Culpa exclusiva da vítima afasta responsabilidade do motorista em atropelamento, diz TJSC

19/08/2015

Por redação - 19/08/2015

O risco permitido faz parte da circulação de veículos e pedestres. Do fato de ter acontecido o atropelamento, não se pode imputar, automaticamente, a responsabilidade penal objetivamente. Há necessidade de comprovação da culpa do condutor, nas modalidades de imprudência ou negligência. No caso presente, diante da ação da vítima, o condutor da motocicleta teve a responsabilidade penal excluída. Vale a pena ler a fundamentação.


    Apelação Criminal n. 2015.003620-7, da Capital

Relatora: Desa. Substituta Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302 DO CTB). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. PLEITO CONDENATÓRIO INVIÁVEL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA COMPROVADA NA HIPÓTESE. PEDESTRE QUE INADVERTIDAMENTE INGRESSA DA VIA DE ROLAMENTO E SURPREENDE OS VEÍCULOS QUE TRANSITAVAM NAQUELE MOMENTO. TRAVESSIA DE INOPINO QUE IMPOSSIBILITOU QUALQUER REAÇÃO DE DEFESA DE MOTOCICLISTA QUE TRANSITAVA NORMALMENTE E COM OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE TRÂNSITO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2015.003620-7, da comarca da Capital (4ª Vara Criminal), em que é apelante Assistente da Acusação, e apelados S. N. D. S. e outro:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Roberto Lucas Pacheco (Presidente), e o Exmo. Sr. Desembargador Rodrigo Collaço.

Florianópolis, 06 de agosto de 2015.

Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

Relatora

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de S. N. D. S., imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 302, parágrafo único, inciso II, da Lei n. 9.503/97, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória:

"No dia 23 de setembro de 2013, por volta das 13h50min, o denunciado S. N. D. S. conduzia a motocicleta Yamaha/XTZ 125E, placa xxx-xxxx, na Rua Padre Roma, s/n, Centro, Florianópolis-SC, ocasião em que, na esquina com a Rua Conselheiro Mafra, agindo de forma imprudente, e sem se ater às normas de segurança de trânsito que lhe eram exigíveis, atropelou o pedestre F. C., que estava atravessando a via na faixa de pedestres.

Em razão da colisão, à qual deu causa o denunciado com sua conduta imprudente, a vítima sofreu fratura de crânio e traumatismo crânio-encefálico, conforme descrito no laudo pericial de fls. 07/11, lesões estas que foram causa eficiente do óbito."

Encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (fls. 135/138), com o seguinte dispositivo:

"Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia de fls. 47-48, para ABSOLVER o acusado S. N. D. S. da imputação do crime descrito no art. 302, inciso II, da Lei n. 9.503/97, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal."

Antes do trânsito em julgado da sentença, a viúva da vítima formulou pedido de habilitação como assistente de acusação, o que foi deferido após manifestação favorável do Ministério Público.

Devidamente habilitada, a viúva demonstrou seu inconformismo com o decreto absolutório ao interpor recurso de apelação, sustentando, em síntese, que o réu deve ser condenado nos termos do artigo 302, parágrafo único, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro. Aduz a recorrente, que o apelado agiu com imprudência ao conduzir veículo automotor não respeitando o direito do pedestre que estava na faixa de pedestres, imprimindo velocidade excessiva e dirigindo sem a atenção e cuidados necessários, vindo a dar causa ao acidente que ceifou a vida de uma pessoa.

O Ministério Público apresentou contrarrazões (fls. 177/186 e 190/195), opinando pelo desprovimento do reclamo e, na sequência, os autos ascenderam a este Tribunal.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Norival Acácio Engel, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Busca a assistente de acusação, a condenação do acusado nos termos da denúncia, pois, segundo ela, o réu teria agido com culpa no sinistro que vitimou seu marido. Aduz a recorrente, em apertada síntese, que a condutor da motocicleta trafegava acima da velocidade permitida e não tomou todos os cuidados e cautelas necessários na condução de seu veículo.

Analisando detidamente o feito, penso que não assiste razão à recorrente, tendo em vista que a hipótese dos autos é clara tratar-se de culpa exclusiva da vítima.

De início, vale destacar que, não obstante o atropelamento tenha sido sobre a faixa de pedestres, a prova dos autos permite concluir que a vítima ingressou na faixa de rolamento de inopino e de maneira a impossibilitar qualquer reação ou defesa por parte do réu condutor da motocicleta.

Aliás, frisa-se que a surpresa ao réu proporcionada pela precipitação da vítima ao atravessar a rua foi tamanha, que ele sequer se lembra de detalhes do acidente, do qual, inclusive, também restou lesionado.

A situação do acidente que vitimou F. C. C., é substancialmente esclarecida pelo depoimento da testemunha ocular T. S. E., que na fase policial declarou (fl. 29):

"Que no dia 23/09/2013 por volta das duas horas da tarde, o depoente passava pela rua Padre Roma, localizada no Centro desta Capital, subindo para a Conselheiro Mafra; Que, no cruzamento da Conselheiro Mafra, um carro da pista do lado esquerdo reduziu a velocidade dando a impressão para o pedestre atravessar a faixa, o pedestre na indecisão atravessou correndo, nisto a moto que vinha ao lado direito, ao lado do carro, atingiu em cheio o pedestre, levando o motociclista também ao chão; Que, o declarante exalta que o pedestre devia ter esperado o carro parar totalmente para ter total visão e garantia de segurança para atravessar, mesmo estando em cima da faixa de pedestre; Que a vítima se precipitou ao atravessar, e alega que o motociclista não tinha como anteceder a ação rápida do pedestre; Que o motociclista não se encontrava em alta velocidade".

O testigo confirmou em juízo as declarações prestadas durante o inquérito policial, na mídia de fl. 107, declarou que a vítima atravessou a via correndo e que o motociclista não teve tempo de reduzir a velocidade.

No mesmo sentido são as declarações da testemunha E. P. (mídia de fl. 121), que em juízo afirmou ter presenciado o acidente, afirmando que a vítima atravessou a via correndo, "batendo na moto do réu".

De outro norte, nenhuma prova foi produzida no sentido de corroborar a tese da recorrente de que o acusado trafegava acima da velocidade permitida para o local ou de maneira a por em risco a segurança do trânsito. Ao contrário, as testemunhas afirmam que o réu estava em velocidade compatível e que o acidente aconteceu em virtude de a vítima ter ingressado na via de inopino e colhido a motocicleta que trafegava normalmente pela rua.

O fato de o atropelamento ter ocorrido sobre a faixa de pedestre não altera a responsabilidade pelo sinistro, porquanto satisfatoriamente comprovado que a vítima iniciou a travessia inadvertidamente, surpreendendo o tráfico de veículos que era intenso naquele momento.

Em caso análogo, já decidiu este egrégio Tribunal:

APELAÇÃO CRIMINAL. PRESCRIÇÃO. PRETENDIDA DECLARAÇÃO, AO ARGUMENTO DE QUE TRANSCORRIDO O LAPSO CORRESPONDENTE ENTRE A DATA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. CIRCUNSTÂNCIA NÃO VERIFICADA. ARGUMENTO REPELIDO.    Para que se opere a prescrição, faz-se mister o transcurso do lapso previsto em lei.    ACIDENTE DE TRÂNSITO. INFRAÇÃO AO ART. 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ATROPELAMENTO. VÍTIMA QUE AO ATRAVESSAR A VIA NÃO TOMA AS DEVIDAS CAUTELAS. CULPA EXCLUSIVA DESTA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.    Resultando o atropelamento e morte de pura fatalidade, visto que a vítima adentrou inadvertidamente a pista de rolamento, surpreendendo o motorista que por ela transitava, não há como imputar-lhe responsabilidade pelo sinistro, pois não o poderia antever ou evitar. (TJSC, Apelação Criminal n. 2002.023326-4, de Blumenau, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 25-02-2003) – grifei.

Ademais disso, como bem ponderado pelo Ministério Público de primeiro grau, o artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro prevê que o pedestre tem prioridade de passagem quando estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim, porém "não se pode entender essa prioridade como absoluta, sendo exigível que o pedestre tenha cautela ao atravessar a rua, notadamente em locais com intenso movimento de veículos. Ao correr e atravessar a rua no momento exato em que por ela transitava um veículo, inevitável é o acidente, ante o inesperado do fato, não se podendo atribuir culpa ao motorista".

Portanto, malgrado os argumentos da recorrente, penso que a sentença não merece ser reformada, devendo ser mantido incólume o decreto absolutório.

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Este é o voto.


Imagem Ilustrativa do Post: Foto0027 // Foto de: La Pionera de Clorinda // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/pioneraclorinda/9265776122/in/photolist-9FhT5n-4F9W7R-6rByQ5-6rBybf-6rxqui-dqzhs3-f7MyD7-f7MwqJ-aqJyB3-aqFTsg-9TeKB9-9TbVNz-bUv6RM Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura