Direitos das profissionais do sexo são alvo de discussão do PL 4211/2012

07/10/2015

Por Redação - 07/10/2015

A regulamentação da atividade das profissionais do sexo continua gerando forte polêmica no meio jurídico. O Projeto de Lei n. 4211/2012 trata sobre essa temática e tenciona reduzir os riscos danosos da atividade e efetivar a dignidade humana, pondo fim à privação de direitos previdenciários e do acesso à justiça para garantir o recebimento do pagamento pela prestação de serviços sexuais (confira aqui o Inteiro Teor do Projeto de Lei 4211-2012). É também conhecido como Projeto de Lei Gabriela Leite, fundadora da ONG Da Vida e grande mentora das militantes dos direitos das prostitutas, a qual faleceu em 2013 vítima de câncer.

De acordo com o autor na Justificativa do referido Projeto, "o objetivo principal do presente Projeto de Lei não é só desmarginalizar a profissão e, com isso, permitir, aos profissionais do sexo, o acesso à saúde, ao Direito do Trabalho, à segurança pública e, principalmente, à dignidade humana. Mais que isso, a regularização da profissão do sexo constitui instrumento eficaz ao combate à exploração sexual, pois possibilitará a fiscalização em casas de prostituição e o controle do Estado sobre o serviço".

Em suma, os principais argumentos dispostos na Justificativa do Projeto de Lei são:

1. redução dos riscos danosos da atividade;

2. efetivação da dignidade humana para acabar com uma hipocrisia que priva pessoas de direitos elementares;

3. combate à exploração sexual, pois possibilitará a fiscalização em casas de prostituição e o controle do Estado sobre o serviço;

4. descriminalização das casas de prostituição, tornando a fiscalização obrigatória e reduzindo a corrupção de policiais;

5. promoção de melhores condições de trabalho, higiene e segurança.

Após análise pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), tendo recebido parecer pela rejeição, elaborado pelo Relator Dep. Pastor Eurico, do PSB-PE, foi determinada a criação de Comissão Especial para avaliar o mérito do PL em questão, em virtude deste ainda depender de análise de mais três comissões, a saber: Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF); Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). A Comissão Especial será composta de 20 (vinte) membros titulares e de igual número de suplentes, mais um titular e um suplente, atendendo ao rodízio entre as bancadas não contempladas.

Em argumentação contrária à regulamentação da prostituição, o Voto do Relator Dep. Pastor Eurico ressaltou que a medida favorece mais os cafetões (empresários) que as prostitutas em si, estimula a indústria do sexo e o tráfico de pessoas e ainda aumenta a prostituição de rua, uma vez que o trabalho informal acaba barateando o custo dos serviços e reduzindo a burocracia em termos de registro e exames de saúde. A segurança prometida esbarra na privacidade inerente à prestação de serviços sexuais, uma vez que os empreendimentos ligados à indústria do sexo protegem seu patrimônio e sua clientela, e não a pessoa da prostituta em si.

De acordo com o relator, o simples fato de a pessoa ser tratada como mercadoria já é uma condição incompatível com a dignidade humana, preceito fundamental dos direitos humanos. [...] A visão de que a pessoa submetida à prostituição fica reduzida a uma coisa, a um objeto, é compartilhada por movimentos feministas, por vários grupos políticos, por representantes de diversas religiões e por estudiosos do tema. [...] A legalização da prostituição passa uma mensagem para as novas gerações de homens e garotos de que as mulheres são mercadorias e que a prostituição é uma brincadeira sem consequências.

Outro problema mencionado é a tendência de que as prostitutas sejam coagidas a se manter segregadas da sociedade. Segundo o Voto, na Holanda e na Alemanha, a regulamentação da profissão ocasionou a criação de espaços específicos (guetos) onde a prostituição poderia ser exercida.

Situação semelhante já ocorre aqui no Brasil no Bairro Itatinga, situado nas proximidades de Campinas, em São Paulo. Localizado entre duas intersecções de importantes rodovias de São Paulo, o bairro se tornou referência por concentrar as prostitutas num único lugar, sendo considerado uma das maiores zonas de prostituição da América Latina. Criado em 1969, durante o período da ditadura militar, o bairro surgiu como uma resposta da sociedade conservadora de Campinas a fim de expulsar da região central da cidade qualquer pessoa que trabalhasse com o sexo.

De acordo com Betânia Santos, "a prostituição não é crime, mas muita gente utiliza o espaço de trabalho delas para criminalizar a atividade. Muitas eram vítimas de tentativas de expulsão, ameaças, violência policial e até mesmo [violência] dos comerciantes. Assim, elas começaram a se juntar para discutir sobre a situação, e nasceu a Mulheres Guerreiras". Ela é trabalhadora do sexo há 23 anos e uma das coordenadoras principais da associação.

A Associação Mulheres Guerreiras (AMG) surgiu oficialmente em 2007 e é a principal organização local que presta auxílio às profissionais do sexo que trabalham no Jardim Itatinga e/ou na região de Campinas, buscando impedir violações de direitos e assegurando um bom ambiente de trabalho para a categoria. Um de seus principais objetivos está na luta pela aprovação da regulamentação da atividade que tire o exercício da profissão da criminalidade e também o atendimento às prostitutas em casos de violação de direitos. Embora a categoria seja reconhecida no Brasil e contratar serviços de qualquer profissional do sexo não configure crime, as casas de prostituição ainda são ilegais, o que obviamente dificulta o exercício da profissão e gera fatores de insegurança para cada trabalhadora.

Segundo Amara Moira, que é travesti, mestranda na Unicamp e representa a ala das transexuais e travestis que são atendidas pela Associação das Mulheres Guerreiras, a única forma legal é a prostituta atender na sua casa – e essa não pode ser alugada. Além disso, qualquer tipo de auxílio vindo de terceiros pode ser caracterizado como facilitação de prostituição, também criminalizada.

Moira ressalta que "regulamentar as casas é oferecer opções para a pessoa que se prostitui; é também permitir que nós, pessoas trans e travestis, tenhamos acesso ao aluguel de imóveis; é também permitir que o trabalho sexual possa ser realizado em qualquer tipo de espaço, inclusive o alugado em imobiliárias: afinal, por que razão ele deveria estar segregado apenas aos becos escuros, quartos pulguentos, drive-ins, motéis?".

De acordo com Betânia, no Jardim Itatinga "as profissionais têm moradia. Ela vai comer todos os dias, ganhando dinheiro ou não. Dentro do bairro, tem também a participação da Pastoral da Mulher, que trata diretamente as violações do direito das pessoas".

Conheça no vídeo abaixo um pouco mais a respeito da Associação Mulheres Guerreiras:

https://youtu.be/zgCf_QQjxRg

O fato é que a temática da regulamentação da prostituição divide as opiniões e possui argumentos consistentes de ambos os lados.

"O cenário atual, pensando-se em termos não utópicos, seria aquele em que assalto, agressão, estupro e mesmo morte não fossem elementos cotidianos do exercício da profissão do sexo. Seria também aquele em que ser prostituta não implicasse estigma e marginalização", encerra Amara Moira.

O Projeto de Lei 4211/2012 aguarda a designação da Comissão Especial para análise do mérito, e posterior votação em Plenário.


O site oficial do Dep. Jean Wyllys disponibilizou uma entrevista concedida por ele ao UOL. Confira abaixo alguns trechos:

UOL – Por que um projeto de lei que regulamente o trabalho das prostitutas? Jean Wyllys - Há uma demanda pelo serviço sexual das prostitutas e dos prostitutos, pois a prostituição não é só feminina. Essas pessoas existem, elas são sujeitos de direitos. As prostitutas se organizaram em um movimento político nos anos 70 e início dos anos 80, um movimento que no Brasil foi encabeçado principalmente pela Gabriela Leite, fundadora da grife Daspu e presidente da ONG Da Vida. O projeto é um esforço de atender à reivindicação deste movimento. Tais reivindicações estão em absoluto acordo com a minha defesa pelas liberdades individuais, pela defesa dos direitos humanos de minorias, ou seja, não é uma pauta alienígena ao meu mandato, ao que eu defendo, como os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a descriminalização das drogas e os direitos dos LGBTs. Já houve uma tentativa de atender à demanda deste movimento antes [com o ex-deputado Gabeira], e eu retomei. Então temos uma segunda tentativa agora, com um projeto mais bem-elaborado e construído em parceria com o movimento social. Antes de eu protocolar esse projeto, ele foi submetido a várias reuniões com lideranças do movimento das prostitutas e com feministas. Foi um projeto amplamente discutido.

UOL – Em que pé está a tramitação do projeto na Câmara? Wyllys - O projeto está agora na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, onde será relatado pela deputada Érika Kokay (PT-DF), que é favorável a ele. Em seguida, vai para a Comissão de Seguridade Social e Família e, depois, para plenário. Mas esse projeto tem um objetivo maior, que é garantir dignidade às profissionais do sexo, reconhecer seus direitos trabalhistas. Atualmente, elas não contam com dignidade, são exploradas por redes de tráfico humano, por cafetões e por proxenetas. Por que isso acontece? Porque a prostituição não é crime no Brasil, mas as casas de prostituição são. E são poucas as prostitutas que trabalham de maneira absolutamente autônoma, sem precisar de um entorno e de relações. Então, a maioria delas acaba caindo em casas que operam no vácuo da legalidade. O projeto quer acabar com isso. Garantir, portanto, direitos trabalhistas e uma prestação de serviço em um ambiente absolutamente seguro. Outro objetivo do projeto é o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Um erro muito cometido pela imprensa, um erro comum, é falar em prostituição infantil. Não existe prostituição infantil. A prostituição é uma atividade exercida por uma pessoa adulta e capaz. Se uma criança faz sexo em troca de dinheiro, em troca de objetos, seja lá o que for, esta criança está sendo abusada sexualmente, e exploração sexual é crime. Atualmente, muitas crianças são exploradas em casas de prostituição, justamente porque essas casas são ilegais, elas não têm fiscalização. Quando a polícia consegue investigar uma casa, o policial acaba recebendo propina. E as prostitutas adultas não podem sequer denunciar. Se denunciarem, o proxeneta mata. É uma situação que não pode continuar. O que pode resolver este estado de coisas é um projeto que regulamente a atividade das prostitutas e torne legais as casas de prostituição.

UOL – Então o projeto está focado na legalização das casas? Wyllys - Exatamente, porque a prostituição não é crime no Brasil. A prostituição é estigmatizada e marginalizada, mas não é crime o que a prostituta faz, ela não é uma criminosa. O que é crime, segundo o Código Penal, é a casa de prostituição. Só que, ao fazer da casa de prostituição um crime, a prostituta é taxada como criminosa, porque nenhuma prostituta é autônoma a ponto de trabalhar sozinha. E, embora a casa de prostituição seja crime, eu, você, toda a imprensa e a polícia sabe que há casas de prostituição funcionando. Se estão funcionando no vácuo da legalidade, alguém está permitindo que funcionem assim, alguém está recebendo propina para não denunciá-las. Temos aí o crime da corrupção policial como um crime decorrente da ilegalidade das casas. Então, é melhor para todo mundo que as casas operem na legalidade, que o Estado possa recolher impostos, fiscalizá-las, levar políticas públicas de saúde da mulher e, sobretudo, proteger as crianças e adolescentes.

UOL – O projeto de lei contempla apenas prostitutas mulheres acima dos 18 anos ou outras formas de prostituição, como a masculina e a de travestis? Wyllys - Todas as pessoas adultas e capazes, incluindo as mulheres transexuais, as travestis e os garotos de programa. Então, a ideia é para todos, é um projeto que vai se aperfeiçoar na medida em que ele for sendo relatado, porque a cada relatoria novas questões vão sendo incorporadas. Num primeiro momento, eu ouvi muito mais as mulheres, é verdade, porque esse movimento está organizado desde o final dos anos 70. Os garotos de programa não se mobilizaram em um movimento político, eles existem como um coletivo disperso.

UOL – Quais as principais barreiras para a aprovação do projeto no Congresso? Wyllys - Essa bancada moralista, a bancada conservadora que reúne evangélicos fundamentalistas, católicos fundamentalistas e conservadores laicos, que não são católicos nem evangélicos, mas são conservadores, hipócritas, moralistas.

UOL – E as principais barreiras na sociedade na luta pelos direitos das profissionais do sexo? Wyllys - Eu não sei dizer, não vou falar em nome de toda a sociedade, detesto essa generalidade. A sociedade é muito diversa para eu falar em nome dela. O que posso dizer é que, desde que protocolei esse projeto, tenho recebido reações de apoio que me surpreendem, que vêm de pessoas que eu nem esperava que fossem apoiar. E, ao mesmo tempo, claro que apareceram vozes dizendo que o deputado Jean Wyllys quer incentivar a prostituição. É um discurso rasteiro. Eu não quero incentivar a prostituição, as prostitutas existem, elas estão aí prestando serviço, e, se há um serviço, há demanda. A sociedade que estigmatiza e marginaliza a prostituta é a mesma sociedade que recorre a ela. Eu não estou inventando este estado de coisas. Na narrativa mais antiga produzida pela humanidade, a prostituição já é citada. Não é à toa que dizem que é a profissão mais antiga do mundo. Eu quero dar dignidade a estas profissionais, sobretudo o proletariado. Pois aquela prostituta de classe média alta que divide um apartamento no Rio ou nos Jardins de São Paulo talvez seja menos vulnerável que o proletariado da prostituição, que depende das casas e de exploradores sexuais. Eu quero proteger os direitos delas, garantir a dignidade e combater a exploração sexual de crianças e adolescentes. Qualquer pessoa de bom senso entende isso e se coloca a favor do projeto. Quem tem se colocado contra é quem quer deturpar deliberadamente o projeto ou pessoas muito moralistas, que acham que a prostituição é um mal em si. E aí não adianta você argumentar que é uma questão de liberdade individual, que uma pessoa adulta pode escolher ser prostituta. Se as pessoas não compreendem isso, vão achar sempre que a prostituição é uma desgraça.

UOL – Como o senhor avalia o surgimento de movimentos neofeministas como o ucraniano Femen, que realiza protestos na Europa contra a prostituição? Wyllys - Existem feminismos no plural, e não feminismo. Eu não vou falar do Femen, porque não conheço essas meninas, para além de elas colocarem o peito na rua. Mas eu conheço o feminismo de longa data, eu me considero feminista e tenho muitas amigas feministas. Há um feminismo de viés esquerdista e socialista que é abolicionista, ou seja, quer abolir a prostituição, porque considera a prostituição um subproduto do regime capitalista. Esse discurso é equivocado, na medida em que antes do capitalismo já existia a prostituição. De mais a mais, todos somos mercadoria numa sociedade capitalista, todos nós vendemos a nossa força de trabalho, utilizamos o nosso corpo para empreender e executar esse trabalho. Não é por conta disso que a gente vai negar a uma categoria os direitos trabalhistas. O outro equívoco desse feminismo socialista é que ele advoga pela autonomia da mulher sobre o seu corpo, e aí quer tutelar o corpo da mulher dizendo que ela não tem o direito de prestar um serviço sexual com o seu corpo. Que história é essa? Então você faz um discurso de que quer libertar a mulher e de que a mulher é dona de seu corpo, que não se pode tutelar o corpo da mulher, para tutelar o corpo da mulher? Ora. Tanto é que na França há um embate entre a ministra dos Direitos das Mulheres [Najat Vallaud-Belkacem, que é feminista abolicionista] e o movimento das prostitutas, que dizem “nós escolhemos ser prostitutas, não somos vítimas. A gente só quer trabalhar com dignidade e garantir os nossos direitos”. Ou seja, a mulher tem que ter autonomia sobre o seu corpo, inclusive para se prostituir, se ela quiser. E há ainda um terceiro ponto no discurso dessas feministas, que as coloca ao lado da Igreja. Se estas feministas lutam pelo direito ao aborto, como elas podem dar mão à igreja contra o direito à prostituição? Não lhe parece um paradoxo, que elas defendam o direito ao aborto e neguem à mulher o direito a se prostituir? Isso é moralismo e um policiamento da sexualidade feminina.


Fontes:

http://www.vice.com/pt_br/read/como-uma-das-maiores-zonas-de-prostituicao-do-brasil-esta-ajudando-a-discutir-os-direitos-das-profissionais-do-sexo http://jeanwyllys.com.br/wp/projeto-de-lei-gabriela-leite-entrevista-de-jean-wyllys-ao-site-uol-15012013
Imagem Ilustrativa do Post: come on // Foto de: Neto Baldo // Sem alterações. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/hbaldo/8966320410/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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