvimento com a criminalidade ligada à narcotraficância, não incide a causa especial de diminuição de pena, porquanto não preenchidos os requisitos previstos no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06. Para concluir em sentido diverso, há necessidade de revolvimento do acervo fático-probatório, providência incabível na via estreita do habeas corpus.

4. O pedido de afastamento da majorante do art. 40, incisos III e V, da Lei Antidrogas fatalmente obrigaria o revolvimento de provas e fatos, o que impossibilita sua análise por este Sodalício, sob pena de indevido revolvimento fático-probatório.

5. Habeas corpus não conhecido (HC 173.437/MT, Sexta Turma, relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, j. 6-6-2013, v.u., grifou-se).

Desse modo, a pena fica definitivamente fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, e a pena de multa em 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, cada qual arbitrado à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Em razão da decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, exarada no julgamento do Habeas Corpus 111.840, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, que reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, inviabilizou-se a adoção da referida norma para a vedação quanto ao regime de cumprimento da pena diverso do fechado.

No caso concreto, entretanto, não se alterou o panorama de modo a permitir a modificação do regime adotado. Isso porque, à luz do art. 33, § 2º, 'b', do Código Penal e do verbete 719 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, tem-se possível a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada desde que devidamente motivada.

Nesse passo, cabe citar a lição de Mirabete e Fabrini:

A fixação do regime inicial da execução cabe ao juiz da sentença. Se os mencionados critérios legais (natureza e quantidade da pena aplicada e não reincidência) permitirem a opção por mais de um regime inicial, deve o juiz observar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 33, § 3º). Promove-se, assim, segundo a exposição de motivos da Lei nº 7.209, a sentença judicial a ato de prognose, direcionada para uma presumida adaptabilidade social (Manual de Direito Penal: parte geral. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 244).

Cita-se, ainda, precedente deste Relator: 2011.085354-6, Primeira Câmara Criminal, j. 9.10.2012.

No caso dos autos, especialmente por se tratar do crime de tráfico de drogas, não se mostra adequado, bem como socialmente recomendável, a aplicação do regime semiaberto para o resgate inicial da pena, uma vez que não permitirá o isolamento completo dos agentes da atividade ilícita em exame, razão pela qual se fixa o regime fechado.

Utilizam-se os mesmos argumentos para a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois, como já dito, não retirar um traficante do meio social, impedirá que os vínculos de natureza mercantil deixem de existir, o que dificultará ainda mais sua ressocialização.

Inclusive, em voto deste Relator, exarado na Seção Criminal, verifica-se majoritária a posição nesta Corte:

PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES PARCIAIS (CPP, ART. 609, PARÁGRAFO ÚNICO). DIVERGÊNCIA QUANTO AO CABIMENTO DE SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO AO CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO PRIVILEGIADO (§ 4º DO ART 33 DA LEI 11.343/2006). INTERPRETAÇÃO DOS INCISOS XLIII E XLVI DO ART. 5º  DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PAUTADA EM CRITÉRIO DE RAZOABILIDADE EM DETRIMENTO DE EXEGESE MERAMENTE LITERAL. NÃO UTILIZAÇÃO DE TERMOS TÉCNICOS PELO CONSTITUINTE. DISTINÇÃO DAS CATEGORIAS DE LIBERDADE PROVISÓRIA. INADEQUADO ENQUADRAMENTO JURÍDICO. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL ISONÔMICO DOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS IMPÕE A VEDAÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE POR PARTE DO LEGISLADOR E INTÉRPRETE. MEDIDA SOCIALMENTE NÃO RECOMENDÁVEL ANTE A NECESSIDADE DE ROMPIMENTO DO VÍNCULO COMERCIAL ENTRE O TRAFICANTE E OS USUÁRIOS. ACÓRDÃO MANTIDO.

- O condenado pelo tráfico ilícito de 15,98 g de maconha não faz jus a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ante a vedação elencada nos incisos XLIII e XLVI do art. 5º, da Constituição Federal.

- O tratamento jurídico dos crimes hediondos ou equiparados não pode ser o mesmo dos demais crimes de médio e menor potencial ofensivo, sob pena de o intérprete retirar a eficácia jurídica e social dos incisos XLIII e XLVI do art. 5º da Constituição Federal.

- A vedação constitucional abstrata de concessão de liberdade provisória àqueles que praticam tráfico ilícito de drogas não se equipara às vedações infralegais que retiram da apreciação do Poder Judiciário a análise de algumas questões, violando o princípio da separação entre os poderes (CF, art. 2º).

- Não é socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ao condenado que se dedica ao comércio ilícito de drogas porque apenas com a sua retirada do meio social os vínculos mercantis serão rompidos e existirá possibilidade de efetiva  reinserção social.

- Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça pelo conhecimento e provimento do recurso.

- Recurso conhecido e desprovido (Embargos Infringentes 2012.024781-8, Seção Criminal, j. 30.5.2012, m.v.).

Ante o exposto, o voto é no sentido de declarar, de ofício, a inépcia da denúncia em relação ao crime descrito no art. 35 da Lei 11.343/2006; conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para condenar C.T.I., A. de O.J. e E.F., cada qual ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário mínimo (um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos), pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006.

Este é o voto.


Imagem Ilustrativa do Post: Tough call // Foto de: Kenny Louie // Sem alterações

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