Contraponto: Juiz desacata ordem do Tribunal de Justiça ao indeferir petição inicial que denomina ser "metralhadora giratória"

08/07/2015

Por Luciano Duarte Peres  - 07/07/2015

Em que pese o respeito a decisão proferida nos autos nº 0315357-96.2014.8.24.0038, decisão esta que se tornou notícia no meio jurídico antes mesmo de ser publicada no Diário Oficial do Estado, tem-se que a mesma não é a mais acertada. Não obstante a infeliz adjetivação utilizada pelo magistrado que  denominou a ação como "metralhadora giratória", fora outros adjetivos pejorativos utilizados em referência ao trabalho realizado pelo causídico, tem-se que na verdade a decisão retrata verdadeiro descumprimento a ordem emanada pela Corte Catarinense.

Isso porque ao analisar a  exordial o magistrado determinou a emenda a inicial sob pena de indeferimento da inicial. Em suma, visava o magistrado a emenda da inicial no sentido de "a) Promover a juntada dos contratos que parte autora pretende revisar (em ordem cronológica); b) Proceder à indicação precisa das cláusulas contratuais que contenham eventuais abusividades e/ou ilegalidades e que serão objetos da lide; c) Apresentar de forma clara a correta explicitação jurídica e financeira de como chegou aos valores da dívida tidos como incontroversos frente a relação negocial objeto dessa lide; d) Efetuar o depósito do montante incontroverso (desde o dia que se tornou inadimplente, sob pena de extinção do pedido de consignação em pagamento), observado o procedimento explicitado neste decisum; e) Juntar os comprovantes de depósito das parcelas já quitadas; f) Corrigir o valor dado à causa e efetuar a complementação do pagamento das custas iniciais."

Considerando a impossibilidade do cumprimento da decisão interlocutória em razão da desídia das casas bancárias não disponibilizarem cópia das avenças firmadas entre as partes (que diga-se, muitas vezes não são exibidas sequer em juízo após determinação judicial), foi interposto agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o qual, em  sede de tutela recursal, concedeu efeito suspensivo quanto a matéria recorrida, possibilitando a instrução do feito pelo magistrado a quo.

Desta forma, enquanto o recurso de agravo de instrumento aguarda julgamento definitivo pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a ação foi instruída, tendo sido apresentada defesa pela Instituição Financeira, bem como manifestação à contestação.

Entretanto,  para surpresa da autora e de seu procurador, foi prolatada sentença indeferindo a ação de revisão de contrato, julgando extinto o processo sem julgamento de mérito, pelos mesmos fundamentos suspensos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no agravo de instrumento nº 2015.004294-9.

A fundamentação da decisão ainda leva em consideração julgados onde os fatos eram justamente o inversos ao analisado, em total contradição com a convicção esposada pelo magistrado. A jurisprudência citada permitia o indeferimento da exordial em razão da ausência de efeito suspensivo, efeito este que diga-se, foi concedido ao recurso de agravo de instrumento nos autos analisados.

Pasmem! O juiz através da decisão proferida contraria ordem do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em total desrespeito ao disposto no art. 558 do Código de Processo Civil.

Se é existente decisão liminar concedida em agravo de instrumento suspendendo os efeitos da decisão interlocutória até o julgamento definitivo do recurso, NÃO pode o magistrado indeferir a exordial pelos mesmos fundamentos que restaram sobrestados pelo Tribunal de Justiça! Até pode dar continuidade ao processo de forma a instruí-lo em prol dos princípios da celeridade e economia processual, entretanto, não pode extinguir a ação pelos fundamentos suspensos pela Egrégia Corte Catarinense.

Por mais que o magistrado tenha entendimento diverso, não pode prejudicar os jurisdicionados, que diga-se, possuem direito constitucionalmente garantido de acesso ao judiciário, bem como a um julgamento imparcial, o que não transpareceu ter ocorrido no caso.

São inúmeras as irregularidades e contradições na sentença. É interessante destacar o esforço do magistrado em tentar fundamentar sua sentença e demonstrar que não houve ofensa à instância superior, no entanto, interpretando de maneira equivocada as lições da ilustre processualista professora Tereza Arruda  Alvim Wambier:

"na situação ora analisada, 'a sentença é condicional, vale dizer, produzirá efeitos plenos se desprovido o agravo'. O mesmo, no entanto, não ocorre em relação às liminares. Assim escreve o autor: 'Situação diferente ocorre quanto às medidas liminares de caráter antecipatório, como as do CPC 273, 461 e 928. Nestes casos a superveniência de sentença de mérito não depende da manutenção ou da cassação da liminar antecipatória, já que ambas liminar e sentença decidirão sobre a mesma matéria (mérito ou efeito dele decorrente). Se a interlocutória (liminar antecipatória) aprecia o mérito ou algum de seus efeitos e a sentença de mérito também, são decisões da 'mesma classe', razão por que a sentença absorve a liminar antecipatória'. A seguir, afirma que em tais casos o agravo restará prejudicado, por falta superveniente de interesse recursal Entendemos, pelas razões expostas, que, em razão do trânsito em julgado da sentença, o agravo resta prejudicado, o mesmo ocorrendo em relação ao agravo interposto contra a decisão que concede, ou não, uma liminar." (...) (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a nova Lei do Agravo (Lei 11.187/2005). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 582-583.g.n).

Malgrado o esforço do magistrado, deu interpretação diversa do que a doutrinadora expôs em seus argumentos, pois o agravo restará prejudicado apenas na hipótese de aplicação dos  artigos 273, 461 e 928  do Código de Processo Civil, o que não é o caso, tendo em vista que o agravo de instrumento foi interposto face à decisão interlocutória que determinou a emenda da inicial sob pena de indeferimento. A liminar concedida no agravo de instrumento determinou o prosseguimento do feito para sua instrução, bem como suspendeu a possibilidade de extinção do feito por indeferimento da petição inicial conforme trecho da decisão liminar concedida em se de agravo de instrumento sob o nº 2015.004294-9:

Para os fins de concessão do efeito suspensivo, a questão deve reclamar maior urgência que a própria urgência adrede ao recurso de agravo de instrumento, ou seja, deve haver um "plus" na gravidade que o resultado possa causar em não sendo o ato vergastado suspenso até a decisão terminativa, circunstância que justificaria a medida odiosa in limine e inaudita altera part. No caso concreto, por suas peculiaridades, tenho que a liminar deve ser deferida.

Resta evidente que a decisão supra é mais clara que a luz solar, comparável à luz emitida pela superestrela VFTS 682, contudo, conforme se verá a seguir talvez tenhamos uma pista do que realmente aconteceu.

Em outro trecho  da sentença se verifica o seguinte:

Ora, no caso concreto, a parte autora cita mais de 24 (vinte e quatro) contratos, isso sem considerar aqueles que ela supostamente nem teve acesso mas pretende revisar (exercício de adivinhação e futorologia). Ademais, os documentos juntados, e designados apenas como "Documentação", começam às fls. 78 e vão até às fls. 853

Veja-se que o magistrado faz questão de destacar o número de folhas e quantidade de documentos apresentados, posteriormente levanta tópicos como "Da Ausência De Apresentação Dos Cálculos E Depósito Do valor Incontroverso", contudo, a petição inicial foi devidamente instruída com todos os contratos que o autor obteve acesso, inclusive, acompanhados de perícia contábil demonstrando os valores incontroversos, e ainda, com requerimento de depósito do valores, porém, o magistrado sequer analisou os documentos apresentados. Seria a aplicação do princípio do "menos um"? Bastante curioso que para fins de modificar de oficio o valor da causa os valores apontados pelo autor foram aceitos como pretendidos, uma verdadeira contradição se toda a inicial foi indeferida.

O que se verifica na verdade é que o magistrado não se deu o trabalho de analisar o processo com a devida atenção, aliás, talvez por isso tenha incorrido em erro e prolatado uma sentença nula.

No presente caso o que se verifica é uma verdadeira negativa de prestação jurisdicional, causando prejuízo não somente ao autor da ação, mas afrontando direitos constitucionais, a comunidade, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e todos os advogados que litigam pró consumidor.


Luciano Duarte Peres é Advogado.
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