Por Redação - 19/09/2015
A passageira embarca no ônibus para viajar de Florianópolis (SC) para Imbituba (SC). Poucos minutos depois, percebe ter sido furtada após se encontrar no interior do veículo. Dirige-se ao motorista e ao gerente da empresa responsável pelo transporte de passageiros, relata o ocorrido, inclusive aponta uma passageira suspeita. Em contrapartida, recebe o mais completo desdém por parte da prestadora de serviços que, negligenciando por completo o ocorrido, prossegue normalmente com a viagem, levando vítima e suposta ofensora como se nenhuma responsabilidade tivesse a respeito dos fatos ora narrados.
Acertada a decisão da Primeira Turma de Recursos da Capital (SC) que condenou a transportadora de passageiros ao pagamento de indenização por danos morais em face da falha no dever de segurança que lhe era esperado.
Confira a seguir a íntegra do acórdão!
Recurso Inominado n. 2012.100180-4, da Capital
Relator: Alexandre Morais da Rosa
Recorrente: M.P.D.
Recorrido: E.U.C. de T.T. Ltda.
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TRANSPORTE RODOVIÁRIO – FURTO DE BENS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA TRANSPORTADORA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE POR CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO – NEGLIGÊNCIA DELIBERADA AO DEVER DE SEGURANÇA – OMISSÃO – INADEQUAÇÃO DO SERVIÇO – RECURSO PROVIDO
Para a configuração da excludente de responsabilidade por fato do serviço, art. 14 do CDC, considerado o regime de responsabilidade objetiva, é necessária a comprovação inequívoca da culpa, exclusiva, do consumidor ou de terceiro. Neste sentido, não se configura a excludente nos casos em que o fornecedor agiu com deliberada desatenção para com o dever de segurança, ou negligência.
Na forma do art. 144 da Constituição, a segurança é direito e responsabilidade de todos. Portanto, é inadmissível que a recorrida reclame a incidência de excludente de responsabilidade do CDC, por fato exclusivo de terceiro, quando agiu com deliberada negligência e descaso para com a segurança, mesmo sendo considerado tão somente o seu dever ordinário e genérico, independente do regime de responsabilidade objetiva.
Não se deve perder de perspectiva que é justamente do reconhecimento indiscriminado e acrítico de excludente de responsabilidade, em casos negligência para com a segurança, que os fornecedores entendem por deliberadamente abrir mão completamente de qualquer melhoria no cumprimento das suas responsabilidades. Ao ponto absurdo da transportadora, diante de um furto ocorrido no interior do seu veículo, entender que a medida correta é transportar vítima e suposto criminoso, juntos, até os seus respectivos destinos, afinal não vislumbra qualquer tipo de responsabilidade para com a segurança a lhe ser imputada.
Por fim, a conduta negligente da recorrida malogra miseravelmente ao disposto no art. 6º da Lei de Concessão, sobre a adequação e segurança da prestação de serviço.
Visto, relatado e discutido o presente Recurso Inominado n. 2012.100180-4, da Capital, interposto por M.P.D. em face de E.U.C. de T.T. Ltda.
ACORDAM, em Primeira Turma de Recursos Cíveis e Criminais, por maioria, por conhecer do recurso inominado e dar-lhe provimento, para condenar E.U.C. de T.T. Ltda. ao pagamento de R$3.500,00, acrescidos de juros e correção monetária, na forma das súmulas 362 e 54 do STJ, em favor da recorrente, a título de indenização por danos morais. Sem custas.
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Voto
1 – Trato de recurso inominado interposto por M.P.D. contra sentença, fls. 81 – 82, que julgou improcedente o pedido inicial, com base na excludente de responsabilidade do art. 14, § 3º, inciso II, do CDC.
2 – Por se tratar de típico caso de consumo, vez que as partes se enquadram nos conceitos definidos nos arts. 2º e 3º do CDC, deve-se aplicar as normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova, ante a hipossuficiência da autora e a verossimilhança dos fatos por ela alegados.
3 – Na forma do art. 14 do CDC, sobre fato do serviço, a responsabilidade da recorrida é objetiva, devendo responder pelo dano causado ao consumidor independentemente da verificação de culpa.
No mesmo sentido, o art. 734 do Código Civil, in verbis:
Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.
Portanto, convergem o CDC e CC, no sentido de que regime de responsabilidade da recorrida, empresa de transporte rodoviário, frente ao consumidor, é objetiva.
Ainda, quanto à adequação do serviço, é de se citar o art. 6º, da Lei de Concessão:
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
[...]
(grifei)
Diante no arcabouço legal e constitucional relevante ao caso, tem-se que as resoluções normativas e demais ingerências da esfera administrativa não podem representar ameaça aos direitos garantidos no CDC, CC e CF.
4 – Não restou comprovada a excludente de responsabilidade do art. 14, §3º, inciso II, do CDC; ou seja, culpa exclusiva de terceiro, tampouco a ocorrência de motivo de força maior.
Para a configuração da excludente de responsabilidade por fato do serviço, considerado o regime de responsabilidade objetiva, é necessária a comprovação inequívoca da culpa, exclusiva, do consumidor ou de terceiro. Neste sentido, não se configura a excludente nos casos em que o fornecedor agiu com deliberada desatenção para com o dever de segurança, ou negligência.
5 – No presente caso, restou incontroverso que a recorrida, empresa de transporte rodoviário, foi avisada pela consumidora de que teria ocorrido furto dentro do veículo.
Note-se que a ocorrência do furto e o local, no interior do veículo, curiosamente, também restaram incontroversos, como se depreende das fls. 25.
Ainda, como se depreende do termo de depoimento de fl. 78, o motorista afirma ter sido advertido da ocorrência de furto, assim como o gerente da empresa, antes de iniciar o trajeto entre Florianópolis e Imbituba; e, ao chegar ao destino, foi novamente avisado pela autora, que acusava uma segunda passageira de ter supostamente praticado o furto. Concluiu, no entanto, que nada podia fazer.
Diante do contexto fático, a recorrida entendeu que o correto era simplesmente transportar, vítima e suposta ofensora, de local a outro, uma vez que não vislumbra qualquer responsabilidade a lhe ser imputada.
6 – Ora, não pode prevalecer a explicação de que os fatos não foram ventilados para as autoridades competentes, ou sequer qualquer forma de assistência à vítima, simplesmente porque a autora não o fez.
Trata-se de crime ocorrido no interior do veículo, contra o consumidor transportado, e com a suposta ofensora ainda sendo transportada.
É evidente que os fatos deveriam ser levados às autoridades competentes, pela empresa de transporte.
No caso, a negligência e descaso para com a segurança dos transportados, independente até da responsabilidade objetiva, ofende até mesmo os níveis ordinários de responsabilidade. Portanto, se apresentam claros a omissão, nexo causal, dano e culpa, independente do regime de responsabilidade objetiva.
Igualmente, considerando a natureza de concessão, a conduta negligente da recorrida malogra miseravelmente ao disposto no art. 6º da Lei de Concessão, sobre a adequação e segurança da prestação de serviço.
7 – É da Constituição, art. 144, in verbis:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
(grifei)
Portanto, por se tratar de direito e responsabilidade de todos, é inadmissível que a recorrida reclame a incidência de excludente de responsabilidade do CDC, por fato exclusivo de terceiro, quando agiu com deliberada negligência e descaso para com a segurança, mesmo sendo considerado tão somente o seu dever ordinário e genérico.
8 – Ademais, não se deve perder de perspectiva que é justamente do reconhecimento indiscriminado e acrítico de excludente de responsabilidade, em casos negligência para com a segurança, que os fornecedores entendem por deliberadamente abrir mão completamente de qualquer melhoria no cumprimento das suas responsabilidades. Ao ponto absurdo da transportadora, diante de um furto ocorrido no interior do seu veículo, entender que a medida correta é transportar vítima e suposto criminoso, juntos, até os seus respectivos destinos, afinal não vislumbra qualquer tipo de responsabilidade para com a segurança a lhe ser imputada.
Neste sentido o Direito não pode se tornar o próprio elemento e razão da sua desconstituição; ou seja, resultar em que pessoas, ainda que ordinariamente tenham atenção para com o dever de segurança, deixem de fazê-lo porque reiteradamente, no caso de transportadoras, é reconhecida excludente de responsabilidade em favor do fornecedor. Tratar-se-ia de favorecimento da conduta negligente e do desamparo.
Por fim, é de se destacar a norma do art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil:
Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
9 – Vencida a questão da responsabilidade, resta a fixação do quantum indenizatório. Diante da negligência e dano sofrido pela autora, que sem assistência ainda foi desacreditada e conduzida junto de quem suspeitava, entendo pela fixação do valor de R$3.500,00, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta ainda a capacidade econômica das partes e o caráter compensatório e sancionatório da medida.
Ante o exposto, voto por conhecer do recurso inominado e dar-lhe provimento.
DECISÃO
A Turma, por maioria, decidiu por conhecer do recurso inominado e dar-lhe provimento, para condenar E.U.C. de T.T. Ltda. ao pagamento de R$3.500,00, acrescidos de juros e correção monetária, na forma das súmulas 362 e 54 do STJ, em favor da recorrente, a título de indenização por danos morais. Sem custas.
Capital, 06 de dezembro de 2012.
Alexandre Morais da Rosa
Relator
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