Por Redação - 13/08/2015
A interceptação telefônica constitui meio de investigação excepcional, somente podendo vir a ser utilizada em casos específicos, desde que cumpridos todos os requisitos trazidos pela Lei.
Em que pese ter sido voto vencido no julgamento dos Embargos Infringentes n. 2013.077706-0, o Des. Jorge Schaefer Martins proferiu brilhante Declaração de Voto, a qual segue abaixo na íntegra, referente à análise do deferimento da interceptação telefônica.
De acordo com ele, "as interceptações telefônicas não são um atalho, uma maneira mais fácil, à disposição da Autoridade Policial ou do Ministério Público, quando esse encontra-se à testa da investigação, de chegar a uma conclusão sobre os episódios, em tese, criminosos, objeto de análise. Somente, repita-se, somente pode ser utilizada quando demonstrada sua imprescindibilidade, a ausência de condições de se produzir a prova por outros meios, consoante a exata dicção do artigo 2º, II, da sobredita Lei. Coletados os documentos, procedida sua análise, ouvidas as pessoas que poderiam ter conhecimento a respeito dos fatos, poder-se-ia, em tese, cogitar da utilização da prova extraordinária. Mas, na forma como se propôs, optou-se pela comodidade, pelo meio mais rápido, em contraponto, como dito, ao propósito da Lei. Mais que isso, em conflito com o princípio constitucional da inviolabilidade das comunicações telefônicas, insculpido no artigo 5º, II, da Constituição Federal".
Vale a pena a leitura!
Declaração de voto vencido do Exmo. Des. Jorge Schaefer Martins
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Ementa Aditiva:
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO. PROVA DOCUMENTAL. INFORMAÇÃO SOBRE POSSÍVEIS IRREGULARIDADES. IDENTIFICAÇÃO DOS SUPOSTOS ENVOLVIDOS. MEIO DE PROVA. REQUERIMENTO ANTERIOR À INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS OU DOS HIPOTÉTICOS AUTORES DOS DELITOS. LARGO ESPAÇO DE TEMPO ENTRE A NOTÍCIA DOS EVENTOS E O PEDIDO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. INVIOLABILIDADE DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DA PROVA POR OUTROS MEIOS. INDISPENSABILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DESSA SITUAÇÃO. ARTIGO 2º, II, DA LEI N. 9.296/1996. JUSTIFICATIVA APRESENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ACOLHIMENTO PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA DE PRIMEIRO GRAU. INSUFICIÊNCIA NA DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DO PROCEDIMENTO PROBATÓRIO EXCEPCIONAL. INTERCEPTAÇÕES DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. NÃO VALIDAÇÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS.
A interceptação telefônica, em síntese, está regida pelo princípio da necessidade, que é expressão da 'intervenção mínima', da 'alternativa menos gravosa' ou da 'subsidiariedade', em suma, subprincípio da proibição de excesso. Sua função principal consiste em 'obrigar os órgãos do Estado a comparar as medidas restritivas aplicáveis que sejam suficientemente aptas para a satisfação do fim perseguido e a eleger, finalmente, a que seja menos lesiva para os direitos dos cidadãos' [...] (GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: lei 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 181-183).
[...] motivo determinante da insubsistência/inconsistência da prova ora obtida diz respeito à inidônea fundamentação, desprovida de embasamento concreto e carente de fundadas razões a justificar ato tão invasivo e devassador na vida dos investigados. O ponto relativo às dificuldades para a colheita de provas por meio de procedimentos menos gravosos, dada a natureza das ditas infrações financeiras e tributárias, poderia até ter sido aventado na motivação, mas não o foi; e, ainda que assim o fosse, far-se-ia necessária a demonstração com base em fatores concretos que expusessem o liame entre a atuação dos investigados e a impossibilidade em questão. [...]. Da mesma forma, a gravidade dos fatos e a necessidade de se punir os responsáveis não se mostram como motivação idônea para justificar a medida, a qual deve se ater, exclusiva e exaustivamente, aos requisitos definidos no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo porque a regra consiste na inviolabilidade do sigilo, e a quebra, na sua exceção. Qualquer inquérito policial visa apurar a responsabilidade dos envolvidos a fim de puni-los, sendo certo que a gravidade das infrações, por si só, não sustenta a devassa da intimidade (medida de exceção), até porque qualquer crime, de elevada ou reduzida gravidade (desde que punido com pena de reclusão), é suscetível de apuração mediante esse meio de prova, donde se infere que esse fator é irrelevante para sua imposição. O mesmo raciocínio pode ser empregado para a justificativa concernente ao "perigo enorme e efetivo que a ação pode causar à ordem tributária, à ordem econômica e "às relações de consumo", as quais se encontram contidas na gravidade das infrações sob apuração. A complexidade dos fatos sob investigação também não autoriza a quebra de sigilo, considerando não ter havido a demonstração do nexo entre a referida circunstância e a impossibilidade de colheita de provas mediante outro meio menos invasivo. Provas testemunhais e periciais também se prestam para elucidar causas complexas, bastando, para isso, a realização de diligências policiais em sintonia com o andamento das ações tidas por criminosas. A mera menção aos dispositivos legais aplicáveis à espécie, por si só, também não se afigura suficiente para suportar tal medida, uma vez que se deve observar que tais dispositivos "possibilitam" a quebra, mas não a "determinam", obrigando o preenchimento dos demais requisitos legais. Máculas que contaminaram toda a prova: falta de demonstração/comprovação inequívoca, por parte da autoridade policial, da pertinência do gravoso meio de prova (isto é, ausência da elucidação acerca da inviabilidade de apuração dos fatos por meio menos invasivo e devassador); utilização da quebra de sigilo fiscal como origem propriamente dita das investigações (instrumento de busca generalizada); ausência de demonstração exaustiva e concreta da real necessidade e imprescindibilidade do afastamento do sigilo; não demonstração, pelo Juízo de primeiro grau, da pertinência da quebra diante do contexto concreto dos fatos ora apresentados pela autoridade policial para tal medida. O deferimento da medida excepcional por parte do magistrado de primeiro grau não se revestiu de fundamentação adequada nem de apoio concreto em suporte fático idôneo, excedendo o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, maculando, assim, de ilicitude referida prova.
5. Todas as demais provas que derivaram da documentação decorrente das quebras consideradas ilícitas devem ser consideradas imprestáveis, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.
[...] (HC 191.378/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 15 de setembro de 2011).
PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. EXCESSO DE PRAZO. RECONHECIMENTO PELO ÓRGÃO FRACIONÁRIO. DECISÃO UNÂNIME NESSE PONTO. REAPRECIAÇÃO DA QUESTÃO EM JULGAMENTO DE EMBARGOS INFRINGENTES. INVIABILIDADE.
De acordo com o artigo 609, parágrafo único, última parte, do Código de Processo Penal, no que diz respeito aos embargos infringentes, "se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência".
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Dissenti da douta maioria no que diz respeito à correção da decisão da Autoridade Judiciária de primeiro grau quanto à necessidade e, mais que isso, à possibilidade da interceptação telefônica naquele momento processual.
Com efeito, não se pode olvidar que a interceptação das comunicações telefônicas, prevista no artigo 5º, XII, da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei n. 9.296/1996, consubstancia-se em procedimento probatório à disposição do Estado para descobrir e punir, principalmente, grupos organizados para a criminalidade, razão pela qual consiste em meio de prova de grande interesse à toda a coletividade.
Não é menos verdade, igualmente, que o interesse público, para que possa sobrepor-se a direito fundamental do indivíduo, deve estar calcado não somente no interesse da “descoberta dos fatos”, mas também no cotejo entre os valores em confronto, o que deve ser resolvido, em um primeiro plano, pela utilização do princípio da proporcionalidade.
A propósito, fica absolutamente clara a concomitante presença de princípios constitucionais determinantes da liberdade com outros que a limitam, preconizados pelo princípio do direito-dever de punir do Estado.
Esta é uma das situações mais complexas no âmbito jurídico, justamente, por exigir a verificação da possibilidade de coexistência entre princípios antagônicos ou, por vezes, ensejar a prevalência de um sobre o outro, sem que isso determine, necessariamente, a apequenação do princípio que se viu postergado no caso concreto.
Ademais, o princípio da proporcionalidade contém três subprincípios: necessidade, adequação, e racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu.
A necessidade representada pela existência de bem juridicamente protegido e de circunstância que determine intervenção ou decisão. A adequação, sob o prisma de se ter a providência como própria ao objetivo colimado, ao propósito contido na norma. Por fim, a racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu, que decorre da justa medida, da localização de providência que não se coloque além ou aquém do necessário para a obtenção do resultado devido.
Finalmente, a proporcionalidade não determina o desprezo de um princípio constitucional em detrimento de outro. Antes, autoriza que, na análise de uma situação determinada, possa a autoridade encarregada da decisão reconhecer a maior relevância de determinado princípio constitucional naquele caso, obviamente, informando as razões de sua conclusão, sem que fique obrigatoriamente vinculado ao raciocínio quando vier a enfrentar outra situação que pareça assemelhada.
O princípio da proporcionalidade destaca-se por exigir a particularização de análise, a inviabilidade de extensão indiscriminada de uma medida a outros casos que possam parecer iguais.
A par dessas considerações, a respeito do princípio da proporcionalidade, menciona-se, ainda, que a interceptação telefônica somente pode ocorrer mediante ordem judicial proferida em conformidade com os parâmetros estabelecidos na Lei n. 9.296/1996, isso para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Assentados tais aspectos, deve ser observado que referido normativo estabelece ser possível ao juiz determinar, de ofício, ou autorizar, a requerimento da Autoridade Policial, no curso da investigação criminal, e do representante do Ministério Público, nesse caso, tanto quando estão sendo realizadas as diligências de investigação como no curso da instrução judicial (artigo 3º, I e II), a interceptação de comunicações telefônicas ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Excetua-se a possibilidade de deferimento nas hipóteses de estarem ausentes indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, puder a prova estar colhida por outro meio e, por fim, tratar-se de infração penal punida em grau máximo com pena de detenção (artigo 2º, I, II e III).
Bem assim, mister a descrição clara do que se está investigando, mencionando-se a qualificação de quem será objeto da interceptação, a não ser que isso não seja possível no momento do ajuizamento do pleito (artigo 2º, parágrafo único).
Constará obrigatoriamente do pedido, igualmente, indicação da necessidade da medida para instruir o caderno investigatório ou a instrução, informando-se os meios a serem empregados (artigo 4º, caput).
Observa-se, que, por se tratar de medida cautelar criminal, presentes deverão se fazer os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, os quais se fazem representar, respectivamente, pela indicação, mesmo precária, de autoria ou coparticipação em fato delituoso, como pela impossibilidade de se acolher o elemento probante de maneira diversa, e efetiva necessidade da medida (MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prova Criminal: modalidades, valoração. Curitiba: Juruá, 1996. p. 94).
Ademais, ressalta-se que as normas estabelecidas na Lei n. 9.296/1996 são de largo espectro, pois propiciam o controle de conversações pessoais do investigado ou acusado. Dessa forma, inegavelmente, há uma invasão da sua privacidade e interesse pessoais, o que demanda extrema cautela no estudo de seu cabimento. A utilização indevida ou abusiva por parte das autoridades poderá ocasionar sérios e, por vezes, irreparáveis prejuízos.
Compete, pois, aos juízes encarregados de analisar pleitos dessa natureza profunda reflexão, buscando encontrar efetivamente os requisitos que a autorizam, não se olvidando, principalmente, da possibilidade de alguns pretenderem buscar encurtar a investigação, quando, então, deixam de adotar providências outras que pudessem colimar com o mesmo resultado.
Nesse sentido, os comentários de Luiz Flávio Gomes, ao dissertar sobre o segundo pressuposto básico da interceptação telefônica: o periculum in mora (indispensabilidade da prova) e a necessidade como expressão da proporcionalidade:
Desde logo cabe enfatizar que o objetivo final da interpretação, reiterado no diploma legal em questão, é a constituição de uma "prova". Prova que deve versar sobre uma infração penal e sua autoria. Se essa prova pode ser obtida "por outros meios", não deve o Juiz determinar a interceptação telefônica, que é medida de ultima ratio, extremada, excepcional, mesmo porque, por vontade do legislador constituinte, a regra é a preservação da intimidade.
Na sua fundamentação, urge que o Juiz demonstre a "necessidade" da interceptação. Já do pedido da providência cautelar, aliás, a lei exige "a demonstração de que a sua realização é necessária" (art. 4º). Em suma, somente quando comprovada a "indispensabilidade do meio de prova" (diz o art. 5º, in fine) é que se defere a interceptação. Impõe-se ao Juiz a valoração da existência ou não de "outros meios disponíveis", examinando detidamente o caso concreto. Sempre tendo em vista o bem jurídico tutelado, a intimidade e o sigilo das comunicações, que é de natureza fundamental. [...]
Quando "a prova puder ser feita por outros meios disponíveis" significa, enfim, a possibilidade de se alcançar o mesmo resultado com outros meios probatórios menos drásticos e devassadores que a interceptação. Sendo viável a prova testemunhal ou pericial, por exemplo, não se deve determinar a interceptação [...]
A interceptação telefônica, em síntese, está regida pelo princípio da necessidade, que é expressão da "intervenção mínima", da "alternativa menos gravosa" ou da "subsidiariedade", em suma, subprincípio da proibição de excesso. Sua função principal consiste em "obrigar os órgãos do Estado a comparar as medidas restritivas aplicáveis que sejam suficientemente aptas para a satisfação do fim perseguido e a eleger, finalmente, a que seja menos lesiva para os direitos dos cidadãos". As notas essenciais, como se vê, do princípio da necessidade são: a) o princípio da intervenção mínima é um princípio constitucional; b) é um princípio comparativo; c) tende à otimização do grau de eficácia dos direitos individuais. Consoante a doutrina de Nicolas González-Cuellar Serrano, o princípio da necessidade é princípio constitucional porque deriva da "proibição de excesso"; é princípio comparativo porque induz o órgão da persecução penal à busca de medidas alternativas idôneas; tende à otimização da eficácia dos direitos fundamentais porque obriga a refutar as medidas que possam ser substituídas por outras menos gravosas, com o que se diminui a lesividade da intromissão na esfera dos direitos e liberdades do indivíduo.
De tudo extrai-se a conclusão de que o princípio da necessidade integra o princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip ou rasonableness), isto é, o Juiz, no momento de deferir a interceptação telefônica, deve sopesar a existência de outros meios (processuais) disponíveis para a obtenção da mesma prova. Só em último caso decidirá pela interceptação, quando esta for indispensável. Havendo alternativa, urge a sua adoção. Assim se assegura a menor invasão possível do Estado na privacidade alheia, na privacidade das nossas comunicações (telefônicas ou telemáticas) (Interceptação telefônica: lei 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 181-183).
Na mesma toada, Lenio Luiz Streck discorre sobre a demonstração da necessidade da interceptação telefônica e a indispensável fundamentação da decisão judicial:
Coerentemente na linha de preservação dos direitos fundamentais, o art. 5º da Lei 9.296 deve ser lido em consonância com o art. 4º, vez que, se o juiz precisa fundamentar a sua decisão, deverá, à evidência, moldá-lo à contenção legislativa contida no que se entenda por "necessidade da interpretação para à apuração da infração", que, repito, deve ser entendida na dicção de indispensável.
Consoante o caput do art. 4º, o pedido de interceptação tem dois requisitos: a demonstração da necessidade (indispensabilidade) de sua realização e a indicação dos meios que serão empregados. Quanto ao primeiro, como já dito, a necessidade deve ser entendida na dicção de indispensável, justamente porque se trata de uma invasão na esfera dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. O deferimento da "invasão" deve ser, sempre, por exceção. Dito de outro modo, o Juiz deverá fazer uma avaliação da necessidade da realização da escuta telefônica, sendo que, para tanto, deverá ter em mente que a interpretação – portanto a quebra da privacidade – é a única forma possível e razoável para proteger outros valores fundamentais da coletividade e da defesa da ordem jurídica. Em outras palavras, para o deferimento da interceptação, deve estar presente o periculum in mora social/constitucional.
[...]
Não há dúvida de que a (necessidade da) fundamentação, além de estar prevista na Constituição na parte relativa ao Poder Judiciário, é, também, um direito fundamental do cidadão. É a garantia que o cidadão tem de que não sofrerá restrição de direitos sem a devida justificação/fundamentação. Disso decorre que o Juiz, na apreciação do pedido de interceptação de comunicação telefônica, deverá, de forma (bem) fundamentada, considerar o princípio da proporcionalidade, e, mais precisamente, realizar o sopesamento entre o interesse público, por um lado, e a esfera da intimidade protegida pelos direitos fundamentais do outro. Ao Juiz é que caberá dizer, pois, no caso concreto, o que é razoável, confrontando o direito à intimidade – garantido pela Constituição – com o interesse público (As interceptações telefônicas e os Direitos Fundamentais: Constituição, Cidadania, Violência: a Lei 9.296/96 e seus reflexos penais e processuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 67-68).
Tecidas as necessárias considerações a respeito das exigências legais e constitucionais para a interceptação das comunicações telefônicas, examina-se se houve, no caso concreto, o preenchimento de todas elas.
Na verdade, a defesa insurge-se contra a validade da interceptação de comunicações telefônicas ao argumento de que houve precipitação do Ministério Público. Conforme argumentado, não houve anterior acesso aos procedimentos licitatórios objetos da investigação, ou seja, segundo a defesa, havia outros meios de prova capazes de produzir o resultado pretendido pelo Ministério Público, o que, em tese, tornaria desnecessária a medida de exceção.
Dito isso, ao examinar os autos, colhe-se que o Ministério Público sustentou a necessidade da interceptação das comunicações telefônicas na tese de que as provas produzidas até aquele momento não eram suficientes para individualizar as condutas dos envolvidos, bem como para identificar o grau de hierarquia entre eles.
Na realidade, do requerimento ministerial extrai-se as seguintes justificativas para a interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas:
Através da análise dos dados contidos nos processos de dispensa, é possível verificar a existência de atos simulados e fraudes, que, per si, já seriam suficientes para responsabilização dos gestores e demais envolvidos.
No entanto, como é sabido, nesta área de defesa do patrimônio público há necessidade de comprovação exaustiva do dolo por parte do agente, notadamente no que diz respeito à responsabilização criminal e por ato de improbidade administrativa.
Por isso, ainda pretende-se ampliar o conjunto probatório através de interceptações telefônicas e telemáticas, além da quebra do sigilo fiscal e bancário, de forma a comprovar não somente a existência de irregularidades, mas a efetiva participação de diversos agentes públicos e privados no desvio de dinheiro público e consequente enriquecimento ilícito (p. 63 e 64).
Verifica-se, portanto, que a organização criminosa vem atuando de forma permanente, habitual e atual nas condutas para desvio de recursos públicos, mostrando-se pertinente a interceptação telefônica como meio probatório (fl. 134).
Ainda, às fls. 134-138, o Ministério Público mencionou que o direito à intimidade e à privacidade não é absoluto a ponto de respaldar e fomentar a atividade criminosa. Após, asseverou que, para concessão da interceptação das comunicações telefônicas, deverão estar presentes os seguintes requisitos: finalidade para a investigação criminal ou instrução processual penal; o fato investigado constitua infração penal punida com reclusão; presença de indícios razoáveis da autoria ou participação; inviabilidade de produção da prova por outros meios. E, enfim, justificou o preenchimento destes requisitos da seguinte forma:
No caso em tela, estamos em meio a uma investigação criminal no Procedimento Investigatório Criminal n. 06.2010.000501-0 e os possíveis delitos de peculato e lavagem de dinheiro delitos comportam pena de reclusão.
Além disso, embora já existam indícios de autoria, os meios até então utilizados mostraram-se pouco eficazes para a comprovação da atividade criminosa de forma mais detalhada, notadamente porque é praxe que os autores do ilícito de tudo façam para manter oculta a atividade criminosa [...]
De outro lado, também cumpre ressaltar que a unilateralidade da providência ordenada encontra fundamento na natureza investigativa do procedimento investigatório já instaurado, não se justificando, em consequência, a invocação da garantia constitucional do contraditório.
A interpretação telefônica visa instruir procedimento investigatório criminal já em andamento. Tem caráter inquisitorial, sem contraditório, constituindo simples medida administrativa. Possui natureza cogente, que pressupõe para a eficácia das investigações também o sigilo.
Por isso, o pedido de interceptação telefônica pelo Ministério Público para instrução de investigação criminal, a seu cuidado, é apenas sujeito à autorização judicial – na tutela das liberdades públicas –, em procedimento judicial informe, sem caráter processual contraditório, devendo os dados coletados serem responsavelmente empregados pelo parquet, sob pena de responsabilidade, para os fins inerentes ao desenvolvimento de suas funções, de maneira a propiciar ao órgão a visualização da procedência ou não de queixa, denúncia, representação ou apuração, e o exercício responsável do direito de ação.
É necessário registrar que à exceção dos telefones das empresas T., R. e de F. K. H., todas as demais linhas de telefonia móvel são telefones funcionais, contratados pelo Município e U. e colocados à disposição de servidores comissionados.
Por sua vez, a Magistrada, ao deferir o pedido, assim justificou a medida:
É cediço que a quebra de sigilo telefônico, por ser medida invasiva, deve ser adotada com cautela e em casos extremos.
Das medidas que envolvem a quebra de sigilo, a interceptação de comunicações é das de maior alcance da intimidade do cidadão e portanto, somente admitida quando presentes os requisitos legais, nos termos da Lei 9.292/96, in verbis :
"Art. 2 – Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III – o fato investigado constituir infração penal punida no máximo com pena de detenção."
Nessa linha de definição, não se admitirá a interceptação de comunicações telefônicas, quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis. Trata-se, portanto de medida de exceção, reservada aos casos de impossibilidade ou extrema dificuldade de obtenção de provas.
Por este motivo, deve a autoridade postulante demonstrar as dificuldades para a produção da prova ou o seu insucesso, justificando o porquê da medida e a forma pela qual a mesma será realizada.
Neste sentido preleciona João Roberto Panizatto:
"Cumpre também à autoridade policial, informar detalhadamente ao Juiz, que deve ser o competente para a ação principal, qual as medidas já tomadas para a obtenção da prova e o insucesso das mesmas, sendo o caso, de modo a se justificar seu pedido de interceptação" (COMENTÁRIOS À LEI Nº 9.296, de 24.07.96 – EDITORA DE DIREITO. 1.996. SÃO PAULO. P. 22).
Foi assim que, inúmeras vezes, e se utilizando de vários expedientes, os envolvidos desviaram, em proveito próprio, o dinheiro público.
Em síntese, para dar aparência de legalidade aos contratos – claramente viciados na origem – eram efetuados através de processos de dispensa de licitação, onde as tomadas de preço envolviam as empresas terceirizadas coadjuvantes do esquema, as quais forneciam orçamentos superfaturados, evidentemente superiores àquele informado pela U., como se fossem os praticados pelo mercado, Assim, a referida Companhia jamais perderia uma cotação. Contratado o serviço e/ou obra com a U., esta subcontratava uma das empresas participantes da tomada de preço para execução por preço bem inferior.
Relevantes diligências foram empreendidas, recolhendo-se assim indícios suficientes de materialidade e coletados fortes indícios do envolvimento dos representados no censurável esquema. Contudo, como bem delineado pelo diligente Promotor de Justiça, somente através da medida de interceptação telefônica será possível individualizar as condutas, estabelecer a hierarquia da lavagem de dinheiro, provas estas indispensáveis à deflagração das ações penais, civis e de recomposição do patrimônio público vilipendiado.
É certo que o direito a privacidade é garantido constitucionalmente, contudo, no presente caso, por todo o exposto no detalhado requerimento Ministerial, não pode ser resguardado em prol do interessa público.
Neste sentido:
"Prisão resultante de investigação policial procedida mediante escuta telefônica. Validade da prova, posto que autorizada por Juiz competente. Cerceamento de defesa inexistente. Sentença que não baseou-se unicamente na prova obtida nas escutas. Validade do depoimento de policiais, senão comprovada má-fé ou falsidade. Recurso Ministerial não provido, resultando em benefício do réu. Recurso da defesa desprovido.
Restou questionável o absolutismo do disposto no art, 5º, LVI, da CF, diante da promulgação da Lei n. 9.296/96, que permite dentro de seus limites, a quebra do sigilo das comunicações pela escuta telefônica, quando autorizada pelo Juiz, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. O combate à crescente criminalidade autorizam a quebra do sigilo de conversa telefônica, e o interesse público se sobrepõe ao interesse individual, e a norma maior enseja a desconsideração sobre certas garantias jurídicas individuais. É a aplicação da teoria da proporcionalidade, ou seja, tendo em vista o interesse público, deve este prevalecer sobre o particular ou privado, que de modo algum merece ser resguardado pela tutela legal, quando o particular faz mau uso do seu direito" Apelação Criminal nº 98.002702-0, Capital, DES. RELATOR Solon d'Eça Neves, Primeira Câmara Criminal, 01 de setembro de 1998.
Assim, conforme alhures explicitado, justificada à saciedade a necessidade do cumprimento da medida pleiteada e preenchidos os demais requisitos – indícios de razoáveis de autoria e delitos apenados com reclusão, deve a medida ser adotada prontamente (fls. 146-150).
Percebe-se, portanto, que tanto o Dr. Promotor de Justiça como a Dra. Juíza de Direito demonstraram conhecimento a respeito do conflito existente entre o direito à privacidade e o interesse público do direito de punir do Estado, bem como partiram do pressuposto de que o deferimento de interceptação das comunicações telefônicas é medida de exceção, apenas admissível mediante a comprovação da impossibilidade de alcance do resultado almejado por meio de outras provas e, a par disso, concluíram que, na hipótese, deveria prevalecer o interesse público.
Contudo, a justificativa do Dr. Promotor de Justiça e a fundamentação da Autoridade Judiciária de primeiro grau, data venia, não servem para demonstrar a necessidade da interceptação telefônica. Realmente, em conformidade com o propósito da n. Lei 9.296/1996, as interceptações telefônicas não são um atalho, uma maneira mais fácil, à disposição da Autoridade Policial ou do Ministério Público, quando esse encontra-se à testa da investigação, de chegar a uma conclusão sobre os episódios, em tese, criminosos, objeto de análise.
Somente, repita-se, somente pode ser utilizada quando demonstrada sua imprescindibilidade, a ausência de condições de se produzir a prova por outros meios, consoante a exata dicção do artigo 2º, II, da sobredita Lei.
Coletados os documentos, procedida sua análise, ouvidas as pessoas que poderiam ter conhecimento a respeito dos fatos, poder-se-ia, em tese, cogitar da utilização da prova extraordinária. Mas, na forma como se propôs, optou-se pela comodidade, pelo meio mais rápido, em contraponto, como dito, ao propósito da Lei. Mais que isso, em conflito com o princípio constitucional da inviolabilidade das comunicações telefônicas, insculpido no artigo 5º, II, da Constituição Federal.
Tem-se que, em seu requerimento, o Ministério Público de primeiro grau disse ser a interceptação telefônica subsidiária, pois, embora contasse com provas acerca do esquema havido entre a U. e a Prefeitura Municipal de X, não dispunha de elementos sobre a conduta de cada um dos envolvidos, razão pela qual justificou a medida extrema na busca da individualização das condutas.
Há nessa motivação, contudo, questões que devem ser abordadas: não se analisou os documentos, quem os elaborou e quem os assinou? Como se justificar e concluir que não havia meios para descobrir quem fossem e qual o grau de envolvimento das pessoas, se existiam documentos a respeito e, ainda, se não se teve o trabalho de ouvir ninguém a respeito? Qual a razão justificadora da possível pressuposição de que eventuais inquirições viessem a ser fadadas ao insucesso? Por fim, como justificar uma interceptação telefônica para apurar fatos acontecidos desde o ano de 2007?
Essas constatações evidenciam que a interceptação telefônica não foi utilizada como primeira prova, mas como uma das primeiras, sem que se demonstrasse sua indispensabilidade. Não se vislumbra um esclarecimento acerca da inexistência das providências mencionadas; não se justificou onde estariam as impossibilidades.
Aliás, dentro dessa lógica, impõe-se dizer que a imprescindibilidade deve ser exposta claramente, pois o raciocínio deve ser transparente, linear, de modo a não deixar dúvidas sobre as pretensas dificuldades extremas, quase impossibilidades, para a apuração, caso não deferida a medida. Somente assim será possível à instância superior aferir a real necessidade da providência.
A propósito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA, ENCAMINHADO PELO CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF), SOBRE A EXISTÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA ATÍPICA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ENVOLVIMENTO DE PARLAMENTARES. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. TRAMITAÇÃO NA JUSTIÇA FEDERAL. INCOMPETÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. REPRESENTAÇÃO PELA QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E DE DADOS TELEFÔNICOS DOS INVESTIGADOS, AQUI CONSIDERADA COMO A VERDADEIRA "ORIGEM" DAS INVESTIGAÇÕES, OU SEJA, A RESPONSÁVEL PELO SEU INÍCIO, UMA VEZ QUE O RIF DO COAF SE PRESTOU APENAS PARA A INSTAURAÇÃO DO IPL. NÃO PRECEDÊNCIA DE QUALQUER OUTRA DILIGÊNCIA OU DE QUAISQUER OUTROS MEIOS POSSÍVEIS QUE TENDESSEM A BUSCAR PROVAS PARA O EMBASAMENTO DA OPINIO DELICTI. RELATÓRIO DO COAF E REPRESENTAÇÃO POLICIAL QUE RECONHECEM QUE A ATIPICIDADE DAS MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS, POR SI SÓ, NÃO PERMITE CONCLUIR NO SENTIDO DE TER OCORRIDO CRIME FINANCEIRO. NÃO DEMONSTRAÇÃO PELA AUTORIDADE POLICIAL DA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE OUTROS MEIOS DE PROVA. TODO INQUÉRITO POLICIAL VISA APURAR A RESPONSABILIDADE DOS ENVOLVIDOS A FIM DE PUNI-LOS, SENDO CERTO QUE A GRAVIDADE DAS INFRAÇÕES E/OU SUA REPERCUSSÃO, POR SI SÓS, NÃO SUSTENTAM A DEVASSA DA INTIMIDADE (MEDIDA DE EXCEÇÃO), ATÉ PORQUE QUALQUER CRIME, DE ELEVADA OU REDUZIDA GRAVIDADE (DESDE QUE PUNIDO COM PENA DE RECLUSÃO), É SUSCETÍVEL DE APURAÇÃO MEDIANTE ESSE MEIO DE PROVA, DONDE SE INFERE QUE ESSE FATOR É IRRELEVANTE PARA SUA IMPOSIÇÃO. IDÊNTICO RACIOCÍNIO DEVE SER EMPREGADO PARA A JUSTIFICATIVA CONCERNENTE AO "PERIGO ENORME E EFETIVO QUE A AÇÃO PODE CAUSAR À ORDEM TRIBUTÁRIA, À ORDEM ECONÔMICA E ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO", AS QUAIS SE ENCONTRAM CONTIDAS NA GRAVIDADE DAS INFRAÇÕES SOB APURAÇÃO. ÚLTIMO ELEMENTO QUE PODE SER EXTRAÍDO É A COMPLEXIDADE DOS FATOS SOB INVESTIGAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO ENTRE A REFERIDA CIRCUNSTÂNCIA E A IMPOSSIBILIDADE DE COLHEITA DE PROVAS MEDIANTE OUTROS MEIOS MENOS INVASIVOS. DECISÃO JUDICIAL QUE AUTORIZOU A QUEBRA DO SIGILO FISCAL "SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA", DESPROVIDA DE EMBASAMENTO CONCRETO E CARENTE DE FUNDADAS RAZÕES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO AFASTAMENTO DO SIGILO, NAQUELE MOMENTO. POR SER MEDIDA "EXCEPCIONAL" (ASSIM CONSTITUCIONALMENTE POSTA), CABE AO MAGISTRADO A DEMONSTRAÇÃO PRÉVIA E EXAUSTIVA QUANTO À ESTRITA NECESSIDADE DO MEIO DE PROVA EM QUESTÃO, NÃO SE PERMITINDO A DEVASSA/INVASÃO DA INTIMIDADE DE QUALQUER CIDADÃO COM BASE EM AFIRMAÇÕES GENÉRICAS E ABSTRATAS, NEM IGUALMENTE ALICERÇADA EM MENÇÃO A DISPOSITIVOS DE LEI QUE, POR SEU TURNO, "POSSIBILITAM" A QUEBRA, E NÃO A DETERMINAM POR SI SÓS, DEVENDO SER OBSERVADOS OS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS ATINENTES À ESPÉCIE. A QUEBRA DE SIGILO NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE DEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE E DA PRIVACIDADE DO CIDADÃO. POSTERIORES QUEBRAS DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS DOS OUTROS INVESTIGADOS, ALÉM DA QUEBRA DO SIGILO FISCAL E DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DO PACIENTE. MÁCULAS QUE CONTAMINARAM TODA A PROVA: FALTA DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA SOBRE A PERTINÊNCIA DO GRAVOSO MEIO DE PROVA (ISTO É, AUSÊNCIA DE ELUCIDAÇÃO ACERCA DA INVIABILIDADE DE APURAÇÃO DOS FATOS POR OUTRO MEIO MENOS INVASIVO E DEVASSADOR); UTILIZAÇÃO DA QUEBRA DO SIGILO FISCAL COMO "ORIGEM" PROPRIAMENTE DITA DAS INVESTIGAÇÕES (INSTRUMENTO DE BUSCA GENERALIZADA); AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO EXAUSTIVA E CONCRETA DA REAL NECESSIDADE E IMPRESCINDIBILIDADE DO AFASTAMENTO DO SIGILO; NÃO DEMONSTRAÇÃO, PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU, DA PERTINÊNCIA DA QUEBRA DIANTE DO CONTEXTO CONCRETO DOS FATOS ORA APRESENTADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL PARA A RESPECTIVA REPRESENTAÇÃO. PRECEITO CONSTITUCIONAL: A REGRA É A INVIOLABILIDADE DO SIGILO E A QUEBRA, MEDIDA DE EXCEÇÃO. ARGUIÇÃO DE ILICITUDE DA PROVA ACOLHIDA. TOTAL PROCEDÊNCIA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS DE OUTROS INVESTIGADOS BEM COMO POSTERIOR QUEBRA DE SIGILO FISCAL E INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DO PACIENTE DECORRENTES DAS ANTERIORES QUEBRAS DE SIGILO BANCÁRIO, DE DADOS TELEFÔNICOS E FISCAL. CONTAMINAÇÃO, POR SE TRATAR DE MEROS DESDOBRAMENTOS, QUE SE COMUNICAM E SE COMPLEMENTAM NO MESMO ATO APURATÓRIO, OU SEJA, DECORRERAM TODAS DAS QUEBRAS DE SIGILO RECONHECIDAS COMO VICIADAS. PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA.
1. Inquérito policial em trâmite na Justiça Federal, para fins de apurar suposta movimentação financeira atípica de pessoas físicas e jurídicas, devidamente identificadas, que não gozam de foro de prerrogativa de função. Dos fatos narrados na investigação policial, não há nenhum elemento probatório a apontar a participação de parlamentares, mas simplesmente de terceiros, os quais carecem de prerrogativa de foro, não bastando para deslocar a competência para o Supremo Tribunal Federal. Correta, portanto, a competência do Juízo Federal para o respectivo processamento. Precedentes.
2. Quanto à instauração de inquérito policial resultante do Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), nada há que se questionar, mostrando ele totalmente razoável, já que os elementos de convicção existentes se prestaram para o fim colimado.
3. Representação da quebra de sigilo fiscal, por parte da autoridade policial, com base unicamente no Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Representação policial que reconhece que a simples atipicidade de movimentação financeira não caracteriza crime. Não se admite a quebra do sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos (medida excepcional) como regra, ou seja, como a origem propriamente dita das investigações. Não precedeu a investigação policial de nenhuma outra diligência, ou seja, não se esgotou nenhum outro meio possível de prova, partiu-se, exclusivamente, do Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) para requerer o afastamento dos sigilos. Não foi delineado pela autoridade policial nenhum motivo sequer, apto, portanto, a demonstrar a impossibilidade de colheita de provas por outro meio que não a quebra de sigilo fiscal. Não demonstrada a impossibilidade de colheita das provas por outros meios menos lesivos, converteu-se, ilegitimamente, tal prova em instrumento de busca generalizada. Idêntico raciocínio há de se estender à requisição do Ministério Público Federal para o afastamento do sigilo bancário, porquanto referente à mesma questão e aos mesmos investigados.
4. O outro motivo determinante da insubsistência/inconsistência da prova ora obtida diz respeito à inidônea fundamentação, desprovida de embasamento concreto e carente de fundadas razões a justificar ato tão invasivo e devassador na vida dos investigados. O ponto relativo às dificuldades para a colheita de provas por meio de procedimentos menos gravosos, dada a natureza das ditas infrações financeiras e tributárias, poderia até ter sido aventado na motivação, mas não o foi; e, ainda que assim o fosse, far-se-ia necessária a demonstração com base em fatores concretos que expusessem o liame entre a atuação dos investigados e a impossibilidade em questão. A mera constatação de movimentação financeira atípica é pouco demais para amparar a quebra de sigilo; fosse assim, toda e qualquer comunicação do COAF nesse sentido implicaria, necessariamente, o afastamento do sigilo para ser elucidada. Da mesma forma, a gravidade dos fatos e a necessidade de se punir os responsáveis não se mostram como motivação idônea para justificar a medida, a qual deve se ater, exclusiva e exaustivamente, aos requisitos definidos no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo porque a regra consiste na inviolabilidade do sigilo, e a quebra, na sua exceção. Qualquer inquérito policial visa apurar a responsabilidade dos envolvidos a fim de puni-los, sendo certo que a gravidade das infrações, por si só, não sustenta a devassa da intimidade (medida de exceção), até porque qualquer crime, de elevada ou reduzida gravidade (desde que punido com pena de reclusão), é suscetível de apuração mediante esse meio de prova, donde se infere que esse fator é irrelevante para sua imposição. O mesmo raciocínio pode ser empregado para a justificativa concernente ao "perigo enorme e efetivo que a ação pode causar à ordem tributária, à ordem econômica e "às relações de consumo", as quais se encontram contidas na gravidade das infrações sob apuração. A complexidade dos fatos sob investigação também não autoriza a quebra de sigilo, considerando não ter havido a demonstração do nexo entre a referida circunstância e a impossibilidade de colheita de provas mediante outro meio menos invasivo. Provas testemunhais e periciais também se prestam para elucidar causas complexas, bastando, para isso, a realização de diligências policiais em sintonia com o andamento das ações tidas por criminosas. A mera menção aos dispositivos legais aplicáveis à espécie, por si só, também não se afigura suficiente para suportar tal medida, uma vez que se deve observar que tais dispositivos "possibilitam" a quebra, mas não a "determinam", obrigando o preenchimento dos demais requisitos legais. Máculas que contaminaram toda a prova: falta de demonstração/comprovação inequívoca, por parte da autoridade policial, da pertinência do gravoso meio de prova (isto é, ausência da elucidação acerca da inviabilidade de apuração dos fatos por meio menos invasivo e devassador); utilização da quebra de sigilo fiscal como origem propriamente dita das investigações (instrumento de busca generalizada); ausência de demonstração exaustiva e concreta da real necessidade e imprescindibilidade do afastamento do sigilo; não demonstração, pelo Juízo de primeiro grau, da pertinência da quebra diante do contexto concreto dos fatos ora apresentados pela autoridade policial para tal medida. O deferimento da medida excepcional por parte do magistrado de primeiro grau não se revestiu de fundamentação adequada nem de apoio concreto em suporte fático idôneo, excedendo o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, maculando, assim, de ilicitude referida prova.
5. Todas as demais provas que derivaram da documentação decorrente das quebras consideradas ilícitas devem ser consideradas imprestáveis, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.
6. Ordem concedida para declarar nulas as quebras de sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos, porquanto autorizadas em desconformidade com os ditames legais e, por consequência, declarar igualmente nulas as provas em razão delas produzidas, cabendo, ainda, ao Juiz do caso a análise de tal extensão em relação a outras, já que nesta sede, de via estreita, não se afigura possível averiguá-las; sem prejuízo, no entanto, da tramitação do inquérito policial, cuja conclusão dependerá da produção de novas provas independentes (HC n. 191.378/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 15 de setembro de 2011) (grifo ausente no original).
Como consequência, na hipótese, compreende-se ser inválida a interceptação das comunicações telefônicas pela ausência de comprovação da sua indispensabilidade em comparação a outras provas possíveis. Por tal motivo, tem-se como impossível a utilização dos elementos probatórios havidos em decorrência da aludida interceptação, os quais, no entender deste Desembargador, devem ser desprezados na apuração dos fatos.
Essas foram, portanto, as razões de meu dissenso.
Por fim, com a devida vênia às ponderações feitas pelo Excelentíssimo Relator, Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho, no final de seu voto, relativas à concessão de prazo para o Ministério Público de primeiro grau oferecer denúncia ou requerer o arquivamento do feito, a fim de evitar dúvidas, destaco que essa matéria foi decidida por unanimidade na Quarta Câmara Criminal. Efetivamente, na oportunidade, foi deliberado o seguinte, em acórdão da lavra do Excelentíssimo Desembargador Rodrigo Collaço:
7. Em atenção às normas prequestionadas, a presente decisão colegiada não ofende os arts. 5º, incs. XII e LIV, 29, inc. X, ambos da Constituição Federal.
O pedido de interceptação telefônica foi formulado no curso de investigação criminal e o seu conteúdo não está sendo utilizado para fins civis (art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal); no mais, ninguém está sendo privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal). Como a decisão judicial foi proferida pela autoridade à época competente, não houve violação ao foro por prerrogativa de função (art. 29, inc. X, da Constituição Federal).
Quanto à Lei nº 9.296/1996, havia indícios razoáveis de autoria de crimes punidos com reclusão e a prova da hierarquia da organização e do destino dos valores não podia ser feita por outros meios disponíveis (art. 2º, incs. I, II e III, da Lei nº 9.296/1996).
8. Mas é preciso ir além.
O histórico antes relatado bem demonstra que as investigações criminais vêm sendo sustentadas pelo Ministério Público desde o ano de 2007, como também deduzido no trecho inicial do pedido de interceptação telefônica, assim redigido:
"O procedimento investigatório criminal em epígrafe originou-se das investigações realizadas nos inquéritos civis públicos nº 06.2009.002681-6 e 06.2007.000613-7, que foram instaurados a partir da representação formulada por D.K.G., então Secretária Municipal de Educação do Município de X (período de x de janeiro de 20.. a x de dezembro de 20..)" (fl. 57 do volume 1 em anexo – sem o grifo no original).
A denúncia foi formalizada pela ex-Secretária Municipal por meio do documento juntado a fls. 446-448, recebido pelo Ministério Público no dia 11.4.2007 (conforme o carimbo aposto a fl. 446).
Ao que parece, e somente a leitura integral de todos os procedimentos de investigação criminal poderia confirmar esta dedução, a descoberta de novo (suposto) ilícito (civil ou penal) tem justificado o desmembramento do fato para a formalização de outro procedimento investigatório.
Em 2012, em um destes procedimentos investigatórios, o Ministério Público reuniu uma série de elementos aptos a justificar a quebra do sigilo telefônico de certos investigados. Desde então, e já estamos no mês de setembro de 2013, a denúncia não foi oferecida, nem foi proposto o arquivamento de todas as investigações.
A constitucionalidade da realização de investigação criminal pelo Ministério Público vem sendo debatida pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Recurso Extraordinário nº 593.797. Atualmente, referido recurso está com vistas ao Min. Marco Aurélio, mas o Min. Cezar Peluso, relator originário do recurso extraordinário, teceu (dentre tantas outras) as seguintes considerações sobre o caso concreto (divulgadas no Informativo nº 671 do Supremo Tribunal Federal):
"[...]
Ministério Público e investigação criminal - 14
Decretou que a investigação direta pelo Ministério Público, no quadro constitucional vigente, não encontraria apoio legal e produziria consectários insuportáveis dentro do sistema governado pelos princípios elementares do devido processo legal: a) não haveria prazo para diligências nem para sua conclusão; b) não se disciplinariam os limites de seu objeto; c) não se submeteria a controle judicial, porque carente de existência jurídica; d) não se assujeitaria à publicidade geral dos atos administrativos, da qual o sigilo seria exceção, ainda assim sempre motivado e fundado em disposição legal; e) não preveria e não garantiria o exercício do direito de defesa, sequer a providência de ser ouvida a vítima; f) não se subjugaria a controle judicial dos atos de arquivamento e de desarquivamento, a criar situação de permanente insegurança para pessoas consideradas suspeitas ou investigadas; g) não conteria regras para produção das provas, nem para aferição de sua consequente validez; h) não proviria sobre o registro e numeração dos autos, tampouco sobre seu destino, quando a investigação já não interessasse ao Ministério Público. Esclareceu que haveria atos instrutórios que, próprios da fase preliminar em processo penal, seriam irrepetíveis e, nessa qualidade, dotados de efeito jurídico processual absoluto. Seriam praticados, na hipótese, à margem da lei.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)
[...]
Ministério Público e investigação criminal - 16
Concedeu, porém, que, à luz da ordem jurídica, o Ministério Público poderia realizar, diretamente, atividades de investigação da prática de delitos, para preparação de eventual ação penal, em hipóteses excepcionais e taxativas, desde que observadas certas condições e cautelas tendentes a preservar os direitos e garantias assegurados na cláusula do devido processo legal. Essa excepcionalidade, entretanto, exigiria predefinição de limites estreitos e claros. Assim, o órgão poderia fazê-lo observadas as seguintes condições: a) mediante procedimento regulado, por analogia, pelas normas concernentes ao inquérito policial; b) por consequência, o procedimento deveria ser, de regra, público e sempre supervisionado pelo Judiciário; c) deveria ter por objeto fatos teoricamente criminosos, praticados por membros ou servidores da própria instituição, por autoridades ou agentes policiais, ou por outrem se, a respeito, a autoridade policial cientificada não houvesse instaurado inquérito. No caso em apreço, todavia, não coexistiriam esses requisitos. O Ministério Público não teria se limitado a receber documentos bastantes à instauração da ação penal, mas iniciado procedimento investigatório específico e, com apoio nos elementos coligidos, formalizado denúncia. Por fim, após o voto do Min. Ricardo Lewandowski, nesse mesmo sentido, deliberou-se suspender o julgamento.
RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)
[...]" (sem o grifo no original).
Segundo o Min. Cezar Peluso, admitido o poder investigatório, mesmo ao Ministério Público deveriam ser impostas certas condições, como forma de tutelar adequada e concretamente os direitos individuais dos investigados; o ilustre Relator sugere, inclusive, a aplicação analógica das mesmas normas relacionadas ao inquérito policial, a publicidade do procedimento e a supervisão do Judiciário (além do seu caráter subsidiário, relegado à inércia da autoridade policial em instaurar o respectivo inquérito).
O mesmo tema passou a ser debatido no Congresso Nacional por meio da Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 37/2011.
A PEC 37/2011 foi rejeitada na Câmara dos Deputados, mas a sua deliberação iniciou um caloroso debate sobre o poder investigatório do Ministério Público. Alternativamente à rejeição da PEC nº 37/2011, a Associação Nacional dos Procuradores da República - ANPR formalizou um projeto de lei com o propósito de regulamentar a investigação criminal.
Este projeto de lei foi apresentado ao Congresso Nacional pela Deputada Federal Marina Sant'anna (PT-GO) e, na Câmara dos Deputados, assumiu o nº 5.776/2013. Dentre as propostas sustentadas pela ANPR e encampadas pela autora do projeto de lei, algumas podem ser destacadas: a investigação criminal será materializada por meio de inquérito policial ou inquérito penal (sendo que este tramitará no Ministério Público); permanece a sua natureza administrativa e inquisitorial; o Ministério Público poderá formalizar acordo de imunidade ou de delação premiada com o investigado ou sobrestar a propositura da ação penal por até um ano (atendido o interesse público da conveniência da persecução criminal); a investigação criminal será imediatamente comunicada por escrito ou por meio eletrônico ao juízo competente e ao respectivo Procurador-Geral (ou ao Procurador-Geral Eleitoral); da decisão do membro do Ministério Público que instaurar ou indeferir o requerimento de abertura do inquérito penal, caberá recurso ao respectivo Procurador-Geral; o investigado passa a ter diversos direitos, inclusive o de ser notificado para, querendo, apresentar as informações que considerar adequadas; amplo acesso do defensor do investigado aos elementos de prova; publicidade dos atos e das peças do inquérito; imposição do prazo de 90 dias para que o inquérito penal instaurado no âmbito do Ministério Público seja concluído.
Este prazo de 90 dias foi convalidado pela ANPR na Nota Técnica PRESI/ANPR/ACA nº 014/2013, no seguinte trecho do referido documento:
"17. No que se refere aos prazos, o projeto inova – de forma coerente com a ideia de uma investigação criminal coordenada e não-exclusiva de um órgão – ao estabelecer prazos iguais para polícia e Ministério Público na condução do inquérito policial ou penal. Assim, o órgão ministerial e a polícia têm 30 dias para dar andamento ao inquérito e 90 dias para a sua conclusão, salvo necessidade de prorrogação, a ser devidamente fundamentada em requerimento. Ressalta-se que o prazo de 10 dias para conclusão do inquérito no caso de o investigado estar preso provisoriamente é mantido, tendo em vista o postulado da presunção de inocência" (inteiro teor disponível no site wwwanpr.org.br/images/anpr_em_ação/julho2013/notatecnica investigacao.pdf).
Os demais termos do projeto de lei remetem a uma regulamentação do poder investigatório do Ministério Público, medida que já havia sido sugerida pelo Min. Luís Roberto Barroso, quando ainda integrava a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro; na parte conclusiva de um parecer elaborado sobre o tema, o ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal disse o seguinte:
"Restaram assentadas, portanto, duas premissas: o sistema constitucional reservou à Polícia o papel central na investigação penal, mas não vedou o exercício eventual de tal atribuição pelo Ministério Público. A atuação do Parquet nesse particular, portanto, poderá existir, mas deverá ter caráter excepcional. Vale dizer: impõe-se a identificação de circunstâncias particulares que legitimem o exercício dessa competência atípica. Bem como a definição da maneira adequada de exercê-la. Sobre esse ponto, cabe ainda uma última consideração.
A legislação federal infraconstitucional atualmente em vigor não atribuiu de forma clara ou específica ao Ministério Público a competência de proceder a investigações criminais. Tampouco existe qualquer disciplina acerca das hipóteses em que essa competência pode ser exercida, de como o Ministério Público deve desempenhá-la ou de formas de controle a que deva estar submetida. Não é desimportante lembrar que a Polícia sujeita-se ao controle do Ministério Público. Mas se o Ministério Público desempenhar, de maneira ampla e difusa, o papel da Polícia, quem irá fiscalizá-lo? O risco potencial que a concentração de poderes representa para a imparcialidade necessária às atividades típicas do Parquet não apenas fundamenta a excepcionalidade que deve caracterizar o exercício da competência investigatória, mas exige igualmente uma normatização limitadora" (in Temas de Direito Constitucional. Vol. III. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 233-234).
Na verdade, a omissão do Poder Legislativo em regulamentar o poder investigatório do Ministério Público impõe que o Judiciário, por meio dos seus julgados, estabeleça um regramento mínimo para a garantia dos direitos individuais do investigado.
De todo modo, o tema foi regulamentado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e por um ato conjunto da Procuradoria-Geral do Ministéiro (sic) Público do Estado de Santa Catarina e da sua Corregedoria-Geral. No âmbito nacional, prevalece a Resolução nº 13/2006, do CNMP, cujo art. 12 prevê que "o procedimento investigatório criminal deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, permitidas, por igual período, prorrogações sucessivas, por decisão fundamentada do membro do Ministério Público responsável pela sua condução". No Estado de Santa Catarina, idêntica previsão passou a ser exigida pelo Ato nº 001/2012/PGJ/CGMP, o qual, em seu art. 14, estabelece que "o procedimento investigatório criminal deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, contados de sua instauração, prorrogável por períodos iguais, por decisão fundamentada do membro do Ministério Público responsável pela investigação, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, com comunicação ao Procurador-Geral de Justiça e ao respectivo Centro de Apoio Operacional".
Há norma institucional, mas não lei, regulamentando a investigação criminal e impondo um prazo à sua conclusão. Logo, o Ministério Público pode exercer o controle externo sobre a autoridade policial, mas não há norma legal criando meios aptos a impor uma fiscalização sobre o seu próprio trabalho. O seu poder investigatório acaba sendo amplo e irrestrito, sem o mesmo limite temporal imposto à autoridade policial pelo art. 10 do Código de Processo Penal (10 dias para o réu preso e 30 dias para o réu solto).
O prazo do inquérito policial já foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, que trancou o curso das investigações ao constatar uma demora injustificada na sua conclusão. O caso concreto envolve inquérito policial, mas é plenamente aplicável a qualquer investigação criminal; seguem os precedentes:
"HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. ADVOCACIA ADMINISTRATIVA. INQUÉRITO POLICIAL. EXCESSO DE PRAZO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INSTAURADO HÁ 5 ANOS E AINDA NÃO CONCLUÍDO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.
1. O Inquérito Policial em comento foi instaurado há cinco anos para apurar a suposta prática dos crimes de corrupção passiva e advocacia administrativa pelo impetrante/paciente, e, neste interregno, ainda não findaram as atividades administrativas, encontrando-se os autos na respectiva Delegacia para diligências.
2. Por outro vértice, outras duas ações penais movidas contra o acusado pelo cometimento de delitos idênticos, contemporâneas ao procedimento em testilha, há muito foram encerradas, tendo as respectivas condenações transitado em julgado após serem confirmadas pela Corte estadual.
3. Nesse contexto, ainda que o simples indiciamento não constitua coação ilegal sanável pela via do habeas corpus quando o incriminado permanece em liberdade, entende-se configurado constrangimento na hipótese, decorrente da infindável duração do Inquérito instaurado contra o paciente, que se vê investigado há cinco anos sem que tenha sido ofertada denúncia pelos fatos apurados.
4. Ordem concedida para trancar o Inquérito Policial n. 113/05, da comarca de Buritama/SP" (STJ, HC nº 144.593/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Qunta (sic) Turma, j. em 19.8.2010).
"HABEAS CORPUS PREVENTIVO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ESTELIONATO CONTRA ENTE PÚBLICO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. ALEGAÇÃO DE QUE OS FATOS INVESTIGADOS JÁ FORAM OBJETO DE OUTRO INQUÉRITO POLICIAL, ARQUIVADO A PEDIDO DO MPF. FRAUDE NA OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTOS CONCEDIDOS PELO FINAM E PELA SUDAM E DESVIO DE RECURSOS. NÃO APURAÇÃO DE QUALQUER FATO QUE PUDESSE AMPARAR EVENTUAL AÇÃO PENAL, TANTO QUE NÃO OFERECIDA A DENÚNCIA. EXCESSO DE PRAZO. INVESTIGAÇÃO QUE DURA MAIS DE 7 ANOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EXISTENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Alega-se, em síntese, que o constrangimento ilegal advém da manutenção das investigações no Inquérito Policial 521/01, em trâmite na Polícia Federal do Estado do Maranhão, em que se apuram os crimes de estelionato e falsidade ideológica, supostamente cometidos pelos pacientes em detrimento da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), uma vez que os mesmos fatos foram investigados pela Polícia Federal de Tocantins, tendo sido arquivado o procedimento, a pedido do Ministério Público Federal, por inexistência de irregularidades. Ademais, flagrante o excesso de prazo, pois a investigação perdura por mais de 7 anos, sem que tenha sido oferecida a denúncia.
2. O trancamento do Inquérito Policial por meio do Habeas Corpus, conquanto possível, é medida de todo excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria ou da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.
3. Na hipótese, a investigação tem objeto idêntico ao de outro Inquérito Policial instaurado no Estado de Tocantins, que, após diversas diligências e auditorias, inclusive da Receita Federal, concluiu pela inexistência de fraude na obtenção ou desvios na aplicação dos recursos do FINAN geridos pela SUDAM pelas empresas geridas pelos pacientes, bem como de que não houve emissão de notas frias, pois os serviços foram efetivamente prestados.
4. Segundo ressai dos autos, notadamente do relatório do Departamento da Polícia Federal do Maranhão (fls. 82/89) e da própria decisão que não acolheu o pedido de trancamento da Ação Penal, a investigação lá conduzida objetiva esclarecer exatamente a suposta falsificação/apresentação/utilização de notas fiscais emitidas pela empresa H. LTDA., em favor da N.H.A. S/A, com a finalidade de justificar despesas, em tese, fictícias, desta última junto à SUDAM, em razão de financiamento anteriormente obtido para a implantação de projeto. Tal questão restou elucidada no anterior IPL do Estado do Tocantins, que, após analisar a mesma documentação, concluiu serem infundadas as suspeitas levantadas contra o projeto N.H. em relação à fraude para obtenção de recursos e desvios em sua aplicação.
5. No caso, passados mais de 7 anos desde a instauração do Inquérito pela Polícia Federal do Maranhão, não houve o oferecimento de denúncia contra os pacientes. É certo que existe jurisprudência, inclusive desta Corte, que afirma inexistir constrangimento ilegal pela simples instauração de Inquérito Policial, mormente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locomoção (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 08.10.07); entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constrangimento, abalo moral e, muitas vezes, econômico e financeiro, principalmente quando se trata de grandes empresas e empresários e os fatos já foram objeto de Inquérito Policial arquivado a pedido do Parquet Federal.
6. Ordem concedida, para determinar o trancamento do Inquérito Policial 2001.37.00.005023-0 (IPL 521/2001), em que pese o parecer ministerial em sentido contrário" (STJ, HC nº 96.666/MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. em 4.9.2008).
A duração razoável do procedimento investigatório já foi enfrentada por esta Corte, que assim se posicionou:
"HABEAS CORPUS. PRETENDIDO TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INICIADO EM VIRTUDE DE NOTÍCIA-CRIME. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONDUTA PUNÍVEL. QUESTÃO QUE DEMANDA ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. VIA INADEQUADA. FALTA, ADEMAIS, DE ELEMENTOS QUE POSSIBILITEM O EXAME DA PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO CONHECIMENTO.
EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÕES QUE PERDURAM POR QUASE DOIS ANOS. DEMORA QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DA RAZOABILIDADE. CONCESSÃO EM PARTE DA ORDEM, DE OFÍCIO, PARA DETERMINAR A IMEDIATA REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA OFERECIMENTO OU NÃO DA DENÚNCIA" (TJSC, HC n. 2009.069306-0, de Criciúma, rel. Des. Torres Marques, j. 20.4.2010).
"HABEAS CORPUS PREVENTIVO - EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO - PRISÃO PREVENTIVA - PRETENDIDA REVOGAÇÃO DO DECISUM - INVIABILIDADE - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA NECESSIDADE DE ACAUTELAMENTO DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL - ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
INQUÉRITO POLICIAL NÃO CONCLUÍDO - INDICIADO FORAGIDO - PRESCINDIBILIDADE DE INTERROGATÓRIO - DEMORA NO TÉRMINO DA FASE INQUISITIVA - POSSÍVEIS REFLEXOS NEGATIVOS NA SOLUÇÃO DO FEITO - REMESSA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA QUE, SEGUNDO SEU LIVRE JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE, OFEREÇA OU NÃO A DENÚNCIA - CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM" (TJSC, HC n. 2009.002902-1, de Garuva, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 17.2.2009).
Logo, o excesso de prazo injustificado na conclusão do procedimento investigatório tem autorizado o trancamento da investigação criminal ou a remessa de toda a prova indiciária ao Ministério Público para que ofereça a denúncia ou proponha o seu arquivamento.
E parece não haver justificativa plausível para o desenrolar de uma investigação criminal por mais de 6 anos.
O pedido de interceptação telefônica foi originariamente formulado em 2012, mas esta Corte tomou ciência dos seus desdobramentos após a incursão dos fatos sobre um investigado dotado de foro por prerrogativa de função. A respectiva medida cautelar retornou ao Juízo Criminal de Origem após o término do seu mandato eleitoral e, desde o início de 2013, não há notícias de que diligências relevantes ao caso concreto tenham sido requisitadas pelo Ministério Público. Aquele prazo de 90 dias sugerido no Projeto de Lei nº 5776/2013 já foi extrapolado.
Concomitantemente ao presente recurso em sentido estrito, o recorrente impetrou um mandado de segurança contra a decisão aqui impugnada, mantido sob minha relatoria pela ordem de prevenção (mandado de segurança nº 2013.027619-7). Nas informações oportunamente prestadas pela autoridade coatora, restou consignado pela Juíza Criminal que "até o presente momento o Ministério Público, com vista dos autos, não apresentou denúncia contra os investigados ou requerimento de baixa à Delegacia de Polícia para diligências" (fl. 832 do mandado de segurança, atualmente concluso em gabinete). Ainda, por meio de decisão proferida no dia 10.6.2013, a Juíza Criminal garantiu aos investigados o pleno acesso ao procedimento investigatório.
Logo, a investigação vem se arrastando desde 2007; a partir do início de 2013 nenhuma outra diligência relevante foi postulada pelo Ministério Público; a denúncia ainda não foi oferecida e o representante do parquet tem reiterado na requisição de documentos.
A propósito da reiteração de documentos, observe-se, por exemplo, o documento de fl. 231 (do volume 1 em anexo), no qual o órgão público informou, em 28.9.2012, que já havia atendido o requerimento reiterado pelo Ministério Público no ofício expedido em 12.4.2012. Situação idêntica foi alarmada no ofício juntado a fl. 734 (volume 4 em anexo).
Diversos precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal têm prestigiado o princípio da duração razoável do processo, em estrita obediência ao art. 5º , inc. LXXVIII, da Constituição Federal.
Segundo o Min. Joaquim Barbosa, "a duração do processo se submete ao princípio da razoabilidade, havendo inúmeros critérios que auxiliam na determinação do excesso. A complexidade da ação penal e a pluralidade de réus podem ser motivos bastantes a uma tramitação processual menos célere que a habitual" (STF, HC nº 104.845, Segunda Turma, j. em 10.8.2010). O Min. Celso de Mello aborda os mesmos critérios, ao dizer que "a complexidade da causa penal e o caráter multitudinário do litisconsórcio penal passivo podem justificar eventual retardamento na conclusão do processo penal condenatório, desde que a demora - motivada por circunstâncias e peculiaridades do litígio e desvinculada de qualquer inércia ou morosidade do aparelho judiciário - mostre-se compatível com padrões de estrita razoabilidade" (STF, HC nº 107.808, Segunda Turma, j. em 7.6.2011). Em acórdão submetido ao Tribunal Pleno, o Min. Celso de Mello reitera que "o excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente (sic) atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei" (STF, HC nº 85.237, Tribunal Pleno, j. em 17.3.2005).
Os princípios da duração razoável do processo e da razoabilidade já foram estendidos à investigação criminal, conforme os julgados do Superior Tribunal de Justiça antes citados. O excesso de prazo injustificado deve ser obstado também como forma de atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, que coíbe a coerção exercida sobre o investigado submetido a diligências e a procedimentos invasivos por anos, sem que o investigador (aqui, o próprio Ministério Público) chegue a alguma conclusão: oferecimento da denúncia ou arquivamento do procedimento investigatório.
Ainda, o art. 5º, inc. LIX, da Constituição Federal admite a ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo previsto no art. 46 do Código do Processo Penal. Segundo precedente do Supremo Tribunal Federal, "o ajuizamento da ação penal privada subsidiária da pública pressupõe a completa inércia do Ministério Público, que se abstém, no prazo legal, (a) de oferecer denúncia, ou (b) de requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação, ou, ainda, (c) de requisitar novas (e indispensáveis) diligências investigatórias à autoridade policial" (STF, HC nº 74.276, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, j. em 3.9.1996). Como o procedimento de investigação criminal não foi judicializado, tal preceito normativo não pode ser aplicado concretamente porque o acesso a todos os elementos de prova está restrito ao Ministério Público.
Todas estas medidas autorizam o reconhecimento de que o Ministério Público deve ser impulsionado a oferecer a denúncia contra o recorrente ou a postular o arquivamento das investigações criminais em relação a sua conduta, em prazo igualmente razoável. E tal medida também se justifica porque, estivesse a investigação criminal formalizada em um inquérito policial, o oferecimento da denúncia deveria respeitar o prazo previsto no art. 46 do Código de Processo Penal; veja-se:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES AMBIENTAIS (ART. 2.º, CAPUT, DA LEI N.º 8.176/91 E ART. 55 DA LEI N.º 9.605). ALEGADO EXCESSO DE PRAZO NO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE CONSEQUÊNCIAS PARA O RECORRENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Da leitura do artigo 46 do Código de Processo Penal, depreende-se que, em se tratando de réu solto, o prazo para a apresentação da peça inaugural pelo Parquet é de 15 (quinze) dias, contados da data em que for recebido o inquérito policial.
2. Na hipótese em apreço, não há nos autos a data precisa em que o inquérito policial, instaurado em 13.8.2008, foi concluído, sendo certo apenas que, após a conclusão das investigações e a formação da opinio delicti pelo órgão acusador, foi ofertada denúncia contra o paciente, recebida pelo Juízo de origem em 27.4.2010.
3. Contudo, ainda que não seja possível aferir se o prazo de 15 (quinze) dias a ser contado do recebimento do inquérito policial foi ou não observado pelo Ministério Público, não há dúvidas de que o seu eventual descumprimento não recebe qualquer sanção do ordenamento jurídico, tendo como consequência somente a possibilidade de a vítima ingressar com ação penal subsidiária da pública (RHC 32.535/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 12/03/2013)
A realização das investigações criminais pelo próprio Ministério Público não pode restringir esta norma processual, mas, antes, deve privilegiá-la, sob pena de, em procedimentos investigatórios que se subdividem em outros, eternizar injustificadamente a realização de diligências para sepultar o recorrente como investigado.
Atendendo ao princípio da razoabilidade, e ciente de que a investigação criminal é complexa justamente por envolver múltiplos volumes de provas indiciárias, deve ser concedido habeas corpus, de ofício, para que, em 30 dias, o Ministério Público ofereça a denúncia contra o recorrente ou proponha o arquivamento das investigações criminais a seu respeito. Este prazo, longe de prejudicar a situação do recorrente, permite que, individualizada a sua conduta, a alegada ilicitude da prova possa ser (futuramente) reanalisada diante do caso concreto formalizado na peça acusatória; também autoriza que, a depender da interpretação dos fatos pelo Ministério Público, o recorrente deixe de figurar como investigado, mediante o arquivamento das investigações criminais a seu respeito.
Por fim, convém ressaltar que o habeas corpus é um meio viável para o reconhecimento do excesso de prazo em inquérito policial ou em investigação criminal, como sobressai do seguinte julgado: "se se trata de processo penal ou mesmo de inquérito policial, a jurisprudência do STF admite o Habeas corpus, dado que de um ou outro possa advir condenação à pena privativa de liberdade, ainda que não iminente, cuja aplicação poderia ser viciada pela ilegalidade contra a qual se volta a impetração da ordem" (STF, HC nº 86.120, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. em 9.8.2005).
9. Ante o exposto, o voto é pelo desprovimento do recurso em sentido estrito, com a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício, para determinar que, no prazo de 30 dias (dobro daquele previsto no art. 46 do Código de Processo Penal), o Ministério Público do Estado ofereça a denúncia contra o acusado ou proponha o arquivamento das investigações criminais a seu respeito, sob pena de trancamento da investigação criminal. Para tanto, encaminhe-se cópia da presente decisão ao representante do Ministério Público em atuação na Comarca de X (fls. 66-79).
Sendo assim, por se tratar de questão decidida em tais termos por unanimidade, não se sujeita à reapreciação pelo via dos embargos infringentes.
Florianópolis, 28 de março de 2014.
Jorge Schaefer Martins
Desembargador
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